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Os animais de estimação enquanto titulares de direitos na jurisprudência brasileira

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Agenda 13/12/2018 às 20:56

Analisar os direitos fundamentais dos animais não humanos, mais especificamente dos animais domésticos ou de estimação, na jurisprudência nacional. Isto, pois, o entendimento doutrinário tem evoluído no sentido de considera-los titulares de direitos.

INTRODUÇÃO

Para muitos os direitos fundamentais são, indiscutivelmente, direitos inerentes aos seres humanos; inclusive para alguns doutrinadores, a exemplo de Paulo Bonavides (2008), os fundamentos de tais direitos são o Estado de Direito e a própria dignidade humana.

Diante disto, resta claro que o Direito, ao longo de todos estes anos, se revestiu de um pensamento totalmente antropocêntrico; herança esta, proveniente das concepções da antiguidade grega, as quais, colocavam o homem enquanto o centro do universo, e, os demais seres enquanto instrumentos em prol dos interesses humanos.

Entretanto, com o passar dos séculos, com a evolução do constitucionalismo, e, o reconhecimento gradativo dos direitos fundamentais, aos poucos o olhar voltado aos seres não humanos passou a mudar, estes passaram a não mais serem vistos enquanto meros instrumentos para satisfazer os interesses da raça humana, mas enquanto titulares de direitos fundamentais.

Fato é, que o reconhecimento de que os animais não humanos são titulares de direitos, inclusive direitos fundamentais, ainda é um pensamento um tanto quanto recente na doutrina jurídica, porém, que têm ganhado força nas últimas décadas por meio de contribuições acadêmicas como as do autor Peter Singer, o qual será citado no presente trabalho.

Justamente diante deste novo cenário que se apresenta o presente trabalho acadêmico, com o intuito de defender esta nossa vertente de pensamento a qual trata os animais enquanto titulares de direitos fundamentais, enquanto seres sensitivos, analisando como a jurisprudência pátria trata os animais, dando-se ênfase aos animais domésticos ou de estimação, em seus julgados.

Destarte, se faz necessário aprofundar o estudo da temática, principalmente ao considerarmos, conforme acima mencionado, que se trata de uma nova abordagem jurídica com relação aos animais não humanos, portanto, que merece atenção do mundo acadêmico para se solidificar dentro dos parâmetros da segurança jurídica e de justiça enquanto valor.

Para tanto, no primeiro capítulo tratamos da teoria geral dos direitos fundamentais, os quais se confundem por vezes com os direitos dos homens, posto que, a doutrina peca ao abordar a temática referindo-se aos direitos fundamentais como se somente a raça humana fosse titular de tais direitos, esquecendo assim das demais espécies.

Problemática esta, que inicia o debate do segundo capítulo, onde destacamos o pensamento de Sarlet (2007), o qual considera a titularidade dos direitos fundamentais para além da espécie humana, tendo em vista o avanço jurídico-filosófico nesse sentido.

Assim, durante este capítulo abordamos, a priori, como a legislação pátria atualmente considera os animais não humanos, demonstrando os avanços em termos de codificação e alguns julgados dos Tribunais Superiores que possuem relação com o conteúdo do presente trabalho, apesar de, ainda não tratarem os animais não humanos enquanto titulares de direitos, apenas preocupando-se em repudiar qualquer prática de maus-tratos para com estes.

Em seguida, no mesmo capítulo, aborda-se a ética de Peter Singer, dando enfoque ao seu principal trabalho com relação a matéria abordada, qual seja, Libertação Animal. Isto, pois, trata-se de grande defensor dos direitos dos animais não humanos.

Por fim, no último capítulo adentramos no tema principal do presente trabalho, onde passaremos a analisar os julgados dos tribunais nacionais com relação aos animais domésticos ou de estimação em nosso país, tentando sempre identificar qual o tratamento direcionado pelos Magistrados a estes animais, que por estarem mais próximos de nossa espécie, têm sido muita das vezes humanizados, e ainda, tratados por vezes enquanto semelhantes.

Assim, para a construção da ideia central do trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica que teve por principal doutrinador o filósofo Peter Singer. Teve-se por base o método dedutivo para identificar e correlacionar o posicionamento atual dos juristas a partir do exame da legislação, jurisprudência, artigos periódicos, e ainda, de doutrina especializada principalmente na área do Direito Constitucional e Civil relacionada diretamente à temática.  


2 TEORIAL GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Necessário se faz o estudo do movimento constitucional para compreender o surgimento dos direitos fundamentais, isto, pois, o Direito Constitucional em si muito evoluiu no sentido de limitar o poder do Estado a fim de garantir as liberdades individuais.

Silva (2005) considera que a positivação dos direitos fundamentais é recente e se mostra em constante evolução, na busca por direitos a tempos perdidos a partir do momento em que se polarizou o mundo em proprietários e não proprietários.

Efetivamente, na sociedade primitiva, gentílica, os bens pertenciam, em conjunto, a todos os gentílicos e, então, se verificava uma comunhão democrática de interesses. Não existia poder algum dominante, porque o poder era interno a sociedade mesma. Não ocorria subordinação nem opressão social ou política. O homem buscava libertar-se da opressão do meio natural, mediante descoberta de invenções. Com o desenvolvimento do sistema de apropriação privada, contudo, aparece uma forma social de subordinação e de opressão, pois o titular da propriedade, mormente da propriedade territorial, impõe o seu domínio e subordina tanto quanto se relacionem com a coisa apropriada. Surge assim, uma forma de poder externo à sociedade, que, por necessitar impor-se e fazer-se valer eficazmente se torna político. E aí teve origem a escravidão sistemática, diretamente relacionada com a aquisição de bens. O Estado, então, se forma como aparato necessário para sustentar esse sistema de dominação. O homem, então, além dos empecilhos da natureza, viu-se diante de opressões sociais e políticas, e sua história não é senão a história das lutas para delas se libertar, e o vai conseguindo a duras penas. (SILVA, 2005, p. 150)

Assim, com o passar dos anos foram surgindo avanços com relação aos direitos fundamentais, na Grécia e em Roma, porém na antiguidade, tais direitos apenas eram reconhecidos às classes mais abastardas. Foi somente na Idade Média que se teve nos dizeres de Silva (2005, p. 151) “[...] os antecedentes mais diretos das declarações de direitos. [...]”

Momento este da história em que surgiu a teoria do direito natural a qual influenciou o surgimento das leis fundamentais do Reino, a qual limitava o poder do monarca, bem como, o humanismo. (SILVA, 2005)

As cartas e declarações inglesas foram de suma importância para o constitucionalismo e para os direitos fundamentais. Silva (2005) menciona a Magna Carta (1215-1225), a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679), e o Bill of Rights (1688), enquanto referência.

A Magna Carta (1215-1225), para o autor supramencionado, não detinha natureza constitucional, considerava mais o texto enquanto uma carta feudal, pois defendia direitos dos homens livre que naquele período eram pouquíssimos, apesar disto o documento representa:

[...] um símbolo das liberdades públicas, nela consubstanciando-se o esquema básico do desenvolvimento constitucional inglês e servindo de base a que juristas, especialmente Edward Coke com seus comentários, extraíssem dela os fundamentos da ordem jurídica democrática do povo inglês. (SILVA, 2005, p. 152)

Na sequência cronológica, houve a elaboração da Petition of Rights (1628) pelos membros do parlamento destinada ao monarca. Tal documento, tinha por intuito requerer o reconhecimento de certos direitos e liberdades, a maioria destes já reconhecidos pela Magna Carta, o que nos leva a concluir, que tais direitos em maioria não eram respeitados pelo monarca. (SILVA, 2010)

Em 1679 através do Habeas Corpus Amendment Act, se teve uma grande vitória para as liberdades individuais, com o término das prisões arbitrárias. Ainda assim, segundo Silva (2005), o documento mais importante deste período foi o Bill of Rights (1688), posto que este determinou a supremacia do Parlamento, dando origem à monarquia constitucional na Inglaterra.

Já nos Estados Unidos, influenciados pelos pensamentos de Locke, Rosseau e Mostesquieu tivemos a primeira declaração de direitos fundamentais, qual seja, a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia (1776), a qual detinha as bases dos direitos dos homens, preocupando-se com a estrutura do governo democrático e com a limitação do poder estatal; e, a Declaração da Independência Norte Americana (1787) a qual teve um maior impacto, apesar de não deter natureza jurídica. (SIlVA, 2005)

Cabe mencionar um importante trecho da Declaração da Independência Norte Americana:

[...] Consideramos estas verdades como como evidentes de per si, que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; que, entre estes, estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade; que, a fim de assegurar esses direitos, instituem-se entre os homens os governantes, que, derivam seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva  de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-lo ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para lhe realizar a segurança e a liberdade. (SILVA, 2005, p. 154-155 apud JEFFERSON, 1964, p.4)

No momento da criação da Constituição dos Estados Unidos, esta não continha uma declaração de direitos fundamentais dos homens, como tal documento dependia da ratificação de pelos menos nove dos treze os Estados, conseguiu-se a introdução neste de uma Carta de Direitos, que originaram as dez primeiras emendas à Constituição Americana, o que resultou no Bill of Rights dos EUA. (SILVA, 2005)

Já a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), ao contrário do que muitos doutrinadores afirmam, não foi influenciada pelos textos legais norte americanos (Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia e a Constituição Americana), mas sim, em verdade, pelo movimento político europeu do séc. XVIII, com a libertação do homem do regime absolutista.

Tal Declaração francesa tinha caráter universalista, tendo por características intrínsecas o intelectualismo (documento filosófico-jurídico), o mundialismo (valor universal), e, o individualismo (trata apenas das liberdade dos indivíduos, e as defende atitudes arbitrárias do Estado). (SILVA, 2005)

O texto da Declaração de 1789 é de estilo lapidar, elegante, sintético, preciso e escorreito, que, em dezesseis artigos, proclama os princípios da liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade e as garantias individuais liberais que ainda se encontram nas declarações contemporâneas, salva as liberdades de reunião e de associação que ela desconsidera, firmado que estava numa rigorosa concepção individualista. (SILVA, 2005, p. 158)

Os movimentos acima elencados representavam o desejo da burguesia de libertar da opressão política. Entretanto, após o desenvolvimento industrial, e, surgimento de uma nova classe, a classe operária, as liberdades formais em sentido negativo estavam ameaçadas.

A classe operária, portanto, sofria bem mais com a opressão econômica, e com o controle das oligarquias capitalistas, neste sentido, surgiu a necessidade então de se suprir os anseios desta classe oprimida.

Por consequência, todas as declarações de direitos do séc. XX têm por características comuns o universalismo e socialismo, a exemplo, da Constituição Mexicana de 1917, que sistematizou um conjunto de direitos sociais do homem, e, a Constituição alemã de Weimar de 1919, a qual teve grande influência no movimento constitucionalista do pós-primeira guerra mundial. (SILVA, 2005)

Imbuída deste sentimento, entre os anos de 1928 e 1929, foi redigida a Declaração dos Direitos Internacionais do Homem, a qual possui trinta artigos, todos estes reconhecendo direitos fundamentais do homem, fixando a certeza, a segurança e a possibilidade dos direitos. Assim como, a Carta das Nações Unidas passou a conter uma maior preocupação com os direitos fundamentais, a partir da qual originou-se a ONU (Organização das Nações Unidas), Comissão que cuidaria dos direitos dos homens. (SILVA, 2005)

Porém, na Europa se têm os melhores exemplos de desenvolvimento de instrumentos em prol da eficácia dos direitos fundamentais do homem, principalmente ao considerarmos que a maior preocupação dos textos constitucionais contemporâneos diz respeito à criação de instrumentos que viabilizem o gozo efetivo dos direitos fundamentais. (SILVA, 2005)

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS-JURÍDICOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para se compreender melhor o surgimento dos direitos fundamentais e de sua tutela é necessário o estudo dos fundamentos/princípios básicos que justificam a existência destes, quais sejam: Estado de Direito e a dignidade humana.

A dignidade humana, apesar de ser um termo aberto que não permite um conceito concreto e absoluto, pode ser resumido enquanto o fato de todos os seres humanos, simplesmente por existirem, serem titulares de alguns direitos básicos, ou seja, os direitos fundamentais. (CAVALCANTE FILHO, 2010)

Entretanto, devemos considerar que os direitos fundamentais vão além dos seres humanos, posto que já é amplo o entendimento de que os seres não humanos também são titulares de direitos fundamentais, portanto, a dignidade que aqui se reporta não deve, dentro da teoria geral dos direitos fundamentais, se referir apenas a dignidade humana, mas a dignidade de forma geral.

Apesar disto, a maioria da doutrina nacional considera que os direitos fundamentais decorrem da dignidade humana, a exemplo do doutrinador Paulo Bonavides, sendo assim, no caso dos seres não humanos, podemos por analogia considerar que seus direitos fundamentais são proveniente da concepção de vida digna em sentido amplo. (BONAVIDES, 2008)

Entretanto, importante salientar que Canotilho assevera que não se pode reduzir o fundamento dos direitos fundamentais apenas a dignidade humana, pois além de se restringir o conteúdo de tais direitos, estaríamos deixando de lado a distinção entre os direitos do homem e os direitos fundamentais. (ANDRADE, 2008)

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De forma geral e simplificada, os direitos do homem são direitos considerados a estes em qualquer tempo e espaço (jusnaturalismo-universalita), sendo inclusive a quantidade de direitos humanos mais extensa. Já os direitos fundamentais se referem ao homem institucionalizado, ou seja, inserido dentro de um contexto social, logo, limitado no espaço e tempo. Por isto que se afirma que os direitos do homem são analisados a partir de uma ótica internacional, enquanto, os direitos fundamentais estão sob análise do direito constitucional de cada Estado. (ANDRADE, 2008)

Apesar de ser importante mencionar, que, um direito do homem, ao ser incorporado pela Constituição de um dado Estado, acaba por ter mais condições de efetividade do que apenas renegado ao âmbito internacional.

Já o conceito de Estado de Direito pode ser encontrado na própria Constituição pátria vigente, em seu art. 1º caput, o qual se traduz em um Estado de poderes limitados, abrangendo três conceitos clássicos segundo José Afonso da Silva, quais sejam: submissão ao império da lei, separação dos poderes, e, garantia dos direitos fundamentais. (SILVA, 2005)

2.3 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

A individualização do Homem (espécie) moderno implica, necessariamente, na individualização pessoal de cada ser humano o que, por corolário, leva à emancipação humana. Esta emancipação, no entanto, não é algo já conquistado, senão ideal construído no viver diário; ideal, diga-se, que vai para além da condição de gênero, acometendo a espécie como um todo. (SARLET, 2007)

Nesse contexto, necessária se faz apresentar a diferenciação entre os dois direitos que intitulam o presente tópico, tendo em vista que por vezes são utilizados erroneamente enquanto sinônimos, pela falta de precisão na utilização dos termos, posto que tais direitos possuem diferentes âmbitos de atuação.

Algumas expressões são utilizadas para tratar uma mesma categoria jurídica erroneamente, tais como “direitos fundamentais”, “direitos do homem”, ”direitos individuais”, ”direitos humanos fundamentais”, “liberdades fundamentais”, variando a utilização de um termo ou outro de acordo com o tempo e no espaço. (SILVA, 2005)

Entretanto, a variação de uso das terminologias somente confunde o leitor, posto que direitos fundamentais e direitos do homem, ainda que a diferença seja tênue, não representam a mesma coisa.

Os direitos humanos possuem cunho jusnaturalista, existentes unicamente devido à natureza da pessoa humana, em geral positivados em Tratados ou costumes Internacionais. (MAZZUOLI, 2016)

Nessa linha de raciocínio, o jornalista e economista francês Frédéric Bastiat (2010), afirma que os homens possuem direitos naturais que precedem toda legislação escrita, inclusive relaciona os direitos a liberdade, a propriedade e a vida, enquanto direitos anteriores a lei.

A vida, a liberdade e a propriedade não existem pelo simples fato de os homens terem feito leis. Ao contrário, foi pelo simples fato de a vida, a liberdade e a propriedade existirem antes que os homens foram levados a fazer as leis. (BASTIAT, 2010, p.11)

Segundo Bastiat (2010), portanto a lei “[...] “É a organização coletiva do direito individual de legítima defesa”, ou seja, o autor reconhece o direito a legítima defesa ao indivíduo para salvaguardar os direitos a vida, a liberdade e a propriedade; entretanto, ao passo que a lei, enquanto Estado, será a substituição das forças individuais por uma força comum na tutela de tais direitos.

Como se pode observar, os direitos humanos são aqueles ligados essencialmente aos direitos de liberdade e igualdade, os quais, devido o seu caráter universalista, são considerados internacionalmente, ou seja, conforme infere Toledo (2003, p. 23) “[...]ao grupo de valores básicos para a vida e dignidade humanas, elevados a direitos dos homens universalmente[...]”.

Por outro lado, os direitos fundamentais representam direitos positivados, em geral no texto constitucional, os quais não se limitam aos direitos e garantias registrados em Tratados Internacionais, representam os valores dos direitos humanos consagrados nos diversos ordenamentos jurídicos. (MAZZUOLI, 2016)

Logo, o conteúdo pode em alguns momentos ser o mesmo, entretanto, diferem apenas quanto ao plano em que estão consagrados. Sendo assim, relevante destacar a diferenciação que Ingo Wolgang Sarlet suscitamente conclui acerca dos termos:

Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspira, a validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). (SLART, 2007, p. 35)

Cabe mencionar que não há consenso quanto ao status dos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente, podemos observar quatro correntes referentes à temática. A primeira, a atribui status supraconstitucional; a segunda a atribui status de norma constitucional; a terceira atribui status de lei ordinária; e, por último, a que define os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos enquanto legislação de status supralegal. Sendo que a quarta e última corrente é atualmente a que prevalece no entendimento do Supremo Tribunal Federal, a chamada Tese da Supralegalidade. (MAZZUOLI, 2016)

Tanto é fato que os Tratados e Convenções Internacionais que versem sobre direitos humanos têm aspecto material de supralegalidade. Tal questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal ao proferir decisão em dois Recursos Extraordinários (RE 466.343 e RE 349.703), os quais tinham por matéria a constitucionalidade da prisão civil por inadimplemento de contrato. Lenza (2012) com relação a tais julgados, faz menção ao voto do Ministro Gilmar Mendes para explicar do que se trata a tese da supralegalidade:

Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes, acompanhando o voto do relator, acrescentou os seguintes fundamentos: “(...) parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana”. (LENZA, 2012, p. 612)

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Como se pode observar foi de extrema relevância para os direitos fundamentais o movimento constitucionalista, passando por diversas transformações, tanto com relação ao conteúdo quanto à titularidade. Nesse contexto, tem-se por costume admitir três gerações de direitos fundamentais, sendo que alguns doutrinadores, ainda consideram a existência da quarta, quinta e até mesmo de uma sexta geração. (SARLET, 2007)

Paulo Bonavides (2008) ao iniciar à discussão acerca dos direitos fundamentais, menciona Konrad Hesse para destacar que os direitos fundamentais têm por objetivo promover “uma vida na liberdade e na dignidade humana” (BONAVIDES, 2008, p.560), para logo em seguida destacar o viés muito mais objetivo de Carl Schmitt no momento de estipular os pressupostos para a sua configuração. Assim, destaca o autor acerca dos pressupostos dos direitos fundamentais suscitados por Carl Schmitt:

Com relação aos direitos fundamentais, Carl Schmitt estabeleceu dois critérios formais de caracterização.

Pelo primeiro, podem ser designados por direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional.

Pelo segundo, tão formal quanto o primeiro, os direitos fundamentais são aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são imutáveis (unabänderliche) ou pelo menos de mudança dificultada (erschwert), a saber, direitos unicamente alteráveis mediante Lei de emenda à Constituição. (BONAVIDES, 2008, p. 561)

Apesar desta visão objetiva, Carl Schmitt, considera ainda uma visão material dos direitos fundamentais, onde estes variam de acordo com a sua ideologia, modalidade de Estado, e, de acordo com os princípios e valores defendidos pela Constituição. (BONAVIDES, 2008)

Porém, se faz necessário que os direitos fundamentais estejam além da simples vinculação à concepção de Estado de Direito liberal, para que estes possam de fato deter o caráter de universalidade que lhes é inerente.

Carls Schmitt, segundo Bonavides (2008), ao tratar da temática dos direitos fundamentais retrata os direitos de primeira geração, principalmente, pois, retrata o direito à liberdade do particular enquanto direito absoluto que somente será relativizado em casos excepcionais, e sempre dentro dos limites legais.

Nesse contexto, os direitos fundamentais estão vinculados como se bem pode perceber, à liberdade e à dignidade humana, levando assim, não só ao caráter universalista que tais direitos possuem, mas também à concepção de direitos naturais e inalienáveis. (BONAVIDES, 2008)

Como se pode observar os direitos fundamentais sempre são vinculados pela doutrina ao homem especificamente, e não de forma genérica para que pudessem ser atribuídos a todas as demais espécies de seres vivos, a exemplo dos animais não humanos.

Ainda que o presente trabalho tenha por objetivo trazer à tona a corrente doutrinária que propõe a superação desta concepção de atribuição de direitos fundamentais apenas à raça humana, interessante se faz, na sequência, abordarmos os direitos fundamentais propriamente ditos, ainda que relacionado unicamente ao homem pela doutrina.

Para tanto, estudaremos estes subdivididos em gerações, ou, utilizando uma terminologia mais adequada, dimensões. Lenza (2012) faz uma reflexão com relação ao uso equivocado da expressão “geração” para designar os direitos fundamentais.

Finalmente, cabe alertar o reconhecimento, por parte da doutrina, de certo conteúdo social no constitucionalismo francês, conforme anota Ingo Sarlet. Nesse sentido, Dimoulis e Martins chegam a afirmar que o termo “geração” não se mostra cronologicamente exato porque já se observavam nas primeiras Constituições e Declarações dos séculos XVIII e XIX certos direitos sociais. Ao tratar da Declaração francesa destaca a “... garantia a assistência aos necessitados como uma ‘dívida sagrada’ da sociedade e o direito de acesso à educação (arts. 21 e 22). E a Constituição brasileira do Império de 1824 incluía entre os direitos fundamentais dois direitos sociais, os ‘socorros públicos’ e a ‘instrução primária’ gratuita (art. 179, XXXI e XXXII), ambos direitos sociais e diretamente inspirados na Declaração francesa...”. (LENZA, 2012, p. 958-959)

Destaca Bonavides (2008), com relação ao uso adequado da expressão “dimensão” no momento em que aborda os direitos fundamentais de quarta dimensão:

[...] o vocábulo “dimensão” substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo “geração”, caso este último venha a introduzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a Humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo. (BONAVIDES, 2008, p. 572)

Logo, depreende-se que o reconhecimento progressivo dos direitos fundamentais, em verdade, é cumulativo e não de alternância, sendo que o termo “geração” pode indicar erroneamente uma substituição de uma geração por outra, o que não condiz com a realidade dos direitos fundamentais, posto que estes estão em permanente processo de expansão e fortalecimento; por isto, que se mostra inadequada a utilização do termo “geração” para tratar dos direitos fundamentais. (SARLET, 2007)

Slater (2007), menciona a teoria dimensional dos direitos fundamentais, para salientar o caráter cumulativo e para natureza complementar de tais direitos, além do fato, de sua unidade e indivisibilidade dentro do Direito Constitucional, e, no Direito Internacional.

Tais fatos corroboraram ainda mais para a utilização da expressão dimensão ao invés de geração para designar os direitos fundamentais.

Por fim, importante destacar que as 1ª, 2ª e 3ª dimensões surgiram a partir da influência dos lemas da Revolução Francesa, e as demais dimensões seriam, segundo Lenza (2012), uma evolução das primeiras.

2.4.1 Direitos fundamentais de primeira dimensão

Esta dimensão de direitos fundamentais marca a transição do Estado autoritário para o Estado de Direito. Nesta nova configuração de Estado, passa-se a lutar pelos direitos individuais (já reconhecidos nas primeiras Constituições escritas), os quais, são provenientes do pensamento liberal-burguês do séc. XVIII, influenciado principalmente pela Revolução Francesa. (LENZA, 2012)

Pondera, assim, Sarlet (2007) com relação aos direitos fundamentais de primeira dimensão:

Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar, do pensamento liberal-burguês do século XVIII de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. São, por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (SARLET, 2007, p. 54)

Portanto, a Revolução Francesa (séc. XVIII), com seu lema de liberdade, igualdade e fraternidade para todos, em muito inspirou diversos segmentos do direito, mas principalmente o movimento Constitucional.

Inclusive, a Revolução Francesa influenciou para que a universalidade dos direitos passasse a ser material, e não mais abstrata, o que foi determinante para a fixação dos direitos fundamentais das três primeiras dimensões. Quanto a isto, Bonavides infere:

Com efeito, descoberta a fórmula de generalização e universalidade, restava doravante seguir os caminhos que consentissem inserir na ordem jurídica positiva de cada ordenamento político os direitos e conteúdos materiais referentes àqueles postulados. Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo, o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade: a universalidade material e concreta, em substituição da universalidade abstrata e, de certo, metafísica daqueles direitos, contida no jusnaturalismo do séc. XVIII. (BONAVIDES, 2008, p. 563)

Assim, os direitos fundamentais de primeira dimensão correspondem aos direitos de liberdade, a saber, os direitos civis e políticos, que nos remetem ao início do constitucionalismo do Ocidente, hoje já consolidados, os quais têm por titular os indivíduos, sendo direitos oponíveis perante o Estado. Nesse contexto, documentos como a Magna Carta (1215) e o Bill os Rights (1688), de foram de extrema relevância para o surgimento dos direitos fundamentais de primeira dimensão. (LENZA, 2012)

Como já mencionado, cada indivíduo se caracteriza enquanto titular dos direitos fundamentais de primeira dimensão, sendo que tais direitos possuem um caráter negativo, pois exigem uma não ação do Estado, resumidamente Bonavides destaca:

Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (BONAVIDES, 2008, p. 563-564)

Podemos ainda afirma, que tais direitos se mostram enquanto garantia das liberdades individuais de cada indivíduo perante o Estado, ou seja, contra a possibilidade de existência de um poder absoluto do Estado a ser imposto ao indivíduo, como no passado já ocorreu, evitando a atuação do Estado na esfera individual.

2.4.2 Direitos fundamentais de segunda dimensão

A Revolução Industrial europeia do séc. XIX será a principal inspiração para o surgimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão, principalmente ao considerarmos as péssimas condições de trabalho da época, que, por consequência, ensejavam diversas reivindicações trabalhistas e de assistência social. Além disto, podemos considerar que o fato de o início do séc. XX ter sido marcado pelos traumas decorrentes da Primeira Guerra Mundial, também teve grande influência sobre o surgimento desta dimensão de direitos fundamentais. (LENZA, 2012)

Os graves problemas sociais e econômicos, bem como, a não garantia de efetivo gozo do direito à liberdade, fizeram com que, aos poucos, o Estado passasse a ter um comportamento ativo na concretização da justiça social. Assim, o intuito neste momento não é evitar a intervenção estatal na esfera individual, mas sim, de utilizar o Estado enquanto instrumento para salvaguardar o direito à liberdade. (SARLET, 2007)

Os direitos fundamentais de segunda geração são, portanto, representados pelos direitos sociais, culturais e econômicos, sendo que Bonavides, ainda considera enquanto direitos de segunda dimensão os direitos coletivos oriundos do pensamento antiliberal e do princípio de igualdade do século XX. (BONAVIDES, 2008)

Da mesma maneira que os direitos fundamentais de primeira dimensão, os de segunda surgiram, a priori, na esfera política e filosófica, com uma baixa normatividade e eficácia, ganhando mais destaque somente posteriormente, com a reconhecimento solene nas Constituições Marxistas e no constitucionalismo social-democrático. (BONAVIDES, 2008)

Quanto aos direitos fundamentais de segunda dimensão, destaca Lenza (2012), destaca enquanto documentos importantes na tentativa de promover maior evidenciação a estes: Constituição do México (1917); Constituição de Weimar (1919), Tratado de Versalhes de 1919 (OIT); e no Brasil, a Constituição de 1934

Já no ponto de vista de Paulo Bonavides (2008), ainda assim, persiste a baixa normatividade e eficácia iniciais supramencionadas, porém, estas teriam um motivo significativo:

[…] passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos. (BONAVIDES, 2008, p. 564)

Atualmente, esta limitação essencial dos meios e recursos, citada por Bonavides (2008), para LENZA (2012) representa a dita reserva do possível, posto que os direitos fundamentais de segunda dimensão, de acordo com Sarlet (2007), são direitos que concedem aos cidadãos direitos de prestações sociais estatais.

Logicamente, devido a sua baixa normatividade, por consequência, tais direitos tinham sua juridicidade questionada, portanto, passaram a compor a esfera programática devido não possuírem instrumentos de garantia para a sua concretização, que culminou em uma crise de observância e execução, a qual se ter esperança do fim com o surgimento do preceito de aplicação imediata dos direitos fundamentais, ainda que não concernentes ao direito de liberdade. (BONAVIDES, 2008)

Quanto aos direitos fundamentais de segunda dimensão conclui Paulo Bonavides:

[…] os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descomprima ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arriada no caráter programático da norma.

Com efeito, até então, em quase todos os sistemas jurídicos prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade eram de aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade mediata, por via do legislador. (BONAVIDES, 2008, p.565)

Importante destacar que com o surgimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão surgiram também a os princípios e valores que poderiam proteger as instituições, posto que se passou a compreender que tão importante quanto salvaguardar a liberdade do cidadão era a proteção das instituições, surgindo assim as garantias constitucionais, diferentemente da liberdade não pode ser institucionalizada enquanto uma garantia. (BONAVIDES, 2008)

Assim, as garantias institucionais protegem as instituições da intervenção do legislador ordinário, posto ser de sua natureza a limitação, bem como, a destinarão a certos fins. Nesse contexto, Paulo Benavides cita Weimar para conceituar garantias constitucionais:

O polêmico constitucionalista de Weimar colocou nos seguintes termos o seu conceito de garantias constitucionais: primeiro, que haja uma garantia e que esta, de ordinário, seja de natureza constitucional; a seguir, que a garantia tenha um objeto específico, a saber, uma “instituição”, visto que do contrario não se poderia falar de “garantia institucional”, e, finalmente, que se refira a algo atual, presente e existente, dotado de forma e organização, a que já se prende também uma situar jurídica constatável; a garantia institucional contam sempre, segundo a lição daquele publicista, elementos de garantia de um status quo.(BONAVIDES, 2008, p. 566)

Senso ainda relevante destacar a diferença entre garantias institucionais e as do instituto, pois, as de instituto, apesar de também corresponderam a garantias de direito constitucional, estão relacionadas à institutos jurídicos de direito privado, a exemplo da propriedade e da família; diferentemente das garantias institucionais que se referem à instituições de direito público.  Nesse contexto surge um novo conceito de direitos fundamentais. (BONAVIDES, 2008)        

Não se pode deixar de reconhecer aqui o nascimento de um novo conceito de direitos fundamentais, vinculado materialmente a uma liberdade “objetivada”, atada a vínculos normativos e institucionais, a valores sociais que demandam realização concreta e cujos pressupostos devem ser “criados”, fazendo assim do Estado um artífice e um agente de suma importância para que se concretizem os direitos fundamentais da segunda geração. (BONAVIDES, 2008, p. 567)

Logo, a busca pelos pressupostos supramencionados na passagem da obra de Paulo Bonavides torna-se o parâmetro para as Constituições e legislações mais recentes, sendo característica predominante dentre estes pressupostos a universalidade inerente aos direitos fundamentais, vistos nas palavras de Benavides “enquanto a chave de libertação material do homem”. (BONAVIDES, 2008, p. 567)

Posto isto, a garantia constitucional representa uma legitimação aos direitos fundamentais de segundo dimensão, além de valorizar os direitos à liberdade, tendo enfrentado uma crise devido o seu conceito ter perdido substância e densidade, apesar de na contramão, ter ocorrido o alagamento do conceito de instituição. Isto, pois, houve uma transição das liberdades formais abstratas para as materiais concretas, com a codificação e maior efetivação de tais direitos. (SARLET, 2007)

Se na fase da primeira geração os direitos fundamentais consistiam essencialmente no estabelecimento das garantias fundamentais da liberdade, a partir da segunda geração tais direitos passaram a compreender, além daquelas garantias, também os critérios objetivos de valores, bem como os princípios básicos que animam a lei maior, projetando-lhe a unidade e fazendo a congruência fundamental de suas regras.

Cresceu, pois, com a introdução dos direitos fundamentais da segunda geração o juízo de que esses direitos representam de certo modo uma ordem de valores, compondo uma unidade de ordenação valorativa que alguns juristas temem possa ressuscitar ou correr o risco de ressuscitar rejeitada concepção de sistema, à qual, segundo Scheuner, os direitos fundamentais seriam irredutíveis. (BONAVIDES, 2008, p. 568)

Dado tais fatos, o princípio da igualdade e o da liberdade deixaram de constituir apenas um direito individual, e, passaram a representar uma garantia em face de atos arbitrários do Estado.

Ainda na esfera dos direitos da segunda dimensão, há que atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas “liberdades sociais”, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como o reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado, a garantia a um salário mínimo, a limitação da jornada de trabalho, apenas para citar alguns dos mais representativos. A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais do que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante o cunho “positivo” possa ser considerado como o marco distintivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais. [...] (SARLET, 2007, p. 56)

Por fim, salienta-se que, assim como dos direitos fundamentais de primeira dimensão, os direitos sociais, não concerne a pessoa individual, representam apenas uma densificação da justiça social e anseios das classes menos favorecidas, logo, não estando relacionados a direitos coletivos ou difusos conforme a terceira dimensão de direitos fundamentais. (SARLET, 2007)

2.4.3 Direitos fundamentais de terceira dimensão

Diante de um mundo divido em nações que não estão no mesmo grau de desenvolvimento teve-se a necessidade de uma nova dimensão de direitos fundamentais pautados na fraternidade, sem que houvesse apenas proteção aos direitos individuais ou coletivos, conforme Paulo Benavides (2008) considera ao fazer menção à Karel Vasak.

Ainda concernente à origem aos direitos fundamentais de terceira dimensão, destaca-se, ainda, a seguinte passagem da obra de Sarlet (2007):

[...] os direitos fundamentais de terceira dimensão, como leciona de Pérez Luño, podem ser considerados uma resposta ao fenômeno denominado de “poluição das liberdades”, que caracteriza o processo de erosão e degradação sofrido pelos direitos e liberdades fundamentais, principalmente em face do uso de novas tecnologias. Nesta perspectiva, assumem especial relevância o direito ao meio ambiente e à qualidade de vida (que já foi considerado como direito de terceira geração pela corrente doutrinária que parte do critério da titularidade transindividual), bem como o direito de informática (ou liberdade de informática), cujo reconhecimento é postulado justamente em virtude do controle cada vez maior sobre a liberdade e intimidade individual mediante bancos de dados pessoais, meios de comunicação, etc., mas que – em virtude de sua vinculação com os direitos de liberdade (inclusive de expressão e comunicação) e as garantias da intimidade e privacidade – suscita certas dúvidas no que tange ao seu enquadramento na terceira dimensão dos direitos fundamentais. De qualquer modo, também com relação aos direitos da assim chamada terceira dimensão importa reconhecer a procedência da lição de Ignácio Pinilla ao destacar a diversificação (e, portanto, a complexidade) destes direitos. (SARLET, 2007, p. 57-58)

Assim, o autor ao falar em “poluição das liberdades” tem por intuito demonstrar que os direitos fundamentais das dimensões anteriores acabavam por promover um alargamento excessivo de direitos individuais que poderiam provocar a invasão do espaço do outro, e, a promoção excessiva de um pensamento individualista.

Importante mencionar que Paulo Benavides (2008), menciona o autor Etiene-R. Mbaya para apontar que este diferentemente de Vasak, considera que os direitos fundamentais de terceira dimensão provém da concepção de solidariedade e não de fraternidade. Mbaya é o formulador do direito ao desenvolvimento, ao qual atribui enquanto titulares tanto o Estado quanto os indivíduos, posto que para os indivíduos tal direito representa o a pretensão de um trabalho, saúde e alimentação. (BONAVIDES, 2008)

Assim, Paulo Benavides (2008) destaca que Mbaya considera o princípio da solidariedade a partir de três perspectivas:

“1. O dever de todo Estado particular de levar em conta, nos seus atos, os interesses de outos Estados (ou de seus súditos);

“2. Ajuda recíproca (bilateral e unilateral), de caráter financeiro ou de outra natureza, para a superarão das dificuldades econômicas (inclusive com auxílio técnico aos países subdesenvolvidos e estabelecimento de preferencias de comércio em favor de países, a fim de liquidar deficits);

“3. Uma coordenação sistemática de política econômica” (BONAVIDES, 2008, p. 570)

Importante se faz destacar o pensamento de Lenza (2012) com relação a esta dimensão de direitos fundamentais, o qual não faz distinção entre as expressões solidariedade e fraternidade. Assim como Sarlet (2007), Pedro Lenza trata-as enquanto sinônimos, importando-se mais em destacar o caráter transindividual dos direitos de terceira dimensão:

Os direitos fundamentais da 3.ª dimensão são marcados pela alteração da sociedade por profundas mudanças na comunidade internacional (sociedade de massa, crescente desenvolvimento tecnológico e científico), identificando-se profundas alterações nas relações econômico-sociais. Novos problemas e preocupações mundiais surgem, tais como a necessária noção de preservacionismo ambiental e as dificuldades para proteção dos consumidores, só para lembrar aqui dois candentes temas. O ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade ou fraternidade. Os direitos da 3.ª dimensão são direitos transindividuais que transcendem os interesses do indivíduo e passam a se preocupar com a proteção do gênero humano, com altíssimo teor de humanismo e universalidade. (LENZA, 2012, p. 959-960)

Portanto, conforme expressa o autor na passagem acima transcrita, os direitos fundamentais de terceira dimensão surgiram a partir da concepção de que o homem está inserido em uma coletividade, devendo, assim, haver o respeito mútuo entre os povos, por meio das concepções de solidariedade e fraternidade, independentemente destes termos serem sinônimos ou não.

Assim, os direitos fundamentais de terceira dimensão se depreendem do fato de o indivíduo de maneira singular ser titular do direito, passando a se preocupar com a proteção de direitos de titularidade coletiva ou difusa (SARLET, 2007)

Desta forma, no final do Séc. XX surgem os direitos fundamentais de terceira dimensão dotados de imenso caráter universal e humano, não se restringindo apenas a um indivíduo ou determinado grupo de seres humanos. Segundo Vasak, os direitos fundamentais de terceira dimensão são: direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente saudável e equilibrado, direito de comunicação, e, o direito de propriedade ao patrimônio comum da humanidade. (BONAVIDES, 2008)

Cabe destacar que o próprio doutrinador Bonavides (2008), em verdade, considera o direito à paz enquanto um direito fundamental de quinta dimensão.

Como já mencionado, tais direitos são o fruto dos anseios da população diante do impacto dos avanços tecnológicos e pelo clima gerado após a segunda guerra mundial; momento este em que o pensamento individualista sede lugar ã fraternidade e a solidariedade, devido a isto, a titularidade destes direitos para a ser uma titularidade coletiva (indeterminável), requerendo assim, novas formas de garantia e proteção.

Sarlet (2007), considera ainda, enquanto direito fundamental de terceira dimensão o direito à autodeterminação dos povos, representando isto a atribuição de um direito fundamental ao próprio Estado, o que por certo comprometeu a definição destes direitos enquanto fundamentais.

Enfim, os direitos fundamentais de terceira dimensão vivem em processo de constante construção, sendo, no olhar de Sarlet (2007), uma vertente do direito à dignidade humana interligado aos direitos à liberdade e à vida, isto, prol da defesa do coletivo contra os excessos do Estado e de terceiros.

2.4.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão

Ainda se discute na doutrina a existência ou não desta dimensão de direitos fundamentais. Alguns consideram que todos os direitos fundamentais já estariam inseridos nas três primeiras dimensões aqui descritas, entretanto, doutrinadores como Bonavides(2008) e Sarlet (2007) defendem a existência desta dimensão de direitos fundamentais enquanto produto da globalização no plano institucional dos direitos fundamentais, o chamado Estado Social. (SARLET, 2007)

Lenza (2012), entretanto, faz menção à Norberto Bobbio, o qual considera que tais direitos teriam surgido a partir da evolução das pesquisas na área da engenharia genética, as quais poderiam colocar em risco a própria existência humana em virtude da manipulação genética.

Já no pensamento de Bonavides (2008), o qual, conforme mencionado acima, considera a globalização política neoliberal da norma enquanto responsável pelo surgimento dos direitos fundamentais de quarta dimensão, os quais, na opinião do autor, são compostos pelos direitos à democracia, a informação e ao pluralismo.

Posto isto, para o autor supramencionado, os direitos fundamentais de quarta dimensão representam uma objetividade dos direitos da demais dimensões, absorvendo a subjetividade dos direitos individuais. Isto, pois, estes representam a globalização dos direitos fundamentais, logo, o que se faz é dotá-los de caráter universal na esfera institucional.

Diante das duas correntes, Lenza (2012) menciona o pensamento de Ingo Sarlet, o qual, considera a proposta de Paulo Bonavides mais vantajosa, no seguinte sentido:

[...] a proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo etc., como integrando a quarta geração, oferece nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, já que não se cuida apenas de vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas, em sua maior parte, dos clássicos direitos de liberdade. (LENZA, 2012, p. 961 apud SALERT, 2007, p. 51)

Salienta-se ainda, que com relação ao direito a democracia, Bonavides (2008) faz um adendo para destacar que esta deve ser direta, assim como, deve ser isenta “[...] das contaminações midiáticas, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios de poder. [...]” (BONAVIDES, 2008, p. 571)

Logo, na democracia globalizada para Bonavides:

[...] o Homem configura a presença moral da cidadania. Ele é constante axiológica, o centro de gravidade, a corrente de convergência de todos os interesses do sistema. Nessa democracia, a fiscalização de constitucionalidade daqueles direitos enunciados – direitos, conforme vimos, de quatro dimensões distintas – será obra do cidadão legitimado, perante uma instância constitucional suprema, à propositura da ação de controle, sempre em moldes compatíveis com a índole e o exercício da democracia política.

Enfim, os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política. (BONAVIDES, 2008, p. 572)

Ainda assim, nenhuma das duas perspectivas, nem a de Norberto Bobbio e nem a de Paulo Bonavides, conseguiram o reconhecimento do direito nacional positivo, ainda que existam exemplos isolados, porém somente através destes se poderia alcançar a legítima globalização política. (SARLET, 2007).

2.5 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUINTA DIMENSÃO

O direito à paz representa o direito fundamental de quinta dimensão, o qual na concepção de Karel Vasak, conforme já destacamos anteriormente, integraria a terceira dimensão dos direitos fundamentais. Entretanto, para Bonavides (2008), Karel Vasak ao renegar o direito à paz a terceira dimensão de direitos fundamentais o fez de forma incompleta, assim ilustra o autor quanto a opção de Karel Vasak de elencar o direito à paz em meio a terceira dimensão de direitos fundamentais:

Não desenvolveu as razões que a elevam à categoria de norma. Sobretudo aquelas que conferem relevância pela necessidade de caracterizar e encabeçar e polarizar toda uma nova geração de direitos fundamentais, como era mister fazer, e ele não o fez. O direito à paz caiu em esquecimento injusto por obra, talvez, da menção ligeira, superficial, um tanto vaga, perdida entre os direitos de terceira dimensão. (BONAVIDES, 2008, p. 579)

O intuito da reclassificação do direito à paz enquanto direito fundamental de quinta dimensão é:

[...] assegurar ao direito à paz um lugar de destaque, superando um tratamento incompleto e teoricamente lacunoso, de tal sorte a resgatar a sua indispensável relevância no contexto multidimensional que marca a trajetória e o perfil dos direitos humanos e fundamentais, reclama uma reclassificação mediante sua inserção em uma dimensão nova e autônoma. (SARLET, 2007, p. 51)

Superada tal questão, surge outra problemática, a dificuldade para se reconhecer a paz enquanto direito pela doutrina e jurisprudência, ou seja, de reconhecer a sua natureza jurídica. Afinal, trata-se de um direito complexo, haja vista que podem ser titulares do direito à paz tanto os Estados, quanto os povos, indivíduos e humanidade; portanto, têm efeitos internos e internacionais tanto em âmbito individual quanto coletivo. (BONAVIDES, 2008)

Apesar de toda a discussão que envolve tal direito, este, ainda é invocado de forma tímida tanto por parte da doutrina quanto da jurisprudência (nacional e internacional), apesar de em nosso país o direito à paz estar codificado no art. 4º, inciso VI, da Constituição de 1988. (SARLET, 2007)

Bonavides (2008) faz menção à sentença proclama pela Suprema Corte de Justiça da Costa Rica enquanto grande exemplo do reconhecimento do direito à paz, posto que,  tal julgado reconheceu e aplicou o direito à paz enquanto direito fundamental positivo, colocando assim o direito a paz “[...] fora das esferas abstratas e programáticas e a introduziu num direito constitucional que tem vida e realidade e concretude!” (BONAVIDES, 2008, p.582)

Inegável que Karel Vasak ao designar o direito à paz enquanto um direito de terceira dimensão concedeu-lhe uma visibilidade que antes não detinha. Entretanto, assim como o direito ao desenvolvimento se configurou enquanto o direito característico da terceira dimensão de direitos fundamentais, e, como o foi o direito à liberdade para a primeira dimensão de direitos fundamentais, era necessário que o direito à paz detivesse este mesmo grau de relevância. Para tanto, era imprescindível que este encabeçasse uma dimensão de direitos fundamentais. (BONAVIDES, 2008)

Afinal, o direito à paz é um direito natural, presente no contratualismo social de Kant, um direito universal, em prol da dignidade da espécie humana; portanto, devendo ser transladado da utopia para a concreção através da positividade jurídica, dentro de uma concepção de “direito constitucional do gênero humano”, conforme designa Bonavides (2008).

Entretanto, conforme faz questão de elucidar Sarlet (2007), o direito à paz que ora tanto se defende vai além da qualificação jurídico-dogmática, mas sim em todos os sentidos, não reduzida a ausência de guerra (interna ou externa), mas enquanto pressuposto para a perpetuação dos direitos humanos e fundamentais.

Direito à paz, sim. Mas paz em sua dimensão perpétua, à sombra do modelo de Kant. Paz em caráter universal, em sua feição agregativa de solidariedade, em seu plano harmonizador de todas as etnias, de todas as culturas, de todos os sistemas, de todas as crenças que a fé e a dignidade do homem propunham, reivindicam, concretizam e legitimam.

Quem conturbar essa paz, quem a violentar, quem a negar, cometerá, à luz desse entendimento, crime contra a sociedade humana. (BONAVIDES, 2008, p. 591)

Podemos considerar assim, que a paz se reveste tanto enquanto direito quanto enquanto dever, posto que, conforme o autor menciona acima, aquele que atentar contra tal direito, estaria atentando contra a humanidade.

Sobre a autora
Aline de Fátima Lima Gomes de Miranda

Graduada em Direito pela Universidade da Amazônia -UNAMA. Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio, e, com MBA em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas- FGV.

Informações sobre o texto

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