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Alto mar e o direito internacional público

Agenda 15/01/2019 às 15:46

Entenda um pouco mais sobre o que a doutrina de direito internacional público fala sobre o tema.

 O conceito de alto mar está definido no artigo 1º na Convenção sobre Alto Mar de 1958:

ARTIGO 1.º Entende-se por «alto mar» todas as partes do mar que não pertençam ao mar territorial ou às águas interiores de um Estado.

Nenhum Estado no alto mar pode submeter a outra parte nessa área como se vê do artigo 2º daquela Convenção:

ARTIGO 2.º Estando o alto mar aberto a todas as nações, nenhum Estado pode legìtimamente pretender submeter qualquer parte dele à sua soberania. A liberdade do alto mar exerce-se nas condições determinadas nos presentes artigos e nas outras regras do direito internacional. Ela comporta, nomeadamente, para os Estados com ou sem litoral: 1) A liberdade de navegação; 2) A liberdade de pesca; 3) A liberdade de colocar cabos e oleodutos submarinos; 4) A liberdade de o sobrevoar. Estas liberdades, assim como as outras liberdades reconhecidas pelos princípios gerais do direito internacional, são exercidas por todos os Estados, tendo em atenção razoável o interesse que a liberdade do alto mar representa para os outros Estados.

Nos termos do artigo 86 da Convenção de Montego Bay, tem-se que o alto mar é entendido como todas as partes marítimas “não incluídas na zona econômica exclusiva, no alto territorial ou nas águas interiores de um Estado, nem as águas arquipelágicas de um estado arquipélago”.

O Direito Internacional Público tem como principal norteador o da liberdade do alto mar, mas com padrões mínimos de conduta dos Estados na utilização comum do alto mar.

O alto mar não é res nullius, algo sem dono, ou algo sujeito à apropriação do Estado, mas sim, res communis. É coisa de uso livre e comum, destinada ao benefício de toda a sociedade internacional, o que exclui o direito de usar, gozar e dispor.

Há uma verdadeira liberdade de ação no alto mar.

Há no regime jurídico do alto mar o reconhecimento:

  1. Da liberdade  de navegação e sobrevoo: o primeiro dessas liberdades vige há séculos em virtude de regra costumeira internacional. Em alto mar, todas as embarcações navegam livremente sem que se tenham de submeter-se às leis de outra bandeira que não a sua, como ensinou Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano(Direito Internacional Público, páginas 296 e 297). Esse mesmo princípio é reconhecido ao sobrevoo em alto mar;
  2. Da liberdade de pesca: a liberdade de pesca em alto mar é um direito inerente a todos os Estados(inclusive aqueles sem litoral), desde que respeitados certos princípios ambientais, vedado qualquer impedimento ao exercício de atividade lícita. Os Estados têm utilizado leis internas não podendo, contudo, ir além das águas territoriais, isso sem contar acordos bilaterais e multilaterais na matéria;
  3. Do direito de efetuar instalações de cabos submarinos e oleodutos, que é reconhecido desde 1854, quando um trato sobre o assunto(que jamais veio a ser aplicado) foi concluído.

Importante atentar no assunto para as redação do artigo 3º da Convenção sobre Alto Mar referenciada:

  1. A fim de usufruir das liberdades do mar, em igualdade de condições com os Estados ribeirinhos, os Estados sem litoral têm o livre direito de acesso ao mar. Para esse efeito, os Estados situados entre o mar e um Estado sem litoral concederão, de comum acordo e em conformidade com as convenções internacionais em vigor: a) Ao Estado desprovido de litoral, o livre trânsito através do seu território, numa base de reciprocidade; b) Aos navios arvorando o pavilhão deste Estado, um tratamento igual ao dos seus navios ou aos navios de qualquer outro Estado no que se refere ao acesso aos portos marítimos e sua utilização. 2. Os Estados situados entre o mar e um Estado desprovido de litoral regularão, de comum acordo com este, tendo em consideração os direitos do Estado ribeirinho ou de trânsito e as particularidades do Estado sem litoral, todas as questões relativas à liberdade de trânsito e à igualdade de tratamento nos portos, no caso em que estes Estados não sejam já partes às convenções internacionais em vigor.

São deveres dos Estados no alto mar:

  1. O de exercer efetivamente a sua jurisdição e o controle em questões administrativas, técnicas e sociais sobre navios que arvorem a sua bandeira;
  2. O de manter um registro de navios no qual figurem os nomes e as características dos navios que arvorem a sua bandeira, com exceção daqueles que, pelo seu reduzido tamanho, estejam excluídos dos regulamentos internacionais geralmente aceitos;
  3. O de exercer a sua jurisdição de conformidade com o seu direito interno sobre todo o navio que arvore a sua bandeira e sobre o capitão, os oficiais e a tripulação, em questões administrativas, técnicas e sociais que se relacionem com o navio;
  4. O de tomar, para os navios que arvorem a sua bandeira, as medidas necessárias para garantir a segurança no mar, no que se refere, inter alia, à construção, equipamento e condições de navegabilidade do navio, composição, condições de trabalho e formação das tripulações, tendo em conta os instrumentos internacionais aplicáveis; e utilização de sinais, manutenção de comunicações e prevenções de abalroamentos.

Como ensinou Valerio de Oliveira Mazzuoli(Curso de direito internacional público, 3ª edição, pág. 722), tais medidas deve incluir as que sejam necessárias para assegurar que: a) cada navio, antes de seu registro e posteriormente, a intervalos apropriados, seja examinado por um inspetor de navios devidamente qualificado e leva a bordo as cartas, publicações marítimas, equipamentos e instrumentos de navegação apropriados a segurança da navegação do navio; b) cada navio esteja confiado a um capitão e a oficiais devidamente qualificados, em particular no que se refere a manobra, navegação, comunicações e condição de máquinas, a competência e o número de tripulantes sejam os apropriados para o  tipo, tamanho, máquinas e equipamentos para o navio; c) o capitão, os oficiais, e, na medida do necessário, a tripulação reconheçam perfeitamente e observem os regulamentos internacionais aplicáveis que se refiram à segurança de vida no mar, prevenção de abalroamentos, prevenção, redução e controle da poluição marinha e manutenção de radiocomunicações.

Todo Estado deve ainda ordenar a abertura de um inquérito, efetuado por uma pessoa, ou perante, ou pessoas devidamente qualificadas, em relação a qualquer acidente marítimo ou incidente de navegação no alto mar, que envolva um navio arvorando a sua bandeira e no qual tenham perdido a vida ou sofrido ferimentos graves nacionais de outro Estado, ou se tenham provocado danos graves a navios ou a instalações de outro Estado ou ao meio marinho.

A Convenção de Montego Bay especificamente nos artigos 98 a 100 ainda prescreve:

ARTIGO 98

Dever de prestar assistência

1. Todo Estado deverá exigir do capitão de um navio que arvore a sua bandeira, desde que o possa fazer sem acarretar perigo grave para o navio, para a tripulação ou para os passageiros, que:

a) preste assistência a qualquer pessoa encontrada no mar em perigo de desaparecer;

b) se dirija, tão depressa quanto possível, em socorro de pessoas em perigo, desde que esteja informado de que necessitam de assistência e sempre que tenha uma possibilidade razoável de fazê-lo;

c) preste, em caso de abalroamento, assistência ao outro navio, à sua tripulação, e aos passageiros e, quando possível, comunique ao outro navio o nome do seu próprio navio, o porto de registro e o porto mais próximo em que fará escala.

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2. Todo Estado costeiro deve promover o estabelecimento, o funcionamento e a manutenção de um adequado e eficaz serviço de busca e salvamento para garantir a segurança marítima e aérea, e, quando as circunstâncias o exigirem, cooperar para esse fim com os Estados vizinhos por meio de ajustes regionais de cooperação mútua.

ARTIGO 99

Proibição do transporte de escravos

Todo Estado deve tomar medidas eficazes para impedir e punir o transporte de escravos em navios autorizados e arvorar a sua bandeira e para impedir que, com esse fim, se use ilegalmente a sua bandeira. Todo escravo que se refugie num navio, qualquer que seja a sua bandeira, ficará, ipso facto, livre.

ARTIGO 100

Dever de cooperar na repressão da pirataria

Todos os Estados devem cooperar em toda a medida do possível na repressão da pirataria no alto mar ou em qualquer outro lugar que não se encontre sob a jurisdição de algum Estado.

O que é pirataria?

ARTIGO 101

Definição de pirataria

Constituem pirataria quaisquer dos seguintes atos:

a) todo ato ilícito de violência ou de detenção ou todo ato de depredação cometidos, para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de uma aeronave privados, e dirigidos contra:

i) um navio ou uma aeronave em alto mar ou pessoas ou bens a bordo dos mesmos;

ii) um navio ou uma aeronave, pessoas ou bens em lugar não submetido à jurisdição de algum Estado;

b) todo ato de participação voluntária na utilização de um navio ou de uma aeronave, quando aquele que o pratica tenha conhecimento de fatos que dêem a esse navio ou a essa aeronave o caráter de navio ou aeronave pirata;

c) toda a ação que tenha por fim incitar ou ajudar intencionalmente a cometer um dos atos enunciados nas alíneas a) ou b).

ARTIGO 102

Pirataria cometida por um navio de guerra, um navio de Estadoou uma aeronave de Estado cuja tripulação se tenha amotinado

Os atos de pirataria definidos no Artigo 101, perpetrados por um navio de guerra, um navio de Estado ou uma aeronave de Estado, cuja tripulação se tenha amotinado e apoderado do navio ou aeronave, são equiparados a atos cometidos por um navio ou aeronave privados.

ARTIGO 103

Definição de navio ou aeronave pirataria

São considerados navios ou aeronaves piratas os navios ou aeronaves que as pessoas, sob cujo controle efetivo se encontrem, pretendem utilizar para cometer qualquer dos atos mencionados no artigo 101. Também são considerados piratas os navios ou aeronaves que tenham servido para cometer qualquer de tais atos, enquanto se encontrem sob o controle das pessoas culpadas desses atos.

ARTIGO 104

Conservação ou perda da nacionalidade de um navio ou aeronave pirata

Um navio ou uma aeronave pode conservar a sua nacionalidade, mesmo que se tenha transformado em navio ou aeronave pirata. A conservação ou a perda da nacionalidade deve ser determinada de acordo com a lei do Estado que tenha atribuído a nacionalidade.

ARTIGO 105

Apresamento de um navio ou aeronave pirata

Todo Estado pode apresar, no alto mar ou em qualquer outro lugar não submetido à jurisdição de qualquer Estado, um navio ou aeronave pirata, ou um navio ou aeronave capturados por atos de pirataria e em poder dos piratas e prender as pessoas e apreender os bens que se encontrem a bordo desse navio ou dessa aeronave. Os tribunais do Estado que efetuou o apresamento podem decidir as penas a aplicar e as medidas a tomar no que se refere aos navios, às aeronaves ou aos bens sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa fé.

ARTIGO 106

Responsabilidade em caso de apresamento sem motivo suficiente

Quando um navio ou uma aeronave for apresado por suspeita de pirataria, sem motivo suficiente, o Estado que o apresou será responsável, perante o Estado de nacionalidade do navio ou da aeronave, por qualquer perda ou dano causados por esse apresamento.

ARTIGO 107

Navios e aeronaves autorizados a efetuar apresamento por motivo de pirataria

Só podem efetuar apresamento por motivo de pirataria os navios de guerra ou aeronaves militares, ou outros navios ou aeronaves que tragam sinais claros e sejam identificáveis como navios ou aeronaves ao serviço de um governo e estejam para tanto autorizados.

Ademais é coibida no alto mar o comércio de substâncias psicotrópicas.

ARTIGO 108

Tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas

1. Todos os Estados devem cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar com violação das convenções internacionais.

2. Todo Estado que tenha motivos sérios para acreditar que um navio arvorando a sua bandeira se dedica ao tráfico ilícito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas poderá solicitar a cooperação de outros Estados para pôr fim a tal tráfico.

Por fim, no mar, mar os Estados devem zelar para que não haja transmissões indevidas.

ARTIGO 109

Transmissões não autorizadas a partir do alto mar

1. Todos os Estados devem cooperar para a repressão das transmissões não autorizadas efetuadas a partir do alto mar.

2. Para efeitos da presente Convenção, "transmissões não autorizadas" significa as transmissões de rádio ou televisão difundidas a partir de um navio ou instalação no alto mar e dirigidas ao público em geral com violação dos regulamentos internacionais, excluídas as transmissões de chamadas de socorro.

3. Qualquer pessoa que efetue transmissões não autorizadas pode ser processada perante os tribunais:

a) do Estado de bandeira do navio;

b) do Estado de registro da instalação;

c) do Estado do qual a pessoa é nacional;

d) de qualquer Estado em que possam receber-se as transmissões; ou

e) de qualquer Estado cujos serviços autorizados de radiocomunicação sofram interferências.

4. No alto mar, o Estado que tenha jurisdição de conformidade com o parágrafo 3º poderá, nos termos do artigo 110, deter qualquer pessoa ou apresar qualquer navio que efetue transmissões não autorizadas e apreender o equipamento emissor.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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