INTRODUÇÃO
A Lei n. 13.467/2017, batizada de Reforma Trabalhista, inovou no ordenamento jurídico trabalhista ao tratar do dano extrapatrimonial[1], incluindo os artigos 223-A a 223-G na CLT.
A nova lei gerou bastante polêmica em diversos aspectos, cabendo destaque à previsão da titularidade exclusiva do direito à indenização pela pessoa natural ou ficta lesada (artigo 223-B), à limitação das hipóteses dos bens imateriais juridicamente tutelados (artigos 223-C e 223-D) e, sobretudo, à tarifação do valor da indenização (artigo 223-G).
Quanto a este último aspecto, além de estabelecer critérios subjetivos para a fixação da indenização por danos morais – a saber: a natureza do bem jurídico tutelado; a intensidade do sofrimento ou da humilhação; a possibilidade de superação física ou psicológica; os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; o grau de dolo ou culpa; a ocorrência de retratação espontânea; o esforço efetivo para minimizar a ofensa; o perdão, tácito ou expresso; a situação social e econômica das partes envolvidas; o grau de publicidade da ofensa -, a CLT passou a prever limites objetivos para fixação do valor indenizatório.
Com efeito, prevê o § 1º do artigo 223-G que:
§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
Assim, doravante, a indenização por danos morais, na relação de emprego, não pode passar de cinquenta vezes o salário contratual do ofendido, ressalvado o caso de reincidência entre partes idênticas, quando o valor poderá ser elevado até o dobro. Ou seja: a indenização máxima pode chegar a cem vezes o salário contratual do empregado.
Neste breve ensaio, sem se ater às questões relativas à possível inconstitucionalidade de alguns dispositivos da nova lei, mormente no que concerne à tarifação da indenização [2], pretende-se demonstrar que os dispositivos da CLT não se aplicam às hipóteses de indenização por danos morais sofridos pelos familiares, decorrentes da morte de empregado em acidente de trabalho.
A NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO HAVIDA ENTRE OS DEPENDENTES DO EMPREGADO E A EMPRESA
Desde longa data entende-se possível a indenização aos familiares da vítima fatal de acidente de trabalho, em razão dos prejuízos materiais (lucros cessantes decorrentes da perda da renda familiar) e morais (sofrimento psicológico causado pela perda do ente querido), a que a doutrina e a jurisprudência passaram a chamar de danos em ricochete.
Embora os possíveis danos advindos com a morte do emprego sejam decorrentes da relação de emprego, não há como considerar que a relação entre familiares e o empregador seja submetida à CLT, pois se trata de uma relação de natureza eminentemente civil.
Não se olvida que para aferir a responsabilidade do empregador deva o Juiz do Trabalho observar o cumprimento das normas relativas à saúde e segurança do trabalho, previstas na CLT e outras normas de caráter trabalhista.
Todavia, o que se deve observar é que o fundamento que possibilita a indenização aos familiares do empregado falecido não está amparado na legislação trabalhista, mas sim na legislação civil, notadamente os artigos 186, 187 e 927 e seguintes do Código Civil.
Vale dizer: o empregador deverá indenizar os familiares porque a morte do empregado causa-lhes sofrimento moral, cujo fundamento legal está nos artigos 186 e 927 do CC. Ainda que o ilícito seja trabalhista, o fundamento da indenização é a lei civil.
Lembre-se que muitos ilícitos que causam danos são atos típicos previstos na lei penal e nem por isso a legislação a ser aplicada à indenização é a penal.
Cite-se como exemplo a hipótese de homicídio (previsto no artigo 121 do Código Penal). Nesse caso hipotético, é fora de dúvidas que os familiares poderão pleitear a reparação com base no Código Civil (artigo 948).
De outro lado, não cabe a alegação de que o Código Penal não prevê a responsabilidade civil, ao passo que a CLT prevê. Isso porque o texto da CLT é silente quanto à hipótese de morte do empregado e indenização aos seus familiares. E mais: além do silêncio da CLT, os dispositivos dos artigos 223-A a 223-G da CLT são incompatíveis com a hipótese que se versa, como se verá adiante.
O ARTIGO 223-C DA CLT NÃO PREVÊ O DIREITO À VIDA
O artigo 223-C enumera os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa natural:
A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.
Perceba-se que a vida não está incluída dentre os bens juridicamente tutelados.
Nem mesmo na redação dada pela MP 808/2017, com vigência já encerrada, o dispositivo previa o direito à vida.
Não se trata de considerar que o rol do artigo 223-C seja taxativo.
O fundamento hermenêutico para se considerar que um rol é exemplificativo e não taxativo é o de que o legislador não consegue prever todas as situações sociais possíveis.
Assim, o legislador estabelece um rol de situações hipoteticamente mais plausíveis, cabendo ao intérprete, diante dos casos concretos, ajustar a aplicação da lei à situação fática.
Logo, quando o legislador estabelece um rol de direitos, é de se supor que as principais hipóteses foram por ele contempladas.
Neste cenário, considerando que a vida é o principal bem jurídico a ser tutelado, não havia como o legislador, conscientemente, deixar de prever a vida como um dos bens juridicamente tutelados, de modo que o seu silêncio foi eloquente.
Ou seja: o legislador não previu o direito à vida no rol do artigo 223-C da CLT justamente porque, a seu ver, os dispositivos previstos no Título II-A não devem ser aplicados à hipótese de indenização aos familiares do empregado falecido, por ser de natureza civil.
A IMPOSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO EM DOBRO NO CASO DE MORTE
Como já visto, o valor máximo da indenização por danos morais, previsto na CLT, é de cinquenta salários contratuais do empregado, podendo ser dobrado em caso de reincidência entre partes idênticas (§ 3º do artigo 223-G).
Sem dúvida, no caso de morte a ofensa é gravíssima, sendo que a hipótese, se regulada pela CLT, se enquadraria no inciso IV do § 1º do artigo 223-G da CLT, sendo o limite de indenização devida aos familiares do empregado o valor correspondente a cinquenta salários contratuais.
Todavia, considerando a redação do § 3º (Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização), é evidente que este dispositivo não seria aplicável à indenização em caso de morte.
Isso porque, à obviedade, é impossível a reincidência da hipótese entre partes idênticas, pois uma pessoa só morre uma vez.
Logo, o § 3º acima referido reforça a tese acima levantada, pois não seria lógico que outras infrações gravíssimas pudessem ser dobradas em caso de reincidência, podendo a indenização chegar a cem salários contratuais, e a indenização por lesão à vida ficasse limitada a cinquenta salários contratuais.
Os dispositivos da CLT não são compatíveis, pois, com a hipótese de falecimento do empregado.
CONCLUSÃO
As alterações promovidas pela Reforma Trabalhista na CLT, notadamente no Título II-A, devem ficar restritas à relação entre empregado e empregador, não alcançando os familiares do empregado falecido.
Em primeiro lugar, porque a relação existente entre os familiares do empregado e o empregador não é trabalhista, sendo que os danos em ricochete se fundamentam na legislação civil.
Em segundo lugar, porque o direito à vida não está previsto no rol do artigo 223-C da CLT. Não obstante o rol seja exemplificativo, houve um silêncio eloquente do legislador, que preferiu não incluir o direito à vida, justamente para afastar a aplicação dos dispositivos celetistas das indenizações devidas aos familiares em caso de morte do empregado.
Por fim, ao prever a dobra da indenização em caso de reincidência apenas entre as mesmas partes (artigo 223-G, § 3º, da CLT), o legislador deixou evidente que quis deixar para a legislação civil a regulamentação da responsabilidade civil do empregador perante os familiares do empregado falecido, pois não seria razoável e lógico possibilitar indenização maior em caso de ofensa a bens jurídicos menores que a vida, que é, por excelência, o principal bem tutelado pelo Direito.
Portanto, em caso de morte do empregado em acidente do trabalho, a indenização por danos ao patrimônio imaterial dos seus familiares é regulada pelo Código Civil, sendo medida pela extensão do dano (artigo 944 do CC), não se limitando a cinquenta salários mínimos.
[1] Critica-se o termo “dano extrapatrimonial”, tendo em vista que os direitos de personalidade fazem parte do patrimônio do empregado (patrimônio ideal, aliás), sendo equivocada a nomenclatura dano extrapatrimonial. Melhor seria que o legislador fizesse referência a “dano ao patrimônio imaterial”.
[2] Há respeitáveis posicionamentos defendendo a inconstitucionalidade da tarifação da indenização, por dentre outros fundamentos, por ofensa ao princípio da isonomia (por levar em consideração a renda do trabalhador) e por potencial ofensa ao princípio da restituição integral.