1. Introdução
A compensação como forma extintiva do crédito tributário (art. 156, inciso II, do CTN) ganhou na esfera federal um forte impulso a partir da Lei n.º 8.383/91, mais particularmente quando o art. 66 passou a permitir ao contribuinte que compensasse o valor do tributo indevido ou recolhido a mais, com o valor do próprio tributo devido e desde que fosse com tributos, contribuições e receitas da mesma espécie (art. 66, § 1.º, da Lei n.º 8.383/91).
Posteriormente, e respaldada pelo art. 170 do CTN, a Lei n.º 9.430/96, possibilitou ao sujeito passivo (conceito mais amplo, portanto) a utilização de crédito, relativo a tributo ou contribuição administrada pela Receita Federal – desde que passível de restituição ou ressarcimento – fosse utilizado na compensação com débitos próprios de quaisquer tributos administrados pela Receita Federal (art. 74).
Este mesmo artigo, alterado pela Lei n.º 10.637/2002, determinou que essa compensação fosse realizada mediante a entrega de declaração informando os créditos utilizados e os débitos compensados (art. 74, § 1.º da Lei n.º 9.430/96, com a redação dada pela Lei n.º 10.637/2002).
Sendo esta declaração de compensação uma confissão legal de dívida, fica dispensada a constituição formal do crédito tributário para as compensações indevidas (art. 74, § 6.º da Lei n.º 9.430/96, com a redação da Lei n.º 10.833/2002). Mas isto não afasta para a Receita o dever de informar que essa compensação não foi efetuada, abrindo-se o prazo de 30 dias para que o sujeito passivo recolha as diferenças (art. 74, § 7.º da Lei n.º 9.430/96, com a redação determinada pela Lei n.º 10.833/2002). Por óbvio que esta decisão que reputar inadmissível a compensação deve ser motivada, consoante estabelece o art. 50 da Lei n.º 9.784/99.
2. Análise da jurisprudência atual
Em face destas últimas alterações legislativas (Lei n.º 10.637/2002 e 10.833/2003) fica superada a possibilidade de autolançamento para a compensação (rectius: autocompensação) sem a devida informação à Receita.
Uma coisa é a possibilidade de autocompensação na própria escrita fiscal, possível antes da Lei n.º 10.637/2002, uma vez que a jurisprudência admitia tranqüilamente a desnecessidade de informação à fiscalização:
"A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sede de embargos de divergência, pacificou o entendimento para acolher a tese de que o art. 66 da Lei nº 8.383/91, em sua interpretação sistêmica, autoriza ao contribuinte efetuar, via autolançamento, compensação de tributos pagos cuja exigência foi indevida ou inconstitucional."
(RESP 710.829/PE, Rel. Min. José Delgado, 1.ª T., j. 03.03.2005, DJ 02.05.2005 p. 235)
Mas decisões como estas devem ser assimiladas cum granus salis. É que o próprio STJ já afirmou que a compensação se rege pela lei vigente à época em que a compensação deve ser feita:
"A lei que rege a compensação é aquela vigente no momento em que se realiza o encontro de contas e não aquela em vigor na data em que se efetiva o pagamento indevido. Precedentes."
(RESP 555.058/PE, 2.ª T., j. 16/10/2003, Rel. Min. Castro Meira, DJ 25.02.2004 p.00162)
"A lei que rege o procedimento de compensação tributária é aquela em vigor na data do encontro dos créditos e débitos que se pretende compensados. Precedentes."
(RESP 487.173/RJ, 1.ª T., j. 05/08/2003, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 08.09.2003)
Assim, no período anterior à vigência das Leis n.º 10.637/2002 e 10.833/2003, o sujeito passivo podia realizar a sua compensação com parcelas do próprio tributo, sem a necessidade de informar tal fato à Receita Federal (a autocompensação). É a conclusão a que se chega com o apoio da jurisprudência do STJ:
"A Primeira Seção, no EREsp 488.992/MG, publicado no DJU de 7.6.2004, p. 156, da relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, julgado à unanimidade, rejeitou os embargos de divergência interpostos, para declarar que, no caso concreto, deve ser observada a legislação vigente à época do ajuizamento da ação (Lei nº 8.383/91), não podendo ser julgada a causa à luz do direito superveniente, ressalvando-se o direito da parte autora de proceder à compensação dos créditos pela via administrativa, em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos de cada."
(RESP 463.123/SP, Rel. Min. Denise Arruda, 1.ª T., j. 05.04.2005, DJ 02.05.2005 p. 156. Negritei)
Depois da Lei n.º 10.637/2002, a coisa definitivamente mudou de figura, pondo fim à autocompensação:
"Atualmente, portanto, a compensação será viável apenas após o trânsito em julgado da decisão, devendo ocorrer, de acordo com o regime previsto na Lei 10.637/02, isto é, (a) por iniciativa do contribuinte, (b) entre quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, (c) mediante entrega de declaração contendo as informações sobre os créditos e débitos utilizados, cujo efeito é o de extinguir o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação." (ERESP 488.992/MG, 1.ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 7/6/2004. Negritei)
Este último julgado, da relatoria do Exmo. Min. Teori Zavascki é enfático: depois da Lei n.º 10.637/2002 o contribuinte tem o dever de entregar a declaração contendo as informações sobre os créditos e débitos utilizados (ERESP. 488.992/MG) para a Secretaria da Receita Federal.
3. Outras questões ligadas à compensação
Entretanto, como se não bastassem parâmetros legais já abordados, existem outros pontos a enfocar eis que eles usualmente aparecem nos processos judiciais em que se pleiteia o reconhecimento da compensação. Deve ser lembrado que tampouco se pode admitir como válida uma compensação quando o valor do tributo (crédito fiscal) utilizado como crédito compensável esteja sendo discutido judicialmente. Assim estabelece a vedação legal trazida pela Lei Complementar n.º 104/2001, que inseriu o art. 170-A, no CTN:
"É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial."
Por sinal, o Eg. STJ tem afirmado a plena aplicabilidade do dispositivo:
"Não se há de falar, portanto, em aplicação do art. 151 do CTN e, sim, do art. 170-A do mesmo diploma, segundo o qual não pode o contribuinte deixar de pagar tributo devido antes do trânsito em julgado da decisão que reconhece a compensabilidade dos créditos."
(RESP 352.859/CE,. 2.ª T., j. 21/03/2002, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 06/05/2002)
"Além disso, desde 10.01.2001, com o advento da Lei Complementar 104, que introduziu no Código Tributário o art. 170-A, segundo o qual "é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial", agregou-se novo requisito para a realização da compensação tributária: a inexistência de discussão judicial sobre os créditos a serem utilizados pelo contribuinte na compensação." (ERESP 488.992/MG, 1.ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 7/6/2004)
Importante mencionar que mesmo antes da vedação legal, a Súmula 45 do TRF da 4.ª Região e a Súmula 212 do STJ (na sua redação original) já continham disposição de igual teor:
SÚMULA 45 do TRF da 4.ª Região
"Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação de tributos." (DJ Seção 2, de 14/01/1998, p.329)
Súmula 212 do STJ:
"A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar." (1.ª Seção, 23/09/1998)
Vide também um conceito muitas vezes esquecido do art. 74 da Lei n.º 9.430/96, que estabelece que "o sujeito passivo que apurar crédito (...) poderá utiliza-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos (...)". O negrito é proposital.
São freqüentes nos embates judiciais com o fisco federal os pedidos de compensação com a utilização de créditos havidos de terceiros ou pedidos para a transferência de créditos a terceiros. Já o disse o Eg. TRF da 4.ª Região que esses créditos só se prestam para a compensação com débitos próprios, reafirmando o sentido da lei:
"Não se vislumbra qualquer ilegalidade nas restrições à compensação contidas na IN SRF nº 41/2000, que nada mais fez senão manifestar a inconveniência administrativa de compensações intentadas de débitos do sujeito passivo, relativos a impostos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, com créditos de terceiros."
(AI N.º 2002.04.01.021833-3/SC, 2.ª T., j. 24/9/2002, Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares. Destaquei com itálico)
"COMPENSAÇÃO COM CRÉDITOS DE TERCEIRO. INSTRUÇÃO NORMATIVA N.º 21/97. REVOGAÇÃO. INSTRUÇÃO NORMATIVA N.º 41/90. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA.
1. Uma vez que a compensação de tributos devidos com créditos de terceiros sempre dependeu de autorização da autoridade fiscal e, portanto, de requerimento da parte interessada, conforme se retira do próprio texto legal, da Lei n.º 9.430/96, não há que se falar em supressão de direito adquirido."
(AMS n.º 2001.70.00.011623-9/PR, 1.ª T., j. 28/11/2002, Rel. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria).
"TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO COM CRÉDITOS DE TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 74 DA LEI 9.430/96, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 10.637/2002. IN 210/2002 DA SRF.
Não há previsão legal autorizando a utilização de créditos de terceiros para quitação de débitos da agravante. Pelo contrário, a teor do art. 74 da Lei 9.430/96, na redação dada pela Lei 10.637/2002, há expressa menção que os créditos apurados perante a Secretaria da Receita Federal poderão ser utilizados na compensação de débitos próprios, e não de terceiros.
Ademais, não se vislumbra qualquer ilegalidade na restrição à compensação contida na IN SRF n.º 210/2002, que nada mais fez senão manifestar a inconveniência administrativa de compensações intentadas de débitos do sujeito passivo, relativos a impostos ou contribuições administradas pela Secretaria da Receita Federal, com créditos de terceiros."
(Agravo de Instrumento n.º 2003.04.01.055495-7/PR, 1.ª T., j. 31/3/2004, Rel. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, DJ maio/2004. Negritei).
Vale lembrar que a legislação tributária (CTN, art. 123) nega a validade a convenções particulares quanto a responsabilidade pelo pagamento de tributos (e aqui se pode equiparar a compensação, por força do art. 156, inciso II, do CTN, tendo em vista que esta também é modalidade de extinção dos créditos tributários):
"Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas á responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes."
Outras formas de extinção do crédito tributário, em atenção ao princípio da legalidade (art. 150, inciso I, da Constituição de 1988), dependem de lei específica, como diz o art. 170 do CTN:
"Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública."
Daí a falta de amparo legal – atestada pela melhor jurisprudência – para o aproveitamento dos créditos havidos de terceiros ou o pleito para transferir a estes os créditos fiscais reconhecidos judicialmente.
4. Conclusão
Se é certo que a compensação se rege conforme as leis vigentes no momento em que a compensação é feita – conforme a jurisprudência referida acima –, a lei foi categórica ao instituir o dever de o contribuinte ou sujeito passivo, informarem esta situação (art. 74, § 1.º da Lei n.º 9.430/96, com a redação dada pela Lei n.º 10.637/2002), sob pena de esta compensação não ser homologada (art. 74, § 7.º da Lei n.º 9.430/96) e o débito ser inscrito em Dívida Ativa da União para cobrança pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (art. 74, § 8.º da Lei n.º 9.430/96).
Em face da leitura dos textos legais e da análise dos julgados que enfrentaram temas correlatos se conclui que a autocompensação prevista pela redação original do art. 66 da Lei n.º 8.383/91 não mais existe, tendo cedido o passo para a compensação dependente da homologação fiscal (a partir da Lei n.º 10.637/2002).