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O pacote anticrime para atacar o seio do crime organizado e da criminalidade crescente

INTRODUÇÃO

Recentemente foi amplamente propalado pela imprensa à apresentação de um pacote anticrime para atacar o seio do crime organizado e da criminalidade crescente pelo atual Ministro da Justiça, Sérgio Fernando Moro. Afinal, sabe-se que ao longo dos anos o Brasil tem enfrentado uma crise no sistema de segurança pública, onde, normalmente, o legislador, através de um direito penal de emergência, busca, apenas, alterar o quantitativo das penas – muito pouco se alterando no âmbito do direito processual penal e do efetivo cumprimento de pena.

Destarte, o pacote trouxe elogios de uma ala jurídica e crítica da outra ala.

Fato que ninguém pode ignorar é que a criminalidade avançou nas últimas décadas e que os desdobramentos da Operação Lava-Jato entre outras revelaram a necessidade do enfrentamento da criminalidade organizada e de lavagem de capitais de forma mais eficiente.

Dividiremos didaticamente os pontos mais altercados no meio jurídico:


Legítima defesa do policial em atividade

Tem-se falado muito que o pacote anticrime seria uma carta branca para a polícia matar.

Isso é uma grande falácia, transvertida de uma linguagem ideológica garantista e laxista amplamente propalada no Brasil nos últimos anos. A criminalidade nunca foi tão atrevida e enfrentou o Estado-polícia como a criminalidade contemporânea.

Nada melhor após um ambiente político de mais de 1 (uma) década por ideologia da bandiolatria se dar um tratamento mais rigoroso e inédito ao crime.

Ademais, fazendo uma breve análise das modificações propostas no art. 25 do Código Penal, percebe-se que o pacote traz apenas para o texto da lei a realidade já enfrentada pelas forças de segurança pública. Muitos críticos só observam a aplicação do aludido dispositivo aos casos das favelas cariocas, todavia, esquecem das ações de “novo cangaço”, onde bandidos sitiam pequenas cidades do interior fazendo corredores humanos como forma de proteção contra investidas policiais; as últimas ações de roubo a banco nas cidades do interior de São Paulo, onde bandidos com armamentos de guerra, impediram qualquer tipo de reação da forças policiais[1].


Prisão após julgamento em decisão de 2ª instância (execução provisória de pena)

Talvez aqui resida a maior polêmica de todas.

Em que pese à posição atual da jurisprudência dos Tribunais Superiores, sobre a prisão após julgamento em decisão de 2ª instância, indagamos: se uma Lei Federal teria condão de sobrepor à Constituição Federal?

Sublinhamos inicialmente nesse ponto que, não somos a favor da impunidade e somos sabedores da necessidade de aprimoramento da legislação e do texto constitucional.

Com isso, apesar de concordamos que na verdade é a Constituição Federal deveria ser alterada quanto à prisão após julgamento em 2ª instância para aí se imprimir a interpretação atual dos Tribunais Superiores, a Lei Federal em nossa análise não teria força jamais de prevalecer sob a Constituição pela pirâmide de Hans Kelsen.

Não bastasse isto, ainda visualizamos outro empecilho de ordem legal: o Pacto de São José da Costa Rica, onde permite ao acusado no processo penal a possibilidade de recorrer de decisão e isso tem um reflexo no trânsito em julgado, porquanto não preclusa as vias recursais não há que se falar em transito em julgado. Legislação em sentido oposto como a que contempla o Pacote Anticrime, sem “denunciar o pacto” e deixar a República Federativa do Brasil de ser signatária do Pacto, transforma a medida legislativa (em hipótese de prosperar) no mínimo em inconvencional – acaso se supere a alteração constitucional formalmente falando por meio de Emenda.


Regime fechado para crimes no cumprimento de pena, ou regime fechado para quem integrar organização criminosa ou associação criminosa

O Projeto de Lei estabelece o regime fechado para crimes no cumprimento de pena, ou regime fechado para quem integrar organização criminosa ou associação criminosa.

Não podemos olvidar que, o Supremo Tribunal Federal quando do julgamento dos crimes hediondos entendeu ser inconstitucional lei que vede abstratamente o regime integralmente fechado.

Será que esse mesmo raciocínio não será aplicado neste Projeto de Lei, caso na instância legislativa, seja exitoso? Como resposta, apenas o tempo irá nos dizer[2].

Entendemos ainda que o projeto de lei é claro ao afirmar que tal medida só seria possível se no decorrer do cumprimento da pena fica evidenciado que o suspeito mantém o vínculo associativo.

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Neste caso, de se comprovar que o suspeito preso ainda permanece com o vínculo associativo, o mais correto seria, a nosso ver, a instauração de novo procedimento e, com a eventual condenação, o quantitativo da nova pena fixada serviria de parâmetro para a obtenção de progressão de pena e outros benefícios.


Criminalizar caixa dois e lavagem de capital na esfera eleitoral

As propostas do Pacote Anticrime criminalizam o caixa dois e lavagem de capital na esfera eleitoral.

Isso é visto de forma positiva, por se procurar combater uma prática que fomenta o círculo vicioso da corrupção e de práticas espúrias entre o empresariado e os políticos, embora entendemos que na atual conjuntura, nosso ordenamento já permitiria a responsabilização criminal frente ao caixa dois e lavagem de capital.

A nossa preocupação na verdade, é que o pacote nesse ponto, seja um “atestado” para o Poder Judiciário de que eventuais condenações realizadas anteriormente a sua vigência, sejam revistas, pois isso implicaria em reconhecer numa prognose de que não existia lei antes que contemplassem essas condutas como crimes – lembrando de que não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena.

Aliás, esse viés já estava previsto entre “As 10 Medidas Contra à Corrupção”, que foram elencadas da seguinte forma:

Dentre essas medidas visualizadas (dentre as 10 medidas contra à corrupção) data máxima vênia, se infere omissões de detalhes importantíssimos, tais como:


Medidas para aumentar a efetividade do Tribunal do Júri:

Outro ponto a ser destacado acerca do Pacote Anticrime se trata justamente da efetividade do Tribunal do Júri.

Sabe-se que por força constitucional (art. 5º, inc. XXXVIII, alínea “d”) o tribunal do júri tem competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. O Brasil enfrenta uma enorme onda de homicídios – cerca de 60 mil homicídios por ano[i]. E, na análise de muitos estudiosos um dos problemas é a vagarosidade no julgamento de tais crimes, bem como a falta de recursos das polícias judiciárias.

Com as modificações o legislador permite dar maior celeridade aos procedimentos do tribunal do júri, porém, olvida da necessidade de investir nas Polícias Judiciárias – órgão responsável pela grande maioria dos crimes de homicídios ocorridos no país.

Medidas  para  introduzir  soluções  negociadas  no  Código  de  Processo

Penal e na Lei de Improbidade:

Medidas  para  introduzir  soluções  negociadas  no  Código  de  Processo

Penal e na Lei de Improbidade:

Medidas  para  introduzir  soluções  negociadas  no  Código  de  Processo

Penal e na Lei de Improbidade:

Medidas  para  introduzir  soluções  negociadas  no  Código  de  Processo

Penal e na Lei de Improbidade:

Medidas  para  introduzir  soluções  negociadas  no  Código  de  Processo

Penal e na Lei de Improbidade:


Medidas para introduzir soluções negociadas no Código de Processo Penal e na Lei de improbidade – “plea bargain à brasileira”[ii]:

O sistema de soluções negociadas (plea bargain) de pronto, já é amplamente utilizado no direito norte americano e, através da Projeto Anticrime, tenta-se introduzi-lo ao direito brasileiro.

Tal

No Brasil, ao contrário do direito norte americano, o instituto sofreria limitações, isto é, não poderia ser amplamente aplicado a todo e qualquer crime. Por exemplo, não seria cabível negociações nos crimes praticados com violência ou grave ameaça e nos crimes com pena máxima inferior a quatro anos[3]. Aliás, com exceção dos crimes de menor potencial ofensivo, temos dúvidas se poderia ser aplicado a outros crimes de média ou grave potencialidade, pois a liberdade como direito indisponível, em que pese lá nos crimes de menor potencial ofensivo, se superaram essas discussões.

A doutrina costuma ainda traçar as vantagens e desvantagens da plea bargain, seriam vantagens[iv]: “Eliminação de julgamentos; Tramitação rápida (Julgamentos levam dias, semanas ou mesmo meses, enquanto a negociação e fechamento do contrato de plea bargain podem ser resolvidos em minutos ou horas); Economia de recursos (evita os custosos julgamentos); Mais sucesso com menos trabalho; Esvaziamento das prisões; Bom negócio para réus culpados; Caso encerrado. Por outro lado, seriam desvantagens[v]: Enorme risco para inocentes; Custo da inocência (não é raro que réus inocentes aceitem fazer o acordo por medo); Blefe da Promotoria; Coerção e “tortura” (a experiência dos EUA mostra que a coerção existe — sempre existiu e existirá — na negociação do plea bargain); Favorecimento a ricos (réus endinheirados, acusados de crimes de fraude ou corrupção, contrata um advogado especializado em contencioso, incluindo negociação).


Matérias do pacote anticrime idênticas às matérias versadas no Novo Código de Processo Penal

Podemos constatar pela proposição legislativa do governo encaminhada ao Congresso Nacional, que partes das matérias do pacote anticrime são idênticas às matérias versadas no Novo Código de Processo Penal.

Tanto é assim, que pensamos naturalmente que no curso das discussões legislativas, haverá o apensamento de ambos os projetos para tramitarem conjuntamente.


DA CONCLUSÃO

Por fim, o projeto intitulado de Pacote Anticrime, apesar de repleto de boas intenções, apresenta com todo respeito problemas que precisam ser corrigidos, sob pena de incorrer em inconstitucionalidades e ineficácia ao combate e repressão ao crime de colarinho branco e das organizações criminosas.

Ademais, como sugestões para o aprimoramento do “Pacote Anticrime” entendemos que:


Notas

[1] Mudanças referentes a legítima defesa: Art. 25 (...) Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa: I – o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e, II – o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes;

[2] Mudança na Lei nº. 12.850/2013: Art. 2º (...) §9º O condenado por integrar organização criminosa ou por crime praticado através de organização ou associação criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo.

[3] “Art.  28-A.    Não  sendo  o  caso  de  arquivamento  e  tendo  o  investigado  confessado circunstanciadamente a prática de infração penal, sem violência ou grave ameaça, e com pena máxima inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições, ajustadas cumulativa ou alternativamente:

[i] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/06/05/com-625-mil-homicidios-brasil-bate-recorde-de-mortes-violentas.htm

[ii] Que é o “plea bargain” ou “plea bargaining”? É o modelo de Justiça criminal consensuada ou negociada que se desenvolveu na tradição do sistema jurídico anglo-americano. Chama-se “plea bargain” ou “plea bargaining” ou, ainda, “plea bargain agreement”, porque permite e incentiva o acordo, a negociação, entre o acusado de um crime e o Ministério Público (promotor ou procurador). No Brasil, por força de uma decisão do STF (em 2018), o acordo também pode ser feito com o Delegado de Polícia, sem a presença do Ministério Público. No sistema americano o réu (defendant), necessariamente sob a orientação de advogado(a), admitindo a existência de provas mínimas sobre sua culpabilidade (responsabilidade), aceita fazer a negociação (o “agreement”); confessa sua participação no crime (“pleading guilty”) com o propósito de alcançar algum tipo de benefício penal, como redução da pena, perdão judicial, regime mais favorável de cumprimento da pena etc. (ver G. Brindeiro, Estadão 9/2/16). Em suma, “plea bargain” é a possibilidade de negociação no campo criminal que tem por objeto recíprocas concessões a partir da confissão do acusado (“guilty plea”). Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/01/18/moro-sugere-plea-bargain-no-brasil-que-e-isso-e-possivel-seria-uma-revolucao/

[iii]Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-15/funcionamento-vantagens-desvantagens-plea-bargain-eua

[iv]Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-15/funcionamento-vantagens-desvantagens-plea-bargain-eua

[v]Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-15/funcionamento-vantagens-desvantagens-plea-bargain-eua

Sobre os autores
Marcel Gomes de Oliveira

Delegado de Polícia no Estado do Mato Grosso, atualmente lotado na Coordenadoria de Plantão Metropolitano. Formado pelo Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE. Foi Advogado e consultor jurídico. Especialista em Direito do Estado. Especialista em Metodologia do Ensino Superior. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Direito Processual Penal. Foi professor de Criminologia, Ética, Direitos Humanos e Cidadania do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado da Bahia. Atuou também como professor de Direito Penal, Legislação Penal Especial e Medicina Legal das Faculdades 2 de Julho. E, como professor de Direito Penal e Direito Processual Penal do Centro Universitário da Bahia (Estácio de Sá). Atualmente é professor de cursos preparatórios para concursos públicos e professor da Academia de Polícia Judiciária Civil do Estado do Mato Grosso - ACADEPOL/MT.

Joaquim Leitão Júnior

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Mentor da KDJ Mentoria para Concursos Públicos. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Palestrante. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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