A reforma previdenciária trará discussões no Judiciário.
Os funcionários públicos provavelmente dirão nos tribunais que fizeram concurso para carreiras que contavam com um regime de aposentadoria que foi alterado depois.
A reforma prevê aumento de idade mínima para aposentadoria dos servidores que ingressaram após 2003 e alta de alíquota de contribuição, que vai convergir com a dos trabalhadores do setor privado.
Há a possibilidade de uma corrida para a prestação de serviços em formato de pessoa jurídica entre as faixas mais altas de remuneração, afirma Jorge Boucinhas, professor da FGV, consoante se lê no site da Folha, em 21 de fevereiro do corrente ano.
O desconto na fonte de salários mais altos é de 11% pela regra atual, mas vai subir de maneira progressiva. “É um incentivo para que se busquem outras relações de trabalho, o que representa um risco jurídico para as empresas.”
Servidores públicos terão idade mínima de aposentadoria igualada à dos trabalhadores do setor privado: 62 para mulheres e 65 para homens. O tempo de contribuição mínimo, no entanto, será de 25 anos, sendo necessário 10 anos no serviço público, e 5 no cargo. O valor do benefício será calculado da mesma forma do que dos segurados do INSS.
Para servidores que ingressaram até 31 de dezembro de 2003, a integralidade (se aposentar com o mesmo salário da ativa) da aposentadoria será mantida para quem se aposentar aos 65 anos (homens) ou 62 (mulheres). No caso de professores, a idade será de 60 anos. Para quem ingressou após 2003, o critério para o cálculo do benefício é igual ao do INSS.
O governo fez ajustes de última hora no texto e elevou para 61 anos a idade mínima inicial de aposentadoria para os homens do setor privado (INSS). Na semana passada, técnicos da equipe econômica informaram que a transição para trabalhadores da iniciativa privada partiria de 60 anos, mas os números foram recalculados pela equipe. No caso das mulheres, ficou mantida a idade inicial de 56 anos. Essas idades começarão a subir seis meses a cada ano, a partir da aprovação da reforma, até chegar em 65 anos (homem) e 62 anos (mulher).
Para os servidores públicos, que pagam hoje 11% independentemente do valor de seu vencimento, a contribuição previdenciária pode chegar a 22%, no caso dos salários que superam os R$ 39 mil mensais. Pagarão consideravelmente mais os servidores do topo da pirâmide do funcionalismo: carreiras de Estado como as da Receita Federal, do Tesouro Nacional e do Banco Central; procuradores, defensores e juízes; quadro de pessoal da Câmara e do Senado.
A proposta de reforma da Previdência prevê uma regra de transição para quem está a dois anos de cumprir o tempo de contribuição mínimo para aposentadorias - 30 anos, se mulher, e 35 anos, se homem.
Essas pessoas poderão optar pela aposentadoria sem a exigência de idade mínima, como é atualmente.
Mas terão que arcar com um "pedágio" de 50% sobre o tempo que falta para se aposentar.
Por exemplo: uma mulher com 29 de contribuição poderá se aposentar pelo fator previdenciário se contribuir por mais um ano e meio.
O tópico com mais desvantagens está na previsão da integralidade — receber como aposentado 100% do último salário como ativo. O direito só será concedido ao se aposentar aos 62 anos, no caso das mulheres, e 65 anos, para homens.
"O projeto exclui as regras transitórias previstas na reforma de 2003 e nas alterações previstas em 2005. Como o somatório de idade e tempo já começa a crescer ano que vem (caso seja aprovada), quem está chegando na casa dos 50 anos vai acabar tendo de ficar até a idade mínima de 62 anos, para mulheres, e 65 anos, para homens", disse o advogado Fabio Zambitte, especialista em direito previdenciário.
O trabalhador precisará contribuir 40 anos para aposentar-se com 100% da média do salário de contribuição. A nova fórmula de cálculo do benefício substituirá o fator previdenciário, usado atualmente no cálculo das aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
As medidas deverão vir com projetos de emenda constitucional e modificação da legislação previdenciária ordinária e, para tanto, devem depender de análise no Congresso Nacional. A implementação de um outro sistema, diverso da que existe, que é o da capitalização, deverá vir por lei complementar.
A expectativa de direito consiste em um direito que se encontra na iminência de ocorrer, mas que não produz os efeitos do direito adquirido, pois não foram cumpridos todos os requisitos exigidos por lei. A pessoa tem apenas uma expectativa de que ocorra. Nesses casos as novas regras podem incidir.
Deve ser respeitado o direito adquirido. Ex.: o servidor completou o tempo necessário para aposentadoria, mas, por motivos diversos, não ingressou com o pedido. Se forem alteradas as regras de aposentação, o servidor tem o direito adquirido de aposentar-se de acordo com as regras vigentes ao tempo da implementação de todos os requisitos. As novas regras não podem incidir.
Há, portanto, absoluta irretroatividade nas novas regras de aposentadoria com relação àqueles que já adquiriram o direito de se aposentar ou que implementaram as condições mas não se aposentaram.
A alteração pura e simples de normas de transição em vigência que já determinam ao servidor direitos, cumprida a condição, fere um direito expectativo.
Estar-se-ia diante de um direito adquirido condicionado. Fica o direito subordinado a termo suspensivo reputando-se perfeito.
Lembra-se a lição já externada por Reynaldo Porchat (Da Retroatividade das Leis Civis, 1909, pág. 31), quando concluiu:
"O direito adquirido condicionado tem todos os elementos de um direito adquirido e já se concretizou em utilidade para o indivíduo, dependendo apenas da realização de uma condição ou de um termo para que possa ser exigido. Por isso, no direito condicionado o adimplemento da condição, mesmo que se verifique sob o domínio de uma lei nova, tem efeito retroativo, de modo que o direito se considera como real e efetivo desde o momento em que nasceu sob condição. Como diz Savigny, a diferença está nisso: na expectativa o êxito depende inteiramente do mero arbítrio de uma outra pessoa ao passo que na conditio e nos dies não tem lugar este arbítrio."
Eugène Gaudemet (Theorie Génerale des Obligations, Paris 1965) ponderou que o direito suspensivo (dies a quo) retarda a exigibilidade do crédito, mas não retarda o seu nascimento. O credor a termo não pode agir, mas seu direito já existe, diversamente da condição que age sobre a própria existência do direito.
Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, tomo V, pág. 89), ao distinguir os efeitos retroativos da lei (retroatividade de Direito Intertemporal) e efeitos retroativos do ato jurídico (retroatividade de Direito substancial), ressaltou:
"A propósito da condição, adquiriu-se o direito expectativo e a lei que atingisse o direito expectado, direito que ainda não foi adquirido(no sentido estrito), ofenderia o direito expectativo. Todo o direito expectativo é direito que expecta, que está a exspectare, que vê de fora, que contempla. A técnica e a terminologia jurídica tiverem que distinguir a expectativa, que é simples atitude no mundo fático e o direito expectativo, que é como direito ao direito que vai vir."
Nessa linha de ideias, a Lei 3.238, de 1º agosto de 1957, determinou que os direitos subordinados à condição suspensiva consideram-se adquiridos antes do implemento da condição. Portanto é aplicável a vigente ao tempo em que o ato “subcondicione” se efetivou e não o vigente à época em que se verificou a ocorrência do ato ou fato condicional.
Assim, o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.
Por outro lado, os que se aposentaram por invalidez deverão ser submetidos a novos exames periciais podendo lhes ser aplicada a readaptação caso estejam aptos ao exercício de outra profissão que se acomode às suas aptidões físicas.
Existe um consenso de que mais importante é que exista uma Previdência Social que seja sustentável e autofinanciável, que todos os trabalhadores tenham a garantia de que a aposentadoria será paga e cumprida e que o Estado será solvente para cumprir as suas obrigações.
A matéria é extremamente explosiva sob o ponto de vista social, mas deve ser tratada com a devida prudência, cautela, a bem dos interesses do país e de todos. Há argumentos razoáveis que devem ser objeto de discussão.
Há, na matéria um direito adquirido?
O agente público federal não tem direito adquirido a não alteração desse regime jurídico de alíquota. Há para o caso a aplicação de Savigny, não podendo-se falar em aquisição de direito. Trata-se de alteração no regime jurídico previdenciário do servidor público federal. Há uma norma sobre existência de direito.
O que se pode discutir é se essa nova alíquota, que pode chegar a 22%, se constitui um gravame injusto ao servidor, de forma a ser afrontosa ao princípio da razoabilidade e a proibição do excesso.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que “a expressão regime jurídico administrativo é reservada tão-somente para abranger o conjunto de traços, de conotações que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa. Basicamente pode-se dizer que o regime administrativo resume-se a duas palavras apenas: prerrogativas e sujeições”(Direito Administrativo, 19ª edição, 2006, pág. 64).
Marçal Justen Filho tem a seguinte definição: “o regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho de atividades e de organizações de interesse coletivo, vinculadas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentais, caracterizado pela ausência de disponibilidade e pela vinculação à satisfação de determinados fins”(Curso de Direito Administrativo, 2005, pág. 48).
Aplica-se o princípio da supremacia do interesse público.
Não se pode falar em direito adquirido a regime jurídico. Veja-se, para tanto, dentre diversos julgamentos, o Recurso Extraordinário 653.736 – DF, Relator Ministro Luiz Fux, onde se ratifica que não há falar em direito adquirido a regime jurídico, desde que observada a proteção constitucional à irredutibilidade de vencimentos.
Para Savigny(Traité de droit romain, Paris, tomo VIII, 1851, pág. 363 e seguintes), leis relativas à aquisição e á perda dos direitos eram consideradas as regras concernentes ao vinculo que liga um direito a um indivíduo, ou a transformação de uma instituição de direito abstrata em uma relação de direito concreto.
Por sua vez, as leis relativas à existência, ou modo de existência dos direitos eram definidas por Savigny como aquelas leis que têm por objeto o reconhecimento de uma instituição em geral ou seu reconhecimento sob tal ou tal forma.
Pontes de Miranda(Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 1971, volume V, pág. 51), na mesma linha de Reynaldo Porchat(Da retroatividade das leis civis, 1909, pág. 59 e seguintes), assim disse:
¨Partiu ele da afirmação da equivalência das duas fórmulas, a que corresponde ao critério objetivo(as leis novas não têm efeito retroativo) e a que corresponde ao critério subjetivo(as leis novas não devem atingir os direitos adquiridos) e assentar que somente a certas categorias de regras – as relativas a aquisição de direitos, à vida deles, escapam à duas expressões da mesma norma de direito intertemporal. E.g, a lei que decide se a tradição é necessária para a transferência da propriedade, ou se o não é, pertence àquela espécie; bem assim, a que exige às doações entre vivos certas formalidades, ou que as dispensa. De ordinário, na regra de aquisição está implícita a de perda. A não retroatividade é de mister em tais casos, quer as consequências sejam anteriores, quer posteriores ao novo estatuto.¨.
Não tem o servidor público, no decurso temporal previdenciário em que está ajustado a um regime jurídico, que poderá ser, dessa forma, modificado.
Outra discussão dirá respeito às chamadas normas que falam em prescrição.
Câmara Leal (Da prescrição e da decadência) disse:
“Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição, essa começará a correr da data da nova lei, salvo se a prescrição iniciada na vigência da lei antiga, viesse a completar-se em menos tempo, segundo essa lei, que, nesse caso, continuaria a regê-la, relativamente ao prazo”.