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Medidas relacionadas à legítima defesa no projeto de lei anticrime para policiais militares: o que isso muda?

Agenda 05/02/2019 às 18:56

Entenda por que não haverá real benefício a aplicação dos novos dispositivos ao contexto da ação policial militar.

1. Introdução

 No dia 04 de fevereiro de 2019, o Exmo. Sr. Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, anunciou o Projeto de Lei de codinome “ANTICRIME”, que estabelece medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa. Grande ponto de mudança e foco dos olhares atentos da sociedade e das autoridades estão os novos conceitos e circunstâncias trazidas para a legítima defesa. Diante disso, é preciso refletir se a mudança no art. 23 do Código Penal acarretará mudanças ou benefícios no contexto de uma ação policial militar.

2. Entenda por que não haverá real benefício

Para responder a essa questão é preciso analisar duas circunstâncias diferentes em que o policial militar possa se encontrar em um confronto armado: Estando em serviço e estando de folga.

Na primeira situação, qualquer ação policial militar, em tese criminosa, estará sob o manto do Código Penal Militar, incluindo o outrora conhecido, “auto de resistência”, que é o crime doloso contra a vida de civil. Com amparo na alínea c, inciso II, do art. 9º do CPM, este dispositivo legal costuma gerar bastante questionamento dos “leigos” em Direito Militar no que tange à natureza do crime e sua atribuição investigativa, que não será foco dessa análise.

Tanto na esfera penal militar quanto na comum, existem as hipóteses do excesso praticado pelo agente que atua amparado por uma das excludentes de ilicitude. São elas:

a) Excesso doloso (art. 46 do CPM e art. 23, parágrafo único do CP). No caso em questão, o agente poderá ter sua pena atenuada pelo o juiz. O CPM desdobra as consequências para o excesso culposo e doloso, o que não acontece no CP comum, que trata ambos da mesma forma;

b) Excesso culposo (art. 45 do CPM e art. 23, parágrafo único do CP). O agente é punido a título de culpa, caso haja a previsão dessa modalidade para o delito.

As alterações no Código Penal comum estão previstas da seguinte maneira:

IV)

Mudanças no Código Penal:

"Art.23...............................................................................................................................................................................................................................................................................

§ 1º O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

§ 2º O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção." (NR)

O antigo parágrafo único seria revogado, passando a ser o parágrafo 1º, com mesmo teor, e acrescentaria o parágrafo 2º, a grande mudança desse artigo, que permite ao juiz reduzir ou deixar de aplicar a pena. Mas seria esse um benefício para o policial militar em serviço? A resposta é NÃO!

Isso porque o Código Penal Militar prevê, sem igual correspondente na legislação penal comum, o excesso escusável (art. 45, parágrafo púnico do CPM). Ocorre em situações causadas por indubitável surpresa ou invencível perturbação do ânimo em face das circunstâncias de inexigibilidade de conduta diversa. Inteligência do supramencionado artigo:

Parágrafo único. Não é punível o excesso quando resulta de escusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação.”

O instituto em tela é cabível em qualquer hipótese na qual o agente atue sob o manto de uma das excludentes de ilicitude, sendo muito mais comum a ocorrência em situações de legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal.

É possível citar como exemplo, um policial militar que dá voz de prisão a uma série de pessoas que praticavam destruição do patrimônio público na via e ao perceberem a inferioridade numérica da guarnição policial, vamos imaginar que são apenas dois, resistem a atacam os policiais com pedradas. Ao conseguir se aproximar de um deles e imobilizar para efetuar a prisão, o agressor tenta pegar a arma do policial, que impede, efetuando um golpe de bastão que fratura o braço do agressor. No caso em tela, além da surpresa, há uma inquestionável perturbação do ânimo. 

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No que é alusivo à perturbação do ânimo do agente, é prudente certificar que em toda ação policial militar em territórios conflagrados, a exemplo do que ocorre nas comunidades do Rio de Janeiro, dominadas por traficantes de drogas, os quais empregam armamentos de guerra contra as tropas policiais, será uma ação na qual o militar estará sob o pálio do art. 45, parágrafo único, e o excesso de sua ação estará isento de pena. Isso porque o militar, ao pisar nestes territórios, ficará na iminência constante de ser alvo destes armamentos ou explosivos, podendo, grosso modo, ter suas vísceras expostas, um de seus membros extirpados ou sua massa encefálica espalhada, tendo como consequência disso tudo, a morte ou a incapacitação permanente. Em que pese haver uma necessidade de seleção de pessoas qualificadas psicologicamente para esse tipo de ação, não existe mecanismo categórico que o faça. Portanto, se faz necessário, inquestionavelmente, o reconhecimento do dispositivo em questão em ações policiais dessa natureza.

Analisando agora uma situação na qual o policial militar esteja de folga, e tenha que se engajar em confronto armado para defender sua vida, é possível enxergar isso por dois vieses: Se  se entender que o policial atuou em razão da função, como há previsão do citado, alhures, alínea c, inciso II, do art. 9º do CPM, ainda estará sob o pálio do CPM e se aplicaria o art. 45, parágrafo único. De outra forma, ficará sob égide da legislação penal comum e com essa alteração do Código Penal, haveria a possibilidade de haver a escusa do excesso doloso ou culposo, pelas hipóteses previstas (medo, surpresa ou violenta emoção). Notória é a semelhança com o dispositivo penal militar, que isenta o policial militar de processo, considerando ainda, os mesmos comentários supramencionados com relação à situação emocional vivenciada pelo policial militar que está em confronto armado: qual o juiz vai afirmar que em face da morte o policial não esteja com medo? Ou sob violenta emoção? Cabe salientar que a segunda hipótese é a mais comum, ou seja, o policial é processado e julgado na justiça comum, mas o motivo disso também não será abordado nessa análise.

A alteração sugerida pelo projeto anticrime no art. 25 do Código Penal, que também é relativo à legítima defesa, deve ser analisado separadamente, pois esse sim, traz mudanças substanciais para a atividade policial militar, mas ficando a citação do mesmo abaixo:

"Art.25..................................................................................................................................

Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa:

I - o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e

II - o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes." (NR)

3.  Conclusão

Na hipótese em que o policial militar, atuando em legítima defesa com excesso, matar alguém, não será beneficiado pelo novo dispositivo, pois, em que pese sua semelhança com o art. 45, parágrafo único do CPM, este é mais benéfico, em razão de afirmar que o agente não é punível, enquanto que na legislação comum, ficará a critério do juiz (subjetivo). Em outras palavras, o juiz pode identificar as circunstâncias previstas na lei (medo, surpresa ou violenta emoção) e mesmo assim aplicar a pena.

Já na hipótese do policial militar de folga que entra em confronto armado, a depender do tratamento dado à situação, poderá haver o benefício se comparado ao Código Penal atual. Mas quando equiparado ao CPM não faz sentido invocar o novo art. 23, §2º do CP e sim o art. 45, parágrafo único do CPM.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 23ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva; 2016.

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LOBÃO, Célio. Direito penal militar. Brasília: Brasília Jurídica; 2001.23.

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Sobre o autor
Leone Pinheiro Borges

Oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (CFO-PMERJ); Ex-Oficial da Reserva do Exército Brasileiro (CFOR-MatBel); Especialista em Operações de Choque – (COPC-PMERJ); Paraquedista Militar (C Bas Pqdt); Bacharel em Direito; Pós-graduado em Direito Penal Militar e Processo Penal Militar; Pós-graduado em Ciências Jurídicas; Pós-graduando em Medicina Legal

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