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Tribunal Penal Internacional: supremacia dos direitos humanos

Tribunal Penal Internacional entra em Conflito com a Constituição Federativa do Brasil no que tangem os Direitos humanos. Estudo de questões conflituosas entre institutos legais existentes no nosso ordenamento jurídico torna-se imprescindível.

INTRODUÇÃO

Muito embora a Constituição Federativa do Brasil tenha por um dos seus princípios constitucionais a dignidade da pessoa humana incumbe ressaltar que o Brasil ratificou um tratado internacional de direitos humanos conhecido por Estatuto de Roma ao qual instituiu o Tribunal Penal Internacional aplicados a alguns tipos penais de maior gravidade a âmbito global com a finalidade de fomentar a paz, a segurança das nações e o bem-estar da humanidade.

É inegável que o Tribunal Penal Internacional é conseqüência de uma batalha contra crimes que colocam em risco a herança da humanidade trazida pela união entre os indivíduos e o respeito ao Estado Soberano de Direitos, neste âmbito destaca-se que o interesse das gerações presentes e futuras será garantido pela jurisdição internacional penal.

Nessa toada, o estudo de questões conflituosas entre institutos legais existentes no nosso ordenamento jurídico torna-se imprescindível, assim tenciona-se pautar pontos controvertidos entre a Constituição Brasileira e o Tribunal Penal Internacional com objetivo de extrair soluções harmoniosas para os dispositivos que almejam o mesmo objetivo, isto é tutela dos direitos humanos.

            A Constituição Federal dispõe no art. 5º § 2º que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

            Assim com o estabelecimento da Constituição cidadã, o Brasil veio a ratificar alguns tratados e acordos que tutelam os Direitos Humanos, merecendo destaque a incorporação do Estatuto de Roma ao ordenamento jurídico interno brasileiro ao qual instituiu o Tribunal Penal Internacional (TPI), instituição permanente e complementar a instância penal que é responsável por julgar crimes de guerra, genocídio e contra a humanidade.

DESENVOLVIMENTO

            O Brasil, apesar de ter votado a favor da aprovação do texto do Estatuto do Tribunal Penal Internacional na Conferência de Roma de 1998, manifestou, por meio de declaração de voto, sua preocupação com o fato de a Constituição brasileira proibir a extradição de nacionais e também proibir penas de caráter perpétuo, que foram aceitas pelo Estatuto. Apesar dessa preocupação, o Brasil assinou o Estatuto de Roma em 7 de dezembro de 2000. O Congresso Nacional, à luz do art. 49, I, da Constituição, aprovou o texto do futuro tratado pelo Decreto Legislativo n. 112, de 6 de junho de 2002, vindo o Brasil a depositar o ato de ratificação em 20 de junho de 2002. O ato final do ciclo de incorporação interna deu-se com o Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002( RAMOS, 2015, p.358

O autor Jacob Dolinger relata que

São frequentes as situações em que se chocam a fonte interna com a fonte internacional. A lei interna indica uma solução para determinado conflito enquanto um tratado ou convenção, ratificado pelo país, indica outra solução (2008, p.76).

Nessa perspectiva Ramos relata que em 2004, em um claro movimento para abafar as críticas referentes a eventuais inconstitucionalidades do Estatuto de Roma, a Emenda Constitucional n. 45/2004 introduziu o novo § 4º do art. 5º, que dispõe que: O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão (RAMOS; 2015,p.360).

            Neste esteio Pioversan e Ikawaafirmam que a jurisdição do Tribunal Penal é adicional e complementar à do Estado, ficando condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno. O Estado tem, assim, a responsabilidade primária e o dever de exercer sua jurisdição penal contra os responsáveis por crimes internacionais, tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária. Dessa forma, o Estatuto busca equacionar a garantia do direito à justiça, o fim da impunidade e a soberania do Estado, à luz dos princípios da complementaridade e da cooperação.(PIOVERSAN & IKAWA, 2013).

Ao definir o que é o Direito Internacional dos Direitos Humanos Piovesan preceitua como “um sistema de normas, procedimentos e instituições internacionais desenvolvidos para implementar esta concepção e promover o respeito dos direitos humanos em todos os países, no âmbito mundial”(PIOVESAN, 2017, p. 66).

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Assim Mazzuoli destaca que :

O estudo do Tribunal Penal Internacional (TPI) está intimamente ligado à própria história da humanidade e às inúmeras violações de direitos humanos ocorridas no período sombrio do Holocausto, que foi o grande marco de desrespeito e ruptura para com a dignidade da pessoa humana, em virtude das barbáries e das atrocidadescometidas  a  milhares  de pessoas (principalmente contra os judeus) durante a Segunda Guerra Mundial(2008,p.01 )

A comunidade internacional demonstra-se inflexível as violações graves dos direitos humanos e nesta seara o Brasil se submete a Tribunal Internacional e dá legitimidade a este para exigir um processo e julgamento dos que cometem delitos que ponham em perigo a harmonia e a sobrevivência da humanidade, constituindo-se, assim, uma ferramenta substancial na luta contra a impunidade.

Ao analisar impacto jurídico desses tratados internacionais de direitos humanos no Direito brasileiro, ou seja, avaliar-se o modo pelo qual tais instrumentos são capazes de fortalecer o constitucionalismo de direitos no País ou até mesmo se tornar um instrumento de limitação da soberania nacional.

Moraes destaca que em defesa da maior eficácia dos Direitos Humanos Fundamentais, a EC nº 45/04 consagrou a submissão do Brasil a jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão, bem como, no âmbito interno previu, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, a possibilidade do Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal - CF, art. 109, § 5º (MORAES,2017).

            Dispõe o Art. 5º do Estatuto de Roma, os Estados-Membros consideraram como crimes de maior gravidade para o ordenamento jurídico internacional são os seguintes: crime de genocídio, crimes contra a Humanidade, crimes de guerra e crime de agressão.

            De acordo com Prizon

Os aparentes conflitos entre legislação interna e normas contidas nos Tratados que foram ratificados e aceitos pelos estados-membros como no Brasil que muito se discute sobre algumas regras do Estatuto de Roma que aparentemente estariam em conflito com a Constituição Federal Brasileira de 1988, como por exemplo, a questão da prisão perpétua, os institutos da extradição e da entrega, as imunidades, etc. Tais questões são aparentemente conflituosas e, na medida em que são estudadas e analisadas constitucionalmente, esta afirmativa vai se concretizando.( 2008, p.97)

Na visão de Mazzuoli, tais regras penais e procedimentais, estabelecidas pelo Estatuto de Roma, com uma leitura apressada do texto convencional, podem pressupor certa incompatibilidade com o direito constitucional brasileiro, mais especificamenteem  relação a três assuntos de fundamental importância disciplinados pelo Estatuto: a) a entrega de nacionais ao Tribunal; b) a instituição da pena de prisão perpétua, e; c) a questão das imunidades em geral e as relativas ao foro por prerrogativa de função.(MAZZUOLI, 2008)

            Conforme entendimento de Mazzuoli

A Constituição brasileira de 1988, como já falamos, preceitua, no art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que o Brasil “propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”. E isto reforça a tese de que o conflito entre as disposições do Estatuto de Roma e a Constituição brasileira é apenas aparente, não somente pelo fato de que a criação de um tribunal internacional de direitos humanos reforça o princípio dadignidade da pessoa humana (também insculpido pela Constituição, no seu art. 1º, inc. III), mas também pelo fato de que o comando do texto constitucional brasileiro é dirigido ao legislador doméstico, não alcançando os crimes cometidos contra o Direito Internacional e reprimidos pela jurisdição do Tribunal Penal Internacional (2004, p.24).

A Convenção de Viena constando no artigo 46, inciso I dispõe sobre o Direito dos Tratados, também esclarece a possibilidade do conflito entre normas e estabelece:

I-A circunstância de o consentimento de um Estado obrigar-se por um tratado ter sido expresso com violação de um preceito do seu Direito interno respeitante à competência para a conclusão dos tratados, não pode ser alegada por esse Estado como tendo viciado o seu consentimento, a não ser que essa violação tenha sido manifesta, e diga respeito a uma regra do seu Direito interno de importância fundamental.

Moraes posiciona-se nos seguintes termos:

Em que o conflito entre fontes internacionais e fontes nacionais deverá ser resolvido pelo Direito Constitucional de cada um dos países, em virtude do princípio da soberania estatal. Assim, há países em que os tratados não produzem efeitos internos; enquanto em outros há a produção desses efeitos, sejam como normas de hierarquia constitucional, sejam como normas de hierarquia infraconstitucional dependendo de cada ordenamento jurídico. Como já analisado no item anterior, no Brasil os atos e tratados internacionais devidamente incorporados em nosso ordenamento jurídico ingressam com a mesma hierarquia normativa que as leis ordinárias, sendo que eventuais conflitos entre essas normas devem ser resolvidos pelo critério cronológico (norma posterior revoga norma anterior) ou pelo princípio da especialidade. (2017, p.458)

A evolução histórica da proteção dos direitos humanos fundamentais em diplomas internacionais é relativamente recente, iniciando-se com importantes declarações sem caráter vinculativo, para posteriormente assumirem a forma de tratados internacionais, no intuito de obrigarem os países signatários ao cumprimento de suas normas (MORAES, 2017)

O rol dos Tratados Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos assinados pela República Federativa do Brasil é completado pelos seguintes documentos: Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 16-12-1966; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 21-12-1965; Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, de 22-11-1969; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 18-12- 1979; Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, de 10-12-1984; Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 9-12-1985; Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20-11-1989; Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 6-6-1994, e ratificada pelo Brasil em 27-11-1995 (MORAES, 2017).

No entendimento de Pioversan

O Tribunal Penal Internacional reflete, ainda, um avanço na consolidação do princípio da dignidade humana na esfera internacional, implicando uma maior flexibilização do princípio da soberania centrado na figura do Estado. Deste modo, o Tribunal ratificou a regra de desconsideração da capacidade funcional na responsabilização por graves violações a direitos humanos. Restringindo, desta maneira, o campo de impunidade e criando uma perspectiva de desestímulo à prática de graves atos atentatórios à dignidade humana (2009)

Como ressaltado por Alexandre de Moraes os direitos humanos fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosófico-jurídicos, das ideias surgidas com o cristianismo e com o direito natural. Essas ideias encontravam um ponto fundamental em comum, a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo (MORAES, 2017).

O tribunal penal internacional reflete ainda um avanço na consolidação do princípio da dignidade da pessoa humana na esfera internacional, implicando maior flexibilização do princípio da soberania centrado na figura do Estado (MORAES, 2017).

CONCLUSÃO

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional foi incorporado ao ordenamento jurídico Brasileiro por meio do Decreto nº4.388/02 de 25 de setembro de 2002, submetendo-se ao Tribunal Penal Internacional a responsabilidade individualizada dos crimes de maior gravidade no âmbito do espectro internacional deste tratado que versa como ponto principal a proteção dos direitos dos seres humanos.

            Ao analisar alguns dispositivos contidos no citado Tratado verifica-se uma aparente incompatibilização com a Constituição Federal de 1988, nas seguintes questões: emprego da imprescritibilidade dos delitos previstos no tratado, pena de prisão perpétua e instituto da extradição no sentido de entrega dos brasileiros.

            A razão a tanto é evidente que a Constituição Federal de 1988, prima pela dignidade da pessoa humana, com a preservação dos direitos humanos razão na qual a justiça está intimamente ligada a punir e coibir qualquer prática em desconformidade com nosso ordenamento jurídico, bem como ao se constatar um conflito entre normas vigentes deve-se sobrelevar aquela que potencializa a dignidade da pessoa humana. Portanto verifica-se que os objetivos de inseridos no Estatuto de Roma estão em consonância com as normas de Direito Interno Brasileiro, sobretudo na proteção dos direitos humanos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça: Centro Gráfico, 2014.

BRASIL. Decreto-lei nº 4338, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Brasília: Presidência da República do Brasil, Brasília, 25 set. 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm>. Acesso em: 24 out. 2017.

BRASIL. Decreto nº 7.030, de 2009. Convenção de Viena Sobre O Direito dos Tratados. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm>. Acesso em: 22 out. 2017.

DOLINGER, Jaccob. Direito Internacional Privado- 9ª edição, São Paulo: Editora Renovar 2008.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro, 2. ed. rev. e ampl., São Paulo: Premier Máxima, 2008.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional: Integração ao direito brasileiro e sua importância para a justiça penal internacional. In: Revista de Informação Legislativa, ano 41, n. 164, 2004.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. – 11. ed. Ver. e atual. - São Paulo: Atlas, 2017.

PERES LUÑO, Antônio. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitución. 5. edição.Madrid: Editora Tecnos, 1995, p. 48.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 17ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos Humanos. 3º. ed. - São Paulo: Saraiva ,2009.

PIOVERSAN, Flávia; IKAWA, Daniela Ribeiro. O tribunal penal internacional e o direito brasileiro. Dossiê-: Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/tablas/r33247.pdf>. Acesso em: 22 out. 2017

PRIZON, Leila Boreli. Tribunal penal internacional: prevalência dos direitos humanos e o aparente conflito com a Constituição Federal Brasileira. 2008. 212 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica – Puc/sp, São Paulo, 2008. Cap. 07.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2.ed.rev., atual. eampl. – São Paulo: Saraiva, 2015..


[1]                      PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos Humanos. 3º. ed. - São Paulo: Saraiva ,2009.

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