2. Importância da formação crítica para o Ensino Jurídico
Especificamente sobre a questão da pesquisa – aliás, de sua falta –, a qual foi criticada de forma contundente por Horácio Wanderlei Rodrigues (1993, 2000 e 2005), bem como por Bittar (2001 e 2006), é possível afirmar que os autores defendem o fomento à pesquisa nos Cursos de Direito e apontam como sendo um dos fatores mais críticos à falta de interlocução por parte dos docentes e discentes. Ora, que tipo de pesquisa está ausente nos cursos de Direito? É evidente que há formas de pesquisa na graduação, seja em relação à orientação que recebem os estudantes sobre métodos de pesquisa, sobre procedimentos de coleta de dados, no mínimo em disciplinas que tratam de Metodologia da Pesquisa Jurídica, seja em relação às orientações ligadas à construção de Monografias ou o conhecido Trabalho de Curso (MENDONÇA, 2009), no entanto, o investimento em pesquisa no Brasil ocorre no contexto do Sistema Nacional de Pós-Graduação, por meio de agências federais como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que tem como principais atribuições “fomentar a pesquisa científica e tecnológica e incentivar a formação de pesquisadores brasileiros” (BRASIL, 2018) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), fundação do Ministério da Educação (MEC), que "desempenha papel fundamental na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos os estados da Federação” (BRASIL, 2018a).
Isto significa que há diferença significativa sobre o sentido da pesquisa na Graduação e na Pós-Graduação, dado que a segunda passa por processo de avaliação, regulação e os critérios para se definir a pesquisa são claros e determinam, por exemplo, o doutorado como condição mínima de titulação para que um docente possa ser credenciado em um Programa de Pós-Graduação. O pressuposto desta exigência é o fato de que um doutor em Direito ou em outras áreas do conhecimento passou pelo processo de formação que culminou na defesa de uma tese de doutorado, logo, é um pesquisador na acepção das agências. Um professor de cursos de Graduação em Direito não necessariamente passou pela experiência de construção de uma tese de doutoramento e, portanto, não exercitou, necessariamente, a autoria reivindicada neste processo, de modo que a pesquisa realizada na Graduação se diferencia daquela realizada em Programas de Pós-Graduação.
Assim, só desenvolve pesquisa, na acepção das agências CNPq e CAPES, o titulado doutor ou seus orientandos de mestrado e de doutorado. A lacuna se apresenta neste raciocínio porque este mesmo profissional com o título de doutor orienta atividades de Iniciação Científica e, embora o número seja modesto de estudantes de Iniciação Científica nos cursos de Direito, este é um espaço privilegiado de pesquisas de alto nível. Por outro lado, é possível reconhecer que possa haver referência aos cursos de Direito aqueles realizados como sinônimo de Instituição de Ensino Superior, o que incluiria Graduação e Pós-Graduação9.
Em que pese a importância de cada contribuição que alicerça a discussão sobre o Ensino Jurídico, importa ressaltar que, com base na análise do quadro, tanto no que se refere aos problemas quanto às soluções apontadas, o único denominador comum entre os autores se refere à falta de formação crítica e sua importância enquanto possível solução ao contexto educacional. Deste modo, todos os autores, cada um a seu modo, ressaltaram que os Cursos de Direito pouco contribuem para esta formação. Como já mencionado, a formação crítica, ou reflexiva, que tanto defendem os autores se relaciona com a possibilidade de tornar os alunos autônomos intelectualmente, ou seja, emancipados, capazes de pensar por si. Em uma comparação com a Alegoria da Caverna de Platão, o ensino massificador e alienante é aquele que mantêm os seres acorrentados, de costas para a entrada da caverna, com suas convicções baseadas apenas nas imagens das sombras projetadas à sua frente na parede (PLATÃO, 2000). O ensino crítico, então, pode ser metaforicamente apontado como aquele que quebra tais correntes e possibilita a liberdade para a conquista do conhecimento, no sentido de viabilizar uma nova visão do mundo, mais ampla, mais viva, mais verdadeira porquanto superada das sombras. Assim, o mito representa a constituição da realidade, em que as falsas imagens e sombras se sobrepõem às ideias e conceitos reais. Essa incorreta noção da realidade faz com o que os homens criem pré-conceitos que acabam por nortear sua fantasia e, consequentemente, sua vida. Assim, mesmo sem um aprofundamento em relação à interpretação da Alegoria de Platão – afinal, é um dos acorrentados que consegue, por esforço próprio se desamarrar – é possível defender a importância da superação das sombras para a possibilidade da busca da verdade em se tratando do Ensino Jurídico. De forma contundente, faz-se urgente a necessidade de aprimoramento dos cursos de Direito e, por certo, cada professor é responsável pelo que ensina em sala de aula, pela forma que interage com os estudantes, pelas oportunidades que oferece no espaço de sala de aula e fora dela que propicia a saída da ignorância com os estudantes. Analisando os outros elementos míticos, conforme a própria concepção platônica, as correntes simbolizam a força de resistência que os homens têm ao comodismo das ideias e preceitos culturalmente impostos. A quebra das correntes e o caminhar para fora da caverna representam a tomada de consciência no mundo, de forma crítica, mediante a concepção de um mundo dado como verdadeiro até então. Entretanto, até que ponto e com qual parâmetro se apresenta a formação crítica? Em outras palavras, o que almeja esta formação, pois, ao tomar por base a Alegoria da Caverna, então um ensino verdadeiramente crítico seria aquele capaz de quebrar os grilhões de cada aluno e levá-los à luz?
É claro que, ainda na metáfora platônica, o exercício da reflexão e do pensamento crítico representaria certa dificuldade no início, pois a luz do sol ofuscaria a visão do mundo real, sendo necessário que os prisioneiros libertados se acostumassem com a forte luminosidade, para, então, contemplar o mundo a seu redor. A saída da caverna, a observação de todos os detalhes e cores do mundo, e, por fim, seu desfruto, seria um último estágio de evolução, em que o homem já não estaria mais ofuscado pela luz solar, e poderia contemplar o mundo de forma plena. Quiçá seja esta a função do professor de Direito: tornar a dor e a dificuldade causada pelo ofuscamento da luminosidade o menor possível, de forma que os educandos não se desencorajem de continuar a descobrir este mundo novo. Para além da metáfora, em princípio parece lógico e intuitivo que ao filósofo moderno ou ao estudante dos dias atuais, sua situação no mundo já seja aquela dos prisioneiros libertos, com suas plenas capacidades para observar e provar o mundo. Contudo, em que pese todo o conhecimento agregado pela humanidade desde os tempos primitivos, será que de fato o homem está hoje liberto dos grilhões da ignorância? Será que o simples fato de estar em uma sociedade complexa e desenvolvida, estudar e exercer alguma atividade profissional ou intelectual já o torna capaz de entender e conhecer o mundo verdadeiro, livre de preconceitos e ilusões? Em que medida o homem tem acesso ao conhecimento e à verdade em uma sociedade com tanta manipulação de informações, em uma sociedade de redes sociais que apresentam muitas informações mas pouco conhecimento? Formular perguntas assim parece um passo importante para o que os autores estudados reivindicam, afinal, o caminho da formação crítica é justamente aquele que propicia a formulação de perguntas para que se possa pensar um novo contexto para o Ensino Jurídico.
É interessante notar que nos cursos de Direito há espaço para a reflexão filosófica, no entanto, de que forma esta área do conhecimento se apresenta? Se a Filosofia pode ser definida como busca da verdade e o filósofo é aquele que, incessantemente, por meio do espanto e da admiração, procura conhecer, talvez a Filosofia possa ser aprimorada no sentido de pautar, para além e antes da crítica, a autocrítica. Foi assim que Mendonça (2010, 2011) definiu a educação aristocrática, aquela segundo a qual se pauta na busca da individualidade, não do individualismo, mas na busca da autocrítica como condição para a crítica e, em última instância, a busca da autossuperação10. Esta perspectiva se aproxima da reivindicação dos cinco autores, afinal, quando se fala de busca por formação crítica não se define qualquer formação ou qualquer crítica, mas, justamente, aquela capaz de transformar o Ensino Jurídico.
Considerações finais
Sobre a importância dos cinco autores apresentados como base à discussão do Ensino Jurídico, quais sejam, Horácio Wanderlei Rodrigues, Luis Alberto Warat, José Eduardo Faria, Eduardo Carlos Bianca Bittar e Roberto Lyra Filho, em resposta à pergunta do artigo, isto é, com base na pesquisa do tipo Estado da Arte, que autores prevalecem no Brasil quando o assunto é Ensino Jurídico, no período entre 2004 e 2014, a partir da análise de teses de doutorado e de dissertações de mestrado?, a resposta foi encontrada a contento e é muito provável que todos concordem com a necessidade de superação do Ensino Jurídico na busca da formação crítica. Paradoxalmente, nenhum deles estabelece de forma precisa o que vem a ser formação crítica. Em outras palavras, em nenhum momento se define o que significa possuir ou receber uma formação crítica. Ironicamente, a única característica em comum entre os autores é, talvez, a menos debatida entre eles, como se, na prática, a concepção de crítica ou formação crítica fosse algo tão óbvio que desmerecesse qualquer tentativa de conceituação ou discussão. Fazendo algum esforço em tentar delimitar o que vem a ser crítica ou quais os requisitos necessários para tal formação, a análise dos autores, quiçá, aponta para o fato de que a formação crítica representa a base para qualquer ensino, ainda mais em se tratando de um Curso de Direito, uma vez que tais educandos minimamente representam os futuros operadores do Direito, a saber, advogados, juízes de Direito, promotores de Justiça, delegados de Polícia e demais servidores públicos do Poder Judiciário. Serão eles a elite intelectual que estará ligada ao processo legislativo, seja por meio da assessoria dos legisladores durante a elaboração dos projetos normativos, seja por sua própria realização, já que, como mencionado anteriormente, os juristas representam uma classe presente e tecnicamente inseparável da política. Ademais, enquanto operadores, estão ligados também ao Poder Executivo e ao próprio Judiciário, de modo que o Direito propagado nos cursos ecoa na prática forense e na própria dinâmica política, econômica e social, de modo que o conhecimento ensinado nas salas de aulas e a formação que tais bacharéis recebem representam uma influência direta na sociedade. Desta forma, , uma formação crítica, como apontada pelos autores, representa o mínimo que os Cursos de Direito devem oferecer a seus alunos. Sem embargo, a questão ainda persiste: qual a perspectiva de formação crítica para os autores, ou seja, o que significa formação crítica e como alcançá-la?
Para Horácio Wanderlei Rodrigues, um dos autores que apresenta, entre os problemas, a tríade do dogmatismo, tecnicismo e tradicionalismo, diferenciando, contudo, do processo de profissionalização que passou o Ensino Jurídico, acima de tudo, com o advento da proposta do Currículo Mínimo em 1962 (RODRIGUES, 2002), o qual representou uma formação mais voltada à prática forense e menos preocupada com a formação humanística, o que significou para os Cursos de Direito uma formação de cunho cada vez mais bacharelesca, jugada com a falta de pesquisa e a falta de interdisciplinaridade, possivelmente sejam estes os elementos que indiretamente se relacionem com a falta de formação crítica. De acordo com ele, a qualidade do ensino e sua implementação está ligada com a necessidade da valorização e a introdução de mais disciplinas com temas transversais, de cunho zetético, por meio da influência do conhecimento histórico, econômico, sociológico, filosófico, antropológico e psicológico (RODRIGUES, 1993, 2000 e 2005). Neste sentido, a falta de formação crítica parece apontar, então, para o dogmatismo, o tecnicismo e o tradicionalismo, uma vez que a questão da falta de pesquisa não parece, a priori, uma condição para tal formação, mas um meio para a construção do conhecimento. A interdisciplinaridade, por outro lado, talvez indique um aspecto importante ligado à formação crítica, à medida em que, por meio da ligação entre as diversas disciplinas, seja possível a elaboração de um conhecimento construído por meio do diálogo entre os professoresEDUCADORES?. Está aí, por certo, um aspecto que pode fomentar a crítica entre os professoresEDUCADORES? quando instados a preparar seus conteúdos em reuniões colegiadas, crítica esta que poderá se apresentar aos estudantes, nas salas de aula. Ademais, a necessidade de um fomento a temas transversais, também pode ter forte relação com a formação crítica, uma vez que é por meio das disciplinas de cunho zetético que se torna possível ao educando fugir da formação demasiadamente dogmática de determinados ramos diretamente ligados à prática, a fim de construir um pensamento mais arrojado e reflexivo. Mais do que isto, a perspectiva crítica pode ser, justamente, um tema transversal a ser desenvolvido por cada professor, nas diversas disciplinas de um curso de Direito.
Na mesma linha, José Eduardo Faria também retoma a questão da tríade dogmatismo, tecnicismo e tradicionalismo, porém, ainda acrescenta o problema do formalismo. Como afirma o autor, o jurista não pode ser formalista, dogmático, nem apegado às fórmulas legais, pois o Direito transcende o texto da norma, que é estático, e está ligado à realidade social, que é dinâmica (FARIA, 1987). Desta forma, assim como Rodrigues (2002) apresenta os motivos que levaram os currículos dos Cursos de Direito a uma formação mais voltada à prática durante a década de 1960, graças ao processo de democratização da Educação – o qual acabou por apresentar um aspecto negativo ao Ensino Jurídico –, o autor também aponta a falta de formação humanística como um dos principais problemas enfrentados nos cursos. A formação crítica, assim como apontada pela perspectiva de Horácio Wanderlei Rodrigues, muito provavelmente também esteja ligada aos mencionados problemas, principalmente no que se refere à falta de formação humanística. Embora Faria (1987) não mencione o termo zetética, não resta dúvida de que a formação humanista afirmada por ele esteja ligada a este sentido. Logo, uma vez que seus principais apontamentos se relacionam à importância de uma cosmovisão jurídica e ao humanismo, é bem provável que sua concepção de formação crítica também esteja relacionada a elas. Assim, para se alcançar tal formação, seria necessária também uma formação que transcendesse o dogmatismo e a falta de interdisciplinaridade do Direito.
Eduardo Carlos Bianca Bittar, também considerado como base na discussão do Ensino Jurídico, foge à tríade característica trazida pelos autores anteriores, tendo, porém, em comum com José Eduardo Faria o problema do formalismo e do elitismo – sendo que esta característica também se encontra nas obras de Horácio Wanderlei Rodrigues, juntamente com a questão da falta de pesquisa. Todavia, em relação à falta de formação crítica, com base na síntese trazida pelo quadro, a única característica que talvez faça relação a ela se relaciona à falta de interdisciplinaridade – a qual também encontra relação com Rodrigues (1993, 2000 e 2005) e Faria (1987), pois ambos mencionam a necessidade de uma cosmovisão jurídica. Sendo assim, na concepção deste autor, a formação crítica aponta para o aspecto específico da necessidade de um curso que possa trabalhar de forma mais efetiva a interdisciplinaridade com os educandos, de forma que os diversos ramos do Direito não sejam transmitidos de forma dicotômica e conflitante, mas como parte um mesmo conhecimento.
Roberto Lyra Filho, por outro lado, ao contrário de propor uma reforma curricular e pedagógica, como fazem os autores anteriores, mesmo com a crítica à reforma empreendida por Rodrigues (1993), direciona a discussão para uma proposta de reforma epistemológica e ideológica do Ensino Jurídico e do Direito como todo. Embora argumente sobre o elitismo e o dogmatismo (LYRA FILHO, 1980 e 1981), em aderência ao mesmo elitismo tratado por Bittar (2001 e 2006) e Faria (1987), também caracteriza os Cursos de Direito como dogmáticos, assim como afirmam Faria (1987) e Rodrigues (1993, 2000 e 2005). Todavia, o que mais inova seu discurso se refere à característica reacionária do Direito e, consequentemente, perigosa transmissãoPROPAGAÇÃO ideológica, que acabam sendo introjetadas nos estudantes e a transmissão da falta de ideia de poder intelectual e profissional, tanto em relação aos alunos frente a seus professores, os quais deixam claro sua superioridade na figura de sua atividade acadêmica, ou ainda na relação entre os juristas e os demais profissionais, em que fica evidente a construção simbólica de uma hierarquia entre aqueles que se escondem por detrás de um diploma de Direito dos demais, como se a formação jurídica os tornassem mais honrados que os outros – ora, mas não seria esta também uma ideologia? Neste sentido, o autor ainda constrói uma discussão com base na conscientização política e social do educando. Por outro lado, o reducionismo apresentado como característica no quadro aponta, ainda de acordo com o autor, como a equivocada visão de que o Direito se reduz a apenas duas teorias ou perspectivas, quais sejam, o Direito Natural e o Direito Positivo. Desta forma, é possível afirmar que a concepção de formação crítica para Roberto Lyra Filho direciona para a negação do status quo reacionário e a concepção epistemológica reducionista do Direito.
Por fim, Luis Alberto Warat talvez seja o autor que torne a concepção de formação crítica menos obtusa. Em relação às características elaboradas pelo autor como problemas, sintetizadas anteriormente, é possível notar uma tênue relação com Rodrigues (1993, 2000 e 2005) no que se refere ao tradicionalismo das instituições de Ensino. Ademais, também é possível observar uma relação com a obra de Lyra Filho (1980 e 1981) no que se refere à transmissão de ideologia. Sendo assim, sua solução para o Ensino Jurídico é pautada por uma conscientização política. Desta forma, é possível que sua concepção de crítica esteja ligada à referida conscientização e, nesta perspectiva, sua obra se aproxima da obra de Lyra Filho (1980 e 1981). Entretanto, embora não seja uma obra específica sobre Ensino Jurídico e, por tal motivo, em A epistemologia jurídica da modernidade, o segundo volume da trilogia Introdução geral ao Direito, o autor defende que ao Direito é necessário uma ruptura epistemológica – que novamente faz eco à crítica lyriana. De acordo com Warat (1994), por meio de uma ruptura epistemológica se torna possível a criação de uma teoria crítica do Direito. Desta forma, torna-se necessário um nível epistemológico que transcenda, incorporando aquilo que for importante da teoria kelseniana, além de reformular e negar alguns de seus pressupostos, assim como a Filosofia Analítica. Mas, é precisamente nesta discussão que se alcançará a conscientização crítica almejada. É, na tentativa da reconstrução crítica dos processos de constituição das teorias prontas, que se poderá pretender construir a teoria crítica do Direito.
Ainda sobre a formação crítica, em seu texto Saber crítico e senso comum teórico dos juristas, importa destacar que Warat (1982) afirma que o conhecimento crítico do Direito vai tomando forma, em grande parte, devido à sua necessidade de emergir, como uma proposta revisionista dos valores epistemológicos que regulam o processo de constituição das verdades jurídicas consagradas, ou seja, a dogmática jurídica. Poder-se-ia presumir, assim, ainda de acordo com o autor, que a proposta do pensamento crítico pode se apresentar como uma tentativa epistemológica diferente. Nesta perspectiva, o saber crítico tenta estabelecer uma nova formulação epistemológica sobre o saber jurídico institucionalmente estabelecido. Tentativa esta que se assenta em um tipo de controle epistêmico, claramente diferenciado das questões e posicionamentos feitos pela tradição epistemológica das ciências sociais. Esta tradição, de acordo com autor, é difusa e parcialmente apropriada pelo costume teórico do Direito.
A concepção waratiana de crítica ou formação crítica parece apontar, então, para uma relação direta com um redirecionamento epistemológico do Direito. Fato que muito se aproxima com a crítica de Lyra Filho (1981) sobre o reducionismo epistemológico jurídico ora no Direito Natural, ora no Direito Positivo. Por tal motivo, tanto a obra Introdução geral ao Direito, quanto o artigo Saber crítico e senso comum teórico dos juristas – o qual, infelizmente, não se apresenta entre as referências elencadas na pesquisa de Estado da Arte –, têm em comum a característica de apresentar como solução ao Direito uma reforma epistemológica. Contudo, quando comparada as características de Luis Alberto Warat com Roberto Lyra Filho nota-se que a questão revolucionária da epistemologia só se demonstra nestes autores. Tal fato é explicado porque a discussão epistemológica trazida por Warat (1982, 1994) se encontra em obras que não tratam especificamente do tema do Ensino Jurídico. Entretanto, não há como ignorar que a discussão waratiana sobre o Direito possa deixar de ecoar também no Ensino Jurídico e, por consequência, também tentar explicar sua concepção de formação crítica. Em suma, acompanhando o pensamento de Warat (1982), o passo decisivo para a elaboração de um discurso crítico será dado, primeiro pela substituição do controle conceitual pela compreensão do sistema de significações; segundo, pela introdução da temática do poder como forma de explicação do poder social das significações, proclamadas científicas. Em outras palavras, a trajetória epistemológica tradicional concebe o mundo social como sendo um sistema de regularidades objetivas e independentes. Esta proposta sugere a coisificação das relações sociais, o que permite concebê-las em seu estado ingênuo. É precisamente a perda dessa ingenuidade que vai permitir a formação de uma história das verdades, que mostre os efeitos políticos das significações na Sociedade.
A concepção de formação crítica, então, de acordo com Warat (1982, 1994), aponta para uma ressignificação epistemológica, por meio de duas vertentes diferentes. Em primeiro lugar, pela ressignificação do próprio Direito, por meio de uma concepção que transcenda o reducionismo epistemológico bipartido entre Direito Natural e Direito Positivo, em consonância com a crítica de Lyra Filho (1981). Em segundo lugar, pela consciência da transmissão ideológica de poder, como já mencionado, tanto por parte dos professores frente aos alunos, no contexto de ensino, quanto por parte dos juristas frente aos demais profissionais, na falsa premissa de que os – assim chamados – operadores do Direito estão superiores aos demais pelo conhecimento teórico e pela possibilidade de operar o Direito, seja por meio da investigação policial, da denúncia promotorial, da defesa causal ou da sentença magisterial. Desta forma, é possível afirmar que uma formação crítica na concepção waratiana está relacionada à tomada de consciência política e ideológica, a qual, em uma comparação com outros autores, com base no quadro, poderia ser obtida por meio de estudos interdisciplinares, pela introdução de disciplinas com temas transversais - em especial a crítica como tema - e pela formação humanística como propõe Horácio Wanderlei Rodrigues, José Eduardo Faria e Eduardo Carlos Bianca Bittar. Porém, também seria necessária uma profunda mudança de ordem epistemológica, como defendida por Roberto Lyra Filho. Logo, a tentativa de precisar o conceito de formação crítica em Warat consegue algum avanço, mesmo assim, insuficiente para o Ensino Jurídico.
Ao mesmo tempo em que há dúvida sobre o que se refere ou o que pode ser definido por formação crítica, e ao mesmo tempo em que tais autores não definem de forma precisa, torna-se necessária a busca por novas fontes que tentem suprir determinada lacuna. Sendo assim, aproveitando o desfecho deixado por Horácio Wanderlei Rodrigues a respeito da adesão de disciplinas de temas transversais, conforme se apresenta no quadro, dentre elas a importância da Filosofia ao Curso de Direito, juntamente com a defesa de José Eduardo Faria sobre a necessidade de uma formação humanística, quiçá esteja no conhecimento filosófico a discussão necessária para a construção do que seja ou o que possa ser entendido por crítica e, por consequente, também por sua formação crítica.
Enfim, com base na pesquisa de Estado da Arte aqui realizada, foi possível concluir que as tendências teóricas desenvolvidas sobre a temática do Ensino Jurídico se baseiam sobretudo nos citados cinco autores, – isto é, Horácio Wanderlei Rodrigues, Luis Alberto Warat, José Eduardo Faria, Eduardo Carlos Bianca Bittar e Roberto Lyra Filho –, os quais, embora não esgotem a discussão, muito menos representem respostas derradeiras a respeito dos dilemas do Direito, apresentam-se como base para sua discussão do tema. De acordo com o método adotado, pela análise de parte da produção dos autores, foi possível constatar que o elemento convergente entre eles aponta para a necessidade de uma formação crítica aos Cursos Jurídicos, de forma a superar o dogmatismo, o tecnicismo e o tradicionalismo. No entanto, seja qual for a concepção de formação crítica, conforme se afirmou anteriormente, tal formação não deve ser entendida de forma derradeira, final, em que a discussão tenha o seu término, muito ao contrário, será a formação crítica dos e nos cursos de Direito o embrião para um conhecimento ousado, novo e condizente com uma formação que possa transformar e aprimorar a vida social. Afinal, a Resolução Número 9, a qual foi promulgada em 2004, estabelecendo as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Direito, o que significou a necessidade de considerar outros campos do conhecimento como fundamentais à formação do bacharel em Direito. O que evidencia a necessidade de interlocução com outros campos do conhecimento, com outros sujeitos e com outras formas de construção do conhecimento que possa aprimorar o Ensino Jurídico.