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O regime disciplinar diferenciado: sanção desumana ou medida cautelar necessária para presos de alta periculosidade

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Os resultados obtidos pela aplicação do RDD mostraram-se eficientes?

Resumo: O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) é o conjunto de regras rígidas que são direcionadas aos presos provisórios ou definitivos que representam alta periculosidade e que de alguma forma mantém sua força de influência e comando dentro e fora do espaço prisional, se apresentando como uma ameaça para a sociedade. Quanto aos procedimentos técnicos considera-se um levantamento bibliográfico, quanto aos fins considera-se uma pesquisa descritiva e exploratória. Desse modo, o presente artigo tem como principal objetivo discorrer sobre a aplicação do RDD, mais especificamente sobre os §§ 1° e 2°, do artigo 52, da Lei de Execução Penal. Ainda busca-se demonstrar que as regras desse regime estão em conformidade com os princípios constitucionais, bem como, apresentar a origem histórica do RDD, discutir características e hipóteses de aplicação do mesmo, defendendo mais uma vez sua legalidade. O RDD configura-se um regime em desenvolvimento diante da sua aplicabilidade e eficácia no sistema carcerário brasileiro, assim, representa relevância no âmbito jurídico, social e acadêmico. Através da análise, verificou-se que o objetivo dessa medida era conter a onda de violência que se espalhava dentro e fora dos presídios,no que diz respeito ás alegações de inconstitucionalidade, após analise individualizada de princípios dos quais se baseiam as alegações, pode-se afirmar que as mesmas não merecem prosperar. Portanto, apesar da grande divergência doutrinária acerca da constitucionalidade do RDD, conclui-se que este é um mal necessário, que visa conter o avanço do crime organizado e suas diversas ramificações.

Palavras Chave: Execução Penal. Regime Disciplinar Diferenciado. Legitimidade Constitucional


1. INTRODUÇÃO

Há muito tempo se discute sobre qual é a finalidade da pena de reclusão e até onde tal medida punitiva pode ser aplicada, sem que sejam feridos direitos e garantias básicas do sujeito. Em busca de respostas eficazes para essa problemática foram propostas diversas alterações tanto no sistema carcerário nacional quanto no internacional. Assim, no dia 1° de dezembro de 2003, com advento da Lei 10.792/03, foi implementado ao ordenamento jurídico pátrio um conjunto de regras rígidas, que recebeu a denominação de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)[3]. Esta medida possui como principal característica a restrição de direitos do recluso, tendo como objetivo uma maior segurança da sociedade civil e carcerária.

O RDD se direciona aos presos provisórios ou definitivos, nacionais ou internacionais que de alguma forma põem em risco a ordem da unidade prisional, e, notadamente, representam alta periculosidade e ameaça à sociedade. Para esses internos, o Estado reservou um tratamento mais severo, para que assim, possa atenuar os possíveis danos e influência que os mesmos detêm dentro e fora do espaço prisional.

Considerando o contexto nacional, onde atualmente existe a necessidade de lidar com diversas facções e grupos que se destinam à prática de atividades criminosas, o presente trabalho tem como principal objetivo discorrer sobre a aplicação do RDD, mais especificamente sobre os §§ 1° e 2°, do artigo 52, da Lei de Execução Penal, que se direcionam aos internos que apresentam alta periculosidade tanto para sociedade civil quanto para a sociedade carcerária. Ao longo do estudo para aprofundamento do tema têm-se como objetivos específicos demonstrar que as regras do RDD estão em consonância com os princípios da constitucionalidade, mesmo recebendo severas críticas onde entende que o mesmo viola princípios básicos constitucionais. Ainda busca-se apresentar a origem histórica do RDD, discutir as características e hipóteses de aplicação dessa medida, defendendo mais uma vez sua legalidade.

Sustentando a ideia de que a limitação de direitos e garantias individuais se faz necessário, em alguns casos, para garantir a segurança da sociedade, desde que observadas a devida proporcionalidade e a necessidade das medidas adotadas, o RDD atende a estes requisitos sem impor aos detentos tratamentos desumanos. Considerando que essa pesquisa busca demonstrar que o RDD não fere garantias constitucionais, o que se propõe pelo uso do mesmo, é a supressão de alguns direitos e garantias individuais vislumbrando a conservação de um bem maior que é prover/manter a ordem da sociedade brasileira, este estudo norteia-se pelos seguintes questionamentos, existem medidas inconstitucionais com uso do RDD? E quais benefícios e eficácia estariam implicados ao sistema prisional brasileiro ao fazer uso do RDD para enfraquecer a atuação dos presos de alta periculosidade?

O RDD configura-se um regime em desenvolvimento diante da sua aplicabilidade e eficácia no sistema carcerário brasileiro, e nessa configuração vem despertando divergência doutrinária sobre a sua constitucionalidade, dessa forma, aponta sua relevância no âmbito jurídico. Sustentadas as justificativas de sua aplicabilidade e relevância esse estudo admite a ideia de que o uso do RDD está em conformidade com o estabelecido na Constituição Federal de 1988, mais precisamente o que defende os artigos 1° e 5° da Lei Magna Brasileira. Diante disso, faz-se necessário o estudo desse tema de maneira mais densa, visando o esclarecimento de pontos específicos, tais como as hipóteses de cabimento e as suas justificativas, e, sobretudo, sua legalidade de aplicação.

Diante do crescimento das organizações criminosas e do aumento assombroso da violência esse tema também apresenta sua relevância social, uma vez que sua eficácia representa a atenuação dessas problemáticas. Pois, ao fortalecer a necessidade da aplicação dessa medida tem-se maior possibilidade em aplacar a atuação de sujeitos de alta periculosidade, que buscam burlar as regras de conduta criadas pelo Estado, observando rigorosamente os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da razoabilidade.

A pesquisa ainda possui relevância acadêmica por ser o RDD um regime em desenvolvimento e pouco falado na área acadêmica, portanto, justifica-se a necessidade da construção de novos conhecimentos sobre o mesmo. Ainda apresenta relevância acadêmica, pois se torna um aporte teórico que pode servir de base para a elaboração de trabalhos futuros mais abrangentes sobre o mesmo tema.

O presente estudo será discorrido da seguinte maneira, primeiro demonstra-se a origem histórica do RDD, para tanto, utiliza-se e faz-se o manejo da Lei 7.210, de 11 de junho de 1984, Lei de Execução Penal (LEP), precipuamente os artigos 52 e 54, que foram alterados com a vigência da Lei 10.792, de 1° de dezembro de 2003. Posteriormente, passar-se-á a analisar a constitucionalidade/legalidade; conceituação; as hipóteses de cabimento; as justificativas e as respectivas características dessa forma de cumprimento de pena. Por fim, se abordará divergências doutrinarias acerca da constitucionalidade de tal medida.


2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Origem histórica do Regime Disciplinar Diferenciado- RDD

As diversas rebeliõesque ocorreram em presídios estaduais a partir do ano de 2000, resultaram na ideia de se isolar certas categorias de presos em uma modalidade de cumprimento de pena mais rigorosa do que aquelas em que ospresos comuns já vinhamsendo submetidos em cumprimento à sua penalidade.

No ano de 2001 em São Paulo, ocorreu a maior rebelião da qual se tem notícia, tendo envolvido vinte e cinco unidades prisionais da Secretária de Administração Penitenciária e quatro cadeias sob o cuidado da Secretaria de Segurança Pública Estadual. O propósito de tal rebelião era intimidar as autoridades governamentais, em vista de estas terem determinado a transferência de componentes do PCC (Primeiro Comando da Capital) para unidades distantes da capital paulista, o desfecho dessa rebelião foi a morte de dezesseis internos, além do extenso número de feridos. O que mais chocou a sociedade foi a facilidade de comunicação que os internos tinham com os presos de outras unidades prisionais e com pessoas que não se encontravam reclusas.[4]

Ante a essa ineficiência das normas prisionais já existentes, a Secretaria da Administração do Estado de São Paulo começa a editar medidas visando atenuar o poder de atuação desses detentos e entre essas medidas está a Resolução de n° 26, que estabelecia a introdução do detendo no RDD. Inicialmente, tal previsão era exclusiva para cinco unidades prisionais do estado: Casa de Custódia de Taubaté, Penitenciárias I e II de Presidente Venceslau, Penitenciária de Iaras I e II e de Avaré; tendo sido aplicada gradativamente nas demais unidades.[5]

No Rio de Janeiro, o RDD teve uma denominação diferente, ficando conhecido como Regime Disciplinar Especial de Segurança (RDES), e foi efetivado nas unidades prisionais do Estado após a rebelião ocorrida no ano de 2002, no Presídio Bangu I, tendo como principal suspeito Fernandinho Beira-Mar resultando na morte de quatro internos que pertenciam à facção rival conhecida como Amigos dos Amigos (AA).[6]

Em 1° de dezembro de 2003, foi sancionada a Lei n° 10.792, que incluía na Lei de Execução Penal (LEP)[7] os artigos 52 e 54, que versam sobre o RDD. Essamedida estabelece uma modalidade de cumprimento de pena mais rigorosa para determinados internos. A adesão a esse maior rigor disciplinar resultou no surgimento de diversos debates jurídicos acerca da violação ou não de direitos básicos dos cidadãos brasileiros.

Desde os remotos tempos, combater a violência e buscar manter a ordem em sociedade é uma luta constante da humanidade. Na sociedade brasileira a força e influência de pessoas e/ou grupos que conquistam seu espaço através da violência, coerção e transgressão à lei é desmedida.

As origens mais remotas de um regime mais rigoroso para presos incomuns são apontadas ainda na Antiguidade, embora fossem empregadas denominações diversas. No Brasil, há referências ao instituto no período imperial de nossa história. Em fase mais recente, já vinham sendo discutidas propostas de implantação de medidas nesse sentido até que, em 15 de março de 2003, a sociedade foi surpreendida com o trágico homicídio que vitimou o então Juiz-Corregedor da Vara de Execuções Penais de Presidente Prudente/SP, Dr. Antônio José Machado Dias, vindo posteriormente a se descobrir ter sido está mais uma obra de uma facção criminosa insatisfeita com a atuação honesta e exemplar do referido magistrado no trato de presos de reconhecida periculosidade. A partir de então, foram incrementados os esforços no sentido do endurecimento das regras prisionais em face de indivíduos cujo comportamento no cárcere punha em risco a sociedade e as próprias autoridades estatais que atuavam na repressão criminal.[8]                    

O RDD surgiu a partir da resolução de n° 26, de 04 de maio de 2001, proposta pela secretaria da Administração da Penitenciária de São Paulo. Atualmente, esse é o único instrumento de natureza legislativa, a nível nacional, que objetiva combater o crime organizado nas prisões.

O Regime Disciplinar Diferenciado foi concebido para atender às necessidades de maior segurança nos estabelecimentos penais e de defesa da ordem pública contra criminosos que, por serem líderes ou integrantes de facções criminosas, são responsáveis por constantes rebeliões e fugas ou permanecem, mesmo encarcerados, comandando ou participando de quadrilhas ou organizações criminosas atuando no interior do sistema prisional e no meio social.[9]        

Desse modo, se verifica através de um recuo histórico que o instituto possui antecedentes e que a implantação do RDD no ordenamento pátrio surgiu como meio de buscar maior segurança para os estabelecimentos prisionais e paraaconservação da ordem pública. Considerando que mesmo cumprindo pena dentro dos estabelecimentos prisionais, os líderes e os integrantes das organizações criminosas continuavam a praticar atividades ligadas ao crime organizado, identificando desse modo, a ineficiência das medidas aplicadas pelo Estado. Assim, o RDD foi efetivado no ordenamento jurídico nacional, não de forma aleatória, mas sim, ante a atuação cada vez mais efetiva e violenta das organizações criminosas, que exigiu do Estado uma resposta mais eficaz.

Conceito do Regime Disciplinar Diferenciado

O RDD possui previsão legal no artigo 52 da Lei de Execuções Penais (LEP), e apesar do nome, o mesmo não vem a ser um regime de cumprimento de pena. O que ocorre aqui é um endurecimento no regime em que o interno já vem cumprindo a sua pena, ou seja, a supressão de alguns direitos, visando garantir a eficaz aplicação da pena.

Nesse sentido, Mirabete e Fabbrini destacam:

Pela lei n° 10.792, de 1°-12-2003, foi instituído o regime disciplinar diferenciado, que não constitui um regime de cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechado, semi aberto e aberto, nem uma nova modalidade de prisão provisória, mas sim um regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar ou como medida de caráter cautelar, tanto ao condenado como ao preso provisório, nas hipóteses previstas em lei.[10]

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A natureza jurídica do RDD pode ser tanto de sanção, quanto de medidacautelar, diz-se que a natureza jurídica será de sanção quando aplicada às hipóteses em que o interno pratica falta grave e, essa prática, resultenasubversão da ordem ou disciplina interna. Nesse sentido, o RDD tem o objetivo de punir o interno pelo fato de burlar as regras do espaço prisional.

Por sua vez, a natureza jurídica será de medida cautelar quando o interno se encaixar nas descrições previstas nos §§ 1° e 2°, do artigo 52, da LEP. Assim, poderá ser o interno submetido ao RDD quando sobre ele houverem fundadas suspeitas de envolvimento com o crime organizado, quadrilha ou bando, do mesmo modo, quando esses apresentarem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento prisional ou da sociedade.

Importante se faz mencionar que o RDD é aplicável tanto ao preso condenado quanto ao provisório, bem como, aos presos nacionais e estrangeiros que estejam cumprindo pena em umas das unidades prisionais da federação.      

A imposição do RDD aos detentos tem como objetivo impossibilitar e/oudificultar a comunicação desses como as demais pessoas, sejam elas reclusas ou não. Aos presos são asseguradas duas horas para banho de sol, e nas outras vinte e duas horas o preso é submetido a este regime disciplinar, em regra, fica isolado em sua cela.

É neste ponto que surge umdos debates sobre a inconstitucionalidade desta medida, uma vez que, segundo os críticos, o isolamento do preso, nesses moldes, é uma violaçãoda dignidade do ser humano, previsto no artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal. Segundo as críticas ao isolar o preso dos demais, esse estaria sendo submetido a sofrimento físico e psíquico, caracterizando a aplicação de penas cruéis, o que também possui previsão contraria no artigo 5°, III e XLVII da Constituição Federal.[11]        

Características do Regime Disciplinar Diferenciado

As características do RDD estão elencadas nos quatro incisos do artigo 52 da Lei 7.210/84.

Art. 52 - (...) sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.[12]

Em análise ao preceituado nesses incisos percebe-se que o RDD impõe aos detentos as seguintes condições: recolhimento em cela individual; visita semanal de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas e a saída da cela por duas horas diárias, destinada ao banho de sol.  O inciso I limita o tempo de permanência do detento em 360 dias, sem prejuízo de repetição pelo cometimento de nova falta grave até o limite de um sexto da pena imposta a esse.

O RDD se caracteriza pelo afastamento do interno das outras pessoas durante a maior parte do dia. Ao detento é assegurado o direito de duas horas de banho de sol, as demais 22 horas diárias, esse passará recluso em sua sela, sem nenhum tipo de contatocom outras pessoas. A cela onde o detento permanece a maior parte do diaé equipada conforme as necessidades básicas do preso, e a este é facultado o acesso a livros previamente autorizados pela Direção do Presídio. Nas celas é vedado o ingresso de rádios, televisores, revistas, jornais e qualquer outro meio de disseminação de informações, sendo permitido apenas o ingresso de objetos previamente autorizados pela Direção do presídio.

No que diz respeito às visitas, o detento poderá receber até duas visitas semanais de até duas horas, sem contar as crianças, é importante salientar que nessa modalidade de cumprimento de pena, o preso não tem direito a visita íntima. As visitas permitidas ocorrem em uma sala própria, onde o detento e os visitantes não conseguem manter contato físico, pois entre eles há uma barreira e as conversas se dão através de um interfone, objetivando inviabilizar a troca de informações e objetos entre os detentos e os visitantes.

Grande parte das críticas direcionadas ao RDD se concentra basicamente nas características elencadas nos incisos II e IV. Tendo em vista a precária situação dos presídios brasileiros, o detento preso estaria sujeito a um sofrimento físico e psicológico, o que pode ser considerado como uma pena cruel e consequentemente seria uma forma de ferir a dignidade humana, que é expressamente proibido pelos artigos 1°, III e 5°, XLVII, da Constituição Federal.

Desse modo, Távora e Alencar, opositores a essa medida afirmam “(...) a inclusão no RDD em razão do detento representar alto risco para a segurança do estabelecimento ou da sociedade é imputar o ônus da falência do sistema prisional exclusivamente ao preso, caracterizando o Direito Penal do autor, vedado em nosso ordenamento jurídico”.[13]

Entretanto, já é de comum entendimento entre os tribunais superiores a constitucionalidade de tal medida, alegando que as garantias constitucionais individuais não são ilimitadas, ou seja, em havendo necessidades da sociedade, essas garantias individuais não poderão prevalecer sobre as coletivas, desde que se observe o princípio da proporcionalidade.

Corroborando com esse entendimento, temos o julgado do Superior Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

Processo: HC 40300 RJ 2004/0176564-4

Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA

Publicação: DJ 22/08/2005 p. 312 - RT vol. 843 p. 549

Julgamento: 7 de Junho de 2005

Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Ementa: HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. ART. 52 DA LEP. CONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO RECONHECIDA.1. Considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade.2. Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003, que alterou a redação do art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional – liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos – e, também, no meio social.3. Aferir a nulidade do procedimento especial, em razão dos vícios apontados, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório apurado, o que, como cediço, é inviável na estreita via do habeas corpus. Precedentes.4. A sentença monocrática encontra-se devidamente fundamentada, visto que o magistrado, ainda que sucintamente, apreciou todas as teses da defesa, bem como motivou adequadamente, pelo exame percuciente das provas produzidas no procedimento disciplinar, a inclusão do paciente no Regime Disciplinar Diferenciado, atendendo, assim, ao comando do art. 54 da Lei de Execução Penal.5. Ordem denegada.[14]

Do julgado supracitado é possível se extrair o entendimento de que o RDD não fere os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, uma vez que esses não possuem um caráter ilimitado, sendo plenamente aplicável o princípio da proporcionalidade para legitimar aatuação estatal.

Hipóteses de cabimento, o isolamento e inclusão preventiva no RDD

As situações em que se permite a utilização do RDD estão estabelecidas no caput do artigo 52 e em seus §§ 1° e 2° da LEP. Conforme já demonstrado, a natureza jurídica do RDD pode ser tanto de sanção (caput do artigo 52), quanto de medida cautelar (§§ 1° e 2°).

Os fundamentos para decretação do RDD podem constituir: (1) na prática de falta grave (cf. arts 50, I a IV, da Lei 7.210/84), devidamente comprovada em procedimento próprio, com observância de ampla defesa, (2) na existência de fundado risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, ou ainda, (3) na fundada suspeita de envolvimento ou participação do custodiado, a qualquer título, em organização criminosa, quadrilha ou bando, sendo que essas duas últimas hipóteses encontram-se previstas nos parágrafos do artigo 52 da Lei 7.210/84.[15]

Com relação ao cabimento do RDD sob as hipóteses previstas nos §§1° e 2° do artigo 52 da LEP, é importante esclarecer que não basta a mera suspeita do cometimento da falta grave ou da participação em qualquer nível em organização criminosa, a prática desse comportamento precisa ser devidamente comprovado. No caso da primeira hipótese, em procedimento administrativo próprio e na segunda pelas provas colhidas nos autos.

Considerando decretação do isolamento preventivo e de inclusão preventiva do detento no RDD, o artigo 60 da Lei de Execução Penal brasileira prevê as possibilidades, assim destaca-se que se dispõe nesse dispositivo legal.

Art. 60. A autoridade administrativa poderá decretar o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, dependerá de despacho do juiz competente.

Parágrafo único. O tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime disciplinar diferenciado será computado no período de cumprimento da sanção disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003).[16]

Observa-sea possibilidade de isolamento preventivo do detento, que será decretada pelo diretor do presídio e não poderá ultrapassar 10 (dez) dias; tanto a inclusão definitivado detento quanto a provisória no RDD dependemda manifestação do juiz competente, bem como a do Ministério Público e da Defesa, caso seja deferida essa inclusão definitiva, o tempo em que o detento ficou provisoriamente neste regime écomputado no período fixado de forma definitiva.

Salienta-se que para que o detento ser incluído provisoriamente no RDD, não se faz necessária previa manifestação do Ministério Público e da defesa. Apenas em caso de inclusão definitiva é que será indispensável que aqueles se manifestem previamente, e caso não seja dado vista para as partes o ato será absolutamente nulo.

Neste sentido, destaca-se a relevante consideração de Mirabete e Fabbrini:

A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, diversamente das demais sanções disciplinares, somente pode ser aplicada por decisão de juiz competente, ouvidos previamente o Ministério Público e a defesa (item 54.2). Prevê a lei a possibilidade de inclusão preventiva do preso faltoso no regime disciplinar diferenciado como medida cautelar no interesse da disciplina e da averiguação do fato, exigindo porém igualmente, prévia autorização judicial, nos termos do artigo 60.[17]           

Com relação à competência para decretação da inclusão ou não do detento no Regime Disciplinar Diferenciado há grande divergência doutrinária, parte dos doutrinadores entendem que o juiz competente é o juiz da execução penal; a outra parte entende que a competência do juiz será determinada pelo momento processual em que se pretende essa inclusão, ou seja, se a motivação da inclusão do detento se der durante a prisão cautelar, a competência será do juiz do procedimento comum, por outro lado, se a motivação ocorrer durante o cumprimento da sanção imposta, a competência será do juiz da execução.               

É importante esclarecer que apesar da decretação da inclusão do detento no RDD ser realizada pelo juiz competente, apenas a Autoridade Administrativa ou o Diretor do Presídio é quem tem a competência de requerer esta inclusão, dessa forma destaca-se o que dispõe o artigo 54 da LEP:

Art. 54. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

§ 1o A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003).

§ 2o A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003).[18] (Grifos meus).

Apesar de não aparecer no texto legal como detentor da capacidade postulatória, o Parquet,por exercer a função de fiscal da execução penal e dos incidentes de execução, é entendido por muitos doutrinadores como sendo competente para solicitar a inclusão de presos no RDD.[19]

Da necessidade e da eficiência do RDD

Para combater o crime organizado se faz necessária uma maior reprimenda estatal. Desse modo, como objetivo de estabelecer a ordem nos presídios, bem como, garantir a manutenção da ordem social, o Estado instaurou no ordenamento jurídico pátrio o RDD, que reserva para aqueles presos provisórios ou definitivos, que de alguma formaintegram organizações criminosas, um tratamento mais severo daquele direcionado aos presos comuns.

Os presos pertencentesàs organizações criminosas, mesmo no interior dos estabelecimentos prisionais, conseguem manter aparticipaçãonas atividades. Tanto dentro do presídio, na modalidade de rebeliões, quanto fora deles, autorizando a execução de pessoas que de alguma forma representa ameaça ao desenvolvimento das organizações criminosas, expandindo seu poder de influência na comunidade pertencente, crescendo seu patrimônio financeiro, desenvolvendo e ampliando suas práticas ilícitas.

É fato que o poder das organizações criminosas não se intimida dentro dos estabelecimentos prisionais,pelo contrário, encontram nesses a oportunidade de crescimento e força. Os presos se aproveitam dos pontos em que o Estado é vulnerável, como por exemplo, no descuido quanto à entrada de aparelhos celulares, o que lhes possibilita comunicação direta com o mundo exterior e seus intermediários. Desse modo, as organizações criminosas utilizam-se dos recursos tecnológicos para burlar as regras estabelecidas pelo Estado e, assim, perpetuar suas práticas delituosas. O Estado também demonstra ineficácia na desestruturação do processo de trabalho e organização dessas facções criminosas.

Estar em um ambiente onde se encontram sujeitos que também compartilham e se beneficiam do crime, os presídios acabampor ser um espaço de recrutamento para o crime organizado, uma vez que, o Estado não exerce com eficácia seu controle, assim, presos que são ditos como comuns podem ser recrutados, tornando-se novos integrantes dessas organizações criminosas.[20]

Além do mais, os presos destinados a cumprir a pena no RDD, estará nele por representar perigo ou tumultuar o ambiente carcerário, colocando o RDD na aposição de medida de inteira necessidade para que alcance a manutenção da ordem carcerária e da paz social. Portanto, o “RDD surgiu como mecanismo de repressão estatal contra a utilização do cárcere como meio para a estruturação do crime organizado. [...] . Afinal, o cárcere é para prevenir e punir o crime, e não para fomentá-lo e organizá-lo”.[21]

Ante esse contexto conturbado, se fazia necessário um tratamento diferenciado para aqueles presos que integravam de alguma forma organizações criminosas, já que os meios utilizados para conter a criminalidade dos presos comuns não se mostravam eficientes paraaqueles. Então, oRDD foi o mecanismo de defesa que o Estado encontrou para combater a onda de criminalidade e a desordem carcerária que assolavam o país.

Em concordânciaNucci afirma:

A realidade distanciou-se da lei, dando margem à estruturação do crime, em todos os níveis. Mas, pior, organizou-se a marginalidade dentro do cárcere, o que é situação inconcebível, mormente se pensarmos que o preso deve estar, no regime fechado, à noite, isolado em sua cela, bem como, durante o dia, trabalhando ou desenvolvendo atividades de lazer ou aprendizado.[22]

O RDD tem se mostrado eficaz, uma vez que ao restringir a comunicação das organizações criminosas com seus líderes, que se encontram encarcerados nessa modalidade, conseguem desequilibrara organização, causando grande impacto e vulnerabilidade à mesma.

Em concordância com os benefícios do RDD, Porto aponta:        

O efeito prático do isolamento dos líderes das facções criminosas propiciado pelo Regime Disciplinar Diferenciado foi devastador para a criminalidade organizada. Com a falta de contato dos líderes, importantes integrantes, alguns deles fundadores destas facções, foram destituídos de seus comandos, causando a desestruturação destes grupos criminosos.[23]

Para demonstrar a necessidade eeficiência do RDDé importante destacar os benefícios do uso do mesmo no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, e, em segundo momento, trazer exemplos de presídios que não fazem uso do RDD, bem como, como vivenciam constantemente a desordem e o fortalecimento do crime e outras violações da lei e dos próprios princípiosfundamentais da constituição.           

Porto, sobre o Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes em uso do RDD, afirma:

O sucesso deste modelo prisional pode ser aferido estatisticamente. Durante os mais de quatro anos de funcionamento do Regime Disciplinar Diferenciado implementado no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, nenhuma fuga foi registrada. Não há qualquer registro de rebeliões ou mortes provocadas pelos detentos. Também não há registro de espancamentos de presos ou maus tratos por parte da Administração. Durante os primeiros anos de funcionamento do Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, Promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo realizaram o acompanhamento mensal dos dez principais líderes de facções criminosas que haviam sido transferidos para o estabelecimento, após terem sido denunciados pelo Ministério Público por crime de formação de quadrilha ou bando. No decorrer desses meses de acompanhamento, nenhum dos presos relatou qualquer incidente com Agentes Penitenciários que trabalham no local. Pelo contrário, relataram que jamais haviam sido tratados com tamanho respeito pela Administração.[24]           

Contraditoriamente, Nucci faz considerações sobre os presídios sem uso do RDD:

Há presídios brasileiros onde não existe o RDD, mas presos matam outros, rebeliões são uma atividade constante, fugas ocorrem a todo momento, a violência sexual não é contida e condenados contraem doenças gravíssimas. Pensamos ser essa situação mais séria e penosa que o regime disciplinar diferenciado. Obviamente, poder-se-ia argumentar que um erro não justifica outro, mas é fundamental lembrar que o erro essencial provém, primordialmente, do descaso de décadas com o sistema penitenciário, gerando e possibilitando o crescimento do crime organizado dentro dos presídios. Ora, essa situação necessita de controle imediato, sem falsa utopia. Ademais, não há direito absoluto, como vimos defendendo em todos os nossos estudos, razão pela qual a harmonia entre direitos e garantias é fundamental. Se o preso deveria estar inserido em um regime fechado ajustado à lei, o que não é a regra, mas exceção, a sociedade também tem direito à segurança pública. Por isso o RDD tornou-se uma alternativa viável para conter o avanço da criminalidade incontrolada, constituindo meio adequado para o momento vivido pela sociedade brasileira.[25]

Assim, o objetivo de estabelecer a ordem dentro e fora das penitenciarias, tem sido alcançado com o uso do RDD, uma vez que não permitindo que as ordens emanadas pelos líderes das organizações criminosas cheguem aos presos comuns ou aos demais membros dessas organizações, causa um efeito devastador na estruturação dos seus trabalhos, se assim pode-se dizer.

A constitucionalidade do RDD sob o enfoque doutrinário

Apesar dos Tribunais Estaduais já terem firmado o entendimento da constitucionalidade acerca da aplicação doRDD nos termos do artigo 52 da LEP, a divergência doutrinária ainda prevalece, sendo necessária uma maior dedicação a esse aspecto. Passar-se-á a apresentar os argumentos relacionados à sua constitucionalidade, refutando os pressupostos de sua inconstitucionalidade, ao ratificar o entendimento dos Tribunais Superiores.

Em defesa da constitucionalidade do RDD Mirabete e Fabbrini corroboram:

Não é correto o entendimento de que a previsão do regime disciplinar diferenciado seria inconstitucional por implicar violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, da humanidade das penas e da proporcionalidade e à proibição da submissão do preso a tratamento desumano e degradante (arts 1°, III, e 5°, III e XLVII, da CF). A disciplina legal do regime diferenciado não prevê qualquer medida que ofenda os mencionados princípios constitucionais. Consistem essas medidas tão somente em restrições temporárias a alguns direitos do preso, expressamente discriminados, que não implicam a sua sujeição a tratamento cruel, desumano e vexatório, respeitando-se a sua integridade física e psíquica e demais direitos previstos em lei.[26]

No que diz respeito à constitucionalidade material do RDD, as correntes contrárias à sua aplicação apontam uma série de princípios constitucionais que seriam violados, alegando inclusive a contrariedade aos Direitos Humanos. Para tanto, passar-se-á a analisar individualmente cada uma dessas possíveis violações principiológicas, deixando claro, que a interpretação do contexto social é imprescindível para se analisar até que ponto os direitos individuas conferidos pela Constituição Federal de 1988,compreendidos como absolutos, poderão se sobrepor aos interesses coletivos.

O primeiro princípio quese diz violado é o Princípio da Legalidade, previsto no artigo 5°, XXXIX da Constituição Federal, que preceitua que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.[27]Antes da instituição do RDD por meio da Lei Ordinária 10.792/03 o mesmo não obedecia às regras de constitucionalidade, uma vez que sua previsão apenas estava presente em resolução administrativa. Por se tratar de matéria mista, que envolve direito processual penal com direito penal, estava em desconformidade com a Emenda Constitucional n° 32, de 11 de setembro de 2001 que veda a edição de Medidas Provisórias que versem sobre matéria de direito processual penal e civil, bem como matéria de direito penal.

O segundo princípio que tem sua violação alegada é o Princípio da Igualdade, que possui previsão no artigo 5°, I, da Constituição Federal de 1988, onde diz “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. [28]

Segundo este princípio, os iguais devem ser tratados de forma igual, e os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdadeA aplicação desse princípio visa o afastamento da utilização do parâmetro de desigualdade de forma arbitrária, sem nenhuma razoabilidade ou que deixe de alguma forma de atender os aos interesses públicos. Ressalta-se que a aplicação do Princípio da Igualdade em momento algum tem como objetivo vedar a diferenciação das pessoas quanto à sua idade, classe social, entre outros, o que se busca a aqui é atender às necessidades individuais em conformidade com as coletivas. Quanto a aplicação desse princípio no âmbito das execuções penais, o mesmo não é violado quanto às condições subjetivas do detento, como por exemplo, sua reincidência e sua conduta atual no estabelecimento prisional, que são observadas para se determinar qual o regime disciplinar melhor se adéqua ao cumprimento da pena. Portanto, a violação não ocorre, uma vez que, como já mencionado, o princípio aqui abordado estabelece que os desiguais precisam ser tratados na medida de suas desigualdades.

O terceiro princípio sobre o qual recaem as alegações de violação é o Princípio da Individualização da Pena, previsto no artigo 5°, XLVI, da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a análise e adequação das penas observando as peculiaridades do agente para que assim se possa obter os fins pretendidos com sua aplicação. Assim, dispõem “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos”. [29]

A individualização da pena no ordenamento jurídico pátrio é realizada tanto pelo legislador que determina quais atos serão considerados como crime, e quais as penas serão impostar para cada um desses atos tipificados, quanto pelo julgador que, estando presentes todos os elementos constitutivos do crime,aplicará, analisando as peculiaridades do caso concreto, a reprimenda necessária.

A individualização da pena, também se faz presente no momento da execução da pena imposta pelo julgador, conforme estabelece o artigo 5°, da Lei de Execuções Penais “Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”.[30]Assim, visando o cumprimento da função social da pena, qual seja recuperar e ressocializar os condenados, o Estado se utilizando do seu poder punitivo, deverá analisar as peculiaridades do agente e do fato praticado, para que assim encontre um regime que melhor se adeque às suas necessidades.

No RDD o Princípio da Individualização da Pena tem uma aplicação especial, no que diz respeito àquelas pessoas que mesmo encarceradas possuem alto potencial para o cometimento de crimes, nesses casos é de suma importância a existência dessa modalidade de cumprimento de pena. Ao suprimir alguns direitos do penalizado,o Estado visa aplacar a atuação desse detento que representamaior periculosidade, inviabilizando seu contado com a sociedade civil, bem como, evitando que esse corrompaos demais internos.

O quarto princípioquestionado quanto a sua violação pela aplicação do RDD é o Princípio da Proporcionalidade, previsto no artigo 5°, da Constituição Federal de 1988, esse princípio prima pela realização da ponderação entre o bem que foi ameaçado ou lesionado e o bem que poderá o acusado ser privado.[31]Isso significa dizer que é de extrema importância que haja uma relação de equilíbrio entre a valoração dos bens protegidos pelo ordenamento jurídico, sendo inaceitável a existência de arbitrariedades quanto à valoração dobem lesionado e o que se pretende lesionar como forma de punição.

Do Princípio da Proporcionalidade é possível se extrair três subprincípios: o da proporcionalidade em sentido estrito; da adequação; e da exigibilidade ou necessidade. O meio utilizado para reprimir um ato lesivo, a um dos bens juridicamente protegidos, será aquele que menos transgredir garantias fundamentais, e ao mesmo tempo atingir o resultado pretendido.

Do mesmo modo, tendo em vista a valoração dos bens jurídicos envolvidos no caso concerto, após se levar em consideração a adequação e a exigibilidade dos meios a serem empregados para reprimir a sua reincidência, será lícita a privação de garantias individuais em prol do interesse social comum de igual ou superior importância.

Nesse sentido, é importante destacar:

(...) a simples existência de lei não se afigura suficiente para legitimar a intervenção no âmbito dos direitos e liberdades individuais. É mister, ainda, que as restrições sejam proporcionais, isto é, que sejam adequadas e justificadas pelo interesse público e atendam ao critério da razoabilidade. Em outros termos, tendo em vista a observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, cabe analisar não só a legitimidade dos objetivos perseguidos pelo legislador, mas também a necessidade de sua utilização, bem como a razoabilidade, isto é, a ponderação entre a restrição a ser imposta aos cidadãos e os objetivos pretendidos.[32]           

Diante desse contexto, não há fundamentos para se sustentar a violação desse princípio no que se relaciona com a inserção de presos no RDD, considerando que é a uma forma excepcional e temporária de restrição de direitos, que somente é aplicada dentro da necessidade e razoabilidade ante a adequação do detento em alguma das previsões do artigo 52 da LEP, tendo como finalidade pretendida a manutenção da ordem social e carcerária.

O quinto princípio sobre o qual recaem dúvidas sobre a constitucionalidade é o Princípio da Dignidade Humana, que possui previsão no artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal de 1988.[33] Os doutrinadores conceituam a Dignidade Humana como sendo o conjunto de valores espirituais e morais inerentes à pessoa humana. Este princípio é tido como basilar das garantias constitucionais, uma vez que protege até mesmo aqueles que se encontram privados de algumas garantias, por estarem sendo punidos por seus atos criminais.[34]

O artigo 3° da Lei de Execuções Penais garante que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política”.[35] Deste modo, aqueles direitos que são inerentes ao detento, como cidadão, tais como o direito à vida, a integridade física e moral dentre outros, não poderão ser-lhes negados, e sendo tornar-se-ia as medidas ilegais, logo, inconstitucionais. Entretanto, é licito ao legislador, estabelecer restrições temporárias aos direitos assegurados aos detentos, desde que essas restrições sejam necessárias, razoáveis, proporcionais e que atendam o fim social ao qual se destinam.

Portanto, não justifica-se dizer que existe contrariedade ao Princípio da Dignidade Humana, uma vez que nessa modalidade de cumprimento de pena o detento possui todo o suporte médico e psicológico necessário. As condições de higiene são mais benéficas do que as oferecidas nos estabelecimentos prisionais comuns, uma vez que o detento permanece em cela individual, com banheiro próprio e a alimentação específica que atenda ás necessidadesdo mesmo.

Desse modo, Nucci é corajoso ao dizer que o RDD é um mal necessário diante da precariedade que sofre o sistema prisional brasileiro.

Por isso, o regime disciplinar diferenciado tornou-se um mal necessário, mas está longe de representar uma pena cruel. Severa, sim; Desumana, não.Aliás, proclamar a inconstitucionalidade desse regime, mas fechando os olhos aos imundos cárceres aos quais estão lançados muitos presos no Brasil, é, com a devida vênia, uma imensa contradição.É sem dúvida, pior ser inserido em uma cela coletiva, repleta de condenados perigosos, com penas elevadas, muitos deles misturados aos presos provisórios, sem qualquer regramento e completamente insalubre, do que ser colocado em cela individual, longe da violência de qualquer espécie, com mais higiene e asseio, [...].[36]           

Não há negativas de que o RDD impõe aos presos um maior rigor quanto ao cumprimento da pena, entretanto, em momento algum se pretende dar a esses sujeitos um tratamento que vá ferir sua condição de ser humano, o que se busca é inviabilizar sua atuação para assim alcançar a segurança da sociedade como um todo.

O último princípio questionado no que diz respeito a sua suposta violação, é o Princípio da Humanização das Penas, o qual preceitua que a finalidade da pena não é a degradação ou o sofrimento do apenado.[37]Isso significa que o Estado deve limitar o seu poder punitivo às sanções que não firam a dignidade da pessoa humana do detento ou o prejudiquede forma física e/ou psicológica. Nesse sentido, é importante esclarecer que as restrições impostas no RDD não apresentam absoluta constrição dos direitos e garantias do detento, muito menos os submetem a tratamento desumano, degradante ou cruel, o que ocorre é a restrição de alguns direitos, previamente estabelecidos em dispositivo legal, objetivando à garantia da ordem social.

Frisa-se que o RDD é uma medida que não tem como principal objetivo a ressocialização do detento, do mesmo modo, não pode ser entendido como uma pena no sentido literal da palavra, o que se tem é uma forma de cumprimento de pena mais rígida ante situações específicas que exigem uma maior reprimenda estatal. Do mesmo modo, dizer que se trata de uma prisão administrativa também não se fundamenta, pois o detento já se encontra preso e vinculado a algum regime de cumprimento de pena.

Em defesa da constitucionalidade do RDD o Promotor de Justiça do Rio de Janeiro Marcelo Lessa Basto preceitua:

Não se consegue compreender as críticas doutrinárias que são endereçadas ao isolamento absoluto de presos líderes de organizações criminosas, após se terem informações seguras de que continuam a comandar seus negócios. O isolamento é a única medida efetiva que se dispõe para neutralizar a ação dessas pessoas. Isto visa a enfraquecer a liderança da organização, contribuindo para dispensar o seu comando. Não há que se opor ao isolamento argumentos no sentido da função educadora da pena, porque tais pessoas, ainda que não possam perder esse status de pessoa, ao contrário do que crê Jakobs, demonstram cabalmente que não estão querendo se ressocializar. Resta, pois, como forma legítima de proteção dos cidadãos, que igual têm o direito constitucional à segurança pública, isolar essas pessoas, pelo tempo necessário para neutralizar sua influência na organização a que pertença, nem que isto leve o tempo restante de sua pena. Sinceramente, críticas endereçadas ao ‘RDD’ não são racionais, são emotivas, e não resistem à análise cotidiana da escalada da criminalidade organizada, liderada de dentro das prisões. Só falta vir a sustentar que, como o condenado perdeu somente o seu direito à liberdade, há de conservar o direito subjetivo de trabalhar e, como o trabalho dele era na organização criminosa, é direito seu continuar a comandar seus negócios, o que seria um agudo e ferudino caso de desequilíbrio intelectual.[38]

Diante do exposto, fica esclarecida a legitimidade do RDD, primeiramente não se sustenta sua ilegalidade ou se identificada a sua inconstitucionalidade diante dos princípios constitucionais. Em segundo momento, “porque a sua eficácia concreta na realidade carcerária demonstrou que ele é instrumento capaz, sim, de combater a criminalidade organizada, se não para eliminá-la de vez, ao menos impede sua proliferação e diminui a força de sua atuação”.[39]

Sobre os autores
Geraldo Guilherme Ribeiro de Carvalho

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha, Estado de Minas Gerais, em 11 de fevereiro de 1995. Estagiário do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Bacharel em Filosofia pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2008, Bacharel em Licenciatura Plena pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2009 e Mestre em Filosofia, na área de concentração em Ética pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizontes, Estado de Minas Gerais. Atualmente, Professor de Filosofia Geral e Jurídica e Direito Constitucional, na Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, Estado de Minas Gerais (UNIPAC).

Rubia Rodrigues Coelho

Formanda do 10º Décimo Período do Curso de Direito, da Faculdade Presidente Antônio Carlos, da cidade de Teófilo Otoni, Estado de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Geraldo Guilherme Ribeiro; COELHO, Rubia Rodrigues. O regime disciplinar diferenciado: sanção desumana ou medida cautelar necessária para presos de alta periculosidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5693, 1 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70811. Acesso em: 23 dez. 2024.

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