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O entendimento do Recurso Especial n. 1.559.264/RJ nos casos de execução pública na tecnologia streaming

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Agenda 07/02/2019 às 16:40

É devido o pagamento de direitos autorais ao ECAD decorrentes de execução pública com uso de streaming?

O DIREITO AUTORAL E AS NOVAS TECNOLOGIAS DIGITAIS

O Direito Autoral esteve relacionado desde a sua origem à invenção de uma nova tecnologia. Foi assim no início, com a prensa de Gutenberg, capaz de permitir a fixação em textos em papel, permitindo a reprodução em larga escala, até se chegar nas tecnologias digitais. Assim, não causa estranheza o fato deste ramo do direito estar associado ao aperfeiçoamento tecnológico. Nesse sentido, o destino do Direito de Autor é caminhar lado a lado com a tecnologia, evoluindo na medida em que esta evolui, adaptando-se às alterações e superando contradições, sem, porém, eliminar estas últimas (LEITE, 2004). 

 A tecnologia da informação (TI), associada aos recursos de telecomunicação, através das transmissões via ondas radioelétricas, cabo e satélite, resultou no sistema global de comunicação chamado Internet que além de processar automaticamente a computação de dados (ambiente digital), agrega atividades complementares, como a comunicação interpessoal, transmissão de dados, a telefonia, a radiodifusão e outras formas de entretenimento (SANTOS, 2001). 

 Na definição da Lei 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, o artigo 5º, inciso primeiro, define a internet em um “sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para o uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes” (BRASIL, 2014).  

 Esse ambiente introduziu, conforme os ensinamentos de Santos (1999, p. 50), modalidades de disponibilização de obras intelectuais até então inexistentes, baseadas no meio informático, numa nova forma de reprodução, na digitalização dos dados e das obras intelectuais; e um novo processo de transmissão que atua transfronteiras e de modo instantâneo. Como consequência disso, a obra musical, antes materializada no mundo físico, com a internet, passou a ser expressa também na forma intangível, propiciando a diminuição dos limites temporais entre reprodução, difusão e circulação (PECK, 2002). 

Considerando-se o que dispõe a LDA no artigo 5º VI sobre a definição de reprodução, existe a proteção da obra incluindo a que esteja em: “qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido”. Essa disposição, visa regular o comércio eletrônico musical que se desenvolveu em virtude da circulação das mídias digitais. 

O início do que se convencionou chamar de distribuição digital de músicas ocorreu a partir de 1999, por meio do aplicativo chamado Napster (idealizado por Shaw Fanning) cujo sistema permitia a busca e localização de arquivos musicais de MP3 para download, mediante a transferência destas cópias de arquivos para o disco rígido do usuário. (EGEA, 2015). 

Por causa dessa distribuição, a RIAA (Recording Industry Association of America), entidade americana que congrega as grandes empresas fonográficas, em conjunto com a NMPA (National Music Publishers Association), que representa os editores musicais, demandaram contra a Napster na Suprema Corte dos Estados Unidos, por infração de propriedade intelectual e concorrência desleal. Após longa batalha, a empresa Napster foi condenada a retirar o material por filtros no aplicativo, o que não foi acatado, ocasionado o encerramento da empresa por determinação judicial (EGEA, 2015).

 O caso Naspter deu origem a tecnologia peer-to-peer (P2P ou ponto-a-ponto) para a transferência de músicas no formato MP3 e outros disponíveis na rede. Em termos sucintos, a tecnologia P2P consiste em uma estrutura onde o usuário conectado pode comunicar-se diretamente com outro sem a necessidade direta de um servidor, pois o usuário também faz esse papel (VOSS JUNIOR; PÉRICAS, 2004). 

Lawrence Lessig (um dos fundadores do Creative Commons e um dos maiores defensores da Internet livre), em sua Obra Free Culture, no ano de 2004, previu que o compartilhamento de arquivos não seria a principal tecnologia para troca de conteúdo digital. Segundo o autor, com o advento da banda larga e a computação em nuvem, o acesso instantâneo a mídia digital por meio do áudio e vídeo, sem o armazenamento no computador, se tornaria mais interessante para o consumidor (LESSIG, 2004). 

Foi nesse contexto, de velocidade e instantaneidade no acesso as informações, em um mundo cada vez mais globalizado, que se desenvolveu a tecnologia de transmissão de dados chamada streaming. 

Para esclarecer o que compreende este tipo de plataforma, a Comissão Europeia, em seu manual de internet define streaming como a tecnologia capaz de transmitir ao vivo e em tempo real os dados em áudio e vídeo pela internet, sem download do conteúdo (INFORMATION, 2015).

A primeira plataforma, a utilizar a tecnologia streaming foi o aplicativo RealPlayer, em meados dos anos 90 (OUR STORY, 2018), posteriormente, o streaming ganhou ainda mais força com o advento da plataforma Pandora e atingiu seu ápice em 2011, com o lançamento do Spotify (HARVEY, 2014).

Passadas quase duas décadas desde a criação do aplicativo da RealPlayer, a IFPI (International Federation of the Phonographic Industry) representante da indústria fonográfica mundial, no seu relatório de 2018, sobre os hábitos de consumo musical mundial, identificou que 86% dos ouvintes consomem música por meio de streaming sob demanda. (IFPI RELEASES, 2018). 

 Atualmente, é possível detectar uma preferência dos usuários em utilizar serviços de streaming, já que ele permite melhor organização das músicas, facilidade de acesso (qualquer smartphone ou similar) e repertório (através da criação das chamadas playlist), além da possibilidade de interação com o conteúdo e com as playlists de outros usuários existentes.  

 No cenário nacional, o brasileiro passa 15,4 horas, em média, por semana, assistindo vídeos nesse tipo de plataforma. Por esse motivo é possível afirmar que o mercado musical brasileiro está entre os 13 maiores no mundo, a frente de países como os Estados Unidos, Japão, Reino Unido e França, sendo que mais da metade dos internautas brasileiros já usava algum serviço de streaming para ouvir canções em 2016 (LOUREIRO, 2018).  

Na visão de White e Cooper (2015), o streaming, diferentemente do download, envia o conteúdo como um fluxo (stream) de dados de um servidor para o aparelho do consumidor, sendo o arquivo armazenado temporariamente no computador do usuário em uma memória cache (cópia temporária no disco rígido) ou um buffer (armazenado na RAM). O conteúdo vai sendo reproduzido na medida em que é recebido, funcionando como um serviço disponível ao usuário (FRANCISCO; VALENTE, 2016).

Porém, é preciso saber os tipos de modalidades de streaming existentes, visto que, dependendo da modalidade, reflexos distintos incidirão no campo dos Direitos Autorais. Richardson (2014) menciona a existência do streaming na modalidade live streaming (não interativo) e o on-demand streaming (streaming interativo). No streaming interativo, também definido pela literatura especializada como webcast, o acesso às músicas é randômico e assíncrono, pois a transmissão de uma obra determinada inicia-se com a determinação do usuário. Este modelo encaixa-se nas plataformas de streaming como o Spotify, Deezer, Youtube. Já o modelo não interativo, adotado pelas rádios online (webradios), reproduzem simultaneamente o mesmo programa, não apresentando um produto conceitualmente distinto daquele oferecido pelas rádios convencionais, enquadrando-se na modalidade simulcasting (FRANCISCO; VALENTE, 2016). 

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O REsp de nº 1.559.264/RJ

O ponto de controvérsia do Recurso Especial de n.º 1.559.264 envolve sinteticamente o seguinte questionamento: é devido ou não o pagamento de direitos autorais decorrentes de execução pública ao ECAD pela Rádio OI FM nos casos do uso da plataforma digital denominada streaming?

O enquadramento desse uso na modalidade execução pública é relevante na medida que define a forma em que se dará o licenciamento, se por gestão coletiva ou individual, assim como o órgão responsável pela coleta e distribuição do pagamento, ao qual as plataformas destas tecnologias devem recorrer. Segundo o artigo 99 da Lei 9.610/98, as associações vinculadas aos direitos musicais mantém um único escritório, o ECAD, para recolher e distribuir os direitos patrimoniais oriundos da execução pública de obras musicais, cabendo, privativamente, a fixação dos preços pelos usos das obras às associações (ABRÃO, 2017).

Para fins de orientação, o litígio entre OI FM x ECAD, transcorreu, sucintamente, da seguinte forma: 

  1. o ECAD ajuíza em primeiro grau ação visando a suspensão da execução das transmissões pela OI FM, enquanto não fosse providenciada o pagamento de royalties ao ECAD decorrentes de execução pública, sustentando que a rádio, por meio de seu site na internet, permitia a reprodução das modalidades simulcasting e webcasting, e, portanto, sendo execução pública, seriam devidos direitos autorais ao ECAD;
  2. julgado improcedente o pedido em primeiro grau sob o fundamento que uma nova cobrança caracterizaria bis in idem, o ECAD, então, interpôs apelação que é parcialmente provido, condenando a OI ao pagamento de taxa pela execução pública de obras musicais na modalidade webcasting; 
  3. a OI, então, interpõem embargos infringentes, o qual é provido por maioria, de modo a prevalecer o voto vencido na apelação que julgava improcedente o pedido, sob o argumento que a transmissão na modalidade webcasting se tratava de uma transmissão individual e dedicada, restrita ao usuário;
  4. o ECAD apresenta Recurso Especial apontando divergência jurisprudencial, obscuridade/contradição e ofensa aos dispositivos da Lei n. 9.610/98 e em contrarrazões a OI aduziu a incidência da Súmula nº 7 /STJ, a falta de prequestionamento dos artigos da Lei Autoral e a ausência de negativa de prestação jurisdicional. 
  5. inadmitido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro o Recurso Especial, o ECAD interpôs recurso de agravo de instrumento, o qual apreciado pelo STJ é convertido em recurso especial (BRASIL, 2017, p. 3-6). 

O julgamento chega ao STJ em razão do crescente número e rádios virtuais que passaram a disponibilizar sua programação via internet; da novidade do tema para a legislação autoral brasileira; do avanço das novas tecnologias e, fundamentalmente, da potencialidade de múltiplas demandas similares. Todos esses fatores, associados à escassez de material técnico sobre o tema, demandaram esclarecimentos e orientações aos ministros da corte (STJ PROMOVE, 2015), para tanto foi proposta a realização de audiência pública.  

Visando fixar os pontos da controvérsia, objeto do Recurso Especial, o ministro relator, Ministro Villas Bôas Cueva, suscitou três hesitações a) é devida a cobrança de direitos autorais decorrentes de execução musical via internet de programação da rádio OI FM nas modalidades webcasting e simulcasting (tecnologia streaming); b) se tais transmissões configuram execução pública e; c) se a transmissão pela internet destas tecnologias é meio autônomo de uso de obra intelectual, caracterizando novo fato gerador de cobrança de direitos autorais (BRASIL, 2017, p. 7).

Sucintamente, objetivando uma melhor compreensão da temática, expõem-se o posicionamento do relator seguido de apontamentos, entendimentos doutrinários favoráveis e contrários à decisão. 

Inicialmente, o voto do relator apresenta o conceito de streaming da seguinte forma: streaming é a tecnologia que permite a transmissão da música em tempo real, na medida que o usuário acessa o conteúdo (...) (BRASIL, 2017). Nesse sentido, a mudança de paradigma reside no fato de que a obra musical pode ser usufruída pelo usuário simplesmente pelo ato de acesso e não mais pela aquisição ou posse de mídia física. A proposta do streaming é fazer com que o usuário tenha mais liberdade e interaja com o repertório musical ativamente, ao contrário do modelo de audição existente à época do rádio, no qual o consumidor apenas ouvia o que lhe era transmitido. 

Em seguida, o relator, elenca as modalidades de streaming existentes (simulcasting e webcasting) e o nível de interatividade (capacidade de o usuário intervir na programação) e no final do capítulo aduz que “a passagem da era analógica para a digital alterou a forma de exploração da obras intelectual, devendo haver uma harmonização destas modalidade com a proteção aos direitos autorais”(BRASIL, 2017, p. 8).

No segundo capítulo, o voto procurou, por meio do rol de incisos VII, VII alínea i, IX e X presentes no artigo 29 da LDA, demonstrar que a tecnologia streaming enquadra-se nos requisitos de incidência normativa, configurando-se entre as modalidades de exploração econômica previstas no artigo 29 que demandam autorização prévia e expressa dos titulares de direito: 

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

[...]

VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;

VIII- a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

[...]

i) emprego de sistemas de fibras óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;

[...] 

IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;

X -  quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

Logo após, ao pontuar o inciso X, o relator menciona que o legislador procurou fornecer mecanismos de proteção às suas criações, apresentando nesse sentido, um rol exemplificativo de modalidades de utilização, perdendo relevância, o meio ou modo de transmissão em que a obra foi expressa, tratando-se da utilização do mesmo bem imaterial, deve existir idêntica proteção normativa, sendo devidos direitos autorais.

O artigo 5º, II, da LDA, assim conceitua transmissão:  

II - transmissão ou emissão - a difusão de sons ou de sons e imagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélite; fio, cabo ou outro condutor; meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético.

Tepedino (2015, p. 4) em parecer solicitado pelo ECAD, assevera, no mesmo sentido do relator: “a despeito da diversidade estrutural das novas modalidades de transmissão tecnológicas, tais ferramentas desempenham a mesma função dos meios tradicionais de radiodifusão, incidindo em consequência o art. 29 da Lei 9.610/98”.

O segundo ponto controverso analisa se o uso de obras musicais e fonogramas por meio da tecnologia streaming é alcançado pelo conceito de execução pública cuja definição consta no artigo 68, §§ 2º e 3º nos seguintes termos: 

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas , em representações e execuções públicas .

[...]

§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais , mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de frequência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica (grifos meus). 

§ 3º Consideram-se locais de frequência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.

O entendimento adotado foi que diante dos conceitos de transmissão, comunicação ao público e execução pública, associados a alteração da noção de público, a execução pública consiste “na utilização de composições musicais ou literomusicais em locais de frequência coletiva por quaisquer processos, inclusive a transmissão por qualquer modalidade” (BRASIL, 2017, p. 10).

Entende-se que a parte final do § 3º do art. 68 ao mencionar “ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas”, estaria englobando a internet (espaço digital) como local de frequência coletiva, sendo irrelevante a quantidade de pessoas que se encontram no ambiente da execução musical, bastando a potencialidade de atingir, por meio da disponibilidade da obra na internet, um número indeterminados de consumidores. 

 Apesar de a Lei Autoral não definir o que seja uso público, Chaves (1976, p.155) ressalta que na análise de “local público” não entra o conceito de público o número de pessoas que assistem ao espetáculo, o local em que se encontram, ou a finalidade da reunião. Isto porque, para Morais (1976, p. 87-88):

O caráter público não decorre do fato da execução ser realizada no que se denomina “logradouro público”, mas sim da circunstância de a execução ser destinada a um número indeterminado de pessoas, em suma, é aquela que não decorre de uso individual ou isolado (execução privada), ou seja, é a execução acessível a qualquer pessoa.

Contudo, para Santos (2009, p. 56-57), é necessário reconhecer que o âmbito de atuação da internet não pode ser reduzido à comunicação pública, além de não ser, necessariamente, um meio de comunicação, porquanto há provedores que prestam serviços ou exercem atividade de outra natureza.  No mesmo sentido, Reinaldo Filho (2005, p. 17), aduz que “a internet opera com um esquema de transmissão muito mais complexo e desordenado, que funciona tanto como meio de comunicação social quanto como um sistema de comunicação privado”. 

 Após fundamentar e concluir que a transmissão digital via streaming é uma forma de execução pública, o voto demonstra as iniciativas internacionais para regular os meios de difusão de obras digitais pela internet. Para tanto, o julgado cita o artigo 8º do Tratado da OMPI de Direito de Autor que define o direito de colocar a obra à disposição do público, nos seguintes termos: 

Artigo 8 - Direito de Comunicação ao Público: Sem prejuízo do previsto nos artigos 11 (1) (ii), 11bis (1) (i) e (ii), 11ter (1)(ii), 14(1)(ii) e 14bis (1) da Convenção de Berna, os autores de obras literais e artísticas gozarão do direito exclusivo de autorizar qualquer comunicação pública de suas obras por fio ou sem fio, compreendida a colocação à disposição do público de suas obras, de tal forma que os membros do público possam a elas ter acesso no lugar e no momento que individualmente escolha (WIPO, 2018, texto digital). 

Menciona-se que apesar do Brasil não ser signatário do Tratado, a lei de direitos autorais contemplou o direito de colocar à disposição do público por meio do artigo 29, VII, da Lei de Direitos Autorais (distribuição digital, não aquela prevista no artigo 5º, IV) que pode ser relacionado à transmissão via streaming interativo (webcasting). 

Assim sendo, o direito de colocar à disposição do público (art. 29, VII, da Lei nº 9.610/98) é um ato de execução pública englobado pelo gênero comunicação pública (art. 5º, V, da Lei nº 9.610/98). 

 Para caracterizar o streaming nas modalidades webcasting e simulcasting, como execução pública, o Superior Tribunal de Justiça, assim concluiu “o ordenamento jurídico pátrio consagrou o reconhecimento de um amplo direito de comunicação ao público, no qual a simples disponibilização da obra (leia-se o ato do provedor em manter o conteúdo ao público) já qualifica o seu uso como uma execução pública, abrangendo, portanto, a transmissão digital interativa (art. 29, VII, da Lei nº 9.610/1998) ou qualquer outra forma de transmissão imaterial” (BRASIL, 2017). 

 Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, único a apresentar voto divergente, o webcasting não configura execução pública, estando ligado ao direito de reprodução previsto no artigo 5º, VI, da Lei nº 9.610/98: 

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

VI - reprodução - a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido. 

 Menciona ainda que “há locais virtuais que a despeito da abertura franqueada ao público, ou seja, a caracterização de um acesso indiscriminado aos internautas, não há execução pública de músicas, mas execução individual”. Como exemplo, cita as antigas degustações musicais de CDs, LPs em que era franqueado o acesso individualizado e não coletivo por meio de fones de ouvido, assim concluindo “a  disponibilidade pública, no sentido de acesso assegurado aos consumidores interessados, realizada sem sonorização ambiente, todavia, não enseja, nem nunca ensejou, a cobrança de retribuição ao ECAD” (BRASIL, 2017).

 Em suma, enfatizou que apenas as execuções lineares e não interativas, disponibilizadas de forma irrestrita e indeterminada – a todo e qualquer internauta que acesse o local (local de frequência coletiva) e se limite a iniciar o processo (ligar o aparelho - interatividade) – reúnem as condições para caracterização de comunicação ao público por execução pública, concluindo que somente a transmissão por simulcasting atende tais requisitos e enquadra-se como ato de execução pública (BRASIL, 2017). 

 Nesse sentido, Santos (2009, p. 60) se manifestou sobre as transmissões via streaming:

Há aqui uma distinção relevante: tanto a radiodifusão quanto as demais modalidades de comunicação pública contempladas no art. 68 da Lei 9.610/1998, a obra ou fonograma são colocados à disposição do público sem que estes tenham a possibilidade de (a) escolher o conteúdo a ser disponibilizado e (b) recebê-lo em um tempo e em local previamente determinados. Nas hipóteses em discussão, ainda que o conteúdo seja acessível ao público em geral, sua utilização configura ato individual e isolado, inexistindo execução coletiva perceptível por mais de um usuário simultaneamente. Trate-se, pois, de modalidade de utilização distinta daquela tradicionalmente contemplada pelo legislador como execução pública.

 Ascensão (1999, p. 17) menciona que o direito de colocação em rede à disposição do público não pode ser enquadrado como comunicação pública, uma vez que “a comunicação ao público supõe o ato dinâmico de comunicar, ao passo que a colocação em rede é meramente passiva; o dinamismo cabe aos utentes, que acedem àquela obra”.

Ainda, ao analisar a Lei de Direitos Autorais Brasileira no contexto dos Tratados da OMPI de 1996, Ascensão (1999) discorreu que “não é possível afirmar que o direito de comunicação pública compreende o direito de colocação à disposição do público, sendo que aquele nasceu para englobar comunicações coletivas da obra, tendo como pressuposto uma noção de público que engloba a simultaneidade na recepção da comunicação, portanto, ao prescindir da simultaneidade, estar-se impondo uma pura construção doutrinária”. 

 Por fim, ao analisar o terceiro ponto da controvérsia, que consistia em saber se o simulcasting é meio autônomo de uso de obras intelectuais, ensejando novo pagamento de direitos autorais, o julgado fundamenta a existência da autonomia através dos artigos art. 29 e 31 da Lei de Direitos Autorais que assim determinam: 

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

d) radiodifusão sonora ou televisiva;

i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; Art. 31. As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais (BRASIL, 1998).

 Através dos artigos mencionados, o entendimento é que o critério utilizado para determinar ou não a necessidade de autorização de uso pelo titular do direito é a nova modalidade de utilização (que é independente, distinta da inicial) e não o conteúdo em si considerado. Nesse sentido não configura bis in idem nova cobrança, visto ocorrer a  incidência de novo fato gerador. 

 Ademais, reforçando a natureza da autonomia de modalidade de utilização, o STJ suscitou, que ao fixar o preço de concessão para execução pública musical por meio do artigo 17 do Regulamento de Arrecadação, o ECAD considera entre outros requisitos: o público em potencial e a sobreposição geográfica. Desse modo, a transmissão via simulcasting, muitas vezes realizada por pessoa jurídica distinta, tem a capacidade de aumentar o número de ouvintes em potencial e gerar receitas e publicidades diversas da veiculada pelo rádio.

 Françon (1985, p. 314), ao tratar da retransmissão por outro organismo de radiodifusão, por meio de satélite, ou distribuição pela rede de cabos, assim dispôs: 

O público ao qual está destinado esse espetáculo irá se ampliando cada vez mais, de modo que cada ato pelo qual a obra se destina a um público novo, distinto do previsto na contratação originária, constitui nova comunicação pública e está sujeito à necessidade de prévia autorização e ao pagamento de uma remuneração diferenciada, se estas ampliações não haviam sido negociadas nas condições contratuais primitivas. 

Contrariamente ao entendimento majoritário, o ministro Bellize entendeu, que uma nova cobrança de royalties, no simulcasting acarretaria duplicidade no pagamento, (bis in idem), já que os valores relativos à execução pública estariam sendo pagos na origem, em virtude da transmissão por radiodifusão (BRASIL, 2017).  

 Em linhas gerais, segundo Neiva (2014), os tribunais compreendiam majoritariamente que o conteúdo difundido de forma simultânea é exatamente o mesmo comunicado ao público pelos sinais convencionais, portanto, a cobrança do ECAD consistiria em um bis in idem, uma vez que versaria sobre o mesmo fato gerador. Essa foi a tônica, por exemplo, do recurso de Agravo de Instrumento (Processo n. 1.0024.10.287440-1/001) promovido pelo ECAD no Tribunal de Justiça de Minas Gerais em face da Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt). Inconformado com a decisão de segunda instância, o ECAD interpôs Recurso Especial nº 380655 ao STJ, o qual negou seguimento, reiterando os termos do TJ/MG mencionados (BRASIL, 2012). 

 Importante mencionar que o acórdão de nº 1.559.264/RJ proferido pelo STJ é o leading case brasileiro, ao considerar o streaming de obra musical no ambiente digital como execução pública, sobretudo, em face da confirmação da decisão pelo Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário nº 1056363 de relatoria do Ministro Alexandre de Morais (BRASIL, 2018a). Com isso, é esperada maior segurança jurídica para os detentores dos direitos autorais ao celebrar os contratos de cessão patrimonial de suas obras musicais com as plataformas digitais que exploram a atividade do streaming. 

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELAZERI, Diego. O entendimento do Recurso Especial n. 1.559.264/RJ nos casos de execução pública na tecnologia streaming. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5699, 7 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71022. Acesso em: 23 dez. 2024.

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