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O direito das mulheres encarceradas:

uma discussão bibliográfica do sistema penitenciário feminino

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3. O TRATAMENTO DA MULHER ENCARCERADA NO BRASIL

As primeiras instituições prisionais femininas no Brasil foram: o Instituto Feminino de Readaptação Social em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1937, o Presídio de Mulheres de São Paulo e a Penitenciária de Mulheres de Bangu, no município do Rio de Janeiro, ambos inaugurados no ano de 1942 (DIAS; SILVA; BARROS, 2012, p. 228).

Ao analisar o histórico do sistema penitenciário, verifica-se que as estruturas de um presídio foram projetadas e criados por homens e para homens. Percebia-se que o crime era um fenômeno predominantemente masculino, devido ao baixo percentual de infrações cometidas por mulheres, por isso, fez com que edificações específicas para elas fossem ignoradas. Como consequência, homens e mulheres não apenas ocupavam os mesmos espaços nos presídios, como compartilhavam a mesma cela (SANTOS; SANTOS, 2014, p. 387).

Com o passar dos anos e um olhar diferenciado pelo Estado em relação a proteção que deve ser dada aos direitos dos presos, principalmente, as mulheres, ocorreu a separação de gêneros.

Essa separação está prevista na Lei de Execução Penal e foi incorporada à Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional como forma de visibilizar a situação de encarceramento de mulheres em estabelecimentos em que a arquitetura prisional e os serviços penais foram formulados para preso masculino e, posteriormente adaptados para custódia de mulheres, pois, as mulheres apenadas, tem singularidade em relação aos homens, que envolvem, atividades que viabilizam o aleitamento no ambiente prisional, espaços para os filhos das mulheres privadas de liberdade, espaços para custódia de mulheres gestantes, equipes multidisciplinares de atenção à saúde da mulher, entre outras especificidades (DEPEN, 2018, p. 23).

Quando se trata especialmente da situação das mulheres presas, percebe-se que além de sofrerem os mesmos problemas que os homens presos, há ainda uma carga muito grande de preconceito e machismo quanto ao exercício do que lhes é assegurado por lei (LIMA, 2010, p. 18).

Entretanto, a realidade é diferente do que a lei muita das vezes prevê, como por exemplo, a LEP em seu artigo 88, apresenta que, a condenada será alojada em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório em salubridade do ambiente e que o estabelecimento deverá ter lotação compatível com a sua estrutura. E a penitenciária destina-se a condenada à pena de reclusão, em regime fechado (BRASIL, 1984).

No entanto, a superlotação ainda é um problema bem presente nos presídios, até mesmo, nos femininos. com a intenção de retratar esta realidade, Queiroz (2015, p. 57) relata as condições de moradia nos presídios femininos e o dia a dia da mulher encarcerada, ao citar que: (...) oito mulheres dormiam num colchão e meio. Era de dar câimbra no corpo inteiro. A gente não conseguia se mexer pra lado nenhum. Às vezes, tinha que acordar a do lado para poder levantar porque não podia mexer a perna”.

Não é apenas sobre a superlotação que as penitenciárias femininas negam os direitos a dignidade das presas, em relação a saúde, o descaso ganha proporções maiores, ao destacar que a mulher precisa de uma atenção diferenciada sobre a particularidade de sua saúde, e, também, em relação as presas grávidas, cuja, atenção deve ser maior pelo Estado, prestando assistência à mulher e a criança que está sendo gerada.

A mulher dificilmente é assegurada com acompanhamento médico adequado no pré-natal e no pós-parto, conforme assegura o artigo 14, § 3º, da LEP.

3.1 Dados do encarceramento da mulher no Brasil

Nos últimos anos, segundo informações publicadas pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias especialmente dedicado às mulheres presas, Infopen Mulheres, houve um aumento significativo na população carcerária feminina, sendo inclusive a uma taxa de crescimento superior a da masculina. Em Junho de 2016, a população prisional feminina atingiu a marca de 42 mil mulheres privadas de liberdade, o que representa um aumento de 656% em relação ao total registrado no início dos anos 2000, quando menos de 6 mil mulheres se encontravam no sistema prisional (SANTOS; VITTO, 2014).

Comparando esses dados, com a quantificação de presos masculinos, no mesmo período, a população prisional masculina cresceu 293%, passando de 169 mil homens encarcerados em 2000 para 665 mil homens em 2016 (DEPEN, 2018, p. 15).

Dessa maneira, o Brasil encontra-se na quarta posição mundial, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia em relação ao tamanho absoluto de sua população prisional feminina (DEPEN, 2018, p. 13).

O Estado do Mato Grosso do Sul apresenta a 9ª maior população prisional feminina do país, em termos absolutos, e figura como o estado que mais encarcera mulheres em todo o país, em termos proporcionais, com 113 mulheres presas para cada grupo de 100 mil mulheres. O estado de São Paulo, por sua vez, concentra 36% de toda a população prisional feminina do país, mas aparece no 6º lugar da lista dos estados com maiores taxas de aprisionamento de mulheres, com taxa de 66,5 mulheres presas para cada 100 mil mulheres (INFOPEN, 2018, p. 18).

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3.2 Interpretação dos Dados

Como já mencionado, a população carcerária feminina tem crescido consideravelmente nos últimos anos, por isso, deve analisar os motivos que levam essas mulheres a entrarem no crime.

De acordo com o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), em seu relatório “Mulheres em prisão”, sublinha que o aumento do número de mulheres encarceradas no Brasil tem também como estímulo as múltiplas vulnerabilidades vivenciadas por mulheres, tais como, baixa escolaridade, falta de acesso a atividades profissionais que possibilitem maiores rendimentos, dupla jornada de trabalho, responsabilidade pelo sustento dos filhos e da família (FONSECA et al., 2017).

As mulheres presas possuem essas características, que contribuem para a prática criminosa, embora, pode ser também destacado, que nos últimos anos, a taxa de desemprego aumentou drasticamente devido a crise enfrentada pelo país.

Assim sendo, pela ilusão de ganharem dinheiro fácil, entram facilmente no tráfico de drogas, pois possui rentabilidade superior em relação aos empregos formais (quando existem), e pode estabelecer e fomentar respeito de dentro de uma dada comunidade quando a mulher é reconhecida como tendo conexões com o tráfico ou traficantes (GUEDES, 2006, p. 558).

Portanto, o tráfico de drogas, tendo em vista o retorno financeiro rápido, sem a necessidade de conhecimentos específicos, e ainda, praticamente imperceptível ao sistema, é o mais comum entre as mulheres. Os lucros com o negócio ilícito são o que influenciam ao cometimento do crime (QUEIROZ, 2014, p. 13).

Outro fator que pode contribuir, diz respeito a violência intrafamiliar, sendo a família responsável por dar a educação basilar, na ausência de tal conduta, presenciamos cidadãos sem um preparo adequado. Ademais, quando além da ausência educacional o ambiente vivenciado é o da violência, verifica-se um amplo número de detentas que apresentam um histórico de violência sofrida na família (DUTRA, 2012, p.9).

3.3 Direitos violados da mulher encarcerada

Aos apenados no Brasil existem direitos fundamentais estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro, como por exemplo, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLIX, assegura ao preso o respeito à integridade física e moral. A Carta consigna, ainda, que ‘ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, conforme o artigo 5º, inciso III, e ainda, a Lei de Execuções Penais, em seu capítulo II, elenca o rol de assistências assegurado aos presos.

A Lei nº 7.210/1984 - Lei de Execução Penal garante, em seu artigo 41, diversos direitos aos presos:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.          (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

Saliente-se, ademais, que o rol de direitos apresentados pelo artigo 41 da Lei de Execuções Penais é exemplificativo, pois o apenado, quando na execução da pena, continua com os seus direitos garantidos, salvo aqueles atingidos pela pena. Nesse sentido, dispõe o art. 3º da Lei de Execução Penal: “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.

Esse artigo prevê o princípio da legalidade, o qual importa na garantia individual do detento de que não poderão ocorrer desvios e excessos na execução penal, já que o condenado é obrigado a cumprir a sentença penal condenatória, sem que sejam ultrapassados os limites previstos na decisão condenatória e na lei (NUNES, 2013).

Assim sendo, toda a estrutura prisional e o preso encontram na legislação nacional e tratados internacionais mecanismos que garantem a preservação de seus direitos, embora na sua grande maioria não tem sido a aplicação destes direitos efetivados positivamente.

Além dos maus tratos, violência sexual, doenças, motins, rebeliões e tantas outras afrontas aos direitos humanos, uma das graves violações sofridas pelos presos brasileiros advém da superlotação carcerária a que são submetidos, em que celas pequenas são ocupadas por diversas pessoas, num flagrante desrespeito às condições mínimas estabelecidas, tanto na Lei de Execução Penal Brasileira, quanto nos documentos internacionais relativos à matéria (RANGEL , 2014, p. 1).

O ordenamento jurídico brasileiro tutela os direitos e as garantias dos presidiários de modo a resguardar a dignidade humana. No que tange à dignidade, Rocha (2011, p. 149) cita que:

“Em condições normais, ninguém deseja abrir mão da sua própria dignidade. No entanto, o indivíduo pode não saber o que está fazendo, por não ter discernimento ou conhecimento suficiente para compreender as consequências do ato, ou simplesmente estar fragilizado pelas circunstâncias ou por uma condição pessoal desfavorável. Esse seria o caso dos menores, dos deficientes, dos detentos e dos doentes terminais”.

Quando se restringe demasiadamente os diretos individuais, como no tratamento dado aos presidiários, o próprio Estado retira a capacidade desses indivíduos ao passo que ignora os direitos subjetivos da pessoa humana, violando os direitos da personalidade, que são direitos humanos e fundamentais.

Portanto, o que se tem visto são constantes ofensas a tais preceitos, sendo tais agravos, a principal causa das rebeliões nos estabelecimentos prisionais.

Rangel (2014, p. 1) ainda complementa, afirmando que a instituição prisão, estabelecida para punir e ressocializar, está legitimando as violações perpetradas contra os encarcerados:

É a instituição (prisão) na qual se garantem as violações de diretos básicos da pessoa. Então, tudo o que vai a favor do direito de alguém é quebrado. A regra está ali para quebrar os direitos básicos da pessoa. A pessoa é presa para lhe ser retirada a liberdade de ir e vir. Todos os demais direitos são garantidos pela lei, porém todos acabam violados por essa instituição.

Segundo Larrauri (apud CARVALHO, 2010, p. 10): O aumento de pessoas que estão na prisão não reproduz o aumento da delinquência, mas multiplicidade de outros fatores, como decisões legislativas, sensibilidade judicial e capacidade e limites do próprio sistema para processar os diversos atos delitivos.

A realidade do sistema penitenciário no Brasil é a clara aplicação do Direito Penal do inimigo, onde presos e presas são destituídos de seus direitos fundamentais básicos e não se veem respeitados os diversos acordos e tratados internacionais de direitos humanos.

Neste sentido, Gomes (2014) ressalta que:

O Direito Penal do inimigo é claramente inconstitucional, visto que só se podem conceber medidas excepcionais em tempos anormais (estado de defesa e de sítio); a criminalidade etiquetada como inimiga não chega a colocar em risco o Estado vigente, nem suas instituições essenciais (afetam bens jurídicos relevantes, causa grande clamor midiático e às vezes popular, mas não chega a colocar em risco a própria existência do Estado); logo, contra ela só se justifica o Direito Penal da normalidade.

Embora o Código Penal, em seu artigo 38, estabeleça que: “Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”, e, a Lei de Execução Penal que tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do apenado prevê: “Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”, os direitos humanos não são respeitados, principalmente pelo Estado, que deveria ser o maior garantidor dos direitos dos apenados, afim de propiciar mecanismos para sua ressocialização.

Enfim, a Constituição buscou garantir e preservar direitos fundamentais aos presos em geral, respeitando a sua condição humana e a sua dignidade, em conformidade com o texto dos tratados internacionais sobre a matéria, ratificados pelo Brasil. Entretanto, apesar do texto constitucional ter sido primoroso ao conferir direitos aos apenados, a realidade não tem demonstrado a efetivação de tais dispositivos (BERTONCINI; MARCONDES, 2017, p. 17).

Como já supramencionado, as mulheres, pela sua condição de gênero, necessitam de uma atenção especial, principalmente as gestantes e lactantes, afinal a pena não pode atingir os filhos, estes não podem ser estigmatizados pela prisão, pois são crianças cheias de inocência que não merecem sentir as sequelas do mundo do crime, além do mais, é um direito assegurado pela Constituição Federal do Brasil, no seu art. 5º, L, dispõe que: “Às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” (BRASIL, 1988).

Sobre as autoras
Karen Rosendo de Almeida Leite Rodrigues

ADVOGADA, PROFESSORA UNIVERSITÁRIA, PESQUISADORA

Alana Beatriz Brasil Garcia

graduanda em direito pela uninorte - manaus

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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