RESUMO
A Lei 9.307/96 trouxe ao ordenamento jurídico a figura do árbitro para decidir litígios no âmbito extrajudicial e oriundos da vontade das partes, e que seja da confiança destas. Ao assumir a postura de árbitro, o agente, legalmente, investe-se na figura do juiz de fato e de direito, atributo previsto seu art. 17 e 18 daquela Lei. A sentença proferida por este agente privado no exercício de função pública possui força superior àquela prolatada por juiz togado, inclusive, possuindo caráter de irrecorribilidade. Nessa seara, o árbitro, ao ser equiparado legalmente ao juiz, por óbvio, recaem sobre este as mesmas responsabilidades inerentes ao agente público no regular exercício de sua atividade, in casu, a função judicante. Nesse interim, funda-se o presente artigo, na busca de subsídios para demonstrar e comprovar que tais agentes investem-se também na responsabilidade civil e criminal quando no exercício de sua função, deveras, respeitando-se os princípios norteadores da administração pública, previstos no art. 37 da Constituição Federal de 1988, em contrapartida, respondem por atos de improbidade administrativa como preceituam os arts. 2. e 3. da Lei 8.429/92 A metodologia utilizada foi qualitativa, documental e exploratória, tendo como fontes de pesquisa bibliotecas virtuais e físicas, envolvendo análise da Constituição Federal, leis, doutrinas, artigos científicos, monografias, dissertações e teses desenvolvidas em nível de pós-graduação e que versaram sobre a temática proposta. Concluiu-se que o árbitro, no exercício de seu múnus público, é considerado agente público, e, portanto, responde por atos de improbidade administrativa no âmbito civil e penal, inclusive com seu patrimônio pessoal.
Palavras-chave: árbitro; juiz; Lei n. 9.307/96; improbidade administrativa; Lei 8.429/92. Constituição Federal de 1988.
INTRODUÇÃO
A sociedade, quando transferiu para o Estado a tutela de seus direitos, igualmente concedeu poderes a Ele para resolver as questões que envolvessem litígios, e por isso, estamos acostumados e habitados à cultura litigante.
Ao longo da história da humanidade, sempre se utilizou uma forma de solução de conflitos que poderia “amenizar” a morosidade e elevados custos de utilizar o Estado para por fim a questões conflitantes.
No Brasil, a cultura do ajuizamento de ações para busca de tutelas, abarrotou o Poder Judiciário, tornando-o moroso, ineficiente e caro.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, CNJ (2017), no levantamento intitulado “Justiça em Números”, somente em 2016, existiam em trâmite quase 110 milhões de processos.
Nesse sentido, e na busca constante de métodos alternativos de soluções de conflitos, temos o instituto da arbitragem, que nada mais é que a nomeação de um terceiro, imparcial e de confiança das partes (art. 13, Lei de Arbitragem), por ato volitivo destas, e que através de uma cláusula compromissória e um compromisso arbitral, transferem a este a função de julgar o litígio, como se juiz fosse (art. 18, Lei de Arbitragem), com o intento de entrega da tutela jurisdicional há muito renegada pelo Poder Judiciário.
O árbitro, figura central da arbitragem, tem o poder de julgar a contenda, e sua sentença é irrecorrível, valendo como título executivo judicial (art. 515, VII, CPC), e que não mais precisa ser convalidada pelo judiciário, como ocorria antes da publicação da Lei 9.307/96.
O presente trabalho buscará, de forma clara e objetiva, demonstrar que o árbitro responde civil e criminalmente por seus atos, tendo em vista a sua equiparação a funcionário público, quando no exercício de sua atividade judicante (art. 17, Lei de Arbitragem).
No mesmo sentido, pretende-se demonstrar que o mesmo árbitro, além das implicações civis e criminais, também está condicionado à Lei de Improbidade Administrativa, inclusive, com entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, confirmando indelevelmente o que se busca provar.
1 O QUE É A ARBITRAGEM
A arbitragem é uma técnica extrajudicial para resolver conflitos em que os direitos patrimoniais estejam disponíveis, sendo crescente o seu uso no Brasil e no mundo devido às vantagens que proporciona, como a celeridade e baixo custo, se comparado aos altos valores cobrados pelo Poder Judiciário, que além de serem onerosos, primam pela ineficiência e não entrega do seu principal objetivo: a tutela jurisdicional.
Dentre os conceitos proferidos pela doutrina, destaca-se Luiz Antônio SCAVONI JUNIOR (2018, p. 2), afirmando que “a arbitragem pode ser definida, assim, como o meio privado, jurisdicional e alternativo de solução de conflitos decorrentes de direitos patrominiais e disponíveis por sentença arbitral, definida como título executivo judicial e prolatada pelo árbitro, juiz de fato e de direito, normalmente especialista na matéria controvertida.”
José Eduardo Carreira ALVIM (2007, p.1), vai mais longe e induz que “A arbitragem é a instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam a árbitros, por elas indicados ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos transigíveis.”, e completa afirmando que “Esta definição põe em relevo que a arbitragem é uma especial modalidade de resolução de conflitos (...)”.
Está-se, portanto, diante de um método heterocompositivo de resolução de conflitos por meios extrajudiciais, deixando as partes de lado o poder estatal, titular da prática jurisdicional, eivado pela inércia, ineficiência e elevados custos, ou melhor, reconhecendo os titulares do direito uma jurisdição alternativa ao desgosto e decepção pelo Poder Judiciário, severamente incorporado na figura da ausência do próprio fazer jurídico e entrega da tutela pretendida pelos jurisdicionados, que buscam, no juízo arbitral, o que não conseguiriam no estatal, com mais celeridade, e menor custo.
1.1 PREVISÃO LEGAL – Lei 9.307/1996
O instituto da arbitragem tem previsão expressa na Lei 9.307/96, demonstrando sua importância principalmente no disposto em seus dois primeiros artigos: “Art. 1º - As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.” e “Art. 2º - A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes.”
No âmbito patrimonial previsto no “caput” art. 1º, SCAVONI JUNIOR (2018, p.16) diz se tratar de “relações jurídicas de direito obrigacional, (...), aquelas que encontram sua origem nos contratos, nos atos ilícitos e nas declarações unilaterais de vontade.", diferente daqueles inabilitados à Lei de Arbitragem, instados como indisponíveis, ou seja, “aqueles ligados aos direitos de personalidade, como o direito à vida, à honra, à imagem, ao nome e ao estado das pessoas”.
Por outro lado, esbarra-se na figura do árbitro, um particular, pessoa física, que investido em função pública nos termos legais, arts. 17 e 18, LA, proferirá sentença arbitral pondo fim ao litígio.
Mas, há controversas quanto a este figurante relevante na instauração do procedimento arbitral, principalmente quanto à capacidade e imparcialidade.
1.2 FONTES E ATORES DA ARBITRAGEM
O procedimento de arbitragem, regulado pela Lei 9.307/1996, seguirá o seguinte regramento:
a) partes Reclamante(s) e Reclamado(s) - contrato
b) cláusula compromissória e compromisso arbitral – espécies
c) convenção de arbitragem - gênero
d) o árbitro ou tribunal arbitral, formado por um conjunto de árbitros;
e) a instituição de arbitragem privada (opcional);
f) Leis e Regulamentos Internos
Alguns consideram que o juiz estatal também faz parte do regramento, porém, entende-se que este somente agirá em duas situações: aquela prevista no art. 7º, § 5º, quando há nítida resistência à arbitragem, ou, via de regra, após finalizado o procedimento, quando o possuidor do título executivo judicial oriundo da sentença arbitral, levar ao Poder Judiciário para promover a execução.
1.3 PARTES
O início de qualquer procedimento arbitral se dá após a nomeação de um terceiro, chamado árbitro, que resolverá o litígio, decidindo se este ou aquele tem razão na demanda.
Porém, previamente, as partes, na celebração do contrato, estabelecem a cláusula compromissória, que pode ser entendida como um negócio jurídico pré-contratual, que pode ser cheia ou vazia, onde, em tese, prevalece a espontaneidade e autonomia da vontade dos atores, aqui denominando-se reclamante(s) e reclamado(s), que a estipulam com o fito de afastar o Estado-Juiz de quaisquer litígios futuros. É o que se chama de vontade intrínseca das partes.
1.4 A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E COMPROMISSO ARBITRAL FORMANDO A CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
Alexandre Freitas CÂMARA (1997, p. 25) defende que a natureza jurídica da cláusula compromissória pode ser determinada diferentemente dependendo do entendimento que se fizer. Com eleito, pode ser considerada como um contrato preliminar ou pré-contrato, isto porque se trata de uma "promessa de celebrar o contrato definitivo, que é o compromisso arbitral.”
Em contrapartida, Carlos Alberto CARMONA (1998, p. 73) afirma que sua natureza jurídica pode ser vista como um "negócio jurídico processual", pois, segundo ele, prevalece a vontade das partes, e uma vez manifestada produz efeitos desde logo instaurando a arbitragem, independentemente de compromisso arbitral.
A contrassenso, há precipuamente em salientar que se ousa discordar do eminente doutrinador SCAVONI (2018, p. 96), quando em sua citada obra, afirma ser desnecessário o compromisso arbitral, bastando apenas a cláusula compromissória cheia para firmar a convenção de arbitragem, “a instituição da arbitragem independentemente do compromisso”.
É um despautério a alusão da desnecessidade da presença das duas espécies, cláusula compromissória e compromisso arbitral, espécies do gênero convenção de arbitragem, como às escâncaras no art. 3º da Lei de Arbitragem, claramente expresso no sentido de que “As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”
Notadamente se verifica ao teor do supracitado artigo que a convenção de arbitragem se traduz na junção das duas espécies para que esta seja formada, e não apenas como “opção”, como entendem equivocadamente diversos doutrinadores.
Se assim o fosse, o Código de Processo Civil haveria de constar, tanto em seu art. 337, X, quanto no art. 485, VII, a expressão “cláusula compromissória”, em vez de “convenção de arbitragem”, quando em contestação o requerido argumentasse a presença do juízo arbitral previamente estabelecido contratualmente pelas partes e requeresse, em preliminar, a sua extinção, ante a presença da convenção, quando na verdade, existe apenas a cláusula arbitral, que se pondera singularmente ineficaz para tamanha heresia processual.
Portanto, cediço ressaltar que a convenção de arbitragem é o único instrumento capaz de instaurar procedimento arbitral válido, vez que se trata da junção entre a vontade intrínseca (cláusula compromissória) e a vontade extrínseca (compromisso arbitral), esta última, aliás, quando enfim é realizada a escolha do árbitro, pois naquela, sequer havia litígio instaurado.
ALVIM (2007, p. 172-174), em idônea lucidez, contempla esta mesma linha de pensamento quando afirma “sendo a convenção de arbitragem gênero que, no direito interno, tem como espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (...)”, ainda que o direito brasileiro dependa daquela e deste para a sua validade.”
1.5 A NATUREZA CONTRATUAL ENTRE AS PARTES E O ÁRBITRO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL
O Código Civil Brasileiro de 2002 estabelece em seu art. 421 que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”
Ao estabelecer limites dessa relação, por precedentes legais ali previstos, o Legislador também primou pelo aspecto social do contrato, regrado pela boa fé e princípios probos, que garantam a efetiva execução do pacto, assim asseverado no art. 422 onde “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
Entende-se que ao ser instituída a arbitragem, proveniente dos anseios no litígio, estabelecido pela cláusula compromissória (cheia ou vazia), nasce uma relação contratual resultante da desejo de duas ou mais partes, o que chama a doutrina de autonomia da vontade, formando assim, uma nítida relação contratual entre reclamante, reclamado e árbitro, e que, portanto, encontra-se sob o manto do direito material previsto no Código Civil.
Sobre o princípio da autonomia da vontade, Maria Helena DINIZ (2011, p. 40-41) entende como “o poder de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontade, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica.”
Vistas à definição de tal princípio, igualmente é o posicionamento de Natália BERTI (2014, p. 83), firmando que “a autonomia da vontade está diretamente relacionada a elementos subjetivos, etéreos, baseados na psique dos contratantes (...) era, pois, o poder do indivíduo de criar e regular os efeitos jurídicos de sua contratação, sem intervenção externa: o contrato era uma esfera de livre atuação dos particulares.”
Em consonância com as menções anteriores, também encontra supedâneo o pensamento de Francisco AMARAL (2008, p. 338), que o princípio da autonomia da vontade ainda revela “um poder de disposição diretamente ligado ao direito de propriedade, dentro do sistema de mercado, da circulação dos bens por meio de troca e de que o instrumento jurídico próprio é negócio jurídico.”, o que coloca o entendimento do autor compreendido sob o prisma da realidade histórica do preceito.
Desta forma, a força que obriga as partes a cumprirem o contrato encontra seu fundamento na vontade livremente estipulada no instrumento jurídico, cabendo à lei apenas assegurar os meios que levem ao cumprimento da obrigação, possuindo, portanto, posição supletiva.
Portanto, não obstante a relação tripartite entre reclamante, reclamado e árbitro, pode-se afirmar que se trata de um negócio jurídico, e possuindo esta natureza, exsurge-se em validade o Novel Código Civil, prevalecendo os princípios norteadores da boa-fé e função social do contrato.
No caso concreto, pugna pela estrita cooperação das partes, de uma lado a boa-fé e probidade das partes, e de outro, alinhavado com tais princípios, o árbitro, que além desses já mencionados, há de se evidenciar a sobreposição de valores que se encontram previstos no § 6º do art. 13, que “No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.”, segundo ALVIM (2007, 261), “a maior garantia de um julgamento, em sede judicial ou arbitral (...)”
Na mesma linha, SCAVONE (2018, p. 126) afirma que a intenção da lei (§ 6º, art. 13, LA) foi impor ao árbitro os mesmos deveres e responsabilidades dos juízes, em especial, sua imparcialidade, bem como a ele atribuídas às mesmas hipóteses de suspeição e impedimento destes.
2. A FIGURA DO ÁRBITRO
Pode ser árbitro uma terceira pessoa, de confiança das partes e escolhida por estas para conduzir a solução do conflito instaurado por um procedimento arbitral, proveniente de prévia avença contratual denominada “cláusula compromissória”, que, em tese, afasta a jurisdição estatal.
Em regra, o árbitro não precisa ter nenhuma formação jurídica, mas, para uma boa arbitragem, importante registrar que ter conhecimento do tema é requisito importante.
Pode-se afirmar também só ocorre a Arbitragem quando as partes envolvidas em um conflito escolhem uma pessoa, física - ou um tribunal arbitral, composto por três árbitros - de confiança, para solucionar a lide, as quais renunciaram expressamente à prestação jurisdicional estatal, como expressamente prevê o art. 13 da Lei de Arbitragem: “Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.”.
A Lei 9.307/1996 estipulou a confiança no árbitro como fato preponderante de sua instituição. ALVIM (2007, p. 255) pondera que “Pode ser arbitro qualquer pessoa física capaz, sendo este único requisito objetivo para ser investido na função arbitral (art. 13, primeira parte, LA), já que o outro – ter a confiança das partes -, sendo um requisito subjetivo (art. 13, segunda parte), é de difícil controle a priori.”, e completa mencionando Carlos Alberto CARMONA (1993, p. 101), afirmando que “o árbitro, além de capaz, deve ser alfabetizado, embora não mais se refira a Lei de Arbitragem aos “analfabetos”. (anexo 01)
Por fim, insta salientar o conceito de SCAVONI JUNIOR, que, “(...) tratando-se de pessoa natural, o árbitro deve ser absolutamente capaz, ou seja, deve ter capacidade de exercício pessoal dos direitos, o que significa dizer que não poder estar incluindo em nenhuma das causas de incapacidade relativa ou absoluta, determinadas, respectivamente, nos arts. 3º e 4º, do CC, sendo que a cessação das incapacidades se dá pela cessação das causas que a determinam e, para os menores, está disciplinada pelo art. 5º do CC”.
É incontroverso que o árbitro assume a função e o poder da jurisdição, uma vez que anteriormente e por óbvio, era algo somente inerente ao juiz investido no múnus publicum, incorrendo então com o mesmo objetivo que esse. Inocêncio Galvão TELES (2011, p. 22) aduz que “o árbitro é verdadeiro juiz ou julgador, não pode sofrer dúvida. Não o é habitualmente, por profissão, mas o é ocasionalmente, por função”.
Assim, o arbitro, quando na judicância, além de ser equiparado a funcionário público, também o é como juíz de fato e de direito, o que traduz e nos traz a Lei de Arbitragem, art. 17. “Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.”, e art. 18. “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”
Nesse sentido, entende-se que a sentença arbitral proferida por árbitro, previamente nomeado pelas partes, e nos lídimos termos do art. 13, satisfaz idênticos requisitos daquela exarada por juiz togado, possui, inclusive, os mesmos atributos, sendo passível de cumprimento forçado em processo judicial próprio quando for condenatória. Aliás, diga-se de passagem que a sentença arbitral tem maior força que a judicial, uma vez que possui intrínseco atributo de irrecorribilidade.
A corroborar com a legislação, no que tange às similaridades entre o árbitro e o juiz de direito, traz-se a contento Carlos Alberto CARMONA (1999, p. 424-425), o que destaca no sentido de que “Tanto o árbitro como o juiz togado dizem autoritativamente o direito, concretizando a vontade da lei; tanto o árbitro quanto o juiz exercem função, atividade e poder que caracterizam a jurisdição; tanto o árbitro como o juiz proferem decisões vinculativas para as partes; tanto o árbitro como o juiz julgam!”
Destarte ao prosseguimento da mesma linha de pensamento alhures, Tarcísio Araújo KROETZ (2008, p. 31) afirma que a relação de equivalência entre as funções desempenhadas pelo árbitro e pelo juiz asseverando a tese que ao árbitro, enquanto tomado pelo manto judicante, à luz dos arts. 17 e 18, da Lei 9.307/1996, também lhe é atribuído o exercício da jurisdição.
Assim, investido nos mesmos deveres do magistrado estatal, o árbitro afaga igualmente atribuições legais que norteiam a responsabilidade do agente público, inclusive com responsabilidades no âmbito civil, criminal e, porque não, administrativo, assim respondendo igualmente aos ditames da Lei 8.429/1992, a Lei de Improbidade Administrativa, no seu art. 2ª, quando “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”, também previsto no art. 3ª, que trata que “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”
2.1 DO CONFLITO DE COMPETÊNCIAS ENTRE JURISDIÇÃO ARBITRAL E ESTATAL – DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
Corroborando com a aventada competência arbitral, diversos artigos da Lei 9.307/1996 atribuem à arbitragem caráter jurisdicional: art. 18: “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não rica sujeita a recurso ou à homologação pelo Poder Judiciário”; art. 31: “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui titulo executivo”; Art. 8°, parágrafo único, “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.”, os quais asseguram ao árbitro decidir, em primeiro lugar, sobre a existência e eficácia da cláusula compromissória arbitral, em corolário ao princípio da competência-competência (Kompetenz-Kompetenz).
Assim, o trabalho do árbitro na condução do procedimento arbitral instaurado pelas partes, e por elas escolhido e nomeado, (art. 13) se reveste de natureza jurisdicional, como destaca a doutrina, à luz dos referidos dispositivos legais.
Amoldo WALD (2002), aduz que “A Lei 9.307/1996, inclusive, seguindo o exemplo das mais modernas legislações estrangeiras sobre a arbitragem, reconhece, expressamente, a natureza jurisdicional da atividade arbitral no art. 31, ao equiparar a sentença arbitral ao título executivo judicial.”
Já Nelson NERY JUNIOR e Rosa NERY (2004, p. 1167-1669) entendem que “A natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição. O árbitro exerce jurisdição porque aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existe entre as partes (...). A Lei de Arbitragem não deixa dúvida quanto ao caráter jurisdicional da decisão do árbitro, pois a denomina de sentença e lhe confere eficácia de título executivo judicial.”
No mesmo sentido, Sérgio BERMUDES (2008,p. 378) afirmar que “Evita-se aqui, propositalmente, discutir se o juizo arbitral integra, ou não, o Poder Judiciário. Mantenha-se, em consequência, a dicotomia da lei 9.307, que distingue o juízo arbitral do órgão do Poder judiciário (...). A verdade, entretanto, é que o juízo arbitral, composto por um árbitro, ou mais de um, exerce, efetivamente, a jurisdição. O ar!. 475-N, IV, do CPC (Art. 515, VII, CPC 2015), resultando do art. 2º da lei 11.232, de 23.12.2005, inclui a sentença arbitral entre os títulos executivos judiciais.”
Outro não é o posicionamento de Pedro Batista MARTINS (2008, p. 218) onde, segundo ele, “O texto normativo expressa, sim, a essência jurisdicional devotada pelo legislador à atividade arbitral. Volta se para os elementos intrínsecos da função exercida pelo árbitro. Função essa eminentemente jurisdicional (...). O dispositivo é expressão da jurisdicionalidade da arbitragem.”
Também neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal (2004), ao reconhecer “a completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à sentença judicial, pela nova lei de Arbitragem', 'sendo válida a equiparação legal, no plano interno, da sentença arbitral à judiciária”.
Para melhor entender o que fora explanado acima, é importante ressaltar a natureza jurídica da arbitragem.
Historicamente, o propósito de MONTESQUIEU (1998, p. 25), em sua a obra “O espírito das leis”, tratou da divisão dos poderes, em Executivo, Legislativo e Judiciário, assim expondo: “O Legislativo ‘faz as leis para algum tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que estão feitas’. O Judiciário pune os crimes ou julga as demandas dos particulares’. E o Executivo, sendo o restante poder, exerce as demais funções do Estado; exerce a administração geral do Estado, constituindo-se por isso no executor das leis em geral”, e nesse sentido, independentes e harmônicos entre si, sendo a jurisdição inserta como verdadeiro monopólio do Estado, que, por meio do Judiciário, aplica as leis, com a força coatora e contenciosa, ao caso concreto.
Por essa linha de entendimento, logicamente que a natureza jurídica da arbitragem, à luz de Montesquieu, não poderia ser a jurisdicional, haja vista o caráter privado e não integrante do aparelho estatal, mas pertencente ao sistema particularmente extrajudicial de solução de controvérsias.
Porém, não há como negar que após a Lei nº 9.307/1996, que equiparou a sentença arbitral à sentença judicial, inclusive indo além, sendo irrecorrível e impossibilidade de interposição de recurso, a constituiu como verdadeiro título executivo judicial (art. 515, VII, CPC), com despicienda homologação judicial, restou praticamente inconsistente negar a natureza jurisdicional da arbitragem.
Contudo, se considerarmos a jurisdição como o poder à disposição dos particulares para solução de conflitos, independentemente de aquele poder estatal exercido pelo Poder Judiciário ou por alguém desvinculado a ele, e na visão de Francisco José CAHALI (2012, p. 84-90) é possível concluir o inegável entendimento de que a arbitragem se tornara verdadeira jurisdição privada, "(...) só considerando a arbitragem como jurisdição é que se poderá explicar a regra contida no parágrafo único do art. 8º da Lei 9.307/1996, consagrando o princípio kompetenz-kompetenz, (...), pois, se prevalecesse a natureza contratual, seria inviável ao árbitro examinar e afastar ou não a sua competência para o litígio a ele submetido."
2.3 ÁRBITROS E SUA EQUIPARAÇÃO A FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
No âmbito do referido trabalho, dúvidas não exsurgem de que a Lei de Arbitragem traz no art. 17, expressamente, que “Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.”, equiparando-os ao agente público.
Por essa ótica, se comparado a funcionário público, inequívoco é o entendimento de que também está adstrito à Lei de Improbidade Administrativa, como a seguir será tratado em tópico especial, no que tange a causar prejuízos a terceiros por atos ímprobos.
O agente público, nos termos do § 6º do art. 37 da Constituição Federal traz em seu bojo a responsabilidade objetiva do agente público no exercício de suas atribuições em nome do Estado, em face de eventual responsabilidade do servidor por prejuízos causados a terceiros, adotando a teoria da responsabilidade subjetiva, expressando que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Luiz Antônio SCAVONI JUNIOR (2018, p. 119) entende no mesmo sentido, afirmando que se os árbitros foram comparados aos juízes togados, também devem responder da mesma forma que os magistrados.
ALVIM (2007, p. 269) também flui na mesma linha de que o árbitro, “no que couber”, a idênticas responsabilidades dos juízes, primando pela sua responsabilidade subjetiva.
2.4 ÁRBITROS E SUAS RESPONSABILIDADES CIVIL E CRIMINAL À LUZ DA LEI DE ARBITRAGEM
A problemática levantada no presente trabalho se enquadra no pleito de que o árbitro, quando no exercício da função, e executando atos ímprobos, como julgamentos imersos em parcialidade, ou o próprio conflito de interesses, incorre em improbidade administrativa, e mais além, responde civil e criminalmente por seus atos por perdas e danos ao terceiro prejudicado.
No entendimento de Francisco José CAHALI (2017, p. 161), por óbvio, o árbitro “representa o patrimônio intelectual da arbitragem, e assim lhe empresta o maior valor agregado”, protagonizando sua posição de destaque no procedimento arbitral iminente, assim como o magistrado o assume perante o Poder Judiciário, conferindo-lhe respeito e notável distinção no desenrolar do procedimento arbitral, respeitando igualmente os princípios da boa-fé e probidade.
No tocante à responsabilidade civil e criminal do árbitro, no exercício de sua função de mununs publicum, José Eduardo Carreira ALVIM assevera que é considerada privada ou pública a função arbitral, e que os árbitros recebem o mesmo tratamento penal dispensado aos funcionários públicos no exercício de sua função.
Ademais, conclui ALVIM que devido ao Art. 17 da Lei de Arbitragem, qualquer dos crimes praticados por funcionário público, seja contra a administração pública seja contra particular, pode também ser imputado ao árbitro, quando no desemprenho da função arbitral. (2007, p. 270, 271)
Em sentido de consonância, Luiz Antônio SCAVONE JUNIOR, afirma ser possível concluir que “a lei quis imputar ao árbitro a mesma responsabilidade do juiz togado no desempenho da função, mormente porque o equiparou no art. 18 da Lei de Arbitragem, ao juiz togado no desempenho de suas funções.” (2018. p. 121)
Não obstante a isso, o presente artigo busca então comprovar que o árbitro incorre em crimes de responsabilidade atribuídos ao agente público no exercício de sua função judicante, assim, o mesmo autor, corroborando com a problemática aventada, conclusivamente, entende que “para os efeitos da legislação penal, segundo ele, não se descarta, inclusive, que no desempenho da função, além de praticar crimes contra a administração, seja sujeito de crimes em face de funcionários públicos, como a corrupção ativa, tráfico de influência, desacato e desobediência (arts. 330 a 333 do CP.” (op. cit. 2018)
2.5 ÁRBITROS E A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Inicialmente, cabe dissecar o termo “improbidade”, que, segundo o dicionário HOUAISS, VILLAR e FRANCO (2009, p. 1.057), significa: “1. ausência de probidade; desonestidade 2. ação má, perversa; maldade, perversidade".
Igualmente, traz-se, da mesma obra, o termo “ímprobo”: “1 que ou quem não é probo; desonesto, "mau, falso, desonesto".
A improbidade administrativa, portanto, é inerente e aplicável aos ocupantes de cargo, emprego ou função pública, e está prevista na Lei n. 8.429, sancionada em 02 de junho de 1992, dispondo sobre as sanções impostas aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública, como também por atos que causam prejuízo ao Erário e a transgressão dos princípios que fundamentam a administração pública.
Naturalmente, abarca-se a discussão acerca da aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos árbitros, no estrito exercício de seu múnus publicum, uma vez que, de acordo com o art. 17 da Lei de Arbitragem “Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.”
É importante ressaltar a leitura do art. 2. e 3. da Lei 8.429/1992, onde, respectivamente, “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” Concomitantemente, “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”
O árbitro, imbuído e investido no munus publicum, regrado pelo art. 17, expressamente, e equiparado a juiz togado, como estampa o art. 18, por óbvio, está adstrito aos ditames da referida lei, que, aliás, é entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça.
Vista disso, foi o entendimento do Ministro Mauro Campbell Marques (anexo 02) no Recurso Especial n. 1.249.531/RN, julgado em 20/11/2012, STJ (2012).
Em seu voto, afirmou o ministro que “É pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual magistrados são agentes públicos para fins de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, cabendo contra eles a respectiva ação, na forma dos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.429/92.
O art. 17 da Lei de Arbitragem, expressamente, aduz que “Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos,(...)”, portanto, aplicável a eles.
A improbidade administrativa é a ocorrência de atos ilícitos praticados por agentes públicos que passam a agir sem a observância da lei, da moral e dos costumes. Corrupção é o termo que passou a ser adotado para especificar a conduta do servidor público desonesto.
Naquele julgamento, tratando da parcialidade de um juiz, ponderou o ministro que “O que justifica a aplicação da norma sancionadora é a possibilidade de se identificar o animus do agente e seu propósito deliberado de praticar um ato não condizente com sua função. Não se pode pensar um conceito de Justiça afastado da imparcialidade do julgador, sendo um indicador de um ato ímprobo a presença no caso concreto de interesse na questão a ser julgada aliada a um comportamento proposital que beneficie a umas das partes. Constatada a parcialidade do magistrado, com a injustificada ocultação de processos, pode sim configurar ato de improbidade.”
A imparcialidade se verifica na ausência de favorecimento do árbitro a alguma das partes ou a aspectos da lide. Sua independência se caracteriza pelo não envolvimento do árbitro, seja direta ou indiretamente, antes, durante ou depois, com algumas das partes ou fatos relativamente à matéria sob julgamento.
Por óbvio, o Legislador buscou externar a sua preocupação com a expressividade dessas características, preconizadas no Art. 14, em seu § 1, informando que “as pessoas indicadas para funcionar como árbitro tem o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”. Em sentido retilíneo, o “caput” do mesmo art.14, impõe ao árbitro a proibição de funcionar como árbitro as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-lhes, no que couberem, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.
Ainda nas ponderações do ministro, concluiu que a averiguação da omissão injustificada no cumprimento dos deveres do cargo estria vinculada aos atos funcionais, e não diretamente à atividade judicante, ou seja, a atividade finalística do Poder Judiciário, como sustentou a recorrente daquele Recurso Especial.
Ademais, os atos de improbidade administrativa por agente público podem ferir de morte os princípios da Legalidade, quando adstritos ao cumprimento da lei; da Impessoalidade, quando expurgar a imparcialidade e julgam processos em benefício próprio ou por interesse; da Probidade, quando agem desonestamente com alguma das partes do litígio arbitral; e da Eficiência, quando fulminam a lisura processual e deixam de utilizá-lo destoante de sua finalidade precípua: a entrega da jurisdição.
Assim, fere-se todos os princípios inerentes à administração pública em face de terceiros partícipes do procedimento arbitral instaurado, muitas vezes, sem a presença de uma das partes, o que o torna nulo.
Não se está a discutir a função finalística do juiz no exercício de sua função, quando incorre em ato de improbidade administrativa, afirmou o ministro, mas, tão somente, no afronte à sua conduta de deixar de praticar o ato inerente às suas atribuições com claro intuito de favorecer indevidamente terceiros, em suas palavras que “A averiguação da omissão injustificada no cumprimento dos deveres do cargo está vinculada aos atos funcionais, relativos aos serviços forenses e não diretamente à atividade judicante, ou seja, a atividade finalística do Poder Judiciário." ratificando que não houve ofensa a tal princípio inerente à figura do juiz, e finaliza dizendo que "No mais, é pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual magistrados são agentes públicos para fins de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, cabendo contra eles a respectiva ação, na forma dos arts. 2. e 3. da Lei n. 8.429/92”.
CONCLUSÃO
No presente estudo demonstrou a clarividente posição equivalente a funcionário público quando no exercício de suas funções como árbitro.
Nesse ínterim, também restou comprovado que tais agentes públicos, equiparados legalmente (arts. 17 e 18, 9.307/96), respondem civil, criminal e, de acordo com entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, igualmente por atos de improbidade administrativa.
A Lei de Arbitragem, ao estender o poder judicante aos árbitros, também lhe transferiu as responsabilidades inerentes ao cargo exercício por juiz de direito togado, inclusive, nos deveres constantes no Código de Processo Civil, no que tange ao impedimento e suspeição, arts. 144 e 145, respectivamente. Por outro norte, atribuiu também a responsabilidade subjetiva de indenizar àqueles der causa a prejuízos, no tocante ao exercício da arbitragem, inclusive, respondendo com seu próprio patrimônio. Ademais, também conferiu responsabilidade criminal, por força do art. 17, da Lei 9.307/96.
Portanto, conclusivamente, é o entendimento pacificado que, nos casos de atos ímprobos praticados por juízes, seja na imparcialidade ou outros crimes ali previstos, são imputadas as responsabilidades por atos de improbidade administrativa previstos no art. 2. e 3. da Lei 8.429/92, assim, por equivalência legal (art. 17 e 18, da Lei 9.307/1996), também é aplicável aos árbitros, no estrito exercício da função judicante, vez que, àqueles são equiparados a funcionário público, bem como juiz de direito, civil, criminal e improbidade administrativa.
Assim, não restam dúvidas que a figura do árbitro, no âmbito privado, é legalmente similar àquela desempenhada pelo juiz de direito, no âmbito público, e por tais razões, os órgãos públicos ou privados, que os abrigam, respondem subsidiariamente nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, que exterioriza a responsabilidade da administração pública, ou privada equivalente, no dever de indenizar o terceiro que vier a sofrer prejuízos, tanto na figura do juiz, quanto na do árbitro.
Rendem-se aplausos ao Legislador que realizou tal equiparação, vez que, sem ela, não haveria mínima segurança dos particulares que procuram resolver litígios no âmbito arbitral, tendo em vista a possibilidade de ocorrerem jogos e conflitos de interesses contra ou a favor de qualquer das partes, principalmente, naquelas entidades arbitrais que representam categorias e ali praticam a arbitragem em favor delas, o que será, por óbvio, objeto de estudo seguinte, inclusive, quanto ao cabimento de Mandado de Segurança contra árbitros e instituições arbitrais.
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ANEXOS
ANEXO 01
Assim sendo, no momento em que o árbitro aceita o encargo, recebe das partes o poder de decidir um dado litígio, impondo em caráter obrigatório e vinculativo a solução para o caso concreto, caracterizando-se a substituição da vontade das partes pela do árbitro, que expressa e sintetiza a vontade da lei. A função do árbitro, como se vê, não é diferente daquela desempenhada pelo juiz togado: tanto um como outro conhece as questões de fato e de direito deduzidas pelas partes, analisando-as e valorando-as para formar seu convencimento, propiciando as bases para a decisão da pretensão que lhes foi submetida (esta, aliás, a característica básica da atividade cognitiva). Por derradeiro, árbitro e juiz ostentam poder: a decisão que profere um e outro é obrigatória e vinculante para os contendentes.
ANEXO 02
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). APLICABILIDADE AOS MAGISTRADOS POR PRÁTICA DE ATOS NÃO JURISDICIONAIS. 1. Trata-se na origem de agravo de instrumento apresentado pela ora recorrida em face da decisão que recebeu a inicial de ação civil pública apresentada ao argumento de que ela, enquanto juíza eleitoral, visando atender interesses de seu cônjuge, então candidato a deputado, teria escondido e retardado o andamento de dois processos penais eleitorais, nos quais a parte era parente e auxiliar nas campanhas eleitorais de seu marido. 2. Não viola o artigo 535 do CPC, tampouco nega prestação jurisdicional, acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, conforme ocorreu no caso em exame. 3. É pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual magistrados são agentes públicos para fins de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, cabendo contra eles a respectiva ação, na forma dos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.429/92. Precedentes:REsp 1205562/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/02/2012, DJe 17/02/2012; AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/09/2011, DJe 28/09/2011; REsp 1.133.522/RN, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 16.6.2011; REsp 1.169.762/RN, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 10.9.2010. 4. Verifica-se que o ato imputado à recorrida não se encontra na atividade finalística por ela desempenhada. O suposto ato de improbidade que se busca imputar à recorrida não é a atitude de não julgar determinados processos sob sua jurisdição, fato este plenamente justificável quando há acervo processual incompatível com a capacidade de trabalho de um Magistrado ou de julgá-los em algum sentido, a uma ou a outra parte. Aqui, se debate o suposto retardamento preordenado de dois processos penais eleitorais em que figura como parte pessoa que possui laços de parentesco e vínculos políticos com o esposo da Magistrada, que concorria nas eleições de 2002 ao cargo de Deputado Federal, tendo o Ministério Público deixado claro que tais processos foram os únicos a serem retidos pela Magistrada. 5. As atividades desempenhadas pelos órgãos jurisdicionais estão sujeitas a falhas, uma vez que exercidas pelo homem, em que a falibilidade é fator indissociável da natureza humana. Porém, a própria estruturação do Poder Judiciário Brasileiro permite que os órgãos superiores revejam a decisão dos inferiores, deixando claro que o erro, o juízo valorativo equivocado e a incompetência são aspectos previstos no nosso sistema. Entendimento contrário comprometeria a própria atividade jurisdicional.6. O que justifica a aplicação da norma sancionadora é a possibilidade de se identificar o animus do agente e seu propósito deliberado de praticar um ato não condizente com sua função. Não se pode pensar um conceito de Justiça afastado da imparcialidade do julgador, sendo um indicador de um ato ímprobo a presença no caso concreto de interesse na questão a ser julgada aliada a um comportamento proposital que beneficie a umas das partes. Constatada a parcialidade do magistrado, com a injustificada ocultação de processos, pode sim configurar ato de improbidade. A averiguação da omissão injustificada no cumprimento dos deveres do cargo está vinculada aos atos funcionais, relativos aos serviços forenses e não diretamente à atividade judicante, ou seja, a atividade finalística do Poder Judiciário. 7. Não se sustenta aqui que o magistrado, responsável pela condução de milhares de processos, deve observar criteriosamente os prazos previstos na legislação processual que se encontram em flagrante dissonância com a realidade das varas e dos Tribunais, sendo impossível ao magistrado, pelo elevado grau de judicialização do Brasil, cumprir com a celeridade necessária a prestação jurisdicional. Porém, no presente caso, a suposta desídia estaria vinculada, repise-se, à possível ocultação com o consequente retardamento preordenado de dois processos específicos, a fim de possibilitar a candidatura do esposo da requerida a eleições em curso. 8. Recurso especial provido.
PAULO CÉSAR RODRIGUES DE FARIA, Acadêmico do 8/9/10. Período do Curso de Direito da Universidade Salgado de Oliveira, Campus Goiânia. E-mail: paulocesarfaria@hotmail.com
Orientador: Professor Mestre em Direito das Relações Jurídico-empresariais (UNIFRAN/SP). Especialista em Direito Civil (UFG) e em Direito Processual Penal (UFG).
Para citações, utilizar:
FARIA, Paulo César Rodrigues. O árbitro como agente público no exercício da função, e suas responsabilidades à luz da constituição federal e lei de arbitragem: juiz de fato e de direito. Publicado em 11/2018.