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Polícia Judiciária: instituição ou mera função?

Agenda 05/12/2018 às 20:02

O ensaio faz uma análise acerca da existência da Polícia Judiciária como instituição e a necessidade de uma Lei Orgânica Nacional.

Hodiernamente tem se discutido se é possível falar em Polícia Judiciária como instituição ou se não passa de uma função atribuída à Polícia Federal e às Policiais Civis estaduais e do Distrito Federal.

Que essas polícias têm atribuição de polícia judiciária ninguém discorda, até porque está expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 que a Polícia Federal exerce a função de polícia judiciária da União e as Polícias Civis a mesma função nos estados e no Distrito Federal.

Na função de polícia judiciária, as Polícias Civis e a Polícia Federal atuam quando cumprem os mandados judiciais, quando os Delegados de Polícia decidem pela prisão em flagrante e pelo arbitramento de fiança, dentre outras situações.

No desempenho dessa função auxiliar da Justiça, tais polícias exercem atividade tipicamente judicial – que não se confunde com atividade jurisdicional, que somente pode ser exercida por órgão investido de Jurisdição.

No entanto, o debate surge quando se pensa em Polícia Judiciária como instituição de Estado, com funções de polícia judiciária em sentido estrito e de polícia investigativa, integrante do sistema processual penal, organicamente entroncada à estrutura administrativa do Estado, mas funcional e finalisticamente ligada ao Poder Judiciário.

Alguns defendem que só existe polícia judiciária como função, não sendo certo falar em Polícia Judiciária no sentido de instituição ou órgão com existência objetiva, tida como um corpo constituído, com funções determinadas e procedimento próprio.

Ao argumento de que polícia judiciária é apenas uma função, Celso Ribeiro Bastos afirma que, por mais que se queira inferir, por questões corporativistas, a existência de um órgão de polícia judiciária no Brasil, seja em âmbito estadual ou federal, isto não existe. O que existe são órgãos policiais com atribuições de polícia administrativa e as funções de polícia judiciária.2

Sustenta-se, ainda, que a Constituição Federal de 1988 não concede título algum de Polícia Judiciária, nem à Polícia Civil nem a qualquer outra polícia brasileira, de modo que polícia judiciária é apenas a natureza de serviço administrativo prestado por órgão do Poder Executivo.3

A confusão é tamanha que chegou a ser proposta a Emenda Constitucional nº 409/09, com o objetivo de criar a Polícia Judiciária, retirando, no âmbito da União, parte das atribuições da Polícia Federal.4

De acordo com a proposta, a Polícia Federal ficaria incumbida apenas da repressão aos crimes de tráfico de drogas, contrabando e descaminho, além das funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras.

A proposição também se destinava à criação das Polícias Judiciárias dos estados e do Distrito Federal, com competência para apuração das infrações penais, tal como na atualidade.

Contudo, a nosso ver, desnecessária qualquer alteração constitucional no sentido de criar uma instituição denominada Polícia Judiciária, pois tal polícia já existe e é composta pela Polícia Federal e pelas Polícias Civis dos estados e do Distrito Federal.

Muitos são os fundamentos para o reconhecimento da Polícia Judiciária como instituição, a começar pela exposição de motivos nº 212, de 9 de maio de 1983 – Projeto do Código de Processo Penal - que no item 46 define a Polícia Judiciária como sendo aquela incumbida de colher as provas na primeira fase da persecutio criminis, nos autos do denominado inquérito policial, destinado, eventualmente, a servir de base à acusação.5

E prossegue a exposição de motivos afirmando que na elaboração do elenco das atribuições dos órgãos da Justiça, teve-se presente a interdependência funcional da Polícia Judiciária, do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Portanto, logo se percebe a clara intenção dos juristas responsáveis pela elaboração do projeto do Código de Processo Penal, desde a época, em conceber a Polícia Judiciária como instituição e não como mera função.

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Aliás, o Código de Processo Penal em vigor, no artigo 4º, prevê que “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.6

Ora, fica bem claro pela dicção legal que o legislador se referiu à Polícia Judiciária como instituição cuja finalidade é a apuração das infrações penais.

O projeto de reforma do Código de Processo Penal - Projeto de Lei 8.045 da Câmara dos Deputados - no artigo 18 mantém redação bastante semelhante, atribuindo à Polícia Judiciária a apuração das infrações penais e sua autoria.

Neste ponto, é importante mencionar que, constitucionalmente, a Polícia Judiciária foi vocacionada para a investigação criminal, sendo parte do sistema processual penal, realizando a primeira fase da persecução penal, de forma a garantir a efetividade dos direitos fundamentais e a correta aplicação do direito penal ao caso concreto.

Távora e Alencar, com propriedade, evidenciam a existência institucional da Polícia Judiciária quando afirmam que a polícia judiciária tem a missão primordial de elaboração do inquérito policial.7

Ainda de acordo com os mesmos processualistas, quando tratam da Polícia Judiciária, suas funções, além da elaboração do inquérito policial, são de fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, realizar diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público, cumprir os mandados de prisão e representar, se necessário for, pela decretação de prisão cautelar.

Eliomar da Silva Pereira ensina que o modelo brasileiro de polícia judiciária não se contenta apenas com sua concepção como “função essencial à justiça”, mas antes e sobretudo como “órgão essencial à justiça”.8

Portanto, é fácil perceber que a Polícia Judiciária, como instituição jurídica, já existe e é composta pela Polícia Federal e pelas Polícias Civis dos estados e do Distrito Federal.

O que falta no Brasil para a definitiva institucionalização das polícias Federal e Civil em Polícia Judiciária é apenas uma lei orgânica nacional que trace as normas de organização, funcionamento, competências, garantias, direitos e deveres.

Neste passo, a Polícia Judiciária precisa ser normatizada como instituição permanente do Estado, alicerçada nos princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional, com autonomia administrativa e financeira.

Observe-se que não se trata de criar a Polícia Judiciária, pois ela já existe, trata-se de realinhar a Polícia Federal e as Polícias Civis ao Estado Democrático de Direito, com uniformização e padronização, fortalecendo os órgãos policiais, acrescentando maior profissionalização e dando segurança jurídica aos Delegados de Polícia.

Daí que a conclusão a que se chega é que a Polícia Judiciária é instituição jurídica permanente do Estado, composta pelas Polícias Civis e pela Polícia Federal, com competência constitucional para apuração das infrações penais e com atividade de auxiliar da Justiça, carente, apenas, de uma Lei Orgânica Nacional que a normatize.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA. Emmanoel. Quem disse que a Polícia Civil é Polícia Judiciária? Disponível em: https://abordagempolicial.com/2009/08/quem-disse-que-a-policia-civil-e-policia-judiciaria/. Acesso em 08 out. 2018.

BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de emenda à Constituição nº 409/2009. Disponível em: https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=7C9C6B9BA49479490BFD866EF89075E8.proposicoesWebExterno1?codteor=695082&filename=Tramitacao-PEC+409/2009. Acesso em 09 out. 2018.

BRASIL. Câmara dos Deputados. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS Nº 212, DE 9 DE MAIO DE 1983. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3689-3-outubro-1941-322206-exposicaodemotivos-149193-pe.html. Acesso em 08 out. 2018.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Leinº 3.689, de 3 deoutubrode 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em 09 out. 2018.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Editora PODIVM. 3ª Ed. 2009.

PEREIRA. Eliomar da Silva. Direito de Polícia Judiciária: Introdução às Questões Fundamentais. Disponível em: <https://www.academia.edu/74622956/Direito_de_Pol%C3%ADcia_Judici%C3%A1ria_introdu%C3%A7%C3%A3o_%C3%A0s_quest%C3%B5es_fundamentais>. Acesso em 10 out. 2018.


Notas

2 BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

3 ALMEIDA. Emmanoel. Quem disse que a Polícia Civil é Polícia Judiciária? Disponível em: https://abordagempolicial.com/2009/08/quem-disse-que-a-policia-civil-e-policia-judiciaria/. Acesso em 08 out. 2018.

4 BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de emenda à Constituição nº 409/2009. Disponível em: https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=7C9C6B9BA49479490BFD866EF89075E8.proposicoesWebExterno1?codteor=695082&filename=Tramitacao-PEC+409/2009. Acesso em 09 out. 2018.

5 BRASIL. Câmara dos Deputados. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS Nº 212, DE 9 DE MAIO DE 1983. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3689-3-outubro-1941-322206-exposicaodemotivos-149193-pe.html. Acesso em 08 out. 2018.

6 BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Leinº 3.689, de 3 deoutubrode 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em 09 out. 2018.

7 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Editora PODIVM. 3ª Ed. 2009.

8 PEREIRA. Eliomar da Silva. Direito de Polícia Judiciária: Introdução às Questões Fundamentais. Disponível em: <https://www.academia.edu/74622956/Direito_de_Pol%C3%ADcia_Judici%C3%A1ria_introdu%C3%A7%C3%A3o_%C3%A0s_quest%C3%B5es_fundamentais>. Acesso em 10 out. 2018.

Sobre o autor
Adilson José Bressan

Delegado de Polícia. Especialista em Segurança Pública. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Direito de Polícia Judiciária. Especialista em Compliance Público-Privado, Integridade Corporativa e Repressão à Corrupção. Especialista em Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância.

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