OS LIMITES DO CONTROLE ADMINISTRATIVO NO COMBATE À CRACOLÂNDIA
I. Introdução
O crack é uma das drogas com enorme potencial de dependência e um das mais consumidas no Brasil. Ele devasta o organismo humano, age abruptamente, podendo a pessoa se viciar no primeiro uso. Aos poucos retira o usuário do convívio social, profissional e até familiar. Aliás, inúmeras famílias já foram destruídas pela droga e ela (assim como outros entorpecentes) é um dos maiores medos, senão o maior, das famílias brasileiras. Seu custo é barato, principalmente quando comparado ao valor de outras drogas, e pode ser fácil e livremente, embora não legalmente, adquirido em uma região da cidade de São Paulo chamada de cracolândia.
Nesse local concentram-se usuários e traficantes, que comercializam também outras drogas. Ao contrário do que se possa imaginar, há policiamento na área, porém os policiais assistem à tudo, impotentes. As ruas são tomadas por barracas, onde traficantes agem, não há tráfego de veículos, e existem vários prédios ocupados pelos usuários e outros estabelecimentos que ajudam a contribuir para essa situação.
Em 2017 muito se falou sobre a ação promovida nessa região no combate ao tráfico de drogas. Devido ao modo como foi feita a operação, o assunto, que sempre foi motivo de polêmica, acabou tomando espaço nas mídias do país.
Eis os fatos: no dia 21 de maio de 2017, um domingo, agentes da policia do estado de São Paulo invadiram a área conhecida pelo livro consumo trafico de drogas, principalmente o crack, onde, usando de meios violentos, desmancharam barracas, derrubaram prédios e baniram os usuários que ali estavam, além de prender alguns traficantes. Para alguns essa foi a maior operação para acabar com a cracolândia, o que –remotamente- poderia ter dado certo, se não fosse pelo fato dos usuários apenas mudarem de local e se instalarem em vários pontos da cidade. É então, que outro tabu volta a tona, a internação compulsória de dependentes químicos, o que será discutido nesse artigo sob a luz do Controle Administrativo e seus limites, em especial as prerrogativas do Poder de Polícia.
II. Desenvolvimento
Hely Lopes Meirelles, em seu livro Direito Administrativo Brasileiro (p. 127), conceitua o poder de policia como:
“a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado”
Esse poder é previsto no art. 78 do Código Tributário Nacional
“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966) Parágrafo único: Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”
Olhando por estes dois parâmetros, pode se levar a pensar que a operação desenvolvida para “acabar com a cracolândia” foi válida, já que a Administração agiu em prol da higiene, saúde e segurança do local. Entretanto, será que isso não vai de encontro aos limites impostos pelo controle dessa mesma Administração? O melhor meio seria realmente invadir o lugar, usar de violência, espantar as pessoas, interná-las a força, sem respeitar a premissa constitucional de liberdade que todos temos, de modo a se sobrepor a própria Constituição Federal? E quais seriam os recursos cabíveis contra possíveis atos abusivos?
Não iremos tratar sobre a constitucionalidade ou não do ato, contudo, o objetivo é se deixar claro quais são os limites da Administração Pública e os recursos cabíveis nesse caso concreto e tão atual.
1) Ação da prefeitura com relação aos prédios na área dominada pelos usuários
A cracolândia abrange uma vasta área da região central de São Paulo, de modo que abriga vários prédios abandonados e lugares propícios para o consumo de drogas e prostituição. Estima-se que mais de duas mil pessoas passam por lá diariamente. Numa tentativa de amenizar essa situação, a prefeitura, usando-se o procedimento da Desapropriação Administrativa, e justificando com base no interesse social, demoliu imóveis na região.
Vejamos o conceito de Desapropriação segundo Alexandre Mazza (Manual de Direito Administrativo, p. 803):
“Procedimento administrativo pelo qual o Estado transforma compulsoriamente bem de terceiro em propriedade pública, com fundamento na necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, pagando indenização prévia, justa e, como regra, em dinheiro”
Além disso, a Desapropriação para a eficácia da Política Urbana está na Constituição Federal no artigo 182. Ela é de competência exclusiva do município e recai sobre imóveis urbanos que não atendem sua função social.
“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. (Regulamento) (Vide Lei nº 13.311, de 11 de julho de 2016)
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.”
Ocorre que, ao demolir esses prédios, a prefeitura não verificou de maneira eficaz se haviam pessoas ocupando-os e, quando começou a demolição, moradores desses locais e que ali se encontravam acabaram se ferindo. Embora a Teoria da Responsabilidade Administrativa não seja mais usual, ela ainda é admitida em casos que tratam da omissão da Administração. Assim, ela deveria ser punida, pois o fato preencheu os quatro requisitos: ato (demolição), dano (feridos), o nexo causal entre a medida e o dano causado,e a culpa da prefeitura, ainda que seja por omissão. Existem várias jurisprudências nesse sentido, inclusive uma envolvendo o famoso caso da boate Kiss, que pegou fogo e deixou centenas de mortos, pois o Tribunal entendeu ser se responsabilidade da administração municipal a fiscalização da casa de show, conforme ementa da Apelação Cível número 70067053884 julgada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. BOATE KISS. PARENTE DOS AUTORES MORTO EM ACIDENTE. OMISSÃO DO MUNICÍPIO DEMANDADO. NEXO CAUSAL ENTRE O DANO E A CONDUTA NEGATIVA DO ENTE PÚBLICO. DANOS MORAIS E MATERIAIS: QUANTUM COMPENSATÓRIO. PENSIONAMENTO AFASTADO.”
Com base na fiscalização hierárquica, ou seja, o modo de controle administrativo onde órgãos superiores fiscalizam órgãos inferiores, e através do Sistema de Correição do Executivo Federal, cujo papel é apurar irregularidades administrativas, seria de se esperar que o Ministério Público abrisse uma investigação preliminar ou sindicância para apurar a responsabilidade da prefeitura nesse ato.
Segundo Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, p. 810) fiscalização hierárquica é
“é exercida pelos órgãos superiores sobre os inferiores da mesma Administração, visando a ordenar, coordenar, orientar e corrigir suas atividades e agentes. E inerente ao poder hierárquico, em que se baseia a organização administrativa, e, por isso mesmo, há de estar presente em todos os órgãos do Executivo. 8 São características da fiscalização hierárquica a permanência e a automaticidade, visto que se exercita perenemente, sem descontinuidade e independentemente de ordem ou de solicitação especial. É um poder--dever de chefia, e, como tal, o chefe que não a exerce comete inexação funcional. Para o pleno desempenho da fiscalização hierárquica o superior deve velar pelo cumprimento da lei e das normas internas, acompanhar a execução das atribuições de todo subalterno, verificar os atos e o rendimento do trabalho dos agentes e avaliar os resultados, para adotar ou propor as medidas convenientes ao aprimoramento do serviço, no âmbito de cada órgão e nos limites de competência de cada chefia (v. cap. III, item 4, sobre poder hierárquico)”
2) Ação da prefeitura com relação aos dependentes químicos
O crack é predominantemente a droga mais consumida na região, e é uma das mais consumidas no Brasil. Seu preço é inversamente proporcional ao potencial de dependência que ele pode causar. É possível se adquirir uma “pedra” por apenas R$ 3,00, o que leva ainda mais pessoas a usarem. Em um país subdesenvolvido, o que não falta são pessoas que vivem as margens da sociedade, sem nenhum tipo de inclusão ou instrução, buscando refugio nas drogas.
Esse problema é pretérito ao aparecimento da cracolândia. Ele surge a partir do momento em que a Administração Pública não fornece educação de qualidade, saúde, segurança, lazer, moradia, e todas as condições básicas para uma vida digna. O caminho da criminalidade aparece então como uma alternativa mais fácil e o das drogas como um meio de amenizar o sofrimento sem perspectiva.
O cenário lá é estarrecedor: pessoas consumindo drogas ao ar livre, traficantes fornecendo os ilícitos, o cheiro forte de urina e putrefação pode ser sentido a metros de distancia, as condições sub-humanas em que a maioria das pessoas ali se encontra, como uma cena de “The Walking Dead”, onde todos são como zumbis.
A solução mais pratica encontrada pela prefeitura para limpar esse cenário foi dispersar os usuários usando bombas, bala de borracha e cassetetes, banindo quem estivesse no caminho, como se todos ali fosse traficantes e bandidos. Mas com qual prerrogativa pode a Administração utilizar de tais meios para resolver um problema tão profundo?
Ora, pelo principio da razoabilidade não se pode admitir a utilização de prerrogativas publicas sem moderação e racionalidade. Existem limites e restrições sobre como as tarefas publicas devem ser desempenhadas. O que deve ser ainda mais observado no que se refere a ações de discricionariedade, como as ações do Poder de Polícia Administrativa.
Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu livro Curso de Direito Administrativo (p.109), admite a possibilidade de revisão de atos discricionários ilegítimos, afirmando que:
“o fato de não se poder saber qual seria a decisão ideal, cuja apreciação compete à esfera administrativa, não significa, entretanto, que não se possa reconhecer quando uma dada providencia, seguramente, sobre não ser a melhor, não é sequer comportada na lei em face de uma dada hipótese”.
Segundo Gordillo:
“a decisão discricionária do funcionário será ilegítima, apesar de não transgredir nenhuma norma concreta e expressa, se é ‘irrazoável’, o que pode ocorrer, principalmente, quando:
a) Não de os fundamentos de fato ou de direito que a sustentam ou;
b) Não leve em conta os fatos constantes do expediente ou públicos ou notórios ou;
c) Não guarde uma proporção adequada entre meios que emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, que se trate de uma medida desproporcionada, excessiva em relação ao que se deseja alcançar”
Outrossim, aliado ao Principio da Razoabilidade, está o Princípio da Proporcionalidade, com o intuito de impedir exageros, especificamente regulando o poder de polícia e o poder disciplinar. Ele esta previsto no art. 2, parágrafo único, VI da Lei 9.784/99 como sendo a “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sancoes em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
Ainda segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, pode haver duas formas de se violar a proporcionalidade, seja pela intensidade ou pela extensão da medida adotada. No caso da ação policial, vemos que não houve a menor a proporção entre a intensidade da conduta da Administração e a pouca lesividade que aqueles usuários poderiam causar, caracterizando um ato ostensivo e excessivo, sem o menor preparo para lidar com pessoas que necessitam de ajuda social, e não policial.
3) Internação compulsória
Uma alternativa tanto quanto questionável e que voltou a aparecer nesse cenário é a internação compulsória. Dependentes químicos são retirados das ruas e internados a força para tratamento.
Sabemos que o Estado tem prerrogativa para intervir na liberdade das pessoas quando a justificativa for resguardar um bem jurídico tutelado maior, no caso, a vida. Portanto, a Administração está autorizada a internar usuários em situações onde eles expõem a própria vida ou a de outrem em risco.
O problema reside novamente no Principio da Proporcionalidade, pois não se pode haver um parâmetro que abranja todas as situações que necessitam da internação, pelo fato de cada caso ser único e a generalização dos quadros de cada dependente pode levar a internação pessoas que poderiam ser recuperadas por outro método.
Isso constituiria um vicio desse ato administrativo, pois o objeto do ato precisa ser lícito, possível, moral e determinado, e nesse caso, pode-se não conseguir pontuar com precisão aquelas pessoas que necessitam de internação. Segundo Di Pietro (Direito Administrativo, p. 250):
“haverá vício em relação ao objeto (...) quando for (...) incerto em relação aos destinatários, às coisas, ao tempo, ao lugar, por exemplo: desapropriação de bem não definido com precisão”
Somado ao exposto, clínicas de recuperação de dependentes possuem um custo bastante elevado, muitas vezes não possuem a infraestrutura adequada e nem comodidade para resguardar todos que para lá são enviados. Então não seria mais razoável e econômico para o Estado investir em outros meios de melhorar essa situação?
Como já dito, na cracolândia se concentram usuários e traficantes. Um traficante preso custa em média para o Estado quarenta mil reais por ano. Uma clínica para internação de dependentes químicos custa por volta (para não dizer “no mínimo”) de quatro mil reais por mês. Já um estudante de ensino médio custa em média dois mil reais por ano. Analisando esses fatos fica claro que os custos de uma educação, em um país subdesenvolvido e com péssimas escolas publicas, é dezenas de vezes menor, e uma educação de qualidade, proveniente desde a base, poderia ser um fator de diminuição dessa realidade das drogas.
Exemplo Jurisprudencial:
“TJ-RJ - HABEAS CORPUS HC 00436784620128190000 RJ 0043678-46.2012.8.19.0000 (TJ-RJ)
EMENTA: HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE . REPRESENTAÇÃO PELA PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DO ART. 129 , § 9º DO CP . INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DO MENOR PARA TRATAMENTO DE DESINTOXICAÇÃO SEM PRÉVIA AVALIAÇÃO TÉCNICA (USO DE CRACK). EXIGÊNCIA DE LAUDO MÉDICO CIRCUNSTANCIADO. VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ARTIGO 114 DO ECA.”
4) Políticas Públicas para Mitigação dos Danos ao Usuário
Levando em conta essa quadro caótico da terra do crack, a Administração tem o dever de mitigar os danos causados pela dependência na vida dos usuários. Deve-se planejar a reinserção das pessoas retiradas da cracolandia na sociedade, fornecendo, além de tratamento, moradia, educação, empregos, alimentos e tudo que se precisa para se ter uma vida digna.
Uma alternativa para isso é através da Parceria Público Privada, prevista na lei 11.079/04, conceituada por Di Pietro como
“contrato administrativo de concessão que tem por objeto (a) a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remunerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público, ou (b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contraprestação do parceiro público”.
Através dessas parcerias, poderiam se firmar contratos entre clinicas particulares, construtoras, escolas fornecedoras de cursos capacitivos e o Estado, para fornecer um futuro empoderado aos dependentes .
Uma prova de que a Administração pode – e deve – se aliar ao particular para melhorias sociais, foi a construção do primeiro presídio privado na região metropolitana de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, onde não há superlotação e, em três anos de funcionamento, não houve nenhuma rebelião. Além disso, o custo de um presidiário lá e quase três vezes menor do que em presídios do Estado.
“PROCESSO ADMINISTRATIVO: 20/2008 EDITAL DE CONCORRÊNCIA Nº: 01/2008 – SEDS/MG. MODALIDADE: CONCORRÊNCIA INTERNACIONAL. TIPO: “MENOR VALOR DA CONTRAPRESTAÇÃO A SER PAGA PELO PODER CONCEDENTE”. OBJETO: CONCESSÃO ADMINISTRATIVA PARA A CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE COMPLEXO PENAL COMPOSTO POR UNIDADES PENAIS, CUJAS DIRETRIZES REFERENTES À OBRA, À INFRA-ESTRUTURA E AOS SERVIÇOS ESTÃO INDICADOS NESTE EDITAL. PRAZO DA CONCESSÃO ADMINISTRATIVA: 27 (VINTE E SETE) ANOS, PRORROGÁVEIS NA FORMA DA LEI E DESTE EDITAL.”
É fato que medidas anteriores para diminuir esse cenário já foram impostas, a exemplo da Operação Recomeço, na realizada pelo governador Geraldo Alckmin, em 2013, e a Operação Braços Abertos, feita pelo ex-prefeito Fernando Haddad, mas como se pode presumir, ambas sem o êxito almejado.
5) Ação Popular
Alternativa para impedir as ações lesivas e abusivas contra os usuários é a Ação Popular. Herança do Direito Romano, essa ação foi prevista pela primeira vez na Constituição de 1934, extinta na Constituição de 1937 e restituída na de 1946, Embora não aparecesse com esse nome, pois somente com a lei 4.717 que essa expressão foi utilizada pela primeira vez.
Na Constituição de 1967 ela teve suas hipóteses de cabimento ampliadas, conforme disposto no artigo 5, LXXIII:
“LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
Portanto a Ação Popular é aquela que visa defender os interesses da coletividade e a titularidade cabe à qualquer cidadão. Disserta Di Pietro (Direito Administrativo, p. 868):
“Ação Popular é a ação civil pela qual qualquer cidadão pode pleitear a invalidação de atos praticados pelo poder público ou entidades de que participe, lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente, à moralidade administrativa ou ao patrimônio histórico e cultural, bem como a condenação por perdas e danos dos responsáveis pela lesão.”
Acrescenta ainda seus pressupostos:
1. Qualidade de cidadão no sujeito ativo,
2. Ilegalidade ou imoralidade praticada pelo Poder Público ou entidade de que ele participe;
3. Lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico cultural.”
Importante ressaltar que por cidadão entende-se ser o brasileiro nato ou naturalizado, que pode exercer os direitos políticos, ou seja, votar e ser votado.
Em seu livro Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles:
“A ação popular é um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, no gozo de seus direitos cívicos e políticos. Por ela não se amparam direitos próprios mas, sim, interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato da ação não é o autor popular; é o povo, titular do direito subjetivo ao Governo honesto. Tem fins preventivos e repressivos da atividade administrativa lesiva do patrimônio público, assim entendidos os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético ou histórico. A própria lei regulamentadora indica os sujeitos passivos da ação e aponta casos em que a ilegalidade do ato já faz presumir a lesividade ao patrimônio público, além daqueles em que a prova fica a cargo do autor popular. O processo, a intervenção do Ministério Público, os recursos e a execução da sentença acham-se estabelecidos na própria Lei 4.717/65. A norma constitucional isenta o autor popular, salvo comprovada má-fé, de custas e de sucumbência”.
Portanto, uma forma de impor limites ao controle exercido pela Administração Pública, poderia ser a propositura de uma Ação Popular, forma de Controle Judicial, na qual se alegaria todas as irregularidades e consequências dos atos realizados na cracolândia pela prefeitura de São Paulo, como a demolição de prédios, inclusive históricos.
Exemplo jurisprudencial:
“TJ-MG - 104790712421560011 MG 1.0479.07.124215-6/001(1) (TJ-MG)
EMENTA: AÇÃO POPULAR ILEGALIDADE E LESIVIDADE DO ATO - CONFIGURAÇÃO - RECURSO IMPROVIDO. ''SÃO TRÊS OS REQUISITOS QUE CONSTITUEM OS PRESSUPOSTOS DA AÇÃO POPULAR: CONDIÇÃO DE ELEITOR, ILEGALIDADE E LESIVIDADE DO ATO''. ''O PRONUNCIAMENTO DO JUDICIÁRIO, NESSA AÇÃO, FICA LIMITADO UNICAMENTE À LEGALIDADE DO ATO E À SUA LESIVIDADE; COMPROVADO A OCORRÊNCIA DESSES DOIS VÍCIOS NO ATO IMPUGNADO, PROCEDE O PEDIDO CONTIDO NA EXORDIAL''.
6) Recursos Administrativos
Recursos Administrativos são os meios aptos para realizar o reexame de decisões internas pela própria Administração, por motivos de legalidade e de mérito administrativo. As decisões são revistas por estâncias de seus tribunais ou comissões de julgamento, subindo da inferior para a superior através do respectivo recurso administrativo previsto em lei ou regulamento.
Hely Lopes Meirelles traz que:
“Os recursos administrativos são um corolário do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ou servidor atingido por qualquer ato da Administração. Inconcebível é a decisão administrativa única e irrecorrível, porque isto contraria a índole democrática de todo julgamento que possa ferir direitos individuais e afronta o princípio constitucional da ampla defesa, que pressupõe mais de um grau de jurisdição. Decisão única e irrecorrível é a consagração do arbítrio, não tolerado pelo nosso Direito. A Lei 9.784/99 consagrou esse entendimento ao estatuir, no capítulo dos "Recursos", que das "decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito”
O recurso provocado é aquele interposto voluntariamente pelo particular interessado, enquanto o recurso de ofício é aquele interposto pela autoridade que proferiu a decisão inferior. Os recursos provocados devem ser fundamentados, com a exposição dos fatos e indicação da ilegalidade impugnada, consistente em violação flagrante ou dissimulada de algum principio/norma constitucional, legal, regulamenta ou contratual. A decisão do recurso também deve ser fundamentada, o julgador deve expor seus motivos, não se admitindo o acolhimento ou a rejeição imotivada de recurso.
A autoridade ou o tribunal administrativo tem autonomia para revisar o ato recorrido, podendo modifica-lo ou invalidado, por razoes de conveniência, legalidade, oportunidade ou por razoes de ordem técnica que comprometam a eficiência do serviço publico ou a utilidade do negocio em exame.
O julgamento do recurso administrativo torna a decisão vinculante para a Administração e torna definitivo o ato apreciado em última instância. A partir disso, apena o Judiciário pode modificá-lo.
Esses recursos possuem dois efeitos: o devolutivo e, excepcionalmente, o suspensivo. No silencio da lei, o efeito presumido é o devolutivo, mas pode ser que fique expresso que o recurso terá efeito suspensivo, de modo a impedir o andamento do prazo prescricional e causar a impossibilidade jurídica de utilização do Judiciário contra ato pendente de decisão administrativa.
Exemplo jurisprudencial:
TJ-PA - Recurso Administrativo : 00099146820168140000 BELÉM
EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REMOÇÃO. MOTIVO DE SAÚDE. ART. 36, III, ALINEA B DA LEI N. 8.112/90. ACOMPANHAMENTO DE DEPENDENTE. ART. 36, III, ALÍNEA A, DA LEI N. 8.112/90. IMPOSSIBILIDADE. AUSENTES REQUISITOS. PRINCIPIO DA PROTEÇÃO À FAMÍLIA. ART. 226 DA CONSTITUIÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO PERANTE JUNTA MÉDICA. REMOÇÃO NEGADA. DESLOCAMENTO DE SERVIDOR. INDEFERIMENTO PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DA EXCEPCIONALIDADE PREVISTA NO ART. 25 DA RESOLUÇÃO 006/2014-GP.
Concluindo, o Recurso Administrativo, assim como a Ação Popular pode ser um meio de controle e uma alternativa para demonstrar a ilegalidade e rever as ações da prefeitura promovidas nos últimos dias na cracolândia.
Referências Bibliográficas:
Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, Ed. Malheiros, 40ª edição.
Direito Administrativo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Ed. Atlas, 26ª edição.
Manual de Direito Administrativo, Alexandre Mazza, Ed. Saraiva, 6ª edição.