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A jornada de trabalho e o ordenamento jurídico brasileiro.

Propostas para um novo modelo de normatização

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4. PROJETOS LEGISLATIVOS DE SOBRE JORNADA 37

4.1 Projeto de emendas constitucional para redução de jornada

Atualmente, estão em tramitação no Congresso Nacional os seguintes Projetos de Emendas Constitucional (PEC) que alteram a jornada semanal. São eles:

Nº PEC

Autor do projeto

Projetos em apenso

Matéria do projeto

Situação atual

555/2002

Dep. Coriolano Sales - PMDB da Bahia

270/2004

Aletração ao inc. XIII do art. 7º da CF, para reduzir a jornada de trabalho para trinta e cinco horas semanais

Está desde 23/03/2004 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

231/95

Dep. Inácio Arruda (co-autores Paulo Paim – PT/RS e outros)

271/95 e 393/2001

Redução da jornada máxima de trabalho para 40 horas semanais e 75% a remuneração do serviço extraordinário.

Está desde 01/04/2004 na mesa diretora dos Deputados.

271/95

Dep. Eduardo Jorge – PT/SP

Altera o art. 7º, inc. XIII da CF, para reduzir a jornada de trabalho, gradativamente, na razão de 1 hora ao ano, facultada a ampliação para 40 horas por semana e oito horas diárias mediante acordo entre empresa e empregados.

Desde 25/03/2004 na mesa diretora da Câmara dos Deputados.

Além destes projetos outros tramitam no Congresso. No entanto, trazem alterações apenas para micro empresas, como é o caso das PEC nº 327/96, 267/95 e 76/95.

4.2 Projetos de lei de alteração da jornada de trabalho prevista na CLT

O principal projeto de lei que tramita atualmente na Comissão de Trabalho e Administração de Serviço Público é o de nº 4653/94, de autoria do Deputado Paulo Paim – PT/RS. Foi apresentado um substitutivo do Deputado Vicente Paulo da Silva (Vicentinho) 38 no dia 30/03/2005 que não sofreu qualquer emenda.

Este projeto é importante, pois estão apensados a ele outros vinte e um projetos apresentados posteriormente. Em síntese, o projeto prevê: redução para 40 horas semanais e 8 horas diárias para os empregados do setor privado; as horas suplementares só poderão ser realizadas mediante acordo ou convenção coletiva, em no máximo 2 horas diárias, e serão remuneradas em no mínimo 100%; determina a compensação semanal das horas, eliminando o banco de horas; o DSR é remunerado em triplo.

Além do projeto acima, também tramita o projeto de lei nº 1242/99, de autoria do deputado Fernando Zuppo do PDT/SP. Ele sugere a alteração dos artigos 59 e 61 da CLT, a fim de proibir o trabalho extraordinário, exceto nos casos de força maior e necessidade imperiosa, que deverão constar de acordo coletivo de trabalho. O projeto está na mesa diretora desde agosto de 1999.


5. A JORNADA DE TRABALHO E O MOVIMENTO SINDICAL

5.1 As Centrais Sindicais

A redução da jornada de trabalho sem redução de salários é atualmente uma das principais reivindicações das Centrais Sindicais 39.

A defesa da redução da jornada está baseada na convicção de que ela gera mais empregos e melhora a qualidade de vida. Pesquisa realizada pelo DIEESE 40 mostra que a redução da jornada para 40 horas semanais e o fim do banco de horas geraria 2,8 milhões de postos de trabalho.

Atualmente, as seis principais Centrais Sindicais do Brasil lançaram uma campanha unificada pela redução da jornada sem redução de salários. As centrais apóiam a PEC 393/2001 em tramitação no Congresso Nacional desde 2001. Pelo projeto, a jornada seria reduzida para 40 horas semanais, a partir de janeiro de 2002, e para 35 horas semanais em janeiro de 2004. Além disso, o projeto prevê a majoração das horas extras para 100% sobre a hora extra realizada nos dias de expedientes normais e 200% nos domingos e feriados 41.

5.2 A redução de jornada e a criação de empregos

O movimento sindical, desde o século XIX, vem conseguindo reduzir gradativamente a jornada de trabalho. A Alemanha, na década de 90, passou a realizar 36 horas semanais e vários países europeus realizam jornadas inferiores às 40 horas semanais 42.

No entanto, vale dizer que, se a redução de jornada não gera efetivamente tantos empregos, ela, por outro lado, ajuda a manter potencialmente diversos outros empregos.

Ninguém mais tem a ilusão de que a sociedade industrial proporcionará o pleno emprego. A sociedade terá que escolher quais os indivíduos que deverão estar no mercado de trabalho, por meio de medidas incentivadoras, como por exemplo, o aumento da idade para ingresso no mercado de trabalho, enfim, mecanismo que delimitem quais as pessoas que farão parte do mercado de trabalho e quais serão sustentadas por ela e pelo Estado.

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A história nos mostra, também, que a redução de jornada nem sempre se traduz em geração de emprego. O professor da Universidade de Brasília, Sadi Dal Rosso, explica esta situação da seguinte forma (DAL ROSSO: 1996):

"Como as empresas guiam-se pelo lucro, a redução da jornada requer ganhos de produtividade compatíveis com o menor tempo de trabalho dos assalariados. Quando esses ganhos de produtividade não foram obtidos de antemão, as empresas precisam aproximar-se aos níveis dos concorrentes. Do contrário ficam sujeitas à problemas. Esta é a razão pela qual, tão logo fazem concessões de diminuição do tempo de trabalho, as empresas buscam ou se reorganizam internamente com novos processos e práticas ou, quando podem, investir em novas máquinas, novos equipamentos que aumentem a produtividade do trabalho".

Isto leva a um processo que Dal Rosso denomina de exaustão, na medida em que o trabalhador, ao ser submetido a uma carga de trabalho maior, busca a sua redução de jornada e na medida que a consegue as suas atividades se acumulam ainda mais. As empresas não contratam, pois ao contratarem tem seus gastos aumentados e a sua capacidade competitiva diminuída. As inovações tecnológicas não amenizam esta situação, por vezes a intensifica.

Segundo o professor, a redução de jornada na França na década de 80 não gerou empregos proporcionalmente à redução da jornada, mas, em compensação, levou a um processo intenso de reorganização dos processos produtivos, investimentos nos equipamentos e instalações.

O desafio para o movimento sindical é este, como reduzir jornada e de fato gerar emprego. Esse objetivo certamente passaria pela interferência sindical nos processos produtivos, ritmo de trabalho, novas tecnologias ou metas de produção.


6. PROPOSTAS PARA JORNADA DE TRABALHO

6.1 A realidade da legislação brasileira

A jornada de trabalho no Brasil é prevista na Constituição Federal. A CF de 1988 prevê: limite de 44 horas semanais; oito horas diárias; pagamento das horas suplementares em no mínimo 50% superior a hora normal.

A legislação infraconstitucional regulamenta a jornada. Nesta arquitetura do ordenamento jurídico, encontram-se: a CLT; outras leis ordinárias; leis especiais para determinadas categorias profissionais; portarias; normas do Ministério do Trabalho e; acordos e convenções coletivas de trabalho.

Não são todos os países que adotam este sistema para normatizar as relações trabalhistas. Temos um sistema profundamente interventor do Estado nas relações laborais. Mas, paradoxalmente, isso não nos leva a termos empregados plenamente protegidos.

Além disso, mais da metade dos trabalhadores estão hoje fora do mercado formal, o que nos leva a concluir que, para estes, as leis trabalhistas não são sequer aplicadas, exceto quando procuram os seus direitos na Justiça.

O modelo intervencionista na relação de trabalho que temos hoje inibe a ação sindical e a negociação coletiva, na medida em que desloca para a legislação todo o potencial de regulamentação do trabalho e relega à Justiça do Trabalho a solução dos conflitos. É necessário alterar as estruturas deste sistema.

6.2 Ampliação da negociação coletiva e da negociação tripartite

O atual projeto de reforma sindical 43 enviado para o Congresso Nacional dá um salto em busca de um modelo mais democrático de relações trabalhistas, no qual os agentes da relação terão mais autonomia para definir o seu próprio destino. O projeto fortalece a negociação coletiva e as Centrais Sindicais, bem como garante uma proteção para a organização no local de trabalho.

Se aprovado, o projeto possibilitaria um avanço também nas alterações legislativas do direito material do trabalho, trazendo esta regulação mais para o campo da negociação coletiva que da normatização estatal, adequando-se mais à realidade do mundo do trabalho.

A legislação atual é muito detalhada, pois falta autonomia para aqueles que estão diretamente envolvidos na relação de trabalho estabelecer suas próprias normas. Desta forma, cabe a pergunta: é preciso, por exemplo, ter uma legislação que diga que é necessária a expedição de uma instrução do Ministério do Trabalho para especificar quais atividades, por sua natureza ou conveniência pública, poderão laborar aos domingos, conforme prevê o artigo 68 da CLT?

Ainda neste exemplo, poder-se-ia indagar qual a empresa que não realiza serviços aos domingos porque a atividade não está designada na citada instrução do Ministério do Trabalho?

A ampliação da negociação coletiva sempre foi o objetivo da maior parte do movimento sindical 44. Mas, para que isto ocorra de forma segura, sem colocar em risco a situação dos trabalhadores não organizados, é necessária uma legislação de sustento que garanta alguns direitos básicos. A partir deste patamar, a negociação ocorreria em níveis nacionais, por ramos e sindicatos, atendendo às especificidades de cada ramo/ setor. A hierarquia das normas trabalhistas seria representada pelo seguinte gráfico:

Constituição Federal

Legislação de sustento

Contrato coletivo nacional (setor ou ramo)

Contrato coletivo interestadual (setor ou ramo)

Contrato coletivo sindicatos

Acordo coletivo empresas

Cabe ainda mencionar que o tema da jornada de trabalho, assim como outros itens das relações de trabalho, pode ser explorado em nível também das negociações tripartites, que envolvem representações dos empregadores, representações sindicais e Estado (Governo). Neste sentido, é válido reproduzir trecho de trabalho da Subseção DIEESE-CUT Nacional sobre o tema, que propõe uma das possibilidades dessa negociação:

"A negociação tripartite poderá resultar em acordo de redução da jornada sem redução de salário, por meio de um Programa de Redução Subvencionada da Jornada. Por este programa, as empresas, por um período negociado, terão redução de impostos em até um determinado percentual de sua carga tributária, como forma de incentivo à redução da jornada em pelo menos "x%", com a geração proporcional de postos de trabalho. O formato da redução da jornada e sua modularização em cada empresa seriam livremente negociados entre empresas e sindicatos, respeitando-se a legislação em vigor. Esta negociação envolveria a limitação e o controle de horas extras" 45

Como se vê, este modelo inspira-se fortemente na recente experiência francesa de negociação tripartite da jornada de trabalho 46.

6.3 Redução de jornada e limitação das horas extras

Segundo o DIEESE, a redução de jornada de trabalho na Constituição Federal de 1988 não gerou o aumento no nível de emprego esperado. Isso se deu, em parte, pela quantidade excessiva das horas extras.

A legislação ordinária, ou seja, a CLT, regulamenta esta jornada de trabalho. A CLT estabelece que, mediante concordância do empregado ou contrato coletivo, a jornada de trabalho poderá ser aumentada em 2 horas extras diárias 47. Isto, ao longo de uma semana, representa uma jornada potencial de até 54 horas, sem contar a possibilidade do empregado também realizar horas extras aos sábados e domingos, o que aumentaria para 74 horas.

Então, evidentemente que não basta reduzir a jornada de trabalho e permanecer com esta possibilidade de realização de horas extras.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) elaborou estudo com propostas para alterar o artigo 59 da CLT 48 (ver proposta em anexo). O objetivo primordial é limitar a quantidade de horas extraordinárias 49. Essa discussão vem acompanhada da redução de jornada, almejada pela campanha unificada realizada com as demais Centrais Sindicais.

Esta proposta estabelece o limite de 2 horas extras diárias, 30 mensais e 110 semestrais, necessitando de acordo entre empregador e empregado ou contrato coletivo de trabalho. Acima destes limites, somente serão admitidas horas extraordinárias se houver necessidade de incremento de produção não habitual, e mesmo assim, por no máximo três meses e mediante acordo com o sindicato.

A proposta também obriga à contratação de novos empregados caso a empresa necessite de trabalhar além dos limites fixados. Proíbe a realização de horas extras para alguns empregados, a saber: aposentados, mulheres grávidas ou em fase de amamentação, contratados em regime parcial, portadores de doenças que possam ser agravadas com o acréscimo de jornada.

Pela proposta, os sindicatos poderão ingressar na Justiça em nome dos empregados em matérias que envolvam jornada de trabalho.

Certamente, algumas premissas deste projeto devem nortear uma eventual legislação de jornada de trabalho.

6.4 Um novo modelo de regulamentação da jornada

O modelo de regulamentação de jornada parte de um pressuposto que é a alteração do modelo sindical atual. É necessário fortalecer os sindicatos, dando-lhes mais autonomia e liberdade.

Essa premissa é importante porque o modelo de regulamentação que se pretende estará amparado em grande medida na negociação coletiva. Se a idéia é fazer com que a as relações trabalhistas se aproximem mais da realidade social e econômica, nada melhor do que fazer com que os envolvidos no problema decidam como resolvê-lo, respeitada uma legislação mínima de sustento.

Evidentemente que os sindicatos não irão se fortalecer repentinamente, apenas com a mudança na legislação sindical. Este processo será gradativo. A alteração do modelo de regulamentação atual, que é fortemente intervencionista, deverá exigir uma reestruturação da estrutura sindical, acompanhada do fortalecimento dos sindicatos.

Neste quadro de mudanças, algumas possibilidades de normatização das relações de trabalho – incluindo aí a jornada de trabalho - poderiam ser estudadas. Dentre elas sugerem-se as seguintes alternativas:

ALTERNATIVA 1: Contratação Coletiva Nacional Articulada

Durante o período de transição do modelo de relações de trabalho, qualquer contrato coletivo estabelecido entre sindicatos e empresas, ou entre federações e representações empresariais, deverá, obrigatoriamente, estar subordinado e coerente às normas previstas em contratos coletivos de nível nacional em vigor. Em outras palavras: os contratos coletivos de nível nacional – a serem negociados por ramo de atividade – estabelecerão as normas mais amplas que terão validade no setor em nível nacional, e somente a partir delas é que os sindicatos poderão negociar novos parâmetros que ampliem as conquistas dos seus representados.

Mesmo os sindicatos que não estão filiados às confederações ou centrais sindicais deverão, compulsoriamente, antes da contratação, estabelecer qual o contrato nacional ao qual estaria subordinada a sua negociação.

Desta maneira, os espaços para a negociação em cada base sindical seriam delimitados previamente pelo contrato em âmbito nacional.

ALTERNATIVA 2: Direito de negociação proporcional à capacidade de representação sindical

Durante a transição do modelo de relações de trabalho, o poder de negociação sindical seria proporcional à representação sindical perante os trabalhadores. Assim, aqueles sindicatos mais representativos teriam um potencial maior para negociar os direitos, ao passo que aqueles sindicatos pouco representativos teriam uma margem de negociação menor, que resultaria em uma maior intervenção legal na vida dos trabalhadores por ele representados.

Neste sentido, a legislação de sustendo deveria prever quais esses limites a serem negociados e qual a potencia de flexibilizá-los correspondentemente ao nível de representação.

Apenas para ilustrar um exemplo: a legislação de sustento preveria a jornada de 40 horas semanais, mas a possibilidade de compensação semanal poderia ser dada àqueles sindicatos com X% de representação, enquanto que a compensação semestral seria negociada apenas com aqueles sindicatos com Y% de representação.

Desta forma, quanto maior a representatividade sindical, maior será a sua potência para negociar.

De qualquer modo, deverá existir uma regulamentação mínima da relação de trabalho. No caso específico da jornada, esta legislação de sustento (que popularmente poderia ser denominada de "legislação guarda-chuva") deverá prever, sinteticamente, as seguintes proteções:

a)limite de horas semanais;

b)limite de horas diárias;

c)intervalo para refeição;

d)intervalo entre as jornadas;

e)limites de horas suplementares;

f)descanso semanal;

A cargo da negociação coletiva ficariam, por exemplo:

.a marcação do ponto;

.a possibilidade de redução da jornada semanal;

.a compensação das horas e o banco de horas;

.a remuneração da hora suplementar;

.a possibilidade ou não de trabalhar aos domingos;

.se os intervalos seriam ou não remunerados;

.a quantidade e a extensão de intervalos intrajornadas;

.a possibilidade ou não do trabalho noturno e a sua remuneração;

.as horas in itinere; a supressão de horas extras;

.os turnos ininterruptos de revezamento;

.entre outras infinidades de questões que poderiam surgir sobre o tema.

As normas, conseqüentemente, respeitariam uma hierarquia que partiria da regulamentação legal ampla para as aquelas decorrentes de negociações coletivas em âmbito nacional por ramos e setores, estaduais por ramos e setores e por fim de negociações entre empresas e sindicatos.

As duas propostas acima poderiam ser complementares também. Assim, além do critério adotado na primeira alternativa – contrato coletivo articulado – os sindicatos somente poderiam negociar, conforme o seu grau de representatividade.

Essas alternativas são apenas sugestões a serem estudadas. O primordial é que se estabeleça um processo de transição de modelos de regulamentação trabalhista de modo a garantir a proteção ao trabalhador.

Sobre a autora
Maria da Consolação Vegi da Conceição

Advogada. Mestranda em Direito na UNIMES. Professora de Direito na Fundação Santo André. Coordenadora Jurídica do Sindicato dos Bancários do ABC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Maria Consolação Vegi. A jornada de trabalho e o ordenamento jurídico brasileiro.: Propostas para um novo modelo de normatização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 807, 16 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7277. Acesso em: 18 nov. 2024.

Mais informações

Texto elaborado originalmente pela autora como parecer para o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

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