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Uma reflexão: do porquê de se pesquisar ao porquê da pesquisa jurídica

Agenda 19/03/2019 às 17:26

Voltado aos ingressantes no direito e àquilo que os aflige, o presente ensaio traça uma diferenciação entre o saber científico e a mera opinião e esboça os porquês do ato de pesquisar, facilitando e fomentando o desejo pelo saber fundamentado.

UMA REFLEXÃO: DO PORQUÊ DA PESQUISA AO PORQUÊ DA PESQUISA JURÍDICA

 

As crianças – e assim se deu com todos nós (e com alguns, isto ainda é sentido de forma mais presente) – normalmente só se sentem mais confortáveis em cumprir uma dada ordem ou tarefa ditada pelos pais, quando esclarecidas quanto aos porquês de se agir num sentido tal ou qual e não noutro. A criança, antes de ser podada por nossos intermináveis “nãos”, vive a se perguntar o porquê de tudo, mas principalmente o porquê de cumprir dada ordem ou tarefa que lhe impõem. Há um sem-número de discussões científicas abordando o limiar entre a racionalidade e a liberdade, a existência de ideias inatas ou a mente como folha em branco. Ao que parece, a mente humana vê as coisas sob um prisma racional e o que não lhe parece racional, não seria digno de nota, ou de que se leve em conta, ou – pior ainda – de que se obedeça. A razão parece andar de braços dados com a liberdade; e – ao que tudo indica – isso é inato, porque não foi fruto do aprendizado e (a rigor) está presente em todos nós desde a mais tenra idade. Assim, antes de se dedicar a empreender qualquer atividade, há aqueles que – como nós – ficam se perguntando: mas por que mesmo eu devo fazer isso? É só porque sou obrigado e nada mais? Qual a razão por trás disso? Pergunta similar foi o móvel e o fio condutor de toda a teorização de Kelsen: por que os filhos devem obedecer aos pais? E por que o cidadão deve obedecer ao Estado? E é neste patamar que nós perguntamos a vocês: ‘por que a pesquisa?’

Pesquisar parece seguir um rigoroso e chato roteiro de regras sem sentido ditadas pela ABNT – é o que pensa, pela primeira vez (e muitas mais, provável), o jovem estudante, ao ter que se deparar com o imperativo da pesquisa diante de si. Mas a pesquisa tem uma razão de ser. E saber a razão por trás das coisas facilita não só a compreensão delas, como a tarefa de desenvolvê-las. Assim também é com o ato de pesquisar.

A pesquisa traça a precisa fronteira entre um saber fundado e a mera opinião. Desde Sócrates, podemos falar num escalonamento das categorias de conhecimento, numa teoria cognitiva. No patamar mais elevado, teríamos a episteme (o saber científico), como um saber fundamentado, respaldado e com pretensões de aceitação (ainda que provisória), porque justificado pelo peso de toda uma cadeia de saberes que lhe são anteriores e que lhe dão sustentação, até atingir os princípios (a base, o fundamento e o alicerce) de um dado ramo do saber. Bem assim, juízos ou ilações lógicas se unem para formar uma teoria e teorias se unem para formar um sistema de conhecimentos. Por outro lado, no mais baixo nível de conhecimento, teríamos a doxa (mera opinião), como o saber do vulgo, saber meramente opinativo, sem respaldo, sem fundamento e sem pretensões de aceitabilidade, porque não se sustem senão em si mesmo – teríamos aí o que vulgarmente chamam de ‘achismo’. E, não à toa, hoje em dia, em tempos de redes sociais e fake news, vemos as pessoas dando crédito a opiniões vulgares sobre qualquer tema, em desprestígio a séculos de estudos e pesquisas fundamentadas, a ponto de, só para citar exemplo, existirem defensores do terraplanismo.

Pois bem, a pesquisa existe exatamente pela tentativa de transmitir conhecimento de alguma solidez, que seja aceito, pela força da fundamentação em que se sustenta; traduzindo-se numa tentativa de conhecer um pouco mais sobre a realidade de um dado tema ou fenômeno. A pesquisa seria, assim, a atividade básica da ciência, de indagar, de com ela dialogar e sobretudo de tentar descobrir aquilo a que chamamos realidade; uma perpétua, sistemática e metódica indagação (teórica e prática) da realidade, na tentativa de estabelecer uma constante aproximação em relação a ela – ainda que sem pretensões de plena compreensão. É que a ciência não traz em seu cerne o conceito de verdade, como algo perfeito, pronto, acabado e imodificável, senão de verdades provisórias – uma teoria mais atual e mais precisa sempre se sobrepondo a uma outra anterior e menos adequada, e assim sucessivamente, numa eterna aproximação do real. Doutro modo, não haveria falar-se em evolução. Atentem bem para isto: não há evolução na perfeição! E a ciência, sendo evolutiva, ao invés da ideia metafísica de perfeição opta pela perfectibilidade possível – pela ideia de que se pode aperfeiçoar algo e sempre, mas sem nunca atingir uma perfeição metafísica, irreal e inalcançável.

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Nós, do Direito, poderíamos dizer, por exemplo que não há evolução no mero cumprimento das regras jurídicas. Haveria evolução no crime então? (já que ele é o descumprimento das regras por excelência) – perguntaria alguém. Não! – respondemos nós. Mas, é bem verdade, o estrito e rigoroso cumprimento das leis (que parece ser o desejo de toda qualquer sociedade, como perfeição mais almejada no patamar civilizatório), só nos faria estagnar e perecer. Se, por exemplo, tivéssemos cumprido rigorosamente as leis, ainda estaríamos presos ao nosso primeiro corpo de normas, o Código de Hamurabi. Fôssemos uma sociedade medieval estritamente cumpridora das leis, ainda estaríamos na Idade Média. Simplesmente cumprindo as normas, nada teria sido demovido, não teríamos mudado nada, não haveria evolução. Todas as coisas só evoluem com rupturas, com a quebra dos padrões; afinal, evolução é essencialmente a mudança para melhor. E não falamos aqui do descumprimento simplório das leis enquanto concepção de crime, mas de ir além da norma.

Neste sentido, foi necessária a vinda de luminares, aqueles que são faróis para o mundo, e que sacudiram as balizas que o sustentam e a tudo o mais – não à toa vistos como criminosos em suas épocas – tais como Hipátia, Gandhi, Madre Teresa, Buda, Nietzsche, Marie Curie, Luther King, Sócrates, Cristo, entre tantos outros.

Ora, as regras da ABNT também têm uma razão de ser: dão-nos um padrão, um formato, uma linguagem que facilita a compreensão. Explicamos: mesmo que você seja completamente leigo em uma dada área do conhecimento – Medicina, por exemplo – dominando as regras do modo como divulgamos o saber científico, ao ler um artigo de outra área qualquer, você facilmente saberá identificar qual o problema abordado, quais os métodos, quais as justificativas daquela pesquisa, os elementos básicos para a compreensão, uma ponte segura para acessar aquele saber. Fica o alerta, porém, saibam ir além das normas – até mesmo as da ABNT. Só assim evoluímos.

Sobre o autor
Francisco de Sousa Vieira Filho

Advogado, militando sobretudo na área trabalhista, em Teresina-PI, Especialista em Direito Constitucional pelo LFG e Mestre em Direito pela Universidade Antônoma de Lisboa. Professor nas faculdades AESPI e FAPI, e professor substituto na UESPI (Campus Clóvis Moura). Autor dos livros: Lira Antiga Bardo Triste (2009); Lira Nova Bardo Tardo (2010) e Codex Popul-Vuh - ramo de folhas (2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA FILHO, Francisco Sousa. Uma reflexão: do porquê de se pesquisar ao porquê da pesquisa jurídica: breve ensaio sobre os porquês do ato de pesquisar e as diferenças entre as categorias do conhecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5739, 19 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72780. Acesso em: 24 nov. 2024.

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