Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Juízes saindo do armário: Sergio Moro e o papel da Magistratura no Brasil

Agenda 10/03/2019 às 14:13

Uma perspectiva da mudança de parâmetros dos juízes no Brasil em função dos exemplos da Lava Jato

Não escrevo aqui em tom político, mas com uma preocupação legítima. Cada vez mais os profissionais do direito estão se deparando com situações inusitadas, em que a opinião pessoal de um Juiz tem mais força do que o texto de lei. Não estou falando de situações limítrofes de interpretação, seja legal ou do fato, mas de pura desobediência à norma. Como advogado militante na área cível, de família e sucessões desde 1995 sei situações esporádicas como essa sempre existiram. A diferença é que hoje elas parecem uma tendência natural, um movimento com contornos próprios. Está claro que alguns juízes passaram a assumir um papel de independência, pouco se preocupando como a boa e velha imagem da imparcialidade e da defesa da legalidade.

Isso é coisa relativamente nova, que tem se popularizado especialmente após a ascensão do Juiz Sergio Moro e sua atuação na condução da operação Lava Jato. Não me cabe aqui discutir justiças ou injustiças de suas sentenças, mas apenas ressaltar um fato muito assustador: suas atitudes rompem com a ideia de equidistância do Juiz, não há apego à imparcialidade, tem viés político e colocam o Magistrado como parte ativa dentro do processo Judicial. E, ao final, é premiado com um cargo político. Qual a mensagem que isso passa à sociedade?

O Magistrado Português Manoel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, escreveu interessante artigo no site Opinião, em que via com espanto a ida de um juiz para o governo Brasileiro “depois de ter proferido decisões em processos de tanta relevância e actualidade política”. Sua preocupação não é com o governo Bolsonaro ou a culpabilidade de Lula, mas “com a dano causado na imagem de imparcialidade da justiça e no princípio da separação de poderes”.

Há também o caso da Desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que explicitamente condena certo político a um “paredão profilático”, “embora não valha a bala que o mate”.

Por conta de atitudes como esta, geradas no contexto da extrema polarização política, parece crescer um movimento dentro da Magistratura que rompe com a imagem do Juiz equidistante, para transformá-lo em agente de mudanças políticas.

Não sou pelas teorias da conspiração. Minha intenção é somente mostrar que isso é algo que tem acontecido no cotidiano da advocacia, e que precisa ser encarado de frente. O dia a dia da Magistratura não é feito de Lava Jatos. Muitos juízes estão frustrados com sua rotina, enquanto outros usam qualquer oportunidade para brincar de Sérgio Moro. Aí surgem as brechas que atingem o cidadão comum: pouco interesse nos processos, má aplicação do direito e injustiças flagrantes.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A situação é complexa e há muitos outros pontos que colaboram com esse tipo de atitude. Exemplos: a) os altos salários, que atraem profissionais que buscam remuneração, mas que não necessariamente tenham vocação para a rotina da Magistratura; b) o incrível número de processos judiciais a cargo de cada Juiz; c) o advento dos processos eletrônicos, que criou um escudo para juízes, que não mais dedicam seu tempo para o atendimento de advogados (“Doutor, é processo eletrônico? Então junte a petição que me manifesto nos autos.”) d) o próprio Novo Código de Processo Civil, que apesar de muitos acertos, limitou o número de situações para o agravo de instrumento, dando poder desproporcional aos Magistrados de primeiro grau. E outras mais, não tão óbvias, mas que merecem estudo.

O fato é que a grande maioria dos juízes não age dessa forma. São profissionais ilibados que trabalham duro dentro dos limites do cargo e da ética, e que entendem bem sua função dentro da estrutura da República. Entretanto, sofrem igualmente os enormes prejuízos pela imagem negativa que essa minoria lhes tem imposto.

É preciso que os próprios Tribunais do País tomem consciência disto e promovam discussões francas com a sociedade para encarar o problema da qualidade da prestação jurisdicional. Não é possível fazer isso sem diálogo. O Poder Judiciário deve tomar uma atitude urgente, pois do contrário estará manchando sua reputação e fornecendo munição aos que querem fazê-lo de refém no jogo político. Vamos minimizar o problema assumindo que ele existe, e não varrê-lo para baixo do tapete.

Sobre o autor
Mario Solimene Filho

Advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP - Largo de São Francisco), turma de 1994, com especialização em Direito Privado e Processo Civil. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo, sob o número 136.987. Pós graduado (Pg.Dip.) e Mestre (MMus) pela University of Manchester e Royal Northern College of Music, Reino Unido (2003-2006). Curso de Extensão em Direitos Humanos Internacionais sob supervisão de Laurence Helfer, J.D, Coursera, School of Law, Duke University, EUA (2015). Inscrito como colaborador da entidade Lawyers Without Borders (Advogados Sem Fronteiras) e membro da International Society of Family Law (Sociedade Internacional de Direito de Família). Tomou parte em projetos internacionais pela defesa da cidadania e Direitos Humanos na Inglaterra, Alemanha, Israel e Territórios da Palestina. Fluente em Inglês, Espanhol, Italiano e Alemão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!