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O HIPER-PARTIDARISMO BRASILEIRO

Agenda 12/12/2018 às 00:53

O texto trata sobre a grande quantidade de partidos políticos no cenário brasileiro e como isso afeta a dinâmica política quanto à coligações, financiamentos, expressividade de partidos, dentre outros aspectos que da política brasileira.

O Direito Eleitoral é um ramo do Direito Público que regula questões relativas a eleições, com o intuito de fazer com que a vontade popular se reflita no processo eleitoral de maneira legal e segura. Com um estudo mais aprofundado deste ramo do Direito percebemos que para entendermos como as estruturas se desenvolvem no Brasil temos que aprofundar em um estudo sobre a centralidade dos partidos políticos neste cenário.

Este artigo pretende abordar, portanto, os partidos políticos no Brasil, tratando sobre as causas e consequências de contarmos com um grande números de legendas no atual cenário político. Não obstante, tratar-se-á também das tentativas de frear o número de partidos e se isso seria uma afronta ao princípio constitucional da livre criação e partidos.

Também se mostrará central neste trabalho a análise de como as coligações tentam burlar o quociente eleitoral para que cheguem ao Parlamento os mais diversos partidos e como isso afeta a harmonia e governabilidade nas Casas do Congresso Brasileiro.

I.          Partidos Políticos e Constituição

Tratando da base constitucional que direciona a questão dos partidos temos a redação que conta no Art. 17, que prevê:

“É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I - caráter nacional;

            Por meio de legislação infraconstitucional definiu-se este conceito na Lei dos Partidos. Essa lei compromete o Princípio da Liberdade da criação de partidos, porque é um empecilho para a criação partidária, um exemplo é que a coleta de assinaturas deve ser feita no período de dois anos e por eleitores não filiados a partidos políticos.

            Há de se confrontar, neste quesito, os princípios da Liberdade e os da Razoabilidade e Proporcionalidade para saber se a restrição é excessiva ou se obedece a um filtro mínimo devido à criação de instituições tão importantes como a dos partidos políticos. Outro aspecto que corrobora para a existência deste empecilho é, justamente o quesito representatividade que os partidos refletem com seus registros. O requisito tratado como caráter nacional, está definido na legislação da seguinte maneira:

“Lei dos Partidos (9.096/96) Art. 7º § 1o  Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles.”

            Em 2002 este preceito foi invocado pelo TSE, que determinou a “verticalização das coligações partidárias” com o fundamento do caráter nacional, para que os partidos políticos respeitem uma certa coerência de cima para baixo, ou seja, se em um âmbito federal, eles são inimigos, não podem, em âmbito estadual, serem coligados. Essa obrigatoriedade impões também limites aos atores políticos. Ela enfraquece a lógica partidária local, visto que no Brasil, a lógica política local não é semelhante uma a outra.

A bancada parlamentar não se satisfez com esta determinação e, por meio da EC 52/2006, foi estipulada a liberdade total dos partidos, acabando com a verticalização e refletindo na constitucionalização da matéria que sempre foi de lei ordinária, ou seja, a coligação partidária. Esse é mais um exemplo de interferência bem-intencionada do Estado, que resultou em problemas no sistema. 

Continuando os imperativos constitucionais que guiam a questão temos:

II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;

            Se o partido recebe recursos do estrangeiro, ela fere regra constitucional. Hoje apenas pessoas físicas podem doar para partidos políticos. Dinheiro do exterior não pode ir para partidos políticos, salvo os repatriados.

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III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;

            Toda administração de recursos públicos, devem prestar contas. No caso dos recursos políticos, a prestação de contas são para à Justiça Eleitoral. Dentro da estrutura da Justiça Eleitoral possui um sistema que confere essas contas. Deixar de prestar contas pode ser causa de extinção do partido político, não é ter as contas rejeitas, e sim a inadimplência da prestação de contas.

IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

            Os partidos existem mesmo fora do Parlamento. Quando funcionam dentro do Parlamento, passam a ter um “funcionamento parlamentar”, por meio de bancadas, lideranças. Então “funcionamento parlamentar” é como os partidos funcionam dentro do Parlamento.

            Ainda tratando sobre o direcionamento Constitucional dos Partidos Políticos, seguimos com a seguinte redação do já comentado Art. 17:

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 52, de 2006)

Essa autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento acaba gerando um paradoxo no mundo da Política, pois, via de regra, dá origem a um fenômeno chamado vulgarmente de “caciquismo”, no qual há um membro “cacique” que ordena e comanda dentro dos partidos, em uma prática autoritária, sem democracia interna, pode ele ordenar sobre qualquer membro. Tem-se, portanto, uma predominância autoritária dentro de uma estrutura responsável pela organização da democracia.

Partidos políticos eram pessoas jurídicas de direito público, agora, no entanto, são pessoas jurídicas de direito privado e possuem personalidade jurídica a partir do momento que se registram como associações, contudo, só poderá disputar eleições se registrar o estatuto no TSE 1 ano antes das próximas eleições.

Não temos mais uma Lei orgânica dos partidos políticos, somente uma lei, a qual veda uma interferência na autonomia dos partidos, pois o funcionamento deve ser mecanizado por suas convenções.

            Os partidos políticos têm direito de acesso aos recursos do fundo partidário e direito de antena, na forma da lei. Assim sendo, a lei não pode tirar esse direito, mas dará a sua conformação.

Quanto Art. 17, I da Constituição Federal, é possível observar que este inciso representa praticamente o único requisito para que se crie um partido político no Brasil, pois, como vimos, a lei 9.096/95, ao dispor sobre o caráter nacional prevê uma série de requisitos, sendo que tal exigência é a única possibilidade de barrar a criação de incontáveis partidos, uma vez que nossa Constituição prevê a liberdade na criação partidária.

II-         O hiperpartidarismo no Brasil

            O número de partidos políticos registrados no Brasil é de 35, conforme TSE. Se todos estes partidos chegassem ao congresso teríamos, certamente, um cenário caótico quanto à governabilidade, no entanto, trataremos da solução legislativa para essa questão mais à frente neste artigo. O que é importante de se falar é que este número é muito alto e demonstra a facilidade de se criar partidos no Brasil, bem como a diversidade ideológica que pode ser expressa neles.

            O cientista político Sérgio Abranches tem uma visão um tanto direta sobre a questão e diz que “abrir um partido político no Brasil tornou-se um bom negócio”. Isso porque o Fundo Partidário financia os partidos a todo tempo, não somente durante as eleições, o que leva partidos sem qualquer atividade relevante ao longo do ano a receber, ainda assim, o valor a eles destinado pelo Fundo Partidário. Abranches defende, ainda, que o Fundo partidário deveria existir somente para o financiamento de campanhas eleitorais, submetido a regras mais rigorosas.

            No Brasil, os partidos políticos têm o monopólio da apresentação das candidaturas. Como consequência disto, o Estado sustenta financeiramente os partidos para que eles organizem a democracia brasileira. De um lado tem-se o monopólio e do outro a organização da democracia, em teoria.

Contudo, observa-se que os partidos políticos perderam o monopólio das manifestações políticas da sociedade, de tal maneira que há outros meios nos quais a sociedade pode manifestar-se politicamente. Assim, há uma reflexão de que é um modelo atrasado haver essa exigibilidade de filiação partidária.

O sistema eleitoral brasileiro tem como característica uma certa tendência ao multipartidarismo. Em sentido oposto, os sistemas distritais têm tendência à concentração partidária. O multipartidarismo representado no Parlamento cria problemas como, elaboração de pautas, negociações, entre outros. Para evitar o multipartidarismo existe a Cláusula de Barreira: se não atingir o número mínimo de votos (5%), o candidato desse partido, mesmo sendo eleito, não assumirá o cargo, pois esse partido estará vetado. Isso significa que o partido deve ter representatividade nacional.

A criação foi por Lei Ordinária, e deu-se um prazo de 10 anos para adaptação. Em ADI 1351, sob uma discussão de vedação de representação das minorias, alegou-se a inconstitucionalidade dessa cláusula de barreira, pois ela afetou o funcionamento parlamentar, visto que se ele não possui esse número mínimo de votos, não terá funcionamento parlamentar, garantido constitucionalmente. Assim, é um parlamentar, sem funcionamento parlamentar. Assim, o Supremo, jugou que todo parlamentar é igual, e todos têm o direito de funcionamento parlamentar.

Outro ponto, é que a cláusula de barreira, além de vetar o funcionamento parlamentar, ele matava os partidos por inanição, retirando recursos como o Direito de Antena e outros. O Supremo sensibilizado pelos partidos pequenos, considerou a Cláusula inconstitucional.

Hoje, para se colocar uma cláusula de barreira, é necessário que se faça uma Emenda Constitucional, o que se está se fazendo (hoje, de 2% e 3% após uma eleição).

III-        Como o quociente eleitoral afeta na dinâmica partidária de coligações no Brasil

            O Código Eleitoral para disciplinar o quociente mínimo que deve ser atingido para que um candidato seja eleito. Tal regra está disciplinada no Art 106, de seguinte redação:

 Art. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior.

Já a quantidade de candidatos que um partido conseguira fazer eleito dependerá do quociente eleitoral. Conforme redação do artigo seguinte:

Art. 107 - Determina-se para cada Partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração. (Redação dada pela Lei nº 7.454, de 30.12.1985)

Em conformidade com o Código Eleitoral, a chegada ao parlamento não é livre, de maneira que candidatos podem ser eleitos com menos votos que outros candidatos bem votados, que, sozinhos não alcançaram o quociente eleitoral. Tal previsão se encontra no Art. 109, de seguinte redação:

§ 2o Somente poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos ou as coligações que tiverem obtido quociente eleitoral.

            Dessa forma, os partidos que possuem poucos votos, se coligam, associando a grandes partidos e se beneficiando, uma vez que a coligação pode valer apenas para eleição, e se desfazer após ela. Isso porque durante a candidatura não é obrigatório que a coligação continue associada. Infelizmente, esse esquema contribui para o enfraquecimento do partido no Parlamente, visto que, nesse sistema, o partido será representado por candidatos isolados os quais não terão grande força.

IV- Conclusão

            Concluiu-se com este artigo que, muito embora haja um grande número de partidos políticos no Brasil, isto não chega a ser um problema significativo no âmbito da política, uma vez que esta diversidade pode ser fonte de representação dos mais diversos segmentos sociais e ideologias.

Contudo, o problema pode se apresentar do ponto de vista orçamentário, uma vez que é de interesse do governo o financiamento dos partidos, que detêm o monopólio da apresentação das candidaturas, e dispende muito dinheiro para a manutenção destes. O negativo não é o dispêndio em si, mas a existência de partidos políticos que se utilizam destes recursos sem ter muito ativismo e relevância política.

Por fim, há de se falar da alternativa das coligações para se ultrapassar o quociente eleitoral. Tal possibilidade é, à primeira vista, inofensiva, uma vez que permite à candidatos que não conseguiriam se eleger, ainda com uma quantidade significativa de votos, a chegada ao parlamento. Contudo, o problema que se enfrenta é a incontrolada diversidade de partidos que chegam ao parlamento, o que proporciona um cenário político instável, uma vez que para se coligar durante as eleições não é necessário nem que se tenha afinidade ideológica. 

Bibliografia

Aulas ministradas pelo professor Roberto Pontes, no segundo semestre de 2016.

RAMOS, Elival da Silva. O delineamento do Estatuto dos Partidos Políticos na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse, acessado em 02.12.2016, às 13 horas.

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1814403-abrir-um-partido-no-brasil-tornou-se-um-bom-negocio-diz-cientista-politico.shtml, acessado em 02.12.2016, às 13 horas.

Código Eleitoral - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4737.htm, acessado em 02.12, às 15:45.

Lei dos Partidos Políticos - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9096.htm, acessado em 02.12, às 15:58

Constituição Federal -

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm, acessado em 02.12, às 13 horas.

Sobre a autora
Camilla Monteiro Brasil de Paula

Estudante de Direito na Universidade de Brasília, Fundadora e Ex-Diretora Financeira da Associação Atlética Acadêmica da Faculdade de Direito da UnB, membro do Grupo de Pesquisa Trabalho Constituição e Cidadania.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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