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ANOTAÇÕES SOBRE O CASAMENTO FIDUCIÁRIO

Agenda 17/01/2019 às 14:04

O ARTIGO APRESENTA ANOTAÇÕES SOBRE O TEMA.

ANOTAÇÕES SOBRE O CASAMENTO FIDUCIÁRIO 

Rogério Tadeu Romano

Há, na prática civil, e na história, o chamado casamento fiduciário.

O casamento fiduciário não é uma construção moderna. Gaio já aludia à coemptio fuduciaria testamenti faciendi gratia(Inst. I, § § 114 e 115).

Diversos são os exemplos levantados na doutrina:

  1. Por conta da  II guerra, o ex-prisioneiro italiano e a alemã que se casaram, no setor soviético de Berlin, ele para evitar o perigo de nova internação e ela para evitar violências por parte das tropas aliadas; ]
  2. A não-ariana, apátrida casada com um velho belga internado em certo asilo, para não ser deportada para a Polônia, por conta da perseguição nazista;

Casamento fiduciário é aquele que é contraído tendo por propósito, não o verdadeiro sentido do matrimônio, mas a obtenção de um desfrute relacionado com o estado da pessoa. A doutrina costuma dar exemplo no caso do casamento contraído pelo estrangeiro com pessoa de outra nacionalidade. Para evitar a expulsão ou extradição. Não se confunde com o casamento simulado, como informou José Maria Othon Sidou (Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas, 7ª edição, 2001).

 Esses e outros casos podem ser exemplificados para se observar que a aquisição do estado de cônjuge, nessas hipóteses, constitui apenas um meio para alcançar um fim diverso do que, normalmente, decorreria do ato jurídico praticado; não corresponde ao intento concreto visado pelas partes. O casamento fiduciário não é um casamento verdadeiro e próprio, nem se confunde com o que chamam de casamento condicional, que o direito repele.  Veja-se  a jurisprudência italiana aplicada, segundo julgado proferido pelo Tribunal de Roma(de 6.2.5), quanto às  regras da simulação. Naquele julgado, excluindo-se a simulação absoluta, a falta de causa e o estado de necessidade, admitiu-se a validade de um casamento entre uma polonesa e um italiano residente em Varsóvia, com o fim único, visado por ambos, de expatriação da nubente para subtraí-la às violências e perseguições da justiça local. É certo que noticiou Vicente Ráo(obra citada, pág. 189) que Betti divergiu em nota. Os autores que excluem possa a própria simulação prejudicar a validade e a eficácia do vínculo matrimonial sustentam que o princípio da certeza e da estabilidade do vínculo não permite aos contraentes pré-constituírem qualquer meio tendente a eliminá-lo, o que os leva a rejeitar o casamento fiduciário. O direito canônico, como se dirá,  permite decretar-se a invalidade do casamento quando, uma das partes ou ambas, por um ato positivo de vontade, excluem o próprio matrimônio, segundo dispõe o Codex, em seu cânone 1.086, § 2º.

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Os autores que excluem possa a própria simulação prejudicar a validade e a eficácia do vínculo matrimonial, sustentam que o princípio da certeza e da estabilidade do vínculo não permite aos contraentes pré-constituírem qualquer meio tendente a eliminá-lo; e este mesmo fundamento, como disse Vicente Rào(obra citada, pág. 190), os leva a rejeitar o casamento fiduciário. Mas note-se que o direito canônico permite decretar-se a invalidade do casamento quando “uma das partes ou ambas, por um ato positivo de vontade excluem o próprio matrimônio ou todo o direito ao ato conjugal, ou alguma propriedade essencial do matrimônio”, segundo dispõe o Codex 1.086, § 2º.

As partes, no caso do casamento fiduciário, querem contrair o vínculo do casamento, com fim temporário para alcançar certo fim que de outro modo não poderiam alcançar.

Ensinou Vicente Ráo(Ato Jurídico, 4ª edição, pág. 188) que, em sua contribuição intitulada Il Matrimonio Fiduciario(Studi in Onore di Antonio CIcu, 1951, volume II/573 e seguintes) o Professor Cesare Graseti, observou que a doutrina ao tratar dos atos fiduciários tem-se preocupado sobretudo com o estudo dos problemas concernentes a titularidade dos direitos patrimoniais, deixando a margem as questões relativas aos direitos pessoais em geral e mais particularmente às relações familiares e matrimoniais. Os pandectistas, por sua vez, maior atenção dedicaram a fidúcia com creditore do que a fidúcia cum amico. No entanto, acrescentou o mesmo autor, nas crônicas judiciárias inúmeros casos se encontram de casamentos fiduciários, e embora os julgados os examinem, injustificadamente, sob o aspecto da simulação. Desses casos, como lembrou Vicente Ráo, cita-se, entre outros, os seguintes: a alemã que contraiu casamento civil com cidadão italiano para o fim único, entre ambos acertado, dela se subtrair ao trabalho forçado na Alemanha nazista, adquirindo, pelo casamento, a cidadania italiana; o ex-presidiário italiano e a alemã que se casaram, no setor soviético de Berlim, ele para evitar o perigo de nova internação e ela para evitar as violências por parte das tropas aliadas.

Observe-se que a situação de estado de cônjuge constitui apenas um meio para alcançar um fim diverso do que, normalmente, decorreria do ato jurídico praticado; “não corresponde ao intento concreto visado pelas partes (realizável ou não, isto é outra questão) afirmar-se que elas não querem, na realidade, contrair o casamento, pois, o que pretendem, é , apenas, contrair uma aparência ou simulação de vínculo matrimonial. Bem ao contrário, as partes querem contrair esse vínculo, como vínculo temporário, para alcançar certo fim que de outro modo não poderiam alcançar”. Entende-se às partes, prosseguiu Cesare Grasseti, no sentido de que nenhuma delas fará de seu estado de cônjuge um uso contrastante com a finalidade restrita a que ambos visaram.

O casamento fiduciário não é um casamento verdadeiro  e não se confunde com o casamento ocasional.

Quanto aos direitos patrimoniais,  ocorre observar que em certos sistemas positivos do direito o ato fiduciário possui tipicidade, sob as figuras de use ou trust e mortage do direito inglês e das adaptações americanas do salmann, Treuhand e Züfunger do direito germânico e do impropriamente chamado  fideicomisso”, de certas legislações latino-americanas.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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