Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A guerra de aniquilação das mineradoras contra os povos tradicionais

Agenda 06/02/2019 às 13:34

O atual modelo de mineração adotado no Brasil possui traços exploratórios e representa um risco para as comunidades tradicionais que sofrem com ataques constantes ao seu território.

Não faz muito tempo, em novembro deste ano, o povo Xolobeni, comunidade de Pondoland, conseguiu uma vitória histórica na Suprema Corte da África do Sul contra o projeto de exploração minerária de zircônio, rutilo e titânio pela empresa australiana Transworld Energy and Mineral Resources. Os Xolobeni ocupam a região a milhares de anos e em entrevista ao jornal britânico The Guardian, moradores locais disseram que a limpeza das dunas destruiria suas casas, sua cultua e toda a ecologia da Costa Selvagem do país.

Infelizmente, a vitória dos Xolobeni ainda é um caso raro, tanto na África do Sul, como em Gana, Moçambique e Guiné, onde a exploração do titânio, matriz para uma série de ligas metálicas, vem destruindo com ecossistemas, paisagens e culturas ancestrais. Os locais em que as grandes mineradoras internacionais olham como fonte de receita e lucro são referências culturais, religiosas e identitárias de povos e comunidades tradicionais. Também são o habitat de espécies endêmicas da flora e da fauna, muitas ameaçadas de extinção, além de reservas dos cada vez mais escassos aquíferos e fontes de água doce.

Considerando a postura servil do STF nas suas últimas decisões com foco na temática ambiental, desconsiderando até princípios já consagrados pelo próprio Tribunal, como o do não retrocesso socioambiental, é possível que o meio ambiente perdesse para o capital internacional em situação idêntica à sul-africana. Aliás, não há nada mais demagógico do que o nacionalismo contra povos indígenas, nações quilombolas, pescadores e mateiros, em favor da mineração. A exploração dos minerais raros é executada, predominantemente, pelo capital estrangeiro. Portanto, atacar áreas de conservação e reservas indígenas arguindo a defesa do país é apenas uma forma de transferir o patrimônio nacional para multinacionais, um verdadeiro ato de submissão.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Por trás dos ataques sistemáticos de Bolsonaro (PSL/RJ) à Reserva Raposa Serra do Sol, está a obsessão norte-americana por exploração do nióbio, pedras preciosas, diamantes, ouro e, como sempre, titânio. A melhor forma de proteger uma zona de fronteira em região de interesse mundial, como a Amazônia, é transformá-la em unidade de conservação ou outra forma de proteção pública. Jamais abri-la para a exploração internacional.

Mas se o problema de Raposa Serra do Sol parece distante, em Roraima, o que dizer dos projetos minerários em São José do Norte e no Rio Camaquã, ambos dentro da bacia hidrográfica da Laguna dos Patos, no Rio Grande do Sul. Se implantados, haverá uma tragédia ambiental semelhante ou maior do que o crime de Mariana. Rica em Zona Úmidas, com a presença de um dos sítios de Ramsar, no Parque Nacional da Lagoa do Peixe, a região que abriga os dois projetos possui uma das maiores biodiversidades do país, além de comunidades remanescentes de quilombos e territórios do povo Mbyá-Guarani, isto sem contar os milhares de pescadores artesanais. Aliás, por 200 anos, a histórica São José do Norte conviveu com uma peculiaridade: em épocas de defeso os pescadores são cebolicultores, depois voltam à pesca. É um ciclo contínuo que forma a identidade local. Mas tudo isto está ameaçado pela mineração em larga escala.

Sobre o autor
Sandro Ari Andrade de Miranda

Advogado no Rio Grande do Sul, Doutorando em Sociologia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!