Quantas pessoas você conhece que possuem um pet em seu apartamento? Pode ser que você leitor, tenha um que o trata com tanto carinho que já o considera como um membro da família.
Os dados mais recentes do IBGE, pesquisa realizada no ano de 2013, afirma que o Brasil possui a 4ª maior população de pets do mundo (aproximadamente 132 milhões), sendo 53 milhões de cães, 38 milhões de aves, 22 milhões de gatos e 18 milhões de peixes ornamentais.
Por essa razão a discussão acerca da possibilidade ou não de criar animais em condomínio é um dos temas mais polêmicos dos dias atuais.
Muitos condomínios, por vezes, proíbem em sua Convenção que qualquer condômino possua um animal dentro de sua unidade. Tal cláusula é legal? Pode a Convenção proibir qualquer pessoa de ter um pet dentro de sua unidade?
Primeiramente devemos ter em mente que os direitos dos animais estão inseridos na matéria do Meio Ambiente, insculpida no Capítulo VI da Constituição Federal de 1988, art. 225, § 1º, o qual delega ao poder público e a coletividade a defesa dos animais, impondo à sociedade e ao Estado o dever de respeitar a vida, a liberdade corporal e a integridade física desses seres.
Nosso Código Civil ainda trata os animais como coisas, estando contidos no livro do Direito das Coisas. Todavia, estão em tramitação no Congresso Nacional propostas legislativas que tem a finalidade de requalificar o status jurídicos dos animais, buscando tirá-los do atual estado de coisas móveis.
Visto dessa forma, o sistema constitucional brasileiro consagra o direito de propriedade como um dos pilares que definem a vida em sociedade, dispondo no art. 5º, XXII e no art. 170, II, ambos da Constituição Federal de 1988, o direito á propriedade:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...);
XXII – é garantido o direito de propriedade.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...);
II – propriedade privada;
Já o Código Civil, dispõem em seu art. 1.228, que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”
Portanto, o direito de propriedade confere ao cidadão a faculdade de servir-se da coisa e de utiliza-la da forma que melhor entender.
Todavia, essa faculdade não é irrestrita e o direito de vizinhança é uma das fontes da limitação deste exercício.
A discussão acerca dos animais em condomínio é antiga, porém, nos dias de hoje essa discussão já possui contornos mais claros do que no passado. Tal questão encontra-se relacionada com a Convenção de Condomínio e seus limites de regulamentação.
Como já é de conhecimento de todos, a legislação brasileira deixou para a autonomia privada a regulamentação e o detalhamento de questões pontuais relacionada à convivência harmônica dos condôminos.
Mesmo sabendo que a Convenção Condominial é a norma suprema do condomínio, sendo um ato-regra de cunho normativo e cogente aplicado à todos, suas regras não são de aplicabilidade absoluta, pois devem se compatibilizar com a legislação que lhe é hierarquicamente superior, podendo a vontade exposta pela maioria, excepcionalmente, sofrer restrições.
Voltemos ao direito de vizinhança. Partindo desse contexto, deve o morador se abster da prática de atos que afetem o sossego, a saúde e a segurança dos demais condôminos, bem como, se valer de sua unidade em conformidade com a sua função social. Portanto, o direito de propriedade não é ilimitado, não sendo também ilimitado o direito de restringir o uso da propriedade.
As restrições impostas ao direito de propriedade devem ser mínimas, razoáveis e verificáveis apenas quando extremamente necessárias à boa convivência social.
Quem nos ensina perfeitamente sobre a possibilidade da Convenção ou do Regimento Interno proibir animais em condomínio são os juristas Fábio Barletta Gomes e Daniele Oliveira Barletta Gomes em sua mais recente obra, “Gestão Condominial Eficiente (Editora Lumen Juris)”:
“Nesse contexto, poderia a convenção o regimento interno, estabelecer uma norma geral e abstrata, proibindo os condôminos de possuírem animais de estimação?
Acreditamos que não. Sem motivações racionais e concretas o direito de propriedade não pode ser mitigado. A faculdade conferida aos condôminos de estabelecer seu regramento interno não pode afrontar de maneira tão aguda o exercício de um direito constitucional.
Entendemos que proibições desse jaez representam, pois, um exercício abusivo ao direito de regulamentar.
Nosso ordenamento jurídico, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 e com o processo de constitucionalização, deixou de ter um caráter eminentemente privatista e individualista. Essa alteração na sistemática jurídica trouxe a reboque, uma itigação do princípio da autonomia privada. A vontade, agora, não é mais livre e irrestrita como era na vigência da codificação civil anterior, sendo que, o exercício de um direito deve estar em consonância com as regras e princípios tidos como fundamentais.
Nesse contexto, um direito deve ser exercido dentro de uma normalidade, não podendo extrapolar os limites da boa-fé e dos bons costumes, sob pena de se caracterizar como um exercício abusivo, que ao final, nada mais é do que um ato ilícito.”
Este também vem sendo o entendimento da atual jurisprudência brasileira:
“AÇÃO COMINATÓRIA –CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO – APARTAMENTO – CADELA COKER SPANIEL – PROIBIÇÃO – LIMITAÇÃO A EXERCÍCIO DE PROPRIEDADE – NORMAS – PONDERAÇÃO – PREVALÊNCIA. O fato da convenção de condomínio proibir a permanência de animais no edifício, assunto levado à assembleia, onde ficou decidido que a convenção deveria ser observada em relação à proibição, não impede a adequação social dessa manifestação ao legítimo direito de limitação ao exercício da propriedade, que deve ser mínima e somente imposta quando necessária à boa convivência social. E como uma cadela da raça Coker Spaniel não proporciona perigo ou risco à segurança dos moradores, a prova mostra que não causa incomodo, e sendo de conhecimento ordinário que as raças caninas por demais agressivas e assim e assim perigosas apresentam médio e grande porte (questão relativa), não há nada que revele a inviabilidade da permanência do animal na unidade locada. Com efeito, entre a norma condominial genérica de proibição de manutenção de animais domésticos ou não nas dependências do edifício, e adequado direito de limitação ao exercício de propriedade, que deve ser mínima, e somente imposta quando necessária à boa convivência social, este prevalece em prol da prestação autoral, pelo fato de que a cadela mantida na unidade habitacional não causa perigo ou risco à segurança, ou incomodo aos vizinhos. TJMG – Apelação Cível 1.0637.09.066157-9/001 0661579-77.2009.8.13.0637 Relator Des. Saldanha da Fonseca, Câmaras Cíveis/12ª Câmara Cível, 27/04/2015.”
“Cominatória – Condomínio – aplicação de cláusula do Regimento Interno que veda a manutenção de quaisquer animais nos apartamentos – Quando se trata de animais domésticos não prejudiciais, não se justifica a proibição constante do regulamento ou da convenção do condomínio, que não podem, nem devem, contrariar a tendência inata do homem de domesticar alguns animais e com eles conviver – Na hipótese, se trata de cachorro de porte médio, cujo temperamento bravio e eventual ataque foram desmentidos pela prova oral realizada nos autos – Apelada que padece de doença mental, sendo que o convívio com o animal de estimação contribui para seu bem-estar – Nesses casos, a invocação do norma proibitiva constituiria injustificável apego ao formalismo (summum jus summa iniuria) – Precedentes – Sentença mantida – Recurso improvido (Ap. Cív. EI 9116642-35.2002.8.26.0000, Rel Des. Paulo Razuk, 1ª Câm. Direito Privado, j. 02.06.09).”
Este também é o entendimento da VI Jornada de Direito Civil, com enunciado n. 566, CJF:
566, CJF – Enunciado: A cláusula convencional que restringe a permanência de animais em unidades autônomas residenciais deve ser valorada à luz dos parâmetros legais de sossego, insalubridade e periculosidade.
Justificativa: A provisão prevista na Convenção de Condomínio à presença de animais em unidades autônomas residenciais deve ser analisada de acordo com os níveis de sossego, saúde e segurança do condomínio, bem como com as especificidades do caso concreto, como por exemplo, a utilização terapêutica de animais de maior porte. Evita-se, assim, a vedação abusiva na Convenção.
Portanto, após tudo o que foi exposto neste artigo, temos que ao longo dos anos os pets foram se incorporando à nossa sociedade, tanto é que o Brasil atualmente encontra-se em 4º lugar como um dos maiores criadores de pet do mundo.
Nossa legislação é mutável, e a ideia de que os animais de estimação não sejam mais vistos como “coisa” vem sendo mudada a cada dia, haja vista que, a convivência entre seres humanos e animais é uma condição irreversível (confira mais sobre o tema em nosso artigo: https://sindicolegal.com/os-animais-de-estimacao-como-ente-familiar).
O confronto entre autonomia privada e o direito de propriedade deve ser conciliado com ponderação de interesses. Não pode o condomínio abusar do seu direito de regulamentar proibindo estritamente a presença de animais no edifício, porém, o condômino, também, não pode abusar do seu direito de propriedade, devendo estar sempre atento às normas do direito de vizinhança, quais sejam, saúde, segurança, sossego e bons costumes.
O condomínio e o condômino devem estar em conjunto, com a finalidade de atingir o melhor resultado na convivência entre moradores e seus pets. Vedar a presença dos animais é atitude extrema, que deve ser evitada à todo o custo. Deve-se, sim, estabelecer regras claras para que os pets e seus donos possam conviver harmonicamente com os demais moradores, evitando, assim, qualquer conflito que atrapalhe o bom convívio de todos.