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A possibilidade jurídica da arbitragem no processo falimentar

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Agenda 12/06/2019 às 13:23

A arbitragem representa um meio de resolução de litígios que deve ser mais demandado e explorado em nosso país, especialmente nas questões envolvendo dissidências comerciais, inclusive na falência.

INTRODUÇÃO

Os brasileiros apresentam uma tendência cultural a judicializar todos os seus conflitos. É comum, no dia-a-dia, ouvir-se expressões como: “Vou processar fulano”!, ou “ Vou entrar na justiça... num instante isso se resolve”!

Esse posicionamento deriva do sistema jurídico adotado desde os primórdios da História do Brasil, o denominado “Civil Law”, fortemente influenciado pelo Direito Romano, de cunho estatal, paternalista e burocrático.

Reporta-se, além dos motivos acima citados (cultura de que só o Judiciário é capaz de infligir justiça real e o tipo de sistema jurídico a corroborar esse folclore), nos atuais dias, a uma interpretação literal e equívoca do diploma constitucional que, no inciso XXXV de seu artigo 5º, declara: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Como ensina Bueno (2016, p.45), uma coisa é negar, o que á absolutamente correto, que nenhuma lesão ou ameaça o direito possa ser afastada do Poder Judiciário. Outra, absolutamente incorreta, é entender que somente o Judiciário e o exercício da função jurisdicional podem resolver conflitos, como se fosse esta uma competência exclusiva sua.

Assim, explica o citado autor, evitar o acesso à justiça é correto no sentido de buscar e, até mesmo, incentivar, como faz o Código Civil pátrio (CPC/05), a solução de conflitos por outros métodos. Nunca, no entanto, no sentido de afastar, impedindo ou obstacularizando, o acesso à solução jurisdicional estatal quando malogradas aquelas tentativas ou, simplesmente, porque os interessados por ela não se interessam.

Esse espírito parece ter sido, também, o da nova Lei de Falências (nº 11.101/05) que, mesmo anterior em dez anos ao novo CPC, já tratou de descriminalizar o instituto da falência, estabelecendo mecanismo de resoluções mais céleres e eficazes.

No sistema da Lei de Falências, de forma louvável, pretendeu-se “desjudicializar” (este é o neologismo) o processamento das habilitações (BEZERRA FILHO, 2005, p. 26).

Como critério para resolução de conflitos pelas vias privadas (arbitragem, por exemplo), não se pode negar que devem versar sobre assuntos disponíveis legalmente, além de não terem natureza criminal.

Conforme coloca Requião (1995, p. 159), citando o Prof. Oscar Stevenson[1]: “Em todos os delitos falimentares o evento é de perigo, determinado por culpa ou dolo de perigo. Num caso ou noutro, perigo para o comércio e para a pública economia”.

A Lei Falimentar, em seu artigo 101, impõe a condenação ao pagamento de indenização daquele que, dolosamente, propor a falência de outrem. A indenização somente é cabível quando comprovado dolo do requerente  de pedido falimentar. O magistrado deve, ao fundamentar sua decisão, indicar os atos caracterizadores da conduta dolosa que afastem a presunção de boa-fé ou de erro escusável (NEGRÃO, 2008, p. 40).

Entendemos, por conseguinte, que deve ser esse o papel do Estado. Coibir e punir os atos cometidos com intenção precípua de causar prejuízos aos Direitos Humanos Fundamentais, prejuízos esses dos quais o cidadão, individual ou coletivamente, é impotente para evitar.

Referente à perseguição e consecução dos direitos privados e, em especial, os de natureza onerosa, o Estado deve permitir aos envolvidos discricionariedade para deles dispor na medida do que convém a esses sujeitos, apenas intervindo quando transpassar para os direitos tutelados pelo Estado de maneira exclusiva.

Com vistas a elucidar até onde vão os direitos privados dos comerciantes e onde começam os direitos dos cidadãos alheios a essa relação, importante faz-se encaixar o Direito Comercial na seara pública ou privada.

Pimenta (2013, p. 30) explica, de modo leve e humorístico, que, “regra geral, atividade econômica é exercida pela iniciativa privada. Certo. Ao determinar isso, a Constituição deve ditar as regras que possibilitam aos empresários desenvolverem suas atividades. Sem isso o Direito empresarial nem sequer existiria. O Estado mandaria em tudo, tudo seria objeto do Direito Administrativo, e todos seríamos mais felizes. Pelo menos todos nós estudantes”.

Em verdade, percebe-se que o Direito Comercial (ou Empresarial), apesar de armo do Direito Civil, com ele não se aturde, caracterizando-se como direito autônomo.

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A autonomia desse direito permite a utilização de outras formas de resolução de contendas que venham a surgir (e elas sempre surgem), inclusive relativamente à falência, através da arbitragem.

Tanto é verídica essa possibilidade que a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307, de 1996) prevê, em seu escopo, o uso desse instituto nos processos falimentares.


1.A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ARBITRAGEM NO PROCESSO FALIMENTAR.

1.1DIREITO COMERCIAL: UM DIREITO CIVIL OU AUTÔNOMO?

O Direito Comercial, com suas regras norteadoras, conforme Ramos (2012, p. 12), surgiu e desenvolveu-se a partir da própria dinâmica da atividade negocial, ou seja, o Direito Comercial nasceu como um direito costumeiro ou consuetudinário.

As regras que compunham o regime jurídico comercial, materializado nos estatutos das diversas corporações de ofício medievais, eram na verdade a compilação dos usos, costumes e práticas mercantis vivenciadas em cada localidade. Assim, na elaboração desse “direito”, não havia ainda nenhuma participação “estatal” (RAMOS, 2012, p.12).

O mestre Martins (2008, p.30), apesar de admitir ser o Direito Comercial um ramo autônomo do Direito Privado e considerar inúmeros pontos de contato existentes entre ambos, não aceita que se confundam. Ressalta, inclusive que, mesmo nos países que reconhecem as empresas como o elemento básico das relações comerciais, pode-se fazer a separação da matéria comercial da civil.

Segundo Matias (2016, p. 27), a questão referente à autonomia (do Direito Comercial) deve ser apreciada sob o ponto de vista formal e material. Assim, diz-se que há autonomia formal de um ramo do Direito quando a sua regência decorre de diploma normativo próprio, destacado do direito comum.

O ilustre mestre acima mencionado afirma que, apesar de o advento de revogação de toda a parte geral do Código de Comércio de 1850, permanecendo em vigor apenas a sua parte intermediária, que regula o Direito Marítimo, e de sua matéria passar a ser redigida pelo Código Civil de 2002, houve abalo, apenas em sua autonomia formal, restando inalterada sua autonomia material, visto que, na legislação pátria, há exemplares legislações específicas que versam sobre aspectos do Direito Comercial, como a Lei de Falências (nº 11.101/2005) e a Lei das Sociedades Anônimas (nº 6.404/1976).               

Alguns elementos característicos podem ser elencados como distinção entre  Direito Comercial e Direito Civil, dentre eles: simplicidade, internacionalidade, rapidez, elasticidade e onerosidade (MARTINS, 2008, p. 37-38):

Ao nos depararmos com todos esses caracteres inerentes ao Direito Comercial, marcadamente empresarial, salientamos a dificuldade no traço legislativo, de cuja peculiaridade não se consegue, no tempo e no espaço, legislar, a tal ponto que sua disciplina ganha concretude extravagante ou especial, de acordo com o momento econômico, financeiro e da realidade empresarial como um todo (MARTINS, 2008, p.38).

No nosso País, a autonomia do Direito Comercial vem explicitamente delineada na Constituição Federal, que, ao listar as matérias de competência legislativa privativa da União, elencou Direito Civil em separado do Direito Comercial (CF/88, artigo 22, inciso I).

Coelho (2016, p.25) disserta que não compromete a autonomia do Direito Comercial a opção do legislador brasileiro de 2002 no sentido de tratar a matéria correspondente ao objeto desta disciplina no Código Civil pátrio (Livro II da Parte Especial).

Afinal, complementa o doutrinador supracitado, Direito Civil não é Código Civil; assim como Direito Comercial não é Código Comercial.


2.AÇÃO DO ESTADO NAS QUESTÕES COMERCIAIS OU EMPRESARIAIS: UM “DEVE SER” OU UM “PODE SER”?

É evidente que o Direito Comercial, dia a dia, está sofrendo influência cada vez maior do Direito Público. Procurando amparar os mais fracos ou visando dirigir sua economia, o que faz o Estado impor a sua vontade, interferindo, diretamente, nas relações privadas (MARTINS, 2008, p.39).

Como exemplos de interferência, Martins (2008, p.39) cita as realizadas sobre os contratos, as sociedades anônimas, os transportes terrestres, transportes marítimos, transportes aeronáuticos e a falência (esta última, objeto de nossa avaliação).

O supracitado doutrinador lembra que no que se refere aos contratos, o poder estatal, a cada dia, restringe mais a liberdade do indivíduo contratante, impondo de tal forma a sua vontade, que o Princípio da Autonomia da Vontade, consagrado pelo artigo 1.134 do Código Civil francês, já hoje pode considerar-se inteiramente superado.

Continua o autor suas considerações, observando que, no tocante às sociedades anônimas, a interferência do Estado é ainda mais acentuada, tanto na imposição de rígidos princípios aos que dessas sociedades quiserem participar quanto controle direto estatal nas chamadas sociedades de economia mista, das quais o Estado participa como se fosse sujeito de Direito Privado. Assim, no intuito de proteger os mais fracos, desnatura, o Estado, princípios basilares do instituto, como o Princípio da Maioria, existente desde o aparecimento desse tipo societário.

No direito dos transportes marítimos, terrestres e aeronáuticos, os interesses da coletividade são amparados por normas estatais impostas às quais todos devem sujeitar-se. Os comandantes de navios e de aviões, atuando como prepostos comerciais, exercem poderes de polícia, de agentes do fisco, muitas vezes de serventuários da Justiça ou até de membros do Judiciário, assumindo, a depender das circunstâncias, o caráter de representantes do poder público. E, para tanto, o Estado impõe normas para a investidura dos cargos, muitas vezes exigindo predicados além de suas funções técnicas, provas de nacionalidade, de prestação de serviço militar, além de sujeitá-los à jurisdição de órgãos administrativos e puni-los por atos alheios ao seu conhecimento técnico ou a sua capacidade profissional (MARTINS, 2008, p. 39-40).

O suprarreferido autor cita Juaquín Garrigues[2] como um dos tratadistas que prognosticam, de forma otimista, contrariamente ao que ele chama de “crescente absorção do Direito Mercantil pelo Direito Público”, com a interferência, cada vez mais acentuada, da vontade estatal nos interesses privados.

Com relação ao instituto da falência e a sua publicização, pode-se dizer que decorre dos debates acerca do papel fundamental a ser preenchido pela empresa, cuja conotação disciplina uma função social prevista em nossa Carta Magna, a tal ponto de se delimitar a ação do Estado e dos sujeitos envolvidos no processo falencial (MARTINS, 2008, p. 459).  


3.A FALÊNCIA: DIREITO CREDITÍCIO PÚBLICO?

Tzirulnik (1999, p. 33) esclarece, à luz da antiga lei falimentar (Decreto-lei 7.661, de 21 de junho de 1945) que o instituto da falência surgiu como defesa para o comércio e, consequentemente, para o crédito, privando do comércio aqueles que, não fazendo bom uso de suas prerrogativas creditícias, ferem os direitos de seus credores, inadimplindo obrigações assumidas quer por contratos ou por títulos de crédito.

Essa prerrogativa estrita de defesa dos credores era própria das legislações pretéritas, para as quais o falido era um criminoso, devendo ser punido como tal.

A expressão bancarrota foi muito utilizada com o significado de falência ou quebra criminosa, originando-se do termo italiano banca rotta, surgido em consequência do antigo costume de os credores quebrarem as bancas em que os seus devedores expunham as mercadorias que tinham para negociar (TZIRULNIK, 1999, p.35).

Vista por esse ângulo, a inadimplência presente e sua profilaxia futura eram os únicos objetivos do instituto falimentar. Assim, há de se considerar que seu caráter era, prioritariamente, privado, alcançando, no máximo, prováveis ensejadores de comercializar com o inadimplente.

Atualmente, a legislação brasileira caminha contra a corrente adotada por grande parcela de países, os quais buscam desburocratizar as relações comerciais através de resoluções de contendas comerciais longe do crivo fiscalizador da jurisdição estatal.

Logo, na concepção moderna de nossos legisladores tupiniquins, o objetivo da falência é, para além do controle da insolvência, garantir a preservação da empresa, a qual age essencialmente na distribuição de riquezas, não sendo o empresário simplesmente um agente de direitos privados, mas, também, participante direto da atividade econômica da coletividade (PERIN JR., 2006, p.53).

Segundo Álvares (1979, p. 27), quando afirmamos que a lei falimentar deve assegurar o crédito, não nos referimos ao crédito individual dos credores contra o devedor e sim ao que se conhece por crédito de interesse público.

Para Perin Jr.(2006, p. 56), a difícil tarefa daqueles que se dedicam à aplicação do Direito Falimentar seria encontrar uma fórmula capaz de proteger o crédito de interesse público, eliminando agentes econômicos que colocam esta verdadeira instituição em risco, e ao mesmo tempo, propiciando a preservação da unidade produtiva, a saber, a empresa.

A busca pela satisfação coletiva dos créditos faz-se, de maneira inequívoca, na Lei de Falências (11.101/05), na disposição hierárquica dos credores a serem pagos, no artigo 83, com os créditos derivados da legislação trabalhista encabeçando a lista (inciso I) e os créditos tributários em terceiro lugar (inciso III), abaixo, apenas, dos referidos trabalhistas e dos créditos com garantia real (GUSMÃO, 2007, p.241).

Camillo et al (2008, p. 255-256) consideram natural que, em primeiro lugar, sejam pagos os créditos trabalhistas, de natureza alimentar e profunda função social, ainda mais porquanto não se pode exigir dos operários que peçam garantias antes de aceitar seus empregos ou que realizem análise de crédito do empregador.

Assim, os empregados são três vezes os primeiros da fila: Recebem tão logo possível os créditos vencidos até três meses antes da falência, até cinco salários mínimos; depois, participam do primeiro rateio entre os credores extraconcursais, sem qualquer limite, sendo, ainda, os primeiros a receber os créditos anteriores à falência cujos valores se situarem entre cinco e cento e cinquenta salários mínimos, deduzidos os que receberam nas duas ocasiões anteriores (CAMILLO ET AL., 2008, p. 255-256).

Os egrégios doutrinadores citados memoram que os trabalhadores têm, ainda, outros privilégios processuais, como a representação coletiva na assembleia por seu sindicato e o prosseguimento das reclamações na Justiça do Trabalho, inclusive das execuções respectivas, após o término da suspensão legal.

Vale lembrar, também que “puxando a sardinha para o seu prato”, o Estado garantiu a satisfação precípua dos créditos tributários, uma vez que eles não necessitam ser habilitados na falência e não se submetem ao procedimento de verificação de créditos.

Perin Jr. (2006, p. 197) lembra que, por outro lado, o objetivo da inclusão do crédito fiscal na relação de credores e no quadro geral é, antes de tudo, dar aos demais credores conhecimento mais detalhado do passivo do falido.

Sobre a autora
Sâmia Roriz Monteiro

Olá, caros leitores! Sou estagiária de Direito, em vias de conclusão de graduação pela faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Sou graduada em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual do Ceará desde 2000, com especialização em clínica e cirurgia de pequenos animais.Consequentemente, prefiro trabalhar com assuntos referentes a Direito Ambiental, mas tenho grande afinidade pelo Direito Internacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Sâmia Roriz. A possibilidade jurídica da arbitragem no processo falimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5824, 12 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73043. Acesso em: 8 nov. 2024.

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