As margens dos rios navegáveis provocam uma controvérsia no que tange a sua natureza jurídica, o que acarreta efeitos quanto à viabilidade de desapropriação.
Uma primeira corrente, capitaneada pelo saudoso Hely Lopes Meirelles, sustenta que tais faixas terrestres, consideradas faixas reservadas pelo Código de Águas, integram a propriedade privada, estando destacadas apenas para uso da Administração, em forma de servidão administrativa.
Uma segunda corrente, que é majoritária e acatada pelo Supremo Tribunal Federal, em posição diametralmente oposta, sustenta que as margens dos rios navegáveis são de domínio público.
O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre a matéria diversas vezes, tendo sido a sua conclusão no mesmo sentido do que se disse acima, senão vejamos:
“Rios Públicos. As margens dos rios navegáveis são do domínio público e, por isso, não são indenizáveis no processo de desapropriação. Jazidas situadas nessas margens, não manifestadas ou sem concessão ou autorização para serem exploradas, também não são indenizáveis. Recurso extraordinário conhecido e provido”[1].
O Supremo Tribunal Federal, através da Súmula 479, asseverou: “As margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”.
O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de endossar este pensamento.
“PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - JULGAMENTO, COM O SUPRIMENTO DAS OMISSÕES - RECURSOS ESPECIAIS. No âmbito do especial não se aprecia matéria pertinente à prova, porquanto, nesses casos (reexame de prova), as instâncias ordinárias decidem, a causa, com soberania. Consoante a jurisprudência cristalizada, em Súmula, na Suprema Corte de Justiça (verbete n. 479), as margens dos rios navegáveis são do domínio público e, por isso mesmo, excluídas de indenização( no processo de expropriação). Os terrenos situadosàs margens de rios navegáveis e, ainda, situados entre Estados, constituem bens do domínio público , forros à indenização, pela via expropriatória, especialmente se não se encontram na posse ou domínio do expropriado. Recurso da CESP não conhecido, negando-se provimento ao interposto pela USINA CENTRAL DO PARANÁ . Voto vencido. (STJ, Min. Demócrito Reinaldo, REsp 151384/PR (grifo nosso).
Em que pese o acerto da posição da nossa Corte, devemos interpretar esta postura, todavia, excluída de sua abrangência as áreas marginais que houverem sido legitimamente transferidas pelo Poder Público ao domínio privado. Entretanto, se o proprietário ribeirinho não dispuser de título legítimo que prove o domínio privado, os terrenos reservados pertecerão realmente ao domínio público. Conclui-se, por conseguinte, que os terrenos marginais podem ser do domínio público, que é a regra geral, ou do domínio privado, quando provada a transmissão legítima da área.
Para arrematar, os terrenos reservados nas margens das correntes públicas, como o caso dos rios navegáveis, são, na forma do artigo 11 do Código de águas, bens públicos dominicais, salvo se por algum título legítimo não pertecerem ao domínio particular.
Em se tratando de bens públicos às margens dos rios navegáveis, o título que o legitima a propriedade particular deve provir do poder competente, no caso, o Poder Público, podendo, excepcionalmente, integrar o domínio de particulares, desde que objeto de concessão legítima, expressamente emanada de autoridade competente.
Pela dicção constitucional, o artigo 20, inciso III prevê que os rios que banham mais de um Estado, são bens da União, assim como o são os terrenos marginais e as praias fluviais, por isso que afigura-se incabível a indenização.
São de propriedade da União, quando marginais de águas doces, sitas em terras de domínio federal ou das que banhem mais de um Estado, que servem de limite com outros países, ou, ainda, que se estendam a território estrangeiro ou dele provenham. Por seguirem o destino dos rios, são de propriedade dos Estados quando não forem marginais de rios federais.
Em tempos houve quem, erroneamente, sustentasse que sobre eles não havia propriedade pública, mas apenas servidão pública. Hoje a matéria é pacificada, havendo Súmula do STF (479) reconhecendo o caráter público de tais bens.
Percebe-se que a matéria não é mais complexa. Entretanto, parece-nos que as margens dos rios podem pertencer, ou não, ao domínio privado, embora a regra as atribua ao domínio público (artigo 11 do Decreto 24.643/34 - Código de Águas).
A doutrina de Celso António Bandeira De Mello[2] esclarece que:
"Terrenos marginais, também chamados de reservados ou ribeirinhos, são bens públicos constituídos pelas faixas de terra à margem dos rios públicos livres da influência das marés, uma extensão de 15 m, contados da linha média das enchentes médias ordinárias, conforme o art. 4º, do Decreto-Lei 9.760 e o art. 14 do Código de Águas (Decreto 24.643, de 10-7-34). Excluem-se, entretanto, dos reservados, os marginais das correntes públicas que apenas concorrem para tornar outras navegáveis ou flutuáveis".
Percebe-se que a matéria, hoje, não é tão complexa. Porém, parece-nos que as margens dos rios podem pertencer, ou não, ao domínio privado, embora a regra as atribua ao domínio público (art. 11 do Decreto nº 24.643/34, o Código de Águas[3]).
Sendo assim, não haverá desapropriação e indenização se as margens integrarem o domínio público. Se pertencerem ao domínio privado, porém, tanto será obrigatória a desapropriação como o pagamento da respectiva indenização[4].
Desapropriação indireta é o fato administrativo pelo qual o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia[5].
Na questão em tela, caso o particular demonstre que, por algum título legítimo, expressamente emanado de autoridade competente, as margens dos rios navegáveis pertencem ao seu domínio particular, o proprietário vítima da desapropriação indireta deverá ajuizar a ação, visando a indenização pelas perdas e danos havidos; caso contrário, se o proprietário ribeirinho não dispuser de título legítimo que prove o domínio privado, os terrenos reservados pertencerão realmente ao domínio público, não havendo aqui, possibilidade de desapropriação e indenização.
Bela questão objeto do concurso para magistratura estadual foi a que se refere ao assunto em comento. Vejamos:
As Centrais Elétricas de São Paulo S.A (Cesp) interpuseram recurso extraordinário em face de acórdão, proferido em razão de ação de desapropriação proposta em face de proprietário de imóvel cujo objeto era a incorporação ao patrimônio do expropriante de 21,56 hectares de terra para formação de reservatório da Usina de Promissão no Rio Tietê, fixando a sentença o valor de R$ 277.188,00 como indenização sobre a totalidade do bem sem o devido desconto referente ao espaço do Rio Tietê. Diante do fato, e considerando os aspectos da indenizabilidade dos rios e margens navegáveis que se encontram em imóveis privados, discorra sobre o tema, com base nas correntes existentes, fundamentando-as.
A questão deve ser entendida sobre o enfoque de duas correntes. A primeira é a de que as margens e rios navegáveis são considerados bens públicos, portanto sem indenização cabível (de acordo com a Sumula 479 do STF). Há outra corrente que defende que, ainda que uma vez integrante ao bem particular as margens e rios navegáveis a eles somente seriam impostas limitações administrativas a título de facilitar a circulação do poder público e sua fiscalização de sorte que do valor fixado na sentença deveria ser retirado o correspondente ao espaço do Rio Tietê, pois não são indenizáveis.
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NOTAS
1. STF, 2.ª Turma, Relator Ministro Evandro Lins, RE 59.737-SP.
2. Curso de Direito Administrativo, 19a edição, Malheiros, p. 778.
3. Art. 11. São públicos dominicais, se não estiverem destinados ao uso comum, ou por algum título legítimo não pertencerem ao domínio particular; lª, os terrenos de marinha; 2e, os terrenos reservados nas margens das correntes públicas de uso comum, bem como dos canais, lagos e lagoas da mesma espécie. Salvo quanto as correntes que, não sendo navegáveis nem flutuáveis, concorrem apenas para formar outras simplesmente flutuáveis, e não navegáveis.
4. FILHO, José dos Santos Carvalho. Obra já citada, p. 633.
5. FILHO, José dos Santos Carvalho. Obra já citada, p. 667.