Não é necessário ser um profissional do Direito para perceber que, nos dias atuais, algo cheira muito mal nas decisões de nossos juízes e tribunais. Por vezes somos surpreendidos por inovações judiciais que mitigam ou ampliam a eficácia de diversas leis, mesmo contra o sentido da norma. A segurança jurídica foi deixada de lado.
Ainda como estudante, me orgulhava de termos, a meu ver, um dos judiciários mais elogiáveis do mundo, dado que aqui os textos legais eram respeitados e as decisões não fugiam do sentido da norma.
Triste ilusão a minha. Percebo que estava muito errado. Se há algo que não é respeitado por essa terra de meu Deus é a lei. A todo momento dispositivos legais são aviltados país afora.
Agora, por qual motivo? Seria a qualidade dos cursos de Direito, o qual foi mercantilizado e é oferecido em qualquer faculdade de reputação duvidosa?
Seriam culpa dos estudantes? Quantos leram doutrinas completas na graduação? Acredito que pouquíssimos. Quantos se formaram por resumos, sinopses, manuais de cursos "simplificados" ou "esquematizados"? Deixo essas respostas para os comentários.
Seria a voz das ruas a influenciar as decisões? Mas o que mesmo essas vozes querem? Hoje podem querer uma coisa e amanhã outra e portanto, por lógico, não devem influenciar as decisões judiciais, porquanto, tecnicamente, transmutariam-se em atos políticos.
O raciocínio jurídico anda tão ralo e raro, que até leis, sabidamente desnecessárias, foram promulgadas e estão em vigor. Entre elas está a Lei n.º 13.728/2018, que versa sobre a contagem de prazo em dias úteis nos juizados especiais.
É cediço que a Lei n.º 9.099/95 é uma lei especial e que criou um procedimento próprio. Segundo a Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, aplica-se a lei geral (Código de Processo Civil), no que a lei especial for omissa, ou seja, o CPC tem aplicação subsidiária.
Portanto, como o Novo Código de Processo Civil alterou a forma de contagem dos prazos e a Lei n.° 9.099/95 nada tratava sobre o assunto, por consequência, logo os prazos deveriam ser contados em dias úteis. Ademais, o §2º do artigo 1.046 do NCPC é claro ao afirmar a supletividade dele as outras normas. Qual a dificuldade? Por que a edição/promulgação de lei se bastaria apenas aplicar as regras do Direito?
Os estudantes devem estar atônitos. Uma hora uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Não há estabilidade na jurisprudência. Aprendem uma coisa nas doutrinas e na prática o entendimento é diferente.
Será culpa dos juízes e tribunais? Muitos deixaram de julgar casos concretos e passaram a julgar teses. O Poder Judiciário está agindo como verdadeiro legislador. Aplica-se muito mais o entendimento pessoal do que a lei por si própria.
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça praticamente reescreveu o artigo do 1.015 e ampliou as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. A decisão que firmou este entendimento pode ser chamada de acórdão legislativo, visto que extrapolou e muito a função jurisdicional dada ao Poder Judiciário e invadiu as funções do Poder Legislativo.
Também, recentemente, o mesmo STJ também permitiu a penhora de salários para adimplemento de dívidas, o que excepciona o inciso IV do artigo 833 do Código de Processo Civil. É importante destacar que as exceções dessa regra são dadas pelo §2º do citado artigo, onde ficou estabelecido que não se aplicam para o pagamento de pensões alimentícias e aos valores excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos.
E o que podemos dizer do Supremo Tribunal Federal. Nenhum tribunal vilipendia tanto a Constituição da República, como o seu maior defensor, segundo ela mesma. Exemplo disso é a malfadada prisão a partir da segunda instância, onde o STF firmou entendimento de que o trânsito em julgado se dará quando findarem os recursos perante a instância revisora, sob alegação de que os fatos não mais serão discutidos nas cortes superiores. Conquanto, é patente o desrespeito não só a CF, mas também ao artigo §3º do artigo 6º da LINDB, que assim versa: “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.” Dessa forma, quando existirem recursos, o trânsito em julgado não se dará.
Será que a culpa é dos concursos públicos, ou melhor, dos cursos para concursos que entregam tudo mastigado e contribuem para o não pensamento jurídico?
E você leitor, quantas leis já interpretou? Sabe quais são as regras básicas de hermenêutica?
Diante de tantos questionamentos mais um deve ser feito, será que ainda vale a pena estudar Direito? Quando digo estudar Direito, digo no sentido de pensar o Direito, compreender a lei, sua eficácia e aplicações aos casos concretos, sem, contudo, alterar o sentido da norma e/ou agir como mero acumulador e repetidor do conhecimento adquirido/decorado.
Acredito que hoje, mais do que antes, é imprescindível reforçar o estudo ativo do Direito, posto que o passivo provou-se devastador. Seus aplicadores devem rever conceitos, princípios gerais e voltarem a pensar o Direito como ciência transformadora e reguladora da sociedade e não como mera expressão da vontade de juízes e tribunais.
Então leitor, diante do cenário atual, ainda vale a pena estudar o Direito?