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Reparação do dano moral nos acidentes de trânsito.

Responsabilidade do Estado à luz do novo Código Civil

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Agenda 29/11/2018 às 14:00

Trata da responsabilidade civil gerada pelos acidentes de trânsito, em especial a reparação dos danos morais na forma expressa no Novo Código Civil. Enfoca a importância do automóvel nas relações do mundo moderno tornando o ser humano depende dele.

Resumo: Trata da responsabilidade civil gerada pelos acidentes de trânsito, em especial a reparação dos danos morais na forma expressa no Novo Código Civil. Enfoca a importância do automóvel nas relações do mundo moderno, tornando o ser humano dependente de uma parafernália de produtos sem os quais não poderá mais viver. Dispõe acerca de uma nova ordem jurídica, mais adequada às novas exigências criadas pelo aumento vertiginoso da frota de veículos em nosso país, que atualmente aproxima-se dos quarenta e quatro milhões, aliado ao trágico quadro de acidentes com numerosas vítimas. Compara jurisprudências e doutrinas que determinaram a reparação dos danos morais por acidentes de trânsito, dando enfoque à definição do quantum reparatório. Discorre sobre as responsabilidades objetiva e subjetiva e a culpa como requisito da responsabilidade. Trata da responsabilidade objetiva dos órgãos que administram o trânsito por seus erros e omissões à luz do Código de Trânsito Brasileiro e do Código Civil. Enfoca o caráter punitivo das indenizações e a Teoria do Desestímulo. Traz à baila por força do Direito Comparado a Doutrina do Punitive Damage e Exemplary Damage, institutos novos recentemente inseridos no ordenamento jurídico pátrio.

Sumário: Introdução. 1. Aspectos da responsabilidade no direito brasileiro. 1.1. Responsabilidade civil. 1.2. Responsabilidade penal. 1.3. Responsabilidade administrativa. 2. Relação entre dano e responsabilidade. 3. Classes de danos. 3.1. Danos puramentes materiais. 3.2. Danos puramentes morais. 3.3. Danos materiais e morais (mistos). 4. Culpa como pressuposto genérico da responsabilidade. 4.1. Responsabilidade subjetiva. 4.2. Modalidades e graus de culpa. 4.3. Influência da intensidade da culpa na decisão judicial. 4.4. Responsabilidade objetiva e o estado. 5. Situações específicas em acidentes de trânsito. 5.1. Danos morais – especificação. 5.2. punitive damage. 5.3. Legitimidade ativa e passiva. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

No mundo moderno o automóvel representa um meio de locomoção imprescindível às necessidades do dia-a-dia. Na verdade não se trata de artigo de luxo ou simplesmente supérfluo, mas sim de necessidade a qualquer pessoa que precisa se locomover com mais rapidez ou vencer grandes distâncias.

O seu sucesso e a sua integração à vida contemporânea são consequências da evolução industrial, da busca pelo conforto e dos melhores estudos de ergonomia para uma maior facilitação da locomoção. No entanto, o que deveria ser artigo de uso restrito às necessidades de lazer e trabalho, o automóvel como meio de transporte vital à correria cotidiana tem sido eleito por uma sociedade cada vez mais capitalista como forma de ostentação e posição de “status” socioeconômico.

Soma-se a isso o desejo de liberdade expresso naqueles motoristas mais jovens que insistem em fazer do automóvel fonte de suas aventuras e vaidades, o que tem contribuído sobremaneira para uma estatística alarmante, tal a frequência de funestos e dolorosos acidentes que têm ceifado diariamente dezenas de vidas só no Brasil.

O acidente de trânsito gera consequências civis, penais, administrativas e sociais. No primeiro caso caberá ao responsável pelo dano a sua devida reparação, sendo compelido a dar ou fazer alguma coisa em prol da vítima. No segundo poderá o autor do fato delituoso ter como medida punitiva desde a restrição de alguns de seus direitos até a privação da sua liberdade. Na esfera administrativa responsabiliza-se o condutor administrativamente com penalidades que vão da multa à cassação da Carteira de Habilitação, sem prejuízo das punições originárias de ilícitos penais decorrentes de crimes de trânsito. E por fim, as consequências sociais: um custo embutido, um ônus dividido e a aceitação digna e banalizada do acidente de trânsito.

Assim, pode-se dizer, em outras palavras, que o mesmo fato no âmbito do Direito Criminal vê no ilícito a razão para punir o agente, enquanto o Direito Civil enxerga o fundamento da reparação do dano com o intuito de recompor o bem jurídico ofendido. Como bem diz Damásio de Jesus in “Direito Penal”, 19ª ed., vol. I, Saraiva, p. 132, não há diferença substancial entre o ilícito penal e o civil, esta só ocorre no que tange ao aspecto legal, relativa à sanção aplicada, que varia com a intensidade da gravidade. Assim, verifica-se que o ilícito penal é um injusto sancionado com a pena; o civil é o injusto que produz sanções civis.

É exatamente sobre a responsabilidade civil gerada pelos acidentes de trânsito que se ocupa a presente obra, mais especificamente sobre o dano moral e, especialmente a responsabilidade objetiva do Estado em relação a este, uma vez que as lesões sofridas pelas vítimas transcendem aos planos físico e estético e às despesas médicas e hospitalares, expondo as mesmas, invariavelmente, ao ridículo tal o atentado contra suas respectivas dignidades e autoestimas se avaliado o lado humano do agravo.

Ao longo do trabalho poderá o leitor observar a ausência de cálculos ou tabelas para a mensuração da devida reparação do dano moral provocado, podendo a mesma ser pleiteada isolada ou cumulativamente aos danos de outra natureza, consoante com a sua previsão constitucional no Capítulo que trata Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos – vide artigo 5º - V – e entendimento uniforme do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Caberá discricionariamente ao Juiz arbitrar o valor a indenizar ou reparar, conforme a linguagem eufemística preferida. Estará o magistrado adstrito à apenas algumas figuras doutrinárias e jurisprudenciais como balizadoras da sua decisão, faltando aos nossos diplomas legais qualquer sanção ou referência ao valor devido pelo infrator.

Outrossim, se verificará a aplicação do instituto do Punitive Damage, fruto do Direito Comparado Americano que a cada dia ganha mais força na Doutrina Brasileira como medida eficaz para não só compensar a vítima, mas principalmente punir o ofensor e, consequentemente, suscitar acesas controvérsias doutrinárias e pretorianas de relevante importância social.

A importância do dano moral no acidente de trânsito cresce na medida da indiscutível importância do trânsito como matéria de Direito Público Interno e Internacional e na autonomia que o Direito de Trânsito conquista nos currículos das faculdades de Direito do país.


1. ASPECTOS DA RESPONSABILIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

Como medida necessária e imprescindível ao bom desenvolvimento do estudo atinente à reparação devida por força da ocorrência de danos em acidentes de trânsito, há que se analisar a questão da responsabilidade individual como instituto amplamente consagrado e disciplinado no direito pátrio. Afinal, partindo da avaliação genérica dessa matéria é que se mostrará possível descer seguramente para suas particularidades, entre as quais sobressai, pela constância com que se apresenta, a temática dos acidentes envolvendo veículos e pessoas, com todos os corolários inerentes.

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A legislação tem evoluído de maneira considerável em se tratando da previsão de direitos e respectivas garantias de exercício às vítimas de eventos lesivos de trânsito. Exemplo concreto disso foi a edição do moderno Código de Trânsito Brasileiro atualmente em vigor, de onde se retiram subsídios extremamente valiosos para o estabelecimento de considerações reveladoras de fartas mudanças no tratamento destinado aos agentes de danos, seja na esfera criminal, seja em forma de reflexos importantes na avaliação da responsabilidade civil. Mas, embora abstraído esse diploma legal, resta ainda vasta gama de dispositivos a normatizar a responsabilidade derivada de acidentes de trânsito, surgindo a supracitada codificação, portanto, não como inovação absoluta, mas sim para coroar e aperfeiçoar, sob tal prisma, a visão civilista desenvolvida há muito.

Um primeiro detalhe que aflora nesta fase inicial do estudo diz respeito à divisão genérica da responsabilidade no direito brasileiro. Como é cediço, a repartição do Direito (como ciência) em diversos segmentos desloca para searas específicas o debate jurídico referente às questões surgidas no plano fático. Assim, vislumbram-se três grandes ramos principais do Direito, que são o Direito Público, o Direito Privado e o chamado Direito Social, cada qual com ramificações bastante específicas, distribuídas da seguinte maneira pelo eminente jurista José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 13ª edição, São Paulo, 1997, p.37):

  1. – Direito Público: Constitucional, Administrativo, Urbanístico, Econômico, Financeiro, Tributário, Processual, Penal, Internacional Público e Internacional Privado;

  2. – Direito Privado: Civil e Comercial;

  3. – Direito Social: do Trabalho e Previdenciário.

Não se trata de compartimentos absolutamente independentes e estanques, mas de unidades que, embora analisadas circunstancialmente de modo isolado, não prescindem de uma avaliação em sintonia com o restante do ordenamento jurídico, visando à captação do sentido normativo com base na integração do setor unitário com o todo universal, ensejando, assim, mais perfeita interpretação e compreensão da diretriz incidente sobre o caso concreto.

Tomadas as divisões e subdivisões acima expostas, pode-se inferir facilmente que as intercorrências provenientes do mundo fático podem gerar diversas espécies de responsabilidade, entre as quais destacam-se as seguintes:

1.1. RESPONSABILIDADE CIVIL

Desde o momento em que surgiu o Estado como organismo soberano, representativo e plural, vedou-se ao indivíduo a persecução pessoal como forma de composição das divergências (justiça privada), eis que o poder maior enfeixou em si a prerrogativa de distribuir a justiça como instituição ordenada, comandada e alcançada através de mecanismos imparciais e independentes. Suprimiu-se a vingança particular do ofendido ao ofensor, tendo esta cedido lugar à responsabilização do lesante por intermédio da decisão proferida pelo Estado quando provocado a manifestar-se acerca de determinado assunto controvertido.

Floresceram teorias embasadas na idéia de culpa como geradora da responsabilidade e do consequente dever de reparar pecuniariamente os danos provocados a outrem, contanto que imputáveis ao agente apontado como causador dos mesmos. A responsabilidade civil do lesante dependia invariavelmente da existência de comprovada relação entre o fato gerador da lesão e o comportamento positivo ou negativo do agente. Daí partiu-se para bifurcação da culpa, apresentando-se como vontade diretamente tendente a obter um resultado lesivo (e então se assemelhava ao dolo como conhecido no Direito Penal), ou como culpa propriamente dita, isto é, comportamento danoso eivado de imprudência, negligência ou imperícia do indivíduo.

Após o período de esplendor absoluto e inatacabilidade completa, outras teorias chegaram mesmo, para certas e limitadas hipóteses, a dispensar a culpa como moduladora da responsabilidade civil, com o que surgiu a noção de responsabilidade objetiva ou presunção de culpa, matérias que serão abordadas adiante. Sobrevive até hoje, porém, a teoria da responsabilidade subjetiva ou com culpa, ainda que para certos casos a lei pugne pela aplicabilidade da modalidade que revela a ocorrência de culpa na aferição da responsabilidade.

Embora todas as variantes quanto à forma de apuração e às condições de existência, uma verdade é inquestionável: a responsabilidade civil subsiste como instituto imprescindível à viabilização da convivência social e funciona como suporte das relações interpessoais.

1.2. RESPONSABILIDADE PENAL

A legislação criminal é constituída, em sua parte especial, pelos chamados tipos penais, previsões abstratas que descrevem condutas consubstanciadoras de ilícitos puníveis não apenas em forma pecuniária ou de conotação diversa, mas principalmente através de restrições à liberdade física de ir e vir. A aplicação das sanções estabelecidas hipoteticamente nos tipos condiciona-se à conjugação de elementos rigorosamente fixados nas normas gerais do Direito Penal, entre os quais a ilicitude, antijuridicidade, tipicidade, imputabilidade etc.

Justifica-se a existência de normas dotadas de tamanha força punitiva em razão de que o simples estabelecimento do dever de reparar o mal por intermédio do pagamento de certa quantia em dinheiro não se mostraria suficiente para reconstituir o estado anterior e penalizar o agente pela conduta praticada. Ao mesmo tempo em que se destinam à recuperação do indivíduo que pratica o crime e a promover uma espécie de retribuição da sociedade ao criminoso, as regras de Direito Penal objetivam prevenir a ocorrência de novos eventos de semelhante jaez, valendo-se para isso do efeito atemorizante produzido pela visibilidade do castigo aplicável no caso de se materializar a conduta estatuída no tipo.

Conforme será visto adiante, a condenação criminal pode não esgotar completamente o liame do agente com o fato lesivo, eis que inúmeras formas de ilícitos penais carregam consigo considerável potencial de reparabilidade civil que se agrega às medidas de ordem criminal. Tudo isso de modo independente e apurável de acordo com regramento processual próprio.

1.3. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA

Consoante lição do abalizado Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo “é o conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado” (Direito administrativo brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, 16ª edição, p.24). Esse ramo jurídico não tem por escopo a aplicação de medidas restritivas da liberdade pessoal, nem tampouco busca a reparação de danos produzidos na órbita privada; pretende, isto sim, manter a harmonia entre o Estado (como gestor das coisas públicas) e os indivíduos/administrados sujeitos a normas tendentes a permitir o funcionamento da máquina garantidora do bem comum, além de, com isso, patrocinar o desenvolvimento e possibilitar a convivência social. Em verdade, o Direito Administrativo faz com que os interesses privados postem-se em escala inferior se comparados aos interesses públicos, razão pela qual institui limitações e restrições a direitos, fixa regras acerca da edificação em perímetro urbano etc.

Quando o agir humano rompe a harmonia pretendida pelas normas de gênese administrativa, há inflexão destas sobre o infrator, de modo que será compelido a fazer, deixar de fazer ou tolerar que se faça algo em nome de ditames que consagram o interesse público, sem que tais limitações, se infringidas, levem obrigatoriamente à caracterização de ilícito penal ou civil no mesmo fato.

Afora essas modalidades de responsabilidade, outras há no ordenamento jurídico nacional, embora via de regra apresentem menor expressão. Importa que se diga, por relevante, que a inflexão de normas geradoras de uma das espécies de responsabilidade não ilide a aplicabilidade das regras pertinentes às demais, se cabíveis e adequadas à conduta verificada. Assim, o ato de lesionar fisicamente alguém, associado aos demais requisitos contidos no ordenamento, gera responsabilidade de caráter penal ou criminal. Já a construção de prédios em desconformidade com Plano Diretor Urbano do Município acarreta responsabilidade administrativa, ao passo que a existência de vício oculto em motor vendido dá nascedouro à responsabilidade civil do alienante frente ao adquirente, se preenchida a totalidade pressupostos ínsitos na legislação pertinente. Portanto, a natureza da responsabilidade atrela-se às características essenciais da norma ofendida, de modo que a afronta ao dispositivo penal gera a responsabilidade a ele correlata; o ataque às orientações legislativas civis provoca o surgimento da responsabilidade correspondente, e assim por diante. Entrementes, de um mesmo fato podem promanar responsabilidades variadas, sendo inconcebível afirmar que a produção de uma espécie de responsabilidade inibe a incidência das demais. À responsabilidade criminal podem juntar-se a civil, a administrativa e outras mais, assim como a estas podem agrupar-se aquelas, não obstante sejam todas derivadas de um só fato contrário à ordem jurídica vigente. A mesma lesão corporal que torna aplicável o Código Penal pode levar ao agente a obrigação de reparar danos materiais (despesas com hospital, medicamentos etc) e danos morais, associando responsabilidade penal e civil sem que uma dependa necessariamente da outra para subsistir.

Conforme se denota, o Direito Civil encontra-se incrustado na esfera de Direito Privado, razão pela qual é composto de princípios, orientações e normas que admitem, guardados determinados limites, flexões que as fazem adequadas às circunstâncias dos casos concretamente verificados, sem o rigorismo das hipóteses submetidas à disciplina dos princípios de ordem pública, embora dentro do Direito Privado também seja possível encontrar com frequência orientações rígidas e que se não alteram ao sabor da vontade das partes interessadas. Basicamente dentro do Direito Civil é que se situam as normas que regem a responsabilidade derivada de acidentes com veículos, sendo de ressaltar a inexistência de regramento substantivo exclusivamente direcionado a casos dessa natureza, motivo pelo qual se faz necessária a incidência da normalização genérica destinada a regular a responsabilidade civil como instituto global.


2. RELAÇÃO ENTRE DANO E RESPONSABILIDADE

Analisado sob a ótica comum ou popular, dano significa mal que se faz a alguém; prejuízo; destruição; inutilização ou deterioração de coisa alheia (Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa, 11ª edição, 10ª tiragem, Gamma). Logicamente que, assim firmado e sem maiores perquirições em torno das nuanças que o integram, não deixa entrever nenhuma idéia de reparabilidade, eis que o conceito comum do que seja dano expunge as qualificadoras que fazem dele algo relevante para o mundo jurídico e com potencial gerador de responsabilidade.

Segundo o consagrado Clóvis Beviláqua, dano “é, em sentido amplo, toda diminuição nos bens jurídicos da pessoa. Se recai essa diminuição diretamente sobre o patrimônio, o dano é patrimonial; se fere o lado íntimo da personalidade, é moral” (apud José Náufel, Dicionário jurídico brasileiro, volume 2, Ícone Editora, São Paulo, 1998, p.414). Em sentido jurídico, dano é qualquer ato ou fato produtor de lesões a interesses alheios juridicamente tutelados. Nessa definição inclui-se o agir humano positivo ou negativo; o primeiro como mobilização que conduz a um resultado antijurídico desejado (diretamente ou por assunção de risco), e o segundo como o não fazer (inércia, omissão) provocador de lesões a prerrogativas alheias. Por óbvio, utiliza-se a expressão lesão a interesses em sua conotação mais larga, abrangendo não somente aqueles itens sem exteriorização pecuniária imediata (por exemplo, afronta ao direito à vida ou à preservação da honra), mas também – e com ênfase especial – abarcando interesses imediatos sobre bens cujo caráter econômico é apreciável incontinenti, como acontece, por exemplo, com danos causados em bens corpóreos de um modo geral.

Quanto à implantação do sistema de reposição do estado anterior, dever imposto ao causador de danos, o próprio advento da era contratual nas relações humanas (fator de instituição e concentração do poder estatal para dirimir as controvérsias) cuidou de inserir no convívio social o mecanismo da recomposição e compensação dos prejuízos experimentados pelas vítimas de danos provocados contrariamente à ordem posta. Embora de início o patrimônio do obrigado não fosse o único meio hábil a promover a reparação, admitindo-se até mesmo a sanção corporal, com o passar do tempo firmou-se a corrente que propugnava pela satisfação do crédito com base unicamente nos componentes patrimoniais do obrigado, sepultando definitivamente a pena corporal como alternativa para a hipótese de inexistirem bens no patrimônio investigado, por mostrar-se, tal instituto, em franco desacordo com a evolução das regras de vida civilizada em sociedade.

Do vetusto ideal de dar a cada um o que é seu derivou a certeza jurídica de que cabia ao agente do dano dar ao lesado a possibilidade de fazer retornar o estado anterior ao evento lesivo. Essa construção lógica, segundo a qual o lesante deve suportar os ônus derivados do dano, não poderia subsistir apenas com sustentada pela visualização do dano e da presença do agente que o ensejou. Daí surgiu a necessidade de acrescentar a esse duo um liame capaz de conduzir verdadeiramente à atribuição do resultado danoso ao causador da lesão, o que se fez por intermédio da criação das teorias subjetiva e objetiva da responsabilidade civil, matéria a ser vista adiante.

Por ora basta assentar os princípios basilares da responsabilidade, entre os quais destaca-se sobremaneira o dano. Como agente ativo da ofensa tem-se não apenas o ente físico, o indivíduo, a pessoa natural; também os entes abstratos criados pela engenhosidade humana podem figurar como causadores de danos contrários ao ordenamento legal. Assim, as pessoas jurídicas são, tanto quanto as físicas, passíveis de responsabilização civil em todos os sentidos hoje firmados, porque dotadas de personalidade – atributo que lhes alcança a qualidade de sujeitos de direito – e de capacidade, que lhes dá o poder de exercitar tais prerrogativas abstratamente consignadas nas normas jurídicas. Mesmo os entes despersonalizados, físicos ou ideais, enquadram-se na qualidade de sujeitos ativos do dano, embora façam obrigados outros entes que por eles respondem, como é o caso, exemplificativamente, dos órgãos que desempenham funções estatais por conta da pessoa jurídica a que pertencem, e dos animais irracionais, que muitas vezes ensejam a imputação dos danos aos seus proprietários.

Com vistas a um melhor esclarecimento dos vários estágios em que se divide o tema, esse contato primeiro com o instituto do dano apresenta-se pouco preocupado com a idéia de reparabilidade, porque, conforme explicitado alhures, antes de aventar a possibilidade de recomposição da lesão há de se ponderar acerca das formas com que o dano se concretiza, pois sem este, mediata ou imediatamente fixado, não há como prosseguir na exposição do tema ligado à reparação. Ademais, o dano isoladamente considerado não acarreta necessariamente o surgimento do dever de recompor, pois há lesões que, se não incentivadas, ao menos encontram guarida no direito e não dão nascedouro a qualquer espécie de obrigação por parte do agente, como ocorre, com as cirurgias legalmente realizadas por médicos habilitados. Exatamente por isso se fez referência, anteriormente, à impossibilidade de conceber a reparação exclusivamente como resultante do perfilhamento dos elementos dano, agente do dano e vítima, sendo imprescindível a presença de um fator determinante da vinculação entre os dois primeiros, com o que restará legitimado a demandar pela recomposição, por conseguinte, o último.

Sobre o autor
Weder Grassi

Formação: Bacharel em Direito formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Tecnólogo em Mecânica formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Técnico em Metalurgia formado pela Escola Técnica Federal do Espírito Santo - ETFES, atual Instituto Federal do Espírito Santo - IFES. Pós Graduado "lato sensu" (especialista): 1 - Segurança Pública - ACADEPOL PCES; 2 - Direito Processual Civil com Habilitação em Docência no Ensino Superior - RADIANTE CENTRO EDUCACIONAL; 3 - Direito Penal e Processual Penal - Faculdade Nacional - FINAC; 4 - Inteligência de Segurança Pública - Universidade Vila Velha - UVV/SENASP; 5 - Direito Público - Faculdade de Vila Velha - UNIVILA; 6 - Trânsito - Faculdade Cândido Mendes de Vitória - FCMV. Pós Graduado em nível de Aperfeiçoamento em Metalografia e Tratamentos Térmicos - Recobrimento de Ferro Fundido Cinzento com cromo e molibdênio via técnica do plasma transferido - Universidade de Pádova, Itália. Pós Graduado em nível de Atualização em Gestão de Segurança - Universidade Vila Velha - UVV. Pós Graduado em nível de Atualização em Direito Constitucional - EDUHOT Cursos Livres. Proficiente em língua italiana reconhecido pelo Governo Italiano. Diplomado em Política e Estratégia pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra no Estado do Espírito Santo - ADESG/ES. Experiências na área jurídica: Presidente da 1ª Comissão Processante Permanente do Depto. de Controle Interno (Corregedoria) da Guarda Civil Municipal de Vitória em 2004, onde também participou das elaborações dos Decretos Municipais PMV 11.877/04, 11.878/04 e 11.946/04. Integrante como Vogal da 1ª Câmara Processante da Corregedoria da Procuradoria Geral do Município de Vitória em 2005. Aprovado no Exame de Ordem/OAB. Outras Experiências: Trabalhador Portuário Avulso do OGMO/ES - Órgão de Gestão de Mão-de-Obra do Trabalho Portuário Avulso - de 2006 a 2010. Professor do CEDTEC em 2007. Analista de Trânsito da Prefeitura Municipal de Vitória entre 2000 e 2006. Fiscal do CREA-ES em 2000. Professor do CEFETES - Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo, atual IFES, entre 1998 e 1999. Chefe da Seção de Transporte Escolar do DETRAN/ES entre 1996 e 1997. Assessor Parlamentar e Chefe de Gabinete na Câmara dos Deputados, Brasília, DF, de 1993 a 1995. Representante técnico-comercial da Falk Moto-redutores de Velocidade em 1992. Técnico de Desenvolvimento Técnico Refratário da Cia. Siderúrgica de Tubarão - CST de 1986 a 1992. Supervisor de Manutenção Refratária da Cia. Siderúrgica Paulista - COSIPA em 1986. Técnico em Metalurgia da Cia. Vale do Rio Doce - CVRD de 1985 a 1986. Escrivão de Polícia Civil, PC/ES, desde março de 2007.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada como requisito necessário à conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Público da Faculdade de Direito de Vila Velha - UNIVILA. Vila Velha, ES, 2006. Orientadora: Profª. Patrícia Bersan P. de Paiva  Gonçalves

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