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Abusos em Mensalidades Escolares

Artigo mais entrevista

Agenda 20/01/2019 às 22:26

Como proceder e como reconhecer práticas abusivas no cálculo ou cobrança de mensalidades escolares.

O QUE É IMPORTANTE SABER SOBRE ABUSOS EM MENSALIDADES ESCOLARES – ARTIGO MAIS ENTREVISTA

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA MAGISTRADO E PROFESSOR COORDENADOR NACIONAL DO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE.

Seguindo a linha de meus últimos artigos publicados aqui neste espaço, mais uma vez cuido de tema de interesse oportunizando alguns comentários escritos seguidos do link de uma entrevista concedida por mim a veículo de mídia sobre o mesmo tema. Desta feita, aproveitando o final do período de férias, apresento algumas considerações a respeito dos limites que devem ser obedecidos pelos estabelecimentos de ensino particulares na questão da cobrança de mensalidades escolares.

O operador do direito sabe que pacta sunt servanda, que em tradução literal significa que o contrato nos torna escravos (alguns dizem, o contrato faz lei entre as partes), mas não obstante essa seja a regra geral no direito brasileiro, existem exceções, com normas de ordem pública (cogentes) que não podem ser afastadas nem mesmo pela vontade das partes maiores e capazes.

Um exemplo dessas normas seria todo o teor do Código do Consumidor (artigo 1º CDC que diz que todas as normas contidas no referido Código são de ordem pública), e, a relação com a escola particular e o responsável pelo aluno, contratante, é uma relação de consumo, isso porque o serviço educacional tem o aluno como destinatário final e a escola implica em empreendimento empresarial que presta serviços, regulamente, divulgando informações ao público em geral, para contratação de massa, mediante remuneração.

Mesmo no caso das bolsas, com seus descontos, ainda que integrais, a relação continua sendo de consumo, eis que os outros alunos matriculados remuneram a escola para que dê aulas até para quem não paga. No caso da escola pública, que não cobra mensalidades, de se remeter o leitor para a lei de 2017 (Lei nº 13.460) que criou o Código do Consumidor (usuário) dos serviços públicos, que contém várias garantias legais.

No caso de cobrança de mensalidades escolares, além do Código do Consumidor, das regras contratuais do Código Civil e das próprias cláusulas contratuais, ainda se deve analisar o caso específico da Lei nº 9.870 99, que estabelece varias garantias aos contratantes de tais serviços.

Principia-se se ponderando no sentido de que essas regras devem ser aplicadas em sistema de cooperação para a consecução das finalidades buscadas pelo legislador, que foi tutelar o interesse desses consumidores (aplica-se, aqui, a teoria do diálogo das fontes, criada pelo alemão Erick Jaime e trazida para nós, por exemplo, por Cláudia Lima Marques, em seu clássico Contratos em Relações de Consumo).

Assim, caso haja colidência entre o que diz o CDC e o que diz a lei da mensalidade, ou o contrato, deve-se buscar a interpretação integrada de todas essas normas, com certa relativização do princípio da especialidade. Tanto que se tem decidido no sentido da total viabilidade de aplicação do CDC no caso de mensalidades escolares. Sobre o tema, à guisa de mera exemplificação:

TJ-GO - APELACAO CIVEL AC 04556085020148090017 (TJ-GO) Data de publicação: 06/03/2017 Ementa: APLICAÇÃO DO CDC . MENSALIDADES EM ATRASO. COLAÇÃO DE GRAU. IMPEDIMENTO. LEI Nº 9.870 /99. PROIBIÇÃO DE PENALIDADES PEDAGÓGICAS. ATO ILÍCITO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. I- Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica advinda do contrato de prestação de serviços educacionais. II- A Lei nº 9.870 /99 que dispõe sobre as anuidades escolares proíbe, em seu art. 6º , quaisquer penalidades pedagógicas, nas quais se enquadra o impedimento de colar grau. III- Nos termos dos artigos 186, 187 e 927, no presente caso, encontram-se presentes os elementos da responsabilidade civil, ficando a apelante com a obrigação de indenizar. IV- Resta razoável a condenação por danos morais no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), com multa de 1% a partir do evento danoso e correção monetária pelo INPC. IV- Fica a apelada condenada ao ônus da sucumbência em 20% sobre o valor da condenação e custas processuais. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.

No mesmo sentido:

TJ-AP - RECURSO INOMINADO RI 00005623120128030001 AP (TJ-AP)Data de publicação: 19/02/2013 Ementa: APLICAÇÃO DO CDC . MENSALIDADES. VALOR COBRADO A MAIOR DO PACTUADO. DANO MATERIAL CONFIGURADO. DANO MORAL DECOTADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. 1) A natureza jurídica da relação estabelecida entre associação e associado-comunitário, consistente em prestação de serviços de desporto, lazer e cultura, guarda exata pertinência com a função institucional da entidade civil em exame, não revelando ser a relação jurídica sub judice prestação de serviço secundário, pois, na espécie, esse serviço se dirigi a um público despersonalizado, alheio ao quadro de funcionários da instituição financeira Banco do Brasil, sendo a atividade notoriamente remunerada e oferecida no mercado de consumo. Assim, avulta ser a relação consumerista, haja vista que as partes se enquadram no conceito legal de consumidor e fornecedor. Sobre o tema colhem-se os seguintes julgados do STJ: REsp 469.911/SP, REsp 697.087/RJ e REsp 436.815/DF. 2) Constatando-se que os descontos da mensalidade foram superiores ao pactuado, consistente numa entrada de R$ 120,00 (cento e vinte reais) e mais cinco parcelas de igual valor, totalizando o importe de R$ 720,00 (setecentos e vinte reais), conforme documento de f.47, evidente, assim, valor pago a maior na quantia de R$ 132,00 (cento e trinta e dois reais) deve ser devolvido em dobro, nos termos do art. 42 , Parágrafo Único do CDC . 4) O pagamento a maior da mensalidade, por si só, não gera abalo extrapatrimonial, pois os desdobramentos fáticos noticiados nos autos não são daqueles capazes de ensejar sofrimento, constrangimento e dissabor à dignidade, revelando-se simples aborrecimento do cotidiano. 5) Recurso conhecido e provido parcialmen

E não se pode esquecer de que, por conta desta aplicação do CDC, o contratante (aluno ou responsável) se encontra inseridos em um sistema protetivo de operabilidade contratual, que lhe garante inversão de ônus probatórios (se houver verossimilhança do que se alega – eis que não se invertem ônus em situações inverossímeis), responsabilidade civil objetiva do estabelecimento (sem necessidade de se provar dolo ou culpa do estabelecimento escolar) e outras vantagens como a simples previsão de que, em havendo contratação por adesão (artigo 47 CDC), as dúvidas se resolvem sempre em favor do consumidor aderente, com proibição de imposição de arbitragem compulsória, dentre outras vantagens.

Sobre a aplicação da situação mais vantajosa ao consumidor em casos de dúvida, de se pedir vênia para destacar:

TJ-SP - 10188063920178260562 SP 1018806-39.2017.8.26.0562 (TJ-SP)Data de publicação: 11/04/2018 Ementa: Previsão contratual de necessidade de pagamento da primeira mensalidade para confirmação da matrícula. Não ocorrência. Havendo cláusulas conflitantes, o contrato deve ser interpretado de maneira mais favorável ao consumidor. Dicção do art. 47 do CDC . Mensalidadeindevida ante a não confirmação da matrícula. Recurso desprovido.

Pouca gente sabe, mas há norma legal qualificando como nula qualquer previsão no sentido de previsão de aumento de mensalidades em prazo inferior a um ano (artigo 1º, par. 4º da Lei de Mensalidades), como igualmente se observa o descumprimento sistemático da norma contida no artigo 2º dessa Lei que obriga ao estabelecimento escolar particular, colocar em local visível ao público, o valor da mensalidade, sua forma de apuração e número de vagas, ao menos 45 dias antes da data final do período de matrículas – se todos colégios fizerem isso, ficará mais fácil para o consumidor comparar prós e contras de cada estabelecimento no que tange à forma de apurar o valor de suas mensalidades.

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Nos termos do artigo 4º da Lei, a escola poderá ser denunciada ao Conselho de Defesa Econômica, inclusive podendo ser firmado um termo de ajustamento de conduta – TAC com o órgão do Ministério da Justiça para evitar ação judicial e resguardar os interesses dos consumidores.

O artigo 6º é autoexplicativo e merece ser destacado de modo literal:

Art. 6o São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.

§ 1o Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir, a qualquer tempo, os documentos de transferência de seus alunos, independentemente de sua adimplência ou da adoção de procedimentos legais de cobranças judiciais.(Vide Medida Provisória nº 2.173-24, 23.8.2001)

§ 2o São asseguradas em estabelecimentos públicos de ensino fundamental e médio as matrículas dos alunos, cujos contratos, celebrados por seus pais ou responsáveis para a prestação de serviços educacionais, tenham sido suspensos em virtude de inadimplemento, nos termos do caput deste artigo.

§ 3o Na hipótese de os alunos a que se refere o § 2o, ou seus pais ou responsáveis, não terem providenciado a sua imediata matrícula em outro estabelecimento de sua livre escolha, as Secretarias de Educação estaduais e municipais deverão providenciá-la em estabelecimento de ensino da rede pública, em curso e série correspondentes aos cursados na escola de origem, de forma a garantir a continuidade de seus estudos no mesmo período letivo e a respeitar o disposto no inciso V do art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em casos de abuso do estabelecimento, o Procon e os Juizados Especiais podem ser acionados para que haja cessação da conduta indevida e obter-se, até mesmo, indenização por danos morais em casos de excessos do estabelecimento escolar.

O valor da mensalidade se afere, portanto, de modo justificado a partir da mensalidade do ano anterior, sem abusos, não sendo conveniente que escolas passem a cobrar outros valores que devem englobar a mensalidade, de modo disfarçado, o que impede que se cobrem valores a título de indenizações trabalhistas de professores e empregados, inserir em listas de materiais, de modo abusivo, valores de contas de água e luz, papel higiênico do aluno.

Tais expedientes ferem a garantia da aplicação da boa-fé objetiva (artigo 422 CC) criando verdadeira armadilha para o contratante do serviço escolar, eis que pedidos deste gênero embutem coisas que devem estar englobadas no valor da mensalidade, por serem gastos fixos da escola, em lista de material, gerando bis in idem, ou seja cobrança em duplicidade da mesma coisa, lesando os interesses do aluno, criando indevida situação de enriquecimento sem causa (situação de ordem pública proibida pelo advento da norma contida no artigo 884 CC).

De igual modo, resta abusivo que se disfarce a cobrança de bolsa com mensalidade. Nesse sentido:

TJ-SP - Apelação APL 10146603620158260008 SP 1014660-36.2015.8.26.0008 (TJ-SP) Data de publicação: 18/08/2016 Ementa: Sentença de parcial procedência reconhecendo a existência de desconto de 50% sobre o valor da mensalidade. Inconformismo da autora com relação à modificação do valor da mensalidade. Aplicação de multa por inadimplemento transvestida de bolsa de estudos de 50%. Abusividade. Disposição prevista para fraudar legislação que veda aplicação de multa moratória superior a 2% da parcela não paga. Inteligência do art. 52 , § 1º , do CDC . Mensalidades que devem ser calculadas sem a multa abusiva de 100% do valor da prestação. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO

Nessa minha entrevista, em curto lapso de tempo, abordo em perguntas e respostas aos principais tópicos da legislação específica, inclusive ensinando como se identificar excessos e como formalizar reclamações contra esses excessos etc, convidando o leitor para uma reflexão sobre o tema, se gostou, compartilhe ou dê um like. Afinal, quem foi meu aluno entenderá, o mundo é um lugar perigoso para não se atualizar.

Eis o link para acesso à mesma: https://www.pinterest.pt/pin/690247080364491577/

Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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