Já faz alguns anos que estudo os métodos autocompositivos e acredito na mudança de paradigma referente à construção de soluções de conflitos.
Fiquei feliz e mais entusiasmada com o advento do Novo Código de Processo Civil e da Lei de Mediação, pois ressaltou a importância da conciliação, da mediação, da arbitragem e de outros métodos de solução pacífica de conflitos.
Porém, como sabemos não basta a imposição de uma lei para modificação de comportamento, e percebi o quanto nós, advogados, estamos despreparados para esta mudança de postura diante de um conflito instaurado. Mas é entendível a resistência a mudanças, pois desde a faculdade somos ensinados a litigar, a demonstrar com bravura que temos a todo custo que defender os interesses de nossos clientes, que para sermos bons advogados temos que ganhar e consequentemente aniquilar a outra parte.
“Taí” uma equação que para mim nunca fechou, pois, tendo em vista que somos todos advogados treinados a ganhar, que para sermos bons precisamos ter êxito na ação, como fica aquele colega que não consegue obter a sentença a seu favor? Visto que em um processo normalmente existe uma parte vencedora e outra vencida!
Além do mais, sempre me veio a mente que exercemos uma atividade de meio, ou seja, não podemos garantir o êxito nas ações propostas, então fomos ensinados a ter as melhores teses, os melhores argumentos para “derrubar” o opositor, que é a parte adversa. Mas nunca nos foi ensinado a olhar, a perceber que ali no meio do conflito, existem relações humanas, e não só resultados de ganha e perde.
Ah, deixa só dizer um detalhe corriqueiro que ocorre nas varas de família, às vezes a parte adversa pode ter convivido com a outra por um longo lapso temporal, mas a partir do conflito instaurado deixou de ser um aliado e passou a ser um rival e, nesta dualidade, necessita ser eliminada, porém necessário se dar conta que além da dualidade estabelecida entre o ex-casal, há reflexos nos filhos.
Quando me recordo a forma como fui treinada para advogar, entendo perfeitamente esta postura litigante, mas nunca me curvei a ela como uma verdade plena e sempre acreditei na possibilidade do diálogo, na construção de uma solução que pudesse atender ambas as partes.
Porém hoje os tempos são outros, são tempos de mudanças, de novos ares, da implementação do princípio da colaboração no processo civil, da autocomposição, da oportunidade do diálogo entre as partes, aí me pergunto, mas será mesmo?
Tenho observado, nos corredores dos Cejuscs uma mistura de reações na sala de espera para a audiência de mediação, ou de conciliação (apesar de perceber que muitos não sabem a diferença entre esses institutos), as partes conflitantes com seus olhares perdidos em suas lembranças, carregam consigo as frustrações e as mágoas das relações que foram levadas às barras do Poder Judiciário, e a grande maioria dos advogados, perdidos em seus pensamentos com prazos, com outros compromissos, compulsam a cada 5 minutos os seus relógios na esperança de logo serem chamados para a tão esperada audiência de mediação, mas no fundo no fundo muitos pensam e sussurram entre os colegas: Aaargh, audiência de mediação!!! Esta não serve para nada.
Ao notar esse movimento me pego pensando, quais sentimentos estão de mãos dadas neste momento em cada um que espera a audiência de mediação? E diante dos semblantes imagino que muitos estão acompanhados da raiva, tanto das partes como dos advogados.
As partes sentem raiva porque foram levadas a essa situação, sim, sempre por culpa da outra parte (antes que me esqueça, a culpa está sempre ao lado da raiva!! São muito amigas), porém esquecem que um conflito normalmente é construído por ambos.
Já alguns advogados estão também na companhia da raiva por acreditarem que estão perdendo tempo e que de nada irá adiantar aquela audiência de mediação, afinal não tem proposta nenhuma!!
Outro sentimento misturado, acredito estar em muitos casos, é a frustração, por parte dos advogados principalmente, pois talvez em um passado não muito distante se depararam com audiências nas quais o conciliador apenas perguntou se tinha acordo e marcou a audiência de instrução e julgamento, quantos de nós não passamos por isso? E diante desta prática, só veem nesta audiência uma forma de demora processual.
Assim, com esses e outros sentimentos, as salas de espera para as audiências de mediação estão repletas em muitos fóruns de nosso Brasil!
Por que tamanho descrédito e desânimo para com esta possibilidade de autocomposição? Por que muitos advogados vão para a audiência na certeza que estão perdendo tempo?
Acredito que uma grande parcela de advogados ajudou a construir essa cultura de “frustrar” a audiência de conciliação (antes de 2015 não falávamos de mediação no rito processual civil), dizendo simplesmente que não havia proposta de acordo e assim designar audiência de instrução e julgamento e deixar o juiz julgar. Afinal, não fomos educados ou treinados a dialogar, a negociar e sim a peticionar e esperar pela sentença!
Contudo, os tempos são outros, foi implementada uma nova forma de atuar, que se iniciou com a Resolução 125 do CNJ no ano de 2010, mas que se consolidou no ano de 2015, com a promulgação do Novo Código de Processo Civil, da Lei de Mediação e, principalmente para nós advogados, uma mudança significativa, ao meu ver, foi no Código de Ética da OAB que enalteceu os deveres do advogado, no inciso VI, do parágrafo único do art. 2º, que compete ao advogado estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.
Nesta perspectiva, reflito com a seguinte indagação, quando se inicia a audiência de mediação? Seria na antessala à espera do pregão para entrar na sala e encontrar com o mediador e a parte adversa? Ou seria no escritório, no primeiro contato com o cliente?
Entendo que cada dia mais nós advogados somos chamados a ter uma postura diferente na atuação, principalmente nas relações continuadas, aquelas em que as partes irão se encontrar no decorrer da vida após o final do processo.
A nós advogados recai uma maior responsabilidade na construção da solução dos conflitos, somos também responsáveis pela pacificação social. Nos compete auxiliar nossos clientes a entender toda a dinâmica do conflito e todo o reflexo do mesmo, informando as consequências de um processo e as possibilidades de um acordo com reflexos positivos mútuos, e a construção de uma agenda de negociação para ser levada a mesa de mediação e com esse tratamento colaborativo em todo o procedimento judicial é possível que a mediação seja de fato desenvolvida de forma que fora proposta na lei.
Não basta a capacitação do mediador, não basta a imposição legal, há que ter uma visão mais ampla da participação ativa de nós advogados na construção dessa nova forma de atuação.
Não estou aqui dizendo que a advocacia tradicional precisa deixar de existir, ao inverso, ela é necessária, mas em muitos casos a abertura para o diálogo, para a composição de interesses, com ganhos mútuos, é possível, e para que as audiências de mediação possam fluir de uma maneira mais produtiva, a mudança não é apenas em relação à estrutura interna do Poder Judiciário, ela começa no primeiro contato com o cliente, lá no escritório!
Este ensaio não é para esgotar as questões que orbitam o tema sobre a audiência de mediação, mas sim uma singela reflexão para as pequenas mudanças que perpassam por vários atores.