I) INTRODUÇÃO
Não tendo sido tipificado na forma culposa, como aconteceu em outros ordenamentos, a consumação da conduta do lavador, na legislação brasileira, aceita dolo direto e eventual do agente.
O dolo, conforme dita a teoria finalista da ação, adotada no Código Penal brasileiro, é elemento subjetivo do tipo. Dolo é a vontade de concretizar as características objetivas do tipo (JESUS, 2015, p. 327).
Para existir, este pressupõe a consciência da conduta, do resultado, da relação causal objetiva entre a conduta e o resultado e a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado (JESUS, 2015, p. 329).
No dolo direto, o sujeito objetiva um resultado certo e determinado, ao passo que no dolo indireto, ou eventual, o resultado é indeterminado, mas o sujeito admite e assume o risco de produzi-lo. No último caso, ele antevê o resultado e age, percebendo que é possível causar o resultado, realizando o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, ele opta por não evitar aquela (JESUS, 2015, 331).
A) Dolo direto
O agente, no dolo direto, não precisa ter ciência de todas as minúcias do ilícito antecedente, mas o conhecimento de que sua conduta encontra-se “na esfera do profano”. Isto é, que seus atos guardem relação com evento passível de ser identificado por um cidadão comum como um ilícito penal (PRADO, 2013, p. 277).
Pelos ensinamentos de Rodrigo Leite Prado (2013, p. 278):
Afirma-se que o dolo do lavador prescinde da ciência de dados concretos sobre o fato subjacente, tais como suas circunstâncias de tempo, local e modo de execução, seus autores, coautores e partícipes, os instrumentos utilizados ou seu nomen juris. Tampouco é importante o conhecimento sobre a culpabilidade dos sujeitos ativos ou a sua punibilidade.
Na Lei de Lavagem de Capitais, especialmente no caput do Art. 1º, é tipificado o mero proceder de quem “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.
De maneira um pouco diferente, o § 1º da mesma Lei estabelece algumas condições para a tipificação:
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
I – os converte em ativos lícitos;
II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
No caso supracitado, só terá conduta penalmente relevante quem “converte em ativos lícitos”, “adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere”, ou “importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros”, com um especial fim de agir de ocultar ou dissimular a utilização dos ativos (PRADO, 2013, p. 280)
Por fim, no § 2º da mesma Lei, sobretudo no inciso II, vislumbra-se o elemento cognitivo, ou intelectivo, do dolo, onde é evidenciado que o sujeito precisa da consciência da execução do evento (TAVARES, 2010):
§ 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem:
[...]
II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
Observa-se que a consciência e vontade de realizar o tipo objetivo, na legislação brasileira, em contraponto à alemã e espanhola, compõem o elemento único da infração penal de lavagem de capitais, o dolo, portanto inadmissível a consumação do delito a forma culposa (LIMA, 2016, 317).
B) Dolo eventual
O dolo eventual resta consubstanciado no Código Penal, especialmente no Art. 18, I, parte final – ou seja, quando o agente assume o risco de produzir o resultado.
É tendência da doutrina a aceitação da tese de dolo eventual para o delito de lavagem de capitais, como bem elucida Rodrigo Sánchez Rios (2010, p. 183-184):
Quanto à modalidade de dolo eventual, identificam-se na doutrina pátria posicionamentos contrários à sua aceitação. Entretanto, tem-se a impressão de que essa divergência encontra raízes na manutenção de um protótipo da dogmática tradicional válida para os delitos comuns ou ‘visíveis’, em que se comprova a realização de um resultado modificador do mundo exterior. Nessas figuras típicas (das quais são exemplos: homicídio, lesões corporais etc.), no âmbito da imputação subjetiva, verifica-se o predomínio do elemento volitivo. Em compensação, o modelo da teoria da imputação é de um delito invisível, não caracterizado por manifestações sensorialmente perceptíveis situadas na realização da ação. Nessa perspectiva, evidencia-se uma tendência de normativização da dogmática do dolo com a consequente redução do papel do elemento volitivo. O delito de lavagem, acolhido nas modernas formas de delinquência, adere ao vigente modelo de imputação. Destarte, a ausência de aceitação da modalidade de dolo eventual nessa figura típica não resistiria a um aggiornamento[1] da dogmática penal.
Suplementarmente à argumentação trazida, existem outros fundamentos para aceitação de dolo eventual, como o de cunho lógico, sustentado pela inexistência de elemento indicativo de dolo no caput do Art. 1º da Lei nº. 9.613/98, o que, por tal razão, aceitaria dolo na modalidade direta e eventual. Além disso, argumenta-se em função da direção teleológica da referida Lei, que objetivou, em consonância ao momento internacional, o combate à lavagem terceirizada, isto é, sujeitos e grupos profissionalizados no delito de lavagem, que dificilmente têm notícia sobre a origem do objeto material ilícito (PRADO, 2013, p. 284).
Outro indício de que o legislador optou pela aceitação da figura do dolo eventual no delito é a supressão das palavras “que sabe” do Art. 1º, § 2º, I, da Lei de Lavagem de Dinheiro. A esclarecer, antes só incorreria na mesma pena pelo crime aquele que soubesse (dolo direto) da proveniência dos bens que utiliza na sua atividade econômica e financeira. Hoje, por outro lado, dispensa-se saber da origem dos bens, portanto flagrante a aceitação de dolo eventual, com a previsão de resultado possível e assunção do risco de produzi-lo (BITENCOURT, 2013, p. 362; CALLEGARI e WEBER, 2017, p. 183).
Ao encerrar do tópico, outra justificativa a ser pincelada para o cabimento de dolo eventual está no direito comparado, considerando que, pela contagem de Rodrigo Leite Prado (2013, p. 284-288), até 36 países adotam a possibilidade, seja na lei, na doutrina ou na jurisprudência.
[1] Significa atualização, em italiano.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17ª Edição. São Paulo Saraiva, 2012.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 19ª Edição. São Paulo Saraiva, 2013.
CALLEGARI, André Callegari, WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2017.
CALLEGARI, André Luís; WEBER, Ariel Brazzeti. Lavagem de dinheiro. 1ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.
CARLI, Carla de; DE MENDONÇA, Andrey Borges de; PRADO, Rodrigo Leite; WELTER, Antônio Carlos, et al. Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. 2ª Edição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.
JESUS, Damásio de. DIREITO PENAL: Parte Geral. 36ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2015.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 2ª Edição. Salvador: JusPODIVM, 2014.
RIOS, Rodrigo Sánchez. Advocacia e lavagem de dinheiro. São Paulo Saraiva, 2010.
SCHAUN, Guilherme Bueno da Silva, Lavagem de capitais : soluções à imputação de responsabilidade criminal ao advogado pelo recebimento de honorários maculados, Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Pelotas, 2018.
TAVARES, Ana Maria Gautério. Os elementos subjetivos do tipo e os limites fronteiriços entre o dolo eventual e a culpa consciente. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 83, dez 2010. Disponível em: <http://www.ambito-jurídico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8832&g.... Acesso em 15 ago. 2018.