1.1 A DIFERENÇA ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS
A atual doutrina jurídica divide e classifica as normas constitucionais em duas categorias, tendo como objetivo findar o problema da aplicação e confronto entre elas, se trata dos princípios e regras.
Os princípios possuem um elevado grau de abstratividade, devendo muitas vezes ser limitados por parte do legislador ou do operador do direito para que seja aplicado no caso concreto. Para Alexy os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro claro, de todas as possibilidades reais e jurídicas possíveis.
Já as regras possuem um reduzido grau de abstração, e possuindo diferente dos princípios, aplicação imediata, tendo em vista que são criados pensando em um caso concreto, não dependem então de maiores interpretações por parte do aplicador, devendo então ser aplicada de imediato na situação exigida. Podem ser aplicadas ou não, porem se ela for valida, terá que se fazer o que ela manda.
No caso de um conflito de princípios, apesar de todos possuírem o mesmo valor, um dos princípios terá que ceder frente ao outro, isso não quer dizer que ele será declarado invalido, o que vai determinar o uso de cada princípios será o caso concreto mediante o uso da ponderação, afim de atender da melhor forma os anseios da sociedade.
No caso de um conflito de regras, grande parte dos juristas entendem que não podem coexistir quando contraditórias. O conflito de regras, diferente dos princípios, se resolve com a invalidez de uma regra, esses conflitos podem ser resolvidos sendo empregados os critérios de resolução de conflitos jurídicos. As regras adotadas no ordenamento jurídico são: Hierárquico, que de acordo com o critério do escalonamento das normas, que em sua base ficam as normas inferiores e no teto a norma superior; Cronológico, que trata da prevalência da norma mais nova em conflito com norma mais antiga sobre o mesmo tema e Especifico que é quando a regra especial, que é quando contiver elementos gerais e acrescentar características especiais, prevalece sobre regra geral.
Entende-se então que um principio pode ser aplicado em um caso concreto em maior ou menor grau enquanto as regras ou são aplicadas ou descartadas. Qualquer ordenamento jurídico composto unicamente por regras não conseguiria acompanhar a mutação da sociedade, ficando preso a certas situações que tendem a mudar com o tempo. E já por outro lado uma sociedade baseada unicamente em princípios colocaria em risco todas as relações, tanto entre os cidadãos quanto entre o estado para com esses.
1.2 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
O principio do devido processo legal só foi surgir expressamente no País na Constituição federal de 1988 que inovou em relação as cartas anteriores, que não previam de forma direta.
O referido principio se encontra no art. 5º, LIV, da Carta Magna (BRASIL, 1988), com o seguinte texto:
Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LIV _ ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Como objetivo do principio, a punição se houver deverá se dar dentro de um processo regular, com autoridade competente e respeitando também o contraditório e ampla defesa.
Há de se levar em consideração que tal garantia constitucional funciona como ferramenta contra os possíveis excessos do estado e de seus órgãos de julgamento, sendo por meio de processo justo que a parte de forma efetiva pode de forma legal obter êxito na sua pretensão judicial e tendo seu direito assegurado.
Se observa o principio com duas caractetisticas, a processual e a material. A primeira se refere a garantia do processo regular, o que favorece a parte, criando vários direitos no âmbito do processo, como por exemplo o direito de citação, contraditório, duplo grau de jurisdição e a uma sentença fundamentada, sendo o meio que as partes utilizam para obter a plenitude dos meios jurídicos existentes. Já a segunda ira ter influencia no âmbito da produção e da aplicação da norma, fazendo que a produção legislativa obedeça o interesse publico.
Ainda sobre o devido processo legal, preleciona Nucci (2016, p. 53):
O devido processo legal deita suas raízes no princípio da legalidade, garantindo ao indivíduo que somente seja processado e punido se houver lei penal anterior definindo determinada conduta como crime, cominando-lhe pena. Além disso, modernamente, representa a união de todos os princípios penais e processuais penais, indicativo da regularidade ímpar do processo criminal.
1.3 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA
É dever do estado oferecer todas as condições para o acusado se valer da produção de provas para se defender de acusações a ele imputadas e, por fim, esclarecer a verdade.
Esta presente no art. 5º, LV, da CRFB/88 (BRASIL, 1988) com o seguinte texto:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Essa defesa pode ser tanto a autodefesa que é quando existe a possibilidade do próprio acusado se defender, que pode ser de forma ativa respondendo a um interrogatório ou de forma passiva usando seu direito constitucional de ficar em silencio. E existe a defesa técnica, que é quando é exercida por profissional regularmente habilitado.
Tal principio garante inúmeras regalias para o acusado, como Nucci (2016, p. 55), frisa que:
A ampla defesa gera inúmeros direitos exclusivos do réu, como é o caso de ajuizamento de revisão criminal – instrumento vedado à acusação –, bem como a oportunidade de ser verificada a eficiência da defesa pelo magistrado, que pode desconstituir o advogado escolhido pelo réu, fazendo-o eleger outro ou nomeando-lhe um dativo.
Fica claro a importância desse principio, que além de ser previsto e protegido constitucionalmente, esta presente na sumula 523 do STF, que dispõe “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.”.
1.4 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Ainda de acordo com art. 5°, inciso LV, da Constituição Federal, a todos os litigantes, seja em processo administrativo seja em judicial, e aos acusados como um todo são assegurados o contraditório e ampla defesa. É um principio diretamente ligado a relação processual, podendo ser usado então tanto pela defesa quanto pela acusação.
Possui dois elementos essenciais, que são: Direito De Participação, que é a possibilidade da parte participar do caso concreto, seja se manifestando ou não a pretensão que lhe foi imputada pela parte contraria. E o Direito De Informação que chega a ser algo logico, não se pode falar em processo penal justo sem que a parte acusada seja notificada da existência da demanda ou dos fatos imputados, por isso é importante os meios de comunicação processuais, que são citação (primeira convocação do réu em juízo, dando ciência da acusação e dando chance de se autodefender ou de defesa técnica) intimação (é a notificação direcionada as partes de algo que aconteceu no processo) notificação (comunicação a parte de dia, hora e local que deve comparecer a alguma audiência ou praticar algo).
Por ser tão importante a comunicação da parte que o STF elaborou a sumula 707, que versa: "constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo".
Nem todos os atos jurídicos é efetivado tal principio, pode-se dizer que existe uma exceção ao contraditório, por exemplo, no inquérito policial, sabe-se que é uma peça informativa confeccionada pela policia civil e que não existe a necessidade de obedecer o referido principio.
Além do direito a informação e reação, é importante se assegurar o respeito a paridade de armas, porque de nada iria adiantar assegurar a parte imputada de saber e de reagir a algo se não são oferecidos a ele meios para que tenha reais condições de contrariar, então, há que existir um equilíbrio entre defesa e acusação, que sempre devem ter poderes equivalentes.
É visivelmente perceptível que a ampla defesa e o contraditório são intrinsicamente ligados, visto que um complementa o outro, por isso são importantes princípios constitucionais e ambos se encontram protegidos pela CF, em seu art. 5º, inciso LV.
1.5 PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE
Em 1764, Cesare Beccaria, em sua famosa obra Dos delitos e das penas, já advertia que "um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada.". (RIBEIRO, 2018)
O principio da não culpabilidade, ou da presunção de inocência, é um dos princípios mais importantes que é protegido constitucionalmente, que esta presente de forma taxativa, no Art. 5º, LVII, da Lei maior, que afirma: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” (BRASIL, 1988).
De maneira histórica, é possível data-lo do período iluminista, que surgiu na França e durou, segundo historiadores, entre 1715 e 1789, e surgiu com um conjunto de ideais que possuem a razão como principal alicerce de legitimidade e autoridade, e tinham os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade como principais lemas e que ficaram para sempre na historia.
Foi aprovada em 26 de agosto de 1789 e votada de forma definitiva em 02 de outubro desse mesmo ano, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que em seu artigo 9 previa: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.” (DDHC, 1789).
E em 1948, a Assembleia das Nações Unidas, repetia esse mesmo ideal, quando foi declarada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E em 1969, na a Convenção Americana de Direitos Humanos, de cujo texto presente em seu artigo 8, paragrafo II “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa’’. (CADH, 1969)
É possível notar uma semelhança entre todos esses textos, os quais, muitas vezes utilizando termos diferentes querem e propõem um mesmo ideal, que tem como finalidade evitar juízos condenatórios de forma antecipada, protegendo os seres humanos que potencialmente possam ter alguma culpa, contra possíveis exageros do Estado. Nesse escopo, com esse principio, os efeitos da condenação apenas devem ser aplicados após o esgotamento dos recursos.
Pode-se determinar que do principio da não culpabilidade, decorre para Nucci princípios consequenciais da prevalência do réu, que se divide em in dubio pro reo e da imunidade à autoacusação. O in dubio pro réu tem como base o conflito na relação do processo, entre o poder do estado em punir e a liberdade juntamente com sua inocência, e sempre que existir duvida, o juiz deverá privilegiar a interpretação que irá beneficiar o réu. E ainda comenta sobre o tema nas seguintes palavras Nucci (2016, p.54):
Na realidade, ele se acha conectado ao princípio da presunção de inocência (art. 5.º, LVII, CF), constituindo autêntica consequência em relação ao fato de que todos os seres humanos nascem livres e em estado de inocência. Alterar esse estado dependerá de prova idônea, produzida pelo órgão estatal acusatório, por meio do devido processo legal, gerando certeza no espírito do julgador.
Já a imunidade à autoacusação encontra-se previsto no art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica, é claro que o estado é infinitamente superior e mais poderoso que o réu no processo penal, possuindo agentes e órgãos criados e aptos para descobrir provas para descobrir contra o réu do processo penal.
Para Nucci (2016, p.54) “Seria a admissão de falência de seu aparato e fraqueza de suas autoridades se dependesse do suspeito para colher elementos suficientes a sustentar a ação penal.’’
Ninguém pode ter a liberdade cessada se não em decorrência de uma decisão condenatória ou em casos específicos como, por exemplo, a prisão em flagrante. Para Alexandre De Moraes (2017, p. 91)
A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. Desta forma, permanecem válidas as prisões temporárias, 439 em flagrante, preventivas,440 por pronúncia 441 e por sentenças condenatórias sem trânsitos em julgado.
Esse principio assegura a liberdade e defende a inocência do réu para que ele possa, acima de tudo, se defender utilizando de todos os direitos e garantias que são previstos na constituição e nos demais ordenamentos brasileiros.
É observado também a importância da intervenção mínima estatal na vida dos seres, tendo em vista que a criminalização penal apenas ocorrerá quando aquele for considerado, comprovadamente e sem resquícios de duvida, utilizando de todos os agentes e órgãos estatais, que é culpado.
1.6 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
É importante ressaltar que a relevância destinada a dignidade da pessoa humana se da, não somente por sua previsão expressa no inciso III do art. 1° da Constituição Brasileira de 1988, com texto o seguinte texto:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 1988)
Mas também ao fato de ser cada vez mais frequente a presença desse princípios em declarações e tratados universais sobre direitos humanos, o que lhe da cada vez mais peso jurídico.
A dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro, tem utilidade tanto como fundamento como no artigo 1º da CF, quanto como meta para a concepção, interpretação e aplicação das normas nos casos concretos.
Sobre esse princípio, dispõe Nucci (2016, p. 53):
Nada se pode tecer de justo e realisticamente isonômico que passe ao largo da dignidade humana, base sobre a qual todos os direitos e garantias individuais são erguidos e sustentados. Ademais, inexistiria razão de ser a tantos preceitos fundamentais não fosse o nítido suporte prestado à dignidade humana.
É direito inato a todos os seres humanos tendo em vista o ordenamento jurídico, mas é inerente a todos os humanos, o que faz com que não seja destruído ou esquecido, parte do pressuposto da evolução dos ordenamentos jurídicos, que reconhece que o Estado com seus órgãos e agentes existe para servir o homem, regular seus atos com o objetivo fim de facilitar a vivencia.
A imprescindibilidade desse principio apresenta-se no dever de ser protegido e promovido pelo Estado, que pode ser observado sob duas óticas: Objetiva e Subjetiva.
No caráter objetivo deve-se garantir aos humanos a garantia de um mínimo existencial, tendo atenção as necessidades básicas de todos os cidadãos como saúde, higiene, educação, dentre outros, como estão previstos os direitos sociais no artigo 7.º, IV, da CF.
E existe a visão subjetiva, que visa o sentimento de respeito uns aos outros e a autoestima, que são inerentes aos seres humanos, desde o ato de nascer com vida, e características estas que não cabe abdicação ou renuncia.
Sendo assim, o principio da dignidade da pessoa humana age como meta afim de servir como alicerce na confecção e na interpretação das normas, exercendo a ascensão dos valores e utilidades para se ter uma vida digna e como regra para o estado, determinando o respeito pela integridade.
Em referência ao campo penal, o principio da dignidade da pessoa humana determina que fique afastado praticas que desprezam tal principio, e garantem que o individuo seja processado e punido se houver lei anterior ao fato imputado, e além de vedar as não ser toleradas acusações sem provas, assim como penas vexatórias e degradantes e penas torturantes.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p
KÖHN, Edgar. Princípios e regras e sua identificação na visão de Robert Alexy. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, no 188. Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/artigo/1440/principios-regras-identificacao-visao-robert-alexy> Acesso em: 5 dez. 2018
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. Ed. São Paulo: Atlas, 2004.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33 ed. São Paulo: Atlas, 2017.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 8ª refornn. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.