Cumprindo sua agenda de campanha, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, assinou hoje o decreto que, em tese, flexibiliza a posse de arma de fogo em residência ou estabelecimento comercial. O porte (transportar a arma de fogo) não foi e nem poderia ser alterado por decreto.
Basicamente, após análise jurídica do texto do decreto, é possível verificar que a principal alteração é a presunção ‘iuris tantum’ de veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade do interessado para posse de arma de fogo a ser analisada pela Polícia Federal. Antes, era justamente na questão da demonstração de necessidade para a posse que a esmagadora maioria dos requerimentos eram negados.
Com base nessa pequena grande alteração do modo como o Estado brasileiro irá valorar, recepcionar e presumir válida a necessidade de posse de armamento, os demais requisitos foram mantidos, assim elencados: declarar efetiva necessidade; ter, no mínimo, vinte e cinco anos; apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de identificação pessoal; comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a idoneidade e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico; apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo; comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado. Além disso, caso na residência ou no local de trabalho, haja menores de 18 anos ou pessoas com deficiência mental, deverá o interessado apresentar declaração de que no local possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento, sob pena de prática de crime para quem deixar menor de 18 anos ou pessoa com deficiência mental se apoderar da arma de fogo sob sua responsabilidade, com detenção de 1 a 3 anos e multa.
Algumas atividades ou circunstâncias, por outro lado, tornam, não mais presumida, mas consideram efetiva a necessidade de posse de arma de fogo quando e para: os agentes públicos, ativos ou inativos, relacionados à segurança pública e do sistema socioeducativo, desde que lotados nas unidades em Casas de Internação para menores; os envolvidos no exercício de atividades de poder de polícia administrativa ou de correição em caráter permanente; os militares ativos e inativos; aos colecionadores, atiradores e caçadores, devidamente registrados no Comando do Exército. As grandes novidades nesse ponto são a efetiva necessidade para aqueles residentes em área rural; aqueles residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (o que, infelizmente, abarca quase todo território nacional); e os titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais.
Provados esses requisitos, o interessado poderá requerer a posse de até quatro armas de fogo, sendo que, caso haja interesse de outras, deverá demonstrar a efetiva necessidade, o que, na prática, diante das inovações ao funcionamento desse sistema, não deverá ser de difícil demonstração.
Evidentemente, constituem razões para o indeferimento do pedido ou para o cancelamento do registro, se o interessado não demonstrar a presença dos requisitos a que me referi acima; e, principalmente, quando houver comprovação de que o requerente: a) prestou a declaração de efetiva necessidade com afirmações falsas; b) mantém vínculo com grupos criminosos; e c) age como pessoa interposta de quem não preenche aqueles requisitos, o que desafia possível prática de crime de falso.
Outra importante inovação é a alteração de 05 para 10 anos acerca da validade dos requisitos que deverão ser comprovados junto à Polícia Federal, para fins de renovação do Certificado de Registro. A Validade de 10 anos também foi alterada para armas de uso restrito, que são aquelas de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército, de acordo com legislação específica. O decreto disciplina, ainda, que os registros de posse expedidos até a sua respectiva publicação serão automaticamente renovados por 5 anos. Por fim, o decreto revogou a necessidade de comprovar a capacidade técnica para manuseio da arma de fogo a cada duas renovações de registro de arma., por incompatibilidade com o novo sistema.
Ao nosso sentir, o decreto não poderia ter avançado mais do que avançou, sob pena de violação à atual legislação, que, à evidência, caso se queira revogar o estatuto do desarmamento, somente poderá ocorrer por meio do Congresso Nacional. O mais importante, entretanto, é que pouco importa, ao menos para como pretendo concluir, se o cidadão terá posse de arma ou não, sendo a crítica no sentido de que o Estado estaria privatizando a segurança pública absolutamente vazia de argumento técnico jurídico. Jamais, tendo a pessoa posse de arma de fogo ou não, estaria ela a renunciar à necessária obrigação constitucional do Estado em promover a segurança pública entre nós, tão combalida e tão judiada nos últimos tempos, o que, no fundo, ajudou a promover a eleição do novo governo federal. A flexibilização da posse de arma de fogo (e se mais tarde do próprio porte, o que precisaremos de mais calma para ajustar um sistema!), em suma, permite, eventualmente, a promoção da legítima defesa do particular, lícita em nosso sistema jurídico, mas nunca autorizaria ao Estado relevar ou transferir a sua obrigação de segurança pública.
Fabio Martins Di Jorge, Especialista em Direito Administrativo, é sócio-fundador da Advocacia Di Jorge
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