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“Laranja Mecânica”: o behaviorismo e a ética objetivista

Agenda 24/01/2019 às 09:01

Resenha crítica da produção cinematográfica “Laranja Mecânica” a partir da influência da teoria behaviorista na obra e das críticas da ética objetivista. Demonstrando as implicações psicológicas, políticas e éticas captadas pela imaginação artística.

Para que se possa proceder à resenha crítica conforme se pretende, há que se fazer de início uma breve introdução das ideias gerais do behaviorismo para posteriormente estabelecer as relações destas com o tratamento utilizado no filme britânico de 1971: “Laranja Mecânica”.

O Behaviorismo enquanto teoria psicológica estabelece que tudo que nós somos e que sabemos é resultado da experiência. Não havendo, portanto, uma natureza humana, isto é, algo exclusivo e intrínseco aos seres humanos. Existiria, em verdade, uma maleabilidade do ser com relação ao ambiente em que vive. Ao contrário do senso comum que atribui a B. F. Skinner a fundação do behaviorismo, sabe-se de fato que Watson foi o responsável pelos primeiros passos dessa teoria psicológica. Atribui-se a este um senso igualitário pelo o qual poderia criar qualquer sujeito de qualquer maneira, simplesmente tratando de um modo, confrontando as teorias racistas de determinismos genéticos. Rejeitava-se também os estados mentais freudianos por não serem científicos, ou observáveis, ao contrário do “estímulo”, “resposta”, “reforço”, “punição” e “meio ambiente” (BOCK, 2001) aferíveis por meio de experimentações.

Behavioristas não acreditam que existiam diferenças fundamentais entre as espécies, por exemplo, um homem faria mais que um pardal por conta dos poderes de associação superiores e pela riqueza do meio ambiente humano. Partindo de tal pressuposto deu uma resposta metodológica à análise do comportamento humano, enumerando três princípios do aprendizado: a habituação (declínio na tendência a responder a estímulos que não são familiares devido à exposição repetida); o condicionamento clássico (aprendizado de uma associação entre um estímulo e outro, onde estímulo é um termo técnico que significa eventos no ambiente como cheiros, sons, visões) e por fim o condicionamento instrumental ou operante, desenvolvida mais extensivamente por Skinner, um condicionamento voluntário em que o sujeito escolhe fazer coisas e, por forças das suas escolhas, algumas se tornam mais fáceis de aprender que outras sob a lei do efeito, isto é, havendo uma tendência a realizar a ação reforçada se for recompensado e não fazê-lo se não for (BOCK, 2001). Assim, criaria uma psicologia sem as noções mentais subjetivas como desejos e o conhecimento inato.

Neste ensejo, temos que a obra cinematográfica ora objeto de resenha ambienta-se na Inglaterra, em um futuro totalmente adverso, sombrio, indeterminado, aparentemente caótico e vazio, no sentido emocional do termo e também no sentido espacial, tendo em vista que os locais em que se passam as cenas são sempre compostos por poucas estruturas materiais e poucas pessoas.

O protagonista é um jovem delinquente chamado Alex cuja vida consiste em comandar um grupo de outros iguais para praticar atos violentos quase sempre injustificados. Abrindo-se exceção para um dos primeiros atos mostrados no filme, a frustração da tentativa de estupro por outros rapazes em que Alex e seu grupo libertam a vítima e espancam os agressores, havendo de se entender a priori um motivo justificável para o senso comum.

Durante os primeiros momentos da obra cinematográfica acompanha-se uma série de ator pérfidos e violentos dessa gangue chefiada pelo protagonista: espancamento de um idoso mendigo, estupro e violações de residências. O conteúdo sexual também é comum, tanto nas referências espaciais como na própria vida de Alex, que demonstra um intenso apetite nesse sentido. Além de, é claro, sua grande vontade em se manter como líder do coletivo a qual pertence, pois quando sua “autoridade” foi questionada pelos demais integrantes Alex respondeu com uma violenta afirmação de superioridade física e cognitiva. Isso, porém, rendeu ao protagonista uma traição de seus pares fazendo-o ser pego pela polícia após matar uma mulher com uma espécie de escultura em formato de pênis gigante. Já preso, entre as ações para se esquivar do assédio homossexual e as para parecer regenerado através da religião, chega a se voluntariar para um tratamento experimental que o governo pretende estabelecer para curar criminosos e torná-los cidadãos exemplares: o Ludovico.

De influência behaviorista, o apresentado tratamento consiste em manter os olhos do indivíduo abertos contra a vontade de piscar por meio de pinças e a administração de substâncias no globo ocular que causam náuseas e desconforto enquanto se tem em exibição, para o paciente, cenas de violência extremada de modo que se seu corpo associe as imagens aos efeitos da substância nauseante. É um método de condicionamento clássico. Expliquemos, então, o condicionamento clássico com as implicações como o que ocorre no filme.

Há dois tipos de respostas ao estímulo: o incondicionado quando um estímulo incondicionado dá origem a uma resposta incondicionada e há associação entre estímulo condicionado e resposta condicionada. O estímulo incondicionado com condicionado juntos dão origem à resposta – estímulo condicionado dá origem à resposta condicionada - repetidos emparelhamentos dos estímulos incondicionados e dos estímulos condicionados (BOCK, 2001). A diferença entre ensaios reforçados e ensaios não reforçados, o primeiro quando o estímulo condicionado e o incondicionado vêm juntos. Isto é, no caso do filme, o personagem homicida e estuprador violento, selecionado para a terapia recebe as substâncias nos olhos durante a exibição do filme violento para que a sua própria violência seja sentida como uma doença extremamente nauseante. O estímulo incondicionado é a droga e a resposta incondicionada é a náusea. O estímulo condicionado é a violência e a resposta condicionada é a náusea.

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O personagem ao se deparar com possibilidade de comportamento violento sente-se nauseado e por tanto incapaz inclusive de reagir à violência, apesar da vontade de cometê-la. O mesmo aplica-se ao desejo sexual, que persiste, mas não se exterioriza. Uma curiosidade é que o reforço negativo e a resposta de esquiva, no filme, para azar do protagonista, envolveram não só o aspecto da violência, como também a apreciação de seu compositor favorito, Ludwig van Beethoven, que passa a produzir a resposta nauseante quando escutado por Alex.

Muitas questões éticas que envolvem o cinematográfico tratamento Ludovico e o próprio behaviorismo. A escolha desta resenha crítica se coaduna com sistema moral objetivista, da russo-americana Ayn Rand, construtora de uma filosofia individualista e crítica do behaviorismo de B. F. Skinner. Rand (1982) afirma que esse "homem autônomo” de Skinner, isto é, a consciência do ser humano nos aspectos que o distingue do nível sensorial de um animal, tais como racionalidade, vontade, propósito ou valores seriam ilusórios, pois abaixo da pele, é determinado pelo ambiente. Sugere que tal teoria é uma psicologia sem psique, na qual o conceito de mente é substituído pelo de reforço (LOCKE, 1980) reduzindo o homem a um pedaço de carne maleável.

Tomando a obra cinematográfica como projeção do behaviorismo, a ética objetivista não julgaria correto, para um ser dotado de razão, submeter-se ao tratamento. Afinal, Alex assume que como ser humano não pode controlar o seu corpo, ainda que não haja uma intenção em parar de cometer os atos violentos, ignorando a posição de indivíduo que toma decisões e comanda sua própria vida, optando por um vetor externo impeditivo, reduzindo-se à máquina quebrada, sem autonomia.

A ética objetivista não aprova a teoria behaviorista pois reduz os homens a um gado que será conduzido a qualquer caminho bastando sopesar o número de chicotadas. O determinismo é rechaçado, pois as implicações morais se refletirão na política, abrindo caminho como justificador teórico de sistemas autoritários. Não é por menos razões que, na obra clássica Laranja Mecânica, o autor do livro que deu origem ao filme analisado, Anthony Burgess, conseguiu captar com sutileza essa relação, ao apresentar concomitante à história do protagonista um governo que já se prepara algum enfretamento de ordem política e que o tratamento é um teste.

Sem sombra de dúvida é indispensável a análise dos objetos de natureza artística para compreensão do behaviorismo na obra literária de Anthony Burgess, formidavelmente adaptada para o cinema pela sensibilidade de Stanley Kubrick. Os problemas da tese não são apenas éticos, mas políticos, jurídicos, filosóficos e reverberaram na arte.


Referências bibliográficas

BOCK, A. M. (2001) Psicologias: Uma Introdução ao Estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001.

KUBRICK, STANLEY (produtor), & KUBRICK, STANLEY (diretor). (1971). Laranja Mecânica. Londres: Columbia-Warner.

LOCKE, Edwin.(1980)Behaviorism and Psychoanalysis: The Objectivist Forum. Disponível em: https://aynrandlexicon.com/lexicon/behaviorism.html. Acesso em 9 de julho de 2013.

PEIKOFF, Leonard. (2000) Objetivismo: a filosofia de Ayn Rand/ Leonard Peikoff; (tradução de Beatriz Viégas-Faria.). Porto Alegre: Ateneu Objetivista, 2000.

RAND, Ayn. (2013) The stimulus and the response: a critique of B. F. Skinner. Disponível em: https://evans-experientialism.freewebspace.com/ayn_rand.html. Acesso em 8 de julho de 2013.

REIS, Alessandro Vieira dos. (2013) Ayn Rand versus Skinner. Disponível em: https://olharbeheca.blogspot.com.br/2011/04/ayn-rand-versus-skinner.html. Acesso em 9 de julho de 2013.

Sobre o autor
Cássio Rauédys

Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pesquisador. Foi monitor da disciplina Filosofia do Direito na Faculdade de Direito da UFBa durante o ano de 2014. Foi membro do Grupo de Pesquisa sobre Cidadania entre os anos de 2015 e 2016.

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