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Justiça ou Segurança Jurídica? Como conferir a devida aplicação aos arts. 525, §§ 1º, III, 12, 14 e 15 e 535, III, §§ 5º, 7º e 8º, do CPC?

Agenda 11/02/2019 às 23:49

O texto analisa o instituto da coisa julgada e sua eventual flexibilização pelo CPC/15, mormente os arts. 525, § 15 e 535, § 8º. Elucida as teses doutrinárias sobre o tema e as tendências do STF. Aponta diferentes impugnações de cumprimento de sentença.

1. INTRODUÇÃO.

 

Atualmente, é recorrente a discussão, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, acerca da intangibilidade do instituto da coisa julgada. A coisa julgada sempre foi concebida como um dogma intangível, tendo como fundamento a segurança jurídica, corolário do ideal do Estado Democrático de Direito.

No intuito de evitar a rediscussão ilimitada das demandas judiciais, o ordenamento jurídico brasileiro prevê o trânsito em julgado da decisão, como termo final para o processo (art. 502, do Código de Processo Civil - CPC[1]). Nesse contexto, a coisa julgada acaba por ser a garantia da intangibilidade das sentenças já transitadas em julgado, respeitando assim o princípio da segurança jurídica.

A segurança jurídica, por sua vez, se faz essencial, na medida em que a própria sociedade busca, através da tutela estatal, a certeza e estabilidade de suas relações. A sociedade espera, dessa forma, que se tenha previsibilidade para agir, onde possa confiar seguramente nas relações futuras.

Segundo L. Recaséns Siches (1959), citado por Humberto Ávila (2011, p. 95), “poderá haver Direito injusto ou falho, mas nunca inseguro, pois a ausência de segurança nega a essência mesma do jurídico”.

Muito embora, seja indispensável um sistema que garanta a imutabilidade das decisões judiciais, proporcionando aos jurisdicionados segurança jurídica, não há como deixar de falar brevemente sobre a tese dos que defendem a flexibilização da coisa julgada, para, ao final, analisar-se a aplicação dos arts. 525, § 1º, inciso III e §§ 12, 14 e 15, bem como o 535, inciso III, §§ 5º, 7º e 8º, do CPC, especificamente quanto aos casos em que a sentença, acobertada pela coisa julgada material, foi prolatada (i) com fundamento em aplicação de lei que já havia sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF); ou (ii) com fundamento em entendimento do STF à época, mas que posteriormente foi modificado (overruling); ou (iii) com fundamento em lei (sem discussão no STF), mas que posteriormente foi declarada inconstitucional pelo STF.

Nesses casos, caberia o ajuizamento de ação rescisória? O título judicial seria de pronto inexigível/inexequível?

É o que se busca esclarecer no presente artigo, sem qualquer pretensão de esgotamento da matéria, mesmo porque inexiste jurisprudência consolidada sobre a questão. Demonstrar-se-á de que maneira os citados dispositivos do CPC/15 estão sendo interpretados pelos Tribunais Superiores, principalmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

 

2. DESENVOLVIMENTO.

 

Antes de tudo, necessário conhecer o expresso teor do art. 525, § 1º, inciso III e §§ 12, 14 e 15 (impugnação ao cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa), bem como o do art. 535, inciso III, §§ 5º, 7º e 8º (impugnação ao cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública), todos do CPC, diante de sua semelhança:

 

Art. 525. (...)

§ 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:

(...)

III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

(...)

§ 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

(...)

§ 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda.

§ 15.  Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

 

 

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:

(...)

III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

(...)

§ 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

(...)

§ 7o A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5o deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.

§ 8o Se a decisão referida no § 5o for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Perceba-se que os referidos dispositivos obstam a execução de título fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF, desde que essa decisão tenha sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. Se ocorrer depois, caberá a ação rescisória.

Haveria, então, um conflito entre a autoridade da coisa julgada da decisão exequenda e as supracitadas normas? Como conciliar os institutos nesse caso?

Registre-se, primeiramente, que os referidos dispositivos foram declarados constitucionais pelo E. STF (que replica o at. 741, do CPC/73) por meio da ADI 2418/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 04/05/2016 (Info 824), conforme a seguinte ementa:

 

CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DAS NORMAS ESTABELECENDO PRAZO DE TRINTA DIAS PARA EMBARGOS À EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA (ART. 1º-B DA LEI 9.494/97) E PRAZO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS PARA AÇÕES DE INDENIZAÇÃO CONTRA PESSOAS DE DIREITO PÚBLICO E PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS (ART. 1º-C DA LEI 9.494/97). LEGITIMIDADE DA NORMA PROCESSUAL QUE INSTITUI HIPÓTESE DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL EIVADO DE INCONSTITUCIONALIDADE QUALIFICADA (ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO E ART. 475-L, § 1º DO CPC/73; ART. 525, § 1º, III E §§ 12 E 14 E ART. 535, III, § 5º DO CPC/15). 1. É constitucional a norma decorrente do art. 1º-B da Lei 9.494/97, que fixa em trinta dias o prazo para a propositura de embargos à execução de título judicial contra a Fazenda Pública. 2. É constitucional a norma decorrente do art. 1º-C da Lei 9.494/97, que fixa em cinco anos o prazo prescricional para as ações de indenização por danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, reproduzindo a regra já estabelecida, para a União, os Estados e os Municípios, no art. 1º do Decreto 20.910/32. 3. São constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC, do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/73, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/15, o art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, o art. 535, § 5º. São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado, assim caracterizado nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional – seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda. 4. Ação julgada improcedente. (ADI 2418, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 04/05/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 16-11-2016 PUBLIC 17-11-2016).

 

Isso porque, conforme se depreende do julgado acima, os dispositivos legais buscam harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição e agregam ao sistema processual brasileiro um mecanismo de eficácia rescisória de certas sentenças inconstitucionais, com hipóteses semelhantes às da ação rescisória (art. 966, inciso V, do CPC[2]).

É sabido que cabe ao legislador ordinário a faculdade de estabelecer os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada. Ele não é um instituto absoluto. Significa que, embora goze de proteção constitucional, deve ser conformado pelo legislador ordinário.

A lei pode indicar situações em que a coisa julgada deve ceder lugar a postulados, princípios ou bens de mesma hierarquia e que também são protegidos pela Constituição.

Contudo, é preciso cuidado na interpretação dos institutos.

Antes de se adentrar à questio, prudente que se teçam algumas considerações básicas sobre o instituto da coisa julgada, bem como as diferentes concepções ideológicas sobre a viabilidade ou não de sua flexibilização, para então se concluir acerca da uma melhor aplicação dos dispositivos contidos no CPC.

 

2.1 A COISA JULGADA.

 

O instituto integra o conteúdo do direito fundamental à segurança jurídica, assegurado em todo Estado Democrático de Direito, encontrando consagração expressa, no ordenamento jurídico brasileiro, no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal (CF), in verbis:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…);

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

 

A coisa julgada garante, assim, o impedimento de rediscussão, alteração ou desrespeito a decisão final dada a demanda. Além disso, denota-se que ela vem consagrada ao lado de outros importantes institutos, tais como o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Nas palavras de Lima (2012, p. 21) esses institutos:

 

“juntos garantem as certezas sociais e necessárias para que a sociedade obtenha respostas definitivas para seus problemas. Mesmo as decisões não sendo sempre corretas, colocou-se a capacidade de se tornar inalterada acima da conquista da justiça absoluta”.

 

De outro lado, este instituto também encontra respaldo legal na área processual, conforme artigos 502 ao 508 do Código de Processo Civil.

Dispõe o artigo 505, caput, do Código de Processo Civil: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide (...)”.

Pode-se citar, ainda, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto Lei nº 4.657 de 1942, redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010), que em seu art. 6º, § 3º, dispõe: “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial que já não caiba recurso”.

As diferentes concepções do instituto da coisa julgada se articulam em torno de valores fundamentais (principalmente a segurança jurídica, a estabilidade das relações, a paz social, a justiça e a verdade) os quais influenciam diretamente no papel e escopo do próprio instituto.

A doutrina destaca que “a coisa julgada não é instrumento de justiça (...). Não assegura a justiça das decisões. É, isso sim, garantia de segurança, ao impor a definitividade da solução judicial acerca da situação jurídica que lhe foi submetida” (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p. 418).

Feitas essas considerações, passa-se a tecer comentários acerca das diferentes concepções do instituo pela doutrina.

A corrente doutrinária a qual faz parte renomados doutrinadores como Pontes de Miranda e Ovídio Batista, sustentam ser a coisa julgada um efeito da decisão, que atribui o manto da imutabilidade apenas ao efeito declaratório (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2012).

Contudo, para outra parcela da doutrina, a coisa julgada acaba por ser uma qualidade dos efeitos da decisão, a exemplo de Enrico Túlio Liebman, Cândido Dinamarco e Ada Pellegrini. Para esses autores “a coisa julgada não é um efeito (declaratório) da sentença, mas, sim, o modo como se produzem, como se manifestam os seus efeitos em geral (não só o declaratório, como todos os outros)”. (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p. 423).

Classificou-se esta qualidade da sentença com base em Liebman (apud WAMBIER, 2003, p. 22), e percebe-se que ela ocorre quando não se pode alterar a sentença, seja no próprio processo, seja em outros processos.

Segundo Wambier (2003, p. 21):

 

“A coisa julgada é o instituto cuja função é a de estender ou projetar os efeitos da sentença indefinidamente para o futuro. Com isso, pretende-se zelar pela segurança extrínsica das relações jurídicas, de certo modo em complementação ao instituto da preclusão, cuja função primordial é garantir a segurança intrínseca do processo, pois que assegura a irreversibilidade das situações jurídicas cristalizadas endoprocessualmente. Esta segurança extrínseca das relações jurídicas gerada pela coisa julgada material traduz-se na impossibilidade de que haja outra decisão sobre a mesma pretensão”.

 

 

E por fim, a terceira corrente que discorda da coisa julgada ligada aos seus efeitos, e, sim, à situação jurídica do conteúdo da decisão estão Machado Guimarães e Barbosa Moreira. Para esses autores, “a coisa julgada consistiria na imutabilidade do conteúdo da decisão, do seu comando (dispositivo), que é composto pela norma jurídica concreta” (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p. 425).

Ocorre que, diante das inúmeras e mais diversas concepções de coisa julgada, não é o caso de fazer uma digressão minuciosa das críticas dirigidas às correntes aqui apresentadas, tampouco fazer alusão a todas elas, mas somente indicar ao leitor que elas existem e apontar alguns de seus defensores.

Insta destacar que a origem da coisa julgada é a lógica e a busca pela paz social.

A ocorrência da coisa julgada formal se dá quando são produzidos os efeitos da sentença apenas dentro do processo em que foi proferida. Podem manifestar-se em sentenças terminativas e definitivas sendo, portanto, a imutabilidade da decisão judicial dentro do processo, porquanto não possa mais ser impugnada por recurso, pelos motivos elencados no Código de Processo Civil (DIDIER JUNIOR, BRAGA, OLIVEIRA, 2012, p. 418).

Coisa julgada material é a impossibilidade de modificação da sentença no mesmo ou em qualquer outro processo, visto que a matéria em análise cumpriu todos os trâmites procedimentais que permitem ao Poder Judiciário decidir a questão em definitivo (art. 502, do CPC[3]).

Depois de formada a coisa julgada material, nenhum juiz poderá concluir de forma diversa, por qualquer motivo. Do mesmo modo que, a rigor, as partes também estarão impedidas de rediscutir a matéria já decidida. Sobre o tema, preleciona Didier Junior, Braga, Oliveira (2012, p. 419):

 

“A coisa julgada material é a indiscutibilidade da decisão judicial no processo em que foi produzida e em qualquer outro. Imutabilidade que se opera dentro e fora do processo. A decisão judicial (em seu dispositivo) cristaliza-se, tornando-se inalterável. Trata-se de fenômeno com eficácia endo/extraprocessual”.

 

          Imperioso salientar que para existir a coisa julgada material devem estar presentes quatro pressupostos, a saber: (i) deve ser uma decisão jurisdicional; (ii) essa decisão deve versar sobre o mérito da causa; (iii) ter sido analisada em cognição exauriente; e (iv) deve ter ocorrido a preclusão máxima, ou seja, ter ocorrido a coisa julgada formal.

Os limites objetivos da coisa julgada material são trazidos pelo art. 503 do Código de Processo Civil, que preceitua: “a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida”. No entendimento de Didier Junior, Braga, Oliveira (2012, p. 427): “somente se submete à Coisa Julgada material a norma jurídica concreta, contida no dispositivo da decisão, que julga o pedido”.

Os limites subjetivos buscam delimitar quem se submete à coisa julgada. A regra dos limites subjetivos da coisa julgada está disposta no art. 506, do CPC, que diz o seguinte: A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.

Há de se considerar que, ao que se refere aos limites subjetivos do instituto da coisa julgada, estes podem se manifestar de três formas distintas: inter partes, ultra partes e erga omnes.

A primeira é aquela a que somente se vinculam as partes. A autoridade da decisão passada em julgado só obriga aqueles que figuraram no processo como parte. É a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro para o processo individual.

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Porém, diante de algumas situações distintas, o próprio texto legal prevê exceções onde a coisa julgada atinge também alguns terceiros. Segundo Didier Junior, Braga, Oliveira (2012, p. 429), há exceções a esta regra, em que a coisa julgada pode beneficiar ou prejudicar terceiros. É o exemplo do art. 109, § 3º, do CPC[4] em que o adquirente de coisa ou direito litigioso também será atingido pelos efeitos decorrentes da sentença (substituição processual ulterior).

Outro exemplo excepcional é toda substituição processual quando se verifica o fenômeno da legitimação extraordinária (art. 18, do CPC[5]); o caso do litisconsórcio unitário facultativo, no qual aquele que poderia ter sido parte no processo e não o foi, fica vinculado aos efeitos da coisa julgada produzida a partir da relação processual de que não participou; dentre outros.

Tais casos, como se vê, excepcionam a regra geral contida no art. 506, do CPC, quanto aos efeitos da decisão.

A coisa julgada ultra partes é aquela que atinge não só as partes do processo, como também determinados terceiros: “os efeitos da coisa julgada estendem-se a terceiros, pessoas que não participaram do processo, vinculando-os” (DIDIER, BRAGA, OLIVEIRA, 2012, p. 429).

No que se refere aos efeitos proferidos da coisa julgada perante terceiros, bem alerta Talamini (2005, p. 45):

 

“Estabelecer como imutável uma decisão perante terceiro, que não teve a oportunidade de participar do processo em que ela foi proferida, afrontaria não apenas a garantia do contraditório, como também o devido processo legal e a inafastabilidade da tutela jurisdicional. Estaria sendo vedado o acesso à justiça ao terceiro, caso se lhe estendesse a coisa julgada formada em processo alheio: ele estaria sendo proibido de pleitear tutela jurisdicional relativamente àquele objeto, sem que antes tivesse ido a juízo. Portanto, isso implicaria igualmente privação de bens sem o devido processo legal. Haveria uma frustração da garantia do contraditório: de nada adiantaria assegurar o contraditório e a ampla defesa a todos que participam de processos e, ao mesmo tempo, impor como definitivo o resultado do processo àqueles que dele não puderam participar”.

 

Ao fim, tem-se a coisa julgada erga omnes, cujos efeitos atingem a todos, tenham ou não participado do processo. Ensina Didier, Braga, Oliveira (2012, p. 431):

 

“A coisa julgada erga omnes, por fim, é aquela cujos efeitos atingem a todos os jurisdicionados – tenham ou não participado do processo. É o que ocorre, por exemplo, com a coisa julgada produzida na ação de usucapião de imóveis, nas ações coletivas que versem sobre direitos difusos ou direitos individuais homogêneos (Art. 103, I e III do CDC) e nas ações de controle concentrado de constitucionalidade”.

 

 

Parte da doutrina aponta que há quem não veja uma significante diferença no que diz respeito a coisa julgada ultra partes e coisa julgada erga omnes:

 

“o que não é de todo equivocado: de fato, uma coisa julgada nunca submete todos, em qualquer lugar: apenas alguns terceiros, que mantivessem algum vínculo com a causa, poderiam ser atingidos pela decisão” (DIDIER, BRAGA, OLIVEIRA, 2012, p. 432).

 

Por derradeiro, cumpre verificar os efeitos produzidos pelo instituto.

A coisa julgada produz três efeitos, quais sejam: efeito negativo, efeito positivo e eficácia preclusiva da coisa julgada.

          O efeito que impede que seja proferido novo julgamento sobre questão já definitivamente resolvida, é chamado de negativo. Para Didier, Braga, Oliveira (2012, p. 435):

 

“O efeito negativo da coisa julgada impede que a questão principal já definitivamente decidida seja novamente julgada como questão principal em outro processo. O efeito positivo da coisa julgada determina que a questão principal já definitivamente decidida e transitada em julgado, uma vez retornando ao Judiciário como questão incidental (não principal, em virtude da vedação imposta pelo efeito negativo), não possa ser decidida de modo distinto daquele como o foi no processo anterior, em que foi questão principal”.

 

 

Ainda no entendimento dos autores supracitados, (2012, p. 435), “o efeito negativo da coisa julgada opera como exceptio rei iudicatae, ou seja, como defesa, para impedir o novo julgamento daquilo que já fora decidido na demanda anterior”.

Por sua vez, o efeito positivo é aquele em que a coisa julgada deve ser levada em consideração pelos órgãos jurisdicionais. Por vezes, a coisa julgada é fundamento de outra demanda, que surge por consequência da anterior. Extrai-se da doutrina:

 

“O efeito positivo da coisa julgada gera, portanto, a vinculação do julgador de outra causa ao quanto decidido na causa em que a coisa julgada foi produzida. O juiz fica adstrito ao que foi decidido em outro processo. São casos em que a coisa julgada tem que ser levada em consideração pelos órgãos jurisdicionais” (DIDIER, BRAGA, OLIVEIRA, 2012, p. 435).

 

 

Por fim, a eficácia preclusiva da coisa julgada assume importância singular, pois pretende justificar a impossibilidade de reabertura de novos debates sobre as matérias julgadas de maneira implícita em processo anterior.

O artigo 508, do Código de Processo Civil, reza: “transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido”. O escopo da norma é proteger a declaração contida na sentença transitada em julgado.

A coisa julgada também pode ser concebida por três diferentes formas: coisa julgada pro et contra, coisa julgada secundum eventum litis e coisa julgada secundum eventum probationes.

No ordenamento jurídico brasileiro, a regra geral dos modos de produção do instituto da coisa julgada no processo individual é pro et contra, que é aquela  produzida independentemente do pedido ser procedente ou improcedente.

Essa modalidade de formação se relaciona diretamente com o princípio constitucional da isonomia, diante do tratamento igualitário entre as partes, independente do resultado da demanda (MENDONÇA, 2005, p. 14).

Segundo Didier, Braga, Oliveira (2012, p. 432):

 

“(...) coisa julgada pro et contra, que é aquela que se forma independentemente do resultado do processo, do teor da decisão judicial proferida. Pouco importa se de procedência ou de improcedência, a decisão definitiva ali proferida sempre será apta a produzir a coisa julgada. Esse é a regra geral do nosso Código de Processo Civil”.

 

 

De outro lado, uma outra modalidade de produção da coisa julgada é a secundum eventum litis e pode ser entendida como aquela que depende diretamente do resultado da demanda, ou seja, exatamente como o oposto da anterior. A res iudicata neste caso, só se forma, se o resultado for favorável ou desfavorável ao autor da lide:

 

“(...) coisa julgada secundum eventum litis que é aquela que somente é produzida em um dos possíveis resultados da demanda, procedente ou improcedente. Por exemplo: o legislador determina que apenas nos casos de procedência haverá coisa julgada material. Este regime não é bem visto pela doutrina, pois trata as partes de forma desigual, colocando uma delas em posição de flagrante desvantagem, já que a coisa julgada dependerá do resultado. É o caso da coisa julgada no processo penal: a sentença condenatória sempre pode ser revista em favor do réu. Não parece haver exemplo no processo civil” (DIDIER, BRAGA, OLIVEIRA, 2012, p. 432).

Nessa modalidade, a coisa julgada só é produzida quando a demanda for julgada procedente, razão pela qual não é bem vista pela doutrina.

O último modo de produção da coisa julgada a ser explanado é secundum eventum probationis, o qual se relaciona diretamente com as provas e seus meios. Ele se perfectibiliza no modo que mais se preocupa com a justiça da decisão, vez que se forma somente após o esgotamento de provas no processo. Para Didier, Braga, Oliveira (2012, p. 432):

 

“(...) subsiste em nosso sistema a coisa julgada secundum eventum probationis que é aquela que só se forma em caso de esgotamento das provas – ou seja, se a demanda for julgada procedente, que é sempre com esgotamento de prova, ou improcedência com suficiência de provas a decisão judicial só produzirá coisa julgada se forem exauridos todos os meios de prova. Se a decisão proferida no processo julgar a demanda improcedente por insuficiência de provas, não formará coisa julgada. No regime geral (pro et contra), a improcedência por falta de provas torna-se indiscutível pela coisa julgada. São exemplos de coisa julgada secundum eventum probationes: a) ações coletivas que versem sobre direitos difusos ou direitos coletivos em sentido estrito (art. 103, I e II, CDC); b) ação popular (art. 18 da Lei Federal n. 4.717/1965); c) o mandado de segurança, individual ou coletivo (art. 19 da Lei Federal n. 12.016/2009)”.

 

Restando finalizadas as considerações iniciais sobre a coisa julgada, e tendo sido estabelecido as formas, os limites, os efeitos e os modos de produção do instituto, e estando claro o objetivo precípuo da coisa julgada material, de modo a que proporciona segurança jurídica aos litigantes que postulam intervenção do Poder Judiciário para resolução dos seus conflitos, acabando por tornar as relações estáveis, prosseguir-se-á para a verificação das teses daqueles que defendem a sua flexibilização e àqueles que são contra.

 

2.2 TESE DAQUELES QUE DEFENDEM A FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL.

 

          É inegável que o argumento preponderante daqueles que defendem a tese da chamada flexibilização da coisa julgada, como Cândido Rangel Dinamarco e José Augusto Delgado, é a ideia de Justiça.

          Segundo Cândido Holz (2006, p. 536) “o valor da segurança jurídica não é um valor absoluto no ordenamento jurídico, dado que deve conviver com um valor de primeiríssima grandeza, qual seja o da justiça das decisões emanadas pelo judiciário”.

          No Brasil, quem abordou inicialmente a teoria da flexibilização da coisa julgada foi o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado. O jurista defende a ideia de que a sentença transitada em julgado pode ser revista, além do prazo para a ação rescisória, desde que contenha injustiça de alcance que afronte diretamente à Constituição Federal (DIDIER, BRAGA, OLIVEIRA, 2012).

          Delgado afirma, ainda, que não se deve concordar que em nome da segurança jurídica “a sentença viole a Constituição Federal, (...) seja veículo de injustiça, que desconheça que o branco é branco e que a vida não pode ser considerada morte, nem vice-versa. (...)” (DELGADO, 2001).

José Augusto Delgado também entende que o princípio da segurança jurídica está abaixo de outros valores, tais como da legalidade, moralidade e justiça, que os configura como valores absolutos. Afirma que, enquanto estes valores são princípios basilares da Constituição, “o princípio da segurança jurídica nada mais é do que valor infra-constitucional oriunda de regramento processual” (DELGADO, 2001, p. 51).

          A partir da abordagem feita por Delgado, outros doutrinadores, a exemplo de Cândido Dinamarco, aderiram a esta tese.

Com o advento dessa teoria, é nítida a preocupação da doutrina e tribunais em repensar a garantia constitucional e o instituto da coisa julgada, trazendo à baila de que “não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas” (DINAMARCO, WEB, 2014).

Hugo Nigro Mazzilli (apud DINAMARCO, WEB, 2014) defende a “necessidade de mitigar a coisa julgada” e ainda, Pontes de Miranda, citado por Dinamarco (2014), entende que “levou-se muito longe a noção de res judicata, chegando-se ao absurdo de querê-la capaz de criar uma outra realidade, fazer de albo nigrum e mudar falsum in verum”.

José Augusto Delgado, em voto proferido como Ministro Relator na Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, declarou “não reconhecer caráter absoluto à coisa julgada”. Disse ainda fazer parte de corrente doutrinária que “entende ser impossível a coisa julgada, só pelo fundamento de impor segurança jurídica, sobrepor-se aos princípios da moralidade pública e da razoabilidade nas obrigações estatais” (DINAMARCO, WEB, 2014).

Continuou afirmando que “a autoridade da coisa julgada está sempre condicionada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem cuja presença a segurança não é o tipo de segurança posto na Constituição Federal”. (DINAMARCO, WEB, 2014).

Por fim indagou se a sentença baseada em decisão posteriormente declarada inconstitucional, afetando diretamente a Carta Magna, deve imperar (DINAMARCO, WEB, 2014). Apoiando-se na obra de Humberto Theodoro Junior declarou que “as sentenças abusivas não podem prevalecer a qualquer tempo e a qualquer modo, porque a sentença abusiva não é sentença”.

Ainda Humberto Theodoro Júnior, em ensaio conjunto com Juliana Cordeiro de Faria (2003, p. 146), acrescenta que a inconstitucionalidade é considerada um vício grave dos atos processuais, que afeta a eficácia dos efeitos da coisa julgada e, consequentemente, impede a sentença de passar em julgado.

Alexandre Freitas Câmara adverte que, “não obstante ser a coisa julgada material a imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo da sentença de mérito, casos há em que é preciso desconsiderá-la” (CÂMARA, 2007, p. 494). 

José Afonso da Silva faz saber que, a coisa julgada vista como inconstitucional, além de ser concebida como vício que não pode ser sanado dentro de um processo, é considerada “ato inexistente, segundo opinião daqueles que entendem que o ato inconstitucional é nulo, sem efeito, portanto pode ser desconstituído a qualquer tempo” (SILVA, 2005, p. 35).

No mesmo sentido seguem Wambier e Medina (2003, p. 43) ao asseverar que “a decisão que seria alvo de impugnação seria juridicamente inexistente, pois que baseada em ‘lei’ que não é lei (‘lei inexistente’)”.

Resta claro, então, que o conflito existente recai sobre a valoração da Constituição frente ao princípio da segurança jurídica e da justiça.

Baseando-se no princípio da proporcionalidade, a coisa julgada “por ser apenas um dos valores protegidos constitucionalmente, não pode prevalecer sobre outros valores que têm o mesmo grau hierárquico” (MARINONI, 2004).

Aqueles que defendem a tese, alegam que diante do princípio da legalidade, o Estado deve agir conforme a lei, ora, se a lei for declarada inconstitucional, não poderá subsistir uma decisão que contrarie esta.

Por fim, no exame do princípio da instrumentalidade, a decisão só terá eficácia jurídica se pautada pelos “ideais de justiça e adequado a realidade” (MARINONI, 2004).

Dessa forma, a posição dos doutrinadores a favor da tese, conforme os termos suso expostos, é de que não restaria outra alternativa senão relativizar a coisa julgada inconstitucional, sob pena de estar-se perpetuando injustiças, totalmente contrárias às disposições da Constituição.

Defendem que não há hierarquia entre diferentes valores constitucionais, de modo que não seria correto admitir que a coisa julgada devesse prevalecer sobre outros valores igualmente dispostos na Constituição Federal.

 

2.3 TESE DAQUELES QUE RECHAÇAM A FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL.

 

          Aponta-se agora, a doutrina contrária à teoria da flexibilização da coisa julgada inconstitucional. Os adeptos dessa corrente basicamente alegam ser a referida teoria contrária ao próprio controle de constitucionalidade adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, à medida que faz o controle do próprio juiz (difuso).

          Esses doutrinadores afirmam que condicionar a decisão judicial para que se produza apenas decisões justas não é viável, considerando que sempre haverá um perdedor e um ganhador. Ou seja, para alguma das partes a decisão sempre será injusta.

O ministro Celso de Mello, ao discorrer sobre o assunto, destaca que a aceitação dessa tese [da flexibilização da coisa julgada] acabaria por provocar consequências diretamente lesivas à estabilidade das relações e exigência de certeza e segurança jurídica (STF, RE 594.350, Rel. Min. Celso de Mello, Dje-105, Publ. 11/06/2010).

Araken de Assis destaca que a flexibilização do instituto da res iudicatamostra-se flagrante risco de se perder qualquer noção de segurança e de hierarquia judiciária”. Alega que, dessa forma, os litígios se tornarão eternos, sob a justificativa de ofensa a algum princípio constitucional – aquele que for mais conveniente ao caso (ASSIS, WEB, 2014).

Celso de Mello, seguindo linha diametralmente oposta à corrente anteriormente apresentada, destaca a soberania da coisa julgada diante de outros princípios constitucionais, alegando não ser possível, a sobreposição de outros princípios sob o instituto ora citado. Extrai-se, ainda, do seu voto na decisão antes mencionada:

 

Diante disso, a falta de critérios seguros e racionais para a “relativização” da coisa julgada material pode, na verdade, conduzir à sua “desconsideração”, estabelecendo um estado de grande incerteza e injustiça. Essa “desconsideração” geraria uma situação insustentável, como demonstra Radbruch citando a seguinte passagem de Sócrates: “crês, porventura, que um Estado possa subsistir e deixar de se afundar, se as sentenças proferidas nos seus tribunais não tiverem valor algum e puderem ser invalidadas e tornadas inúteis pelos indivíduos?”.

[..] Ou seja, de nada adianta falar em direito de acesso à justiça sem dar ao cidadão o direito de ver o seu conflito solucionado definitivamente. Por isso, se a definitividade inerente a coisa julgada pode, em alguns casos, produzir situações indesejáveis ao próprio sistema, não é correto imaginar que, em razão disso, ela simplesmente possa ser desconsiderada. (STF, RE 594.350, Rel. Min. Celso de Mello, Dje-105, Publ. 11/06/2010).

 

 

Quanto ao discurso jurídico, Marinoni (2013, p. 57) aduz que o mesmo só se torna legítimo se considerada a existência da coisa julgada. Uma interpretação que não tenha condições de se tornar estável, não tem qualquer propósito. E ainda:

 

“Uma decisão judicial não seria propriamente uma afirmação da autoridade do poder jurisdicional caso pudesse ser modificada, depois do encerramento do processo em que foi proferida, por outro órgão judicial. Ora, se a decisão jurisdicional é protegida contra o Executivo e o Legislativo, não deveria ser sequer preciso dizer que ela deve ser absolutamente intocável pela própria esfera de poder que a produziu. Um poder que pudesse eternamente rever a sua interpretação seria uma gritante aberração diante da teoria política. O poder, para se afirmar, deve gerar confiança, para o que é imprescindível a estabilidade das suas decisões” (MARINONI, 2013, p. 61).

 

A estabilidade é elemento indispensável a atuação do poder estatal. Sendo assim, não há como fazer com que uma decisão seja proferida, dotada de certeza e segurança jurídica e que posteriormente, por decisão do Supremo Tribunal Federal, possa vir a inutilizá-la. Seria, de fato, uma grande contradição da autoridade do Estado (MARINONI, 2013, p. 62).

          Ainda segundo o citado autor (2013, p. 81), “exatamente porque a decisão judicial não se confunde com a lei, a declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal não tem efeito de invalidar a decisão do juiz ordinário”.

A ideia do autor é no sentido de que, se uma lei é declarada inconstitucional, está-se, em verdade, declarando que um ato emanado do Poder Legislativo contém vício. É este o objeto da declaração de inconstitucionalidade. Dizer que uma decisão emanada do próprio Poder Judiciário, já acobertada pelo manto da coisa julgada, pudesse ser atingida pela declaração de inconstitucionalidade abstrata seria desvirtuar o objeto e efeitos do controle de constitucionalidade.

Luiz Guilherme Marinoni (2013, p. 31) insiste no sentido de que a jurisdição não aplica somente a vontade da lei (subsunção), nem tampouco se limita a criar a norma concreta, mas é fruto de uma interpretação de um juiz, que não pode ser desconsiderada por um controle em abstrato.

Verifica-se que uma decisão que se fundou em lei mais tarde declarada inconstitucional, é decisão válida (pela presunção de constitucionalidade das leis), e ainda, produz efeitos jurídicos, enquanto se torna expressão máxima do poder que é investido ao magistrado no sistema de controle difuso de constitucionalidade.

          Percebe-se que o juiz – diante do juízo de constitucionalidade, que proferiu sentença deixando de aplicar uma lei por reputá-la inconstitucional, e ainda, se no momento da prolação não existia qualquer declaração de constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal – nada mais fez do que cumprir o seu dever jurisdicional de controle de constitucionalidade no caso concreto.

Ademais, sintetiza o autor supracitado que, admitir essa retroatividade da decisão de inconstitucionalidade da lei, ao alcance da coisa julgada, “obrigaria aceitar a ideia de que o juiz e o tribunal, embora tenham o dever-poder de realizar o controle difuso de constitucionalidade, sempre têm a sua decisão condicionada a um evento imprevisível” (MARINONI, 2013, p. 36). Destaca-se:

 

“(...) Como é óbvio, exatamente porque não há como pensar em uma decisão provisoriamente estável – o que seria uma contradição em termos -, não se pode raciocinar como se fosse possível conceber uma coisa julgada subordinada a uma não decisão de inconstitucionalidade. Aliás, caso isto fosse possível, o controle difuso de constitucionalidade certamente seria uma ilusão, para não dizer que seria uma excrescência, pois a decisão tomada no caso concreto ou estaria de acordo com a decisão tomada pelo Supremo Tribunal, e assim teria validade, ou não estaria, e portanto seria nula. A qualidade e a efetividade do sistema difuso estariam na capacidade de o juiz ordinário “adivinhar” a interpretação futura do Supremo Tribunal Federal” (MARINONI, 2013, p. 37).

 

Nessa mesma linha seguem Didier Junior, Braga, Oliveira (2012, p. 584), ao considerarem a teoria “problemática, pois a qualquer momento que a lei em que se fundou a decisão fosse reputada inconstitucional a decisão poderia ser desconstituída. Malferir-se-ia frontalmente a garantia da segurança jurídica”.

Se toda e qualquer decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade difuso por juiz ordinário pudesse ser rescindível diante de ulterior precedente, não existiria, sequer, uma decisão dotada de qualquer utilidade para os jurisdicionados. Sempre importaria a decisão do Supremo Tribunal Federal (MARINONI, 2013, p. 108).

Pelo exposto, a posição dos doutrinadores contrários à flexibilização, conforme verificado, é de que as discussões judiciais devem ser limitadas no tempo para se preservar a ordem jurídica e social, em nome da estabilidade das relações. Lembram que sempre haverá um perdedor e um ganhador no processo, de modo que a decisão tende a ser injusta para uma das partes. Afirmam que o instituto da coisa julgada é soberano, de extremo valor, não permitindo que outros valores constitucionais venham lhe sobrepor.

Destacam que relativizar a coisa julgada seria dar mais importância à norma abstrata do que à norma concreta, que foi analisada sob o caso específico mediante análise das provas e devida interpretação. Justificam que o julgador não exerce mera subsunção do fato à norma, razão pela qual a coisa julgada não pode ser modificada por decisão em processo objetivo posterior.

Relatam, ainda, que a flexibilização da coisa julgada retiraria o poder da autoridade jurisdicional, pois com o tempo a decisão proferida poderá não mais valer. Além disso, destacam que todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) devem respeitar a coisa julgada, principalmente o próprio Poder Judiciário, não se justificando que outro poder, em sede de processo objetivo, se sobreponha à decisões já firmadas em sede de processo subjetivo.

Em suma, defendem que o princípio da segurança jurídica deve prevalecer sobre eventual injustiça da decisão no Estado Democrático de Direito.

 

2.4 HIPÓTESE DE DECISÕES RESCINDÍVEIS E INEXEQUÍVEIS, À LUZ DOS ARTS. 525, §§ 1º, III, 12, 14 E 15 E 535, III, §§ 5º, 7º E 8º, DO CPC.

 

Embora pareça-nos que a tese da segurança jurídica seja mais aconselhável à pacificação dos conflitos, parece que o CPC/15 excepcionou essa regra especificamente em seus arts. 525, § 15 e 535, § 8º, trazendo uma enorme insegurança jurídica:

 

Art. 525 (...).

§ 15.  Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Art. 535 (...).

§ 8o Se a decisão referida no § 5o for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Perceba-se que o início da contagem do prazo para a ação rescisória se dará com o trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF.

Hipoteticamente, se a ação levar 20 anos para ser decidida no STF, somente após 2 anos do seu trânsito se cessará a possibilidade de rescindir uma decisão que já tinha sido julgada 20 anos antes. Há uma enorme insegurança jurídica nesse particular, sendo os referidos dispositivos de duvidosa constitucionalidade.

Essas são as hipóteses legais que se exige o ajuizamento de ação rescisória ao fundamento de se adequar a decisão eventualmente lavrada em dissonância com o entendimento do STF.

Desconhece-se, até o momento, qualquer decisão dos Tribunais Superiores acerca da aplicabilidade dos referidos dispositivos. Prevalecerá a primeira ou a segunda tese antes discorrida? Só o tempo irá dizer.

 Mas existem as hipóteses que permitem o reconhecimento direto da inexigibilidade/inexequibilidade do título executivo (arts. 525, III e 535, III, do CPC). Para isso, faz-se necessário que o pronunciamento do STF sobre a questão seja anterior ao título executivo, ou seja, a decisão do STF precisa ter sido proferida antes da formação do título executivo judicial.

É o que dispõe expressamente os § 14, do art. 525: “§ 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda” e § 7º, do art. 535: “§ 7o A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5o deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda”.

Significa que os referidos dispositivos somente podem ser aplicados quando o órgão julgador, mesmo já havendo decisão do STF sobre o tema, decide em sentido contrário ao que o Supremo tinha decidido.

Há um flagrante desrespeito pelo órgão julgador ao entendimento já proferido pelo STF, que permite a flexibilização da coisa julgada já em sede de execução.

Nota-se, nesse caso, que a sentença já deve ter nascido contrária ao entendimento do STF. O vício na sentença deve ser um "defeito genético", ou seja, já nasceu com ela (nesse sentido: Fredie Didier, Leonardo Cunha, Luiz Guilherme Marinoni).

Exemplifica-se com a seguinte situação hipotética: suponha-se que em 2017 o STF tenha decidido (seja em controle concentrado ou difuso), expressamente, que determinada “Lei A” era inconstitucional. Em 2018, contudo, o juiz de primeiro grau julga o processo aplicando a “Lei A”. Mesmo se esta decisão transitar em julgado, o título executivo será inexigível porque o juízo aplicou lei que já tinha sido considerada inconstitucional pelo STF.

Seria o caso de uma sentença abusiva; e sentença abusiva não deve prevalecer.

No caso, o próprio art. 927, do CPC determina que os juízes e tribunais observem as decisões do STF, enunciados de súmula vinculante, dentre outros[6]. O CPC preferiu dar preferência ao direito material sobre o processual nesses casos, de modo a se permitir a flexibilização da coisa julgada que tenha, eventualmente, sido exarada em contrariedade com o entendimento já firmado do STF.

Segundo o STF, para que se possa reconhecer a inexigibilidade/inexequibilidade do título executivo, é necessário que a sentença tenha incorrido em algum dos seguintes vícios:

a) sentença que aplicou uma lei que havia sido declarada inconstitucional pelo STF;

b) sentença que aplicou a lei para uma situação considerada inconstitucional (STF afirmou que a lei é constitucional, mas que não poderia ser aplicada para determinada situação, sob pena de, aí sim, ser inconstitucional);

c) sentença que aplicou a lei com um sentido (uma interpretação) inconstitucional (STF conferiu interpretação conforme para determinada lei e a sentença contrariou esta interpretação dada);

d) sentença que decidiu que determinada lei é inconstitucional, mas o STF já a havia declarado constitucional.

Quanto às hipóteses de inexigibilidade/inexequibilidade, recentemente o STF reafirmou seu entendimento em sede de repercussão geral:

 

São constitucionais o parágrafo único do art. 741 e o § 1º do art. 475-L do CPC/1973, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/2015 (art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14; e art. 535, § 5º).

São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado, assim caracterizado nas hipóteses em que:

a) a sentença exequenda  (“sentença que está sendo executada”)  esteja fundada em  uma  norma reconhecidamente inconstitucional, seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou

b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e

c)  desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda. (STF. Plenário. RE 611503/SP, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 20/9/2018 (repercussão geral) (Info 916).

 

Repise-se que caso essa decisão do STF ocorra somente após o trânsito em julgado, deverá ser ajuizada a ação rescisória (art. 966, inciso V, do CPC).

Tomando como base a mesma situação hipotética apontada, se a sentença transitar em julgado aplicando a “Lei A”, mas somente mais tarde, depois de algum tempo, o STF declarar essa “Lei A” inconstitucional, deve ser aplicada a regra dos arts. 525, § 15 ou 535, § 8º, do CPC.

Essa é a situação delicada, que ainda recai muita divergência e que inexiste, ainda, um posicionamento definido pelos Tribunais Superiores. A lei processual determina o ajuizamento da ação rescisória. Mas seria a melhor solução? Esses dispositivos são constitucionais? Deve prevalecer a segurança jurídica (coisa julgada) ou o entendimento “retroativo” da novel decisão do STF?

Um terceira hipótese que deve ser apontada é quando a sentença de primeiro grau é proferida com base na jurisprudência do STF vigente à época do julgamento e, posteriormente, após o trânsito em julgado, esse entendimento é alterado no STF (overruling).

Exemplifica-se com a seguinte situação hipotética: até pouco tempo atrás estava em vigor a Súmula 408, do STJ, assim disposta: Súmula 408-STJ: Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória 1.577 de 11/06/1997 devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula 618 do Supremo Tribunal Federal”. Vários juízes de primeiro grau, cumprindo a referida Súmula, proferiram decisões fixando juros compensatórios em desapropriações na ordem de 12% ao ano, após 13/09/2001. Essas ações transitaram em julgado.

Agora, no ano de 2018, o STF julgou o mérito da ADI 2332/DF e resolveu alterar a decisão liminar que havia tomado em 2001, decidindo, dentre outros tópicos, que é constitucional o percentual de juros compensatórios de 6% ao ano para remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente público na posse de seu bem.

Fundamentou-se que os juros compensatórios não têm a função de indenizar o valor da propriedade em si, senão o de compensar a perda da renda decorrente da privação da posse e da exploração econômica do bem entre a data da imissão na posse pelo poder público e transferência compulsória ao patrimônio público, que ocorre com o pagamento do preço fixado na sentença.

Mas como ficam as sentenças já transitadas em julgado que fixaram o percentual de 12% ao ano e estavam em consonância com o entendimento jurisprudencial da época. Nesses casos, também caberia a aplicação dos dispositivos processuais que admitem a ação rescisória?

Parece que nesses casos a jurisprudência caminha para impedir a ação rescisória, pois caso contrário, redundaria uma enorme insegurança jurídica, não sendo esse o propósito do legislador.

Nessa situação não se pode dizer que a decisão de primeiro grau tenha violado manifestamente norma jurídica (art. 966, inciso V, do CPC) para fins de ação rescisória. Isso porque “interpretar” não significa “violar”.

Na lição do Ministro Luiz Fux, para o acolhimento de uma ação rescisória com base em violação manifesta de norma jurídica é necessário que a interpretação dada pelo decisium rescindendo seja de tal modo teratológica que viole o dispositivo legal ou constitucional em sua literalidade. Ao revés, se a decisão elege uma dentre várias interpretações cabíveis, a ação rescisória não merece prosperar.

Desse modo, não caberia a ação rescisória em face de decisão que, à época de sua prolação, estava em conformidade com a jurisprudência predominante do STF.

É o que decidiu o E. STF no seguinte julgado:

 

Se a sentença foi proferida com base na jurisprudência do STF vigente à  época e, posteriormente, esse entendimento foi alterado, não se pode dizer que essa decisão impugnada tenha violado literal disposição de lei para fins da ação rescisória prevista no art. 485, V, do CPC/1973.

Desse modo, não cabe ação rescisória em face de acórdão que, à época de sua prolação, estava  em conformidade com a jurisprudência predominante do STF. (STF. Plenário. AR 2422/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/10/2018) (Info 921).

 

O mesmo entendimento já existia no STF, quando do julgamento pelo Plenário do RE 590.809/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/10/2014 (Info 764).

Nos julgados do STF, este entendeu ser aplicável a Súmula 343, assim disposta:

 

Súmula 343-STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

 

Cabe destacar que a decisão proferida pelo STF levou em consideração o CPC/73, sendo que não se sabe se o entendimento seria o mesmo para o CPC/15, tendo em vista o texto expresso dos arts. 525, § 15 e 535, § 8º, do CPC. Até o presente momento, referido dispositivo deve ser considerado presumidamente constitucional, existindo divergências quanto ao tema ainda.

No entanto, cabe destacar as palavras do Ministro Alexandre de Moraes no caso em referência:

 

“Em que pese a alteração posterior de jurisprudência da Corte, o caso foi julgado com base na jurisprudência da época, com trânsito em julgado, e isso já foi incorporado no patrimônio das pessoas.

(...)

Se a cada vez que houver uma alteração jurisprudencial for possível ajuizar novas rescisórias, a todo momento em que  houver uma mudança será necessário julgar todos os processos novamente.”

 

E isso refleteria uma enorme situação de insegurança jurídica, que não parece ser a intenção da Constituição Federal. Parece, portanto, que o STF caminha em direção à segunda tese apontada no presente ensaio jurídico.

Em consonância com o instituto da prospective overruling, a mudança jurisprudencial deve ter eficácia ex nunc, porque, do contrário, surpreende quem obedecia à jurisprudência daquele momento.

Prospective overruling  é uma  técnica  segundo a qual  “os tribunais, ao mudarem suas regras jurisprudenciais, podem, por razões de segurança jurídica (boa-fé e confiança legítima), aplicar a  nova orientação apenas para os casos futuros” (OLIVEIRA, 2014, p. 103).

O CPC/2015 trouxe previsão expressa da possibilidade da modulação dos efeitos da superação (prospective overruling) no art. 927, § 3º:

 

Art. 927 (...).

 

§ 3º  Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.

 

Ao lado do prestígio do precedente, há o prestígio da segurança jurídica, princípio segundo o qual a jurisprudência não pode causar uma surpresa ao jurisdicionado a partir de modificação do panorama jurídico.

Por isso, embora ainda não haja esgotamento do tema, parece que a jurisprudência do STF caminha em prol da segurança jurídica, de modo que espera-se seja dada interpretação conforme a Constituição aos arts. 525, § 15 e 535, § 8º, do CPC, sob pena de se inaugurar uma injustificada insegurança jurídica nas relações sociais que já tinham sido pacificadas.

 

3. CONCLUSÃO.

 

A coisa julgada consiste em condição essencial à ideia de segurança jurídica. Para tanto, a estabilidade das decisões judiciais é amparada e promovida pelo instituto da coisa julgada material. Dessa forma, a coisa julgada existe para assegurar a própria segurança jurídica.

Ao longo dos anos, percebe-se que o Direito não resistiria caso os litígios fossem eternos, fazendo com que seja evidentemente necessário que exista um limite para tanto.

As modificações trazidas pelo CPC/15 parecem colocar essa ideia em xeque, principalmente os arts. 525, § 15 e 535, § 8º, na medida em que permitem que as discussões jurídicas, em tese, já findas, sejam rediscutidas, mesmo após já passados muitos anos.

Isso é ruim para o Direito, o que espera-se que o STF dê a devida interpretação jurídica aos citados dispositivos, assim como fez na vigência do CPC/73.

Frente a todo o exposto, verifica-se 3 situações jurídicas distintas:

1) Já existe uma declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade pelo STF, mas o juízo de piso julga em desconformidade com o entendimento já firmado pelo Tribunal Superior e essa decisão transita em julgado. Nesse caso, é possível a flexibilização da coisa julgada já na fase executiva, vez que o título executivo judicial deve ser considerado inexigível/inexequível;

2) Já existe uma declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade pelo STF e o juízo de piso julga em conformidade com esse entendimento do Tribunal Superior. Essa decisão transita em julgado. Posteriormente o STF muda seu entendimento (overruling). Nesse caso, não seria possível a flexibilização da coisa julgada (não caberia a ação rescisória), visto que à época de sua prolação, estava em conformidade com a jurisprudência predominante do STF (lembrando que esse entendimento  baseou-se no CPC/73, em que não existiam os arts. 525, § 15 e 535, § 8º, do CPC/15);

3) Não existe declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade pelo STF e o juízo de piso julga conforme suas convicções, diante do caso em concreto. A decisão transita em julgado, mas posteriormente o STF exara entendimento contrário ao que restou decidido pelo juízo de piso. Pela legislação processual deveria ser aplicada a regra dos arts. 525, § 15 ou 535, § 8º, do CPC. Contudo, pode ser que prevaleça o teor do Enunciado da Súmula 343, do STF, dando preferência ao que havia sido decidido anteriormente (coisa julgada). Essa questão ainda envolve divergência e merece ser resolvida nos Tribunais.

Em tais casos, deverá prevalecer a segurança jurídica ou a justiça?

Inclinamos para a adesão da tese da segurança jurídica. Se toda e qualquer decisão proferida por juiz ordinário pudesse ser rescindível diante de ulterior precedente, não existiria, sequer, uma decisão dotada de qualquer utilidade para os jurisdicionados. Sempre importaria a decisão ulterior do Supremo Tribunal Federal. As decisões de piso se tornariam “condicionais”, o que não parece ser a melhor solução para a pacificação social. 

O presente ensaio não esgota o debate do tema proposto, e muito menos o pacifica, considerando a extensão e divergências do referido assunto. Verifica-se, portanto, a necessidade de um aprimoramento da tese e até mesmo a possibilidade de alteração jurisprudencial, visando resguardar-se de uma possível insegurança jurídica, facultada a utilização dos argumentos que modestamente foram abordados no presente trabalho.

 

4. REFERÊNCIAS.

 

ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica: Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

 

ASSIS, Araken de. Eficácia da Coisa Julgada Inconstitucional. Disponível em: <http://www.amdjus.com.br/doutrina/civil/170.htm>. Acesso em: 24 de outubro de 2014.

 

BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília: Congresso Nacional, 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm>. Acesso em: 11/02/2019.

 

____. ____. Brasília: Congresso Nacional, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 11/02/2019.

 

____. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 11/02/2019.

 

____. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Brasília: Congresso Nacional, 1942. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 11/02/2019.

 

____. Supremo Tribunal Federal – A. RE 594.350. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28594350.NUME.+OU+594350.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/nxwlac8>. Acesso em: 11 de fevereiro de 2019.

 

____. Supremo Tribunal Federal – B. ADI 2418. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12036655>. Acesso em: 11 de fevereiro de 2019.

 

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[1] Art. 502.  Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

[2] Art. 966.  A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;

III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV - ofender a coisa julgada;

V - violar manifestamente norma jurídica;

VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;

VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

 

[3] Art. 502.  Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

[4] Art. 109. A alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não altera a legitimidade das partes. [...] § 3º Estendem-se os seus efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou ao cessionário.

[5] Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.

Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.

[6] Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

 

Sobre o autor
Rafael Schreiber

Procurador do Município de Joinville (SC), MBA em Direito da Economia e da Empresa, Especialista em Direito Público pela LFG, formado em Direito pela FURB com habilitação em Direito Internacional. Presidente da Associação dos Procuradores do Município de Joinville - APROJOI.

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