Esses dois institutos do processo penal geralmente caminham de maneira bastante próxima, não à toa que o art. 5º, LV, da Constituição Federal preceitua que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, e coloca os dois princípios tal próximos. Essa aproximação pode até mesmo ser confundida com similaridade, principalmente no processo civil, contudo os desdobramentos de cada direito têm consequências particulares.
O contraditório se constitui contemporaneamente com o fito de garantir a igualdade processual ou par conditio. Isso significa que a todas a partes é garantido o acesso às provas produzidas pela parte contrária a fim de se manifestar de maneira contrária. Essa nova visão da doutrina foi trazida por Elio Fazzalari e inclui o par conditio ao conceito já consolidado de que as partes devem contribuir para o livre convencimento do juiz. Para que o contraditório seja efetivo, as partes devem ser comunicadas dos atos processuais (o que pode se dar por citação, intimação e notificação), e assim decidirem a melhor maneira de se manifestar. Conforme fala Renato Brasileiro de Lima, “Seriam dois, portanto, os elementos do contraditório: a) direito à informação; b) direito de participação. O contraditório seria, assim, a necessária informação às partes e a possível reação a atos desfavoráveis[1].” Dada a importância desse direito, o STF editou a Súmula 707, a qual dispõe: “Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo.” O contraditório se faz tão importante para o bom andamento do processo penal que o art. 155 do Código Penal veda a fundamentação de sentença do magistrado pautada unicamente em elementos colhidos durante a investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Isso ocorre porque o ordenamento jurídico não garante o contraditório durante o inquérito policial por não se tratar de uma das fases do processo, mas somente de um ato pré-processual administrativo.
Nota-se que o contraditório é de suma importância para a garantia da ampla defesa, porém não é sua única forma de manifestação. O contraditório é direito concedido a ambas as partes do processo: acusador e acusado. O mesmo não ocorre com a ampla defesa, que é direito apenas do acusado. Logo podemos ter contraditório sem ampla defesa e ampla defesa sem contraditório. Essa distinção implica que “é possível violar-se o contraditório, sem que se lesione o direito de defesa. Não se pode esquecer que o princípio do contraditório não diz respeito apenas à defesa ou aos direitos do réu. O princípio deve aplicar-se em relação a ambas as partes, além de também ser observado pelo próprio juiz. Deixar de comunicar um determinado ato processual ao acusador, ou impedir-lhe a reação à determinada prova ou alegação da defesa, embora não represente violação do direito de defesa, certamente violará o princípio do contraditório. O contraditório manifesta-se em relação a ambas as partes, já a defesa diz respeito apenas ao réu”.[2]
Não custa notar que o princípio da ampla defesa se revela sob duas formas. Uma se refere especificamente ao interesse do réu em defender-se das acusações às quais é submetido, quando o princípio assume a feição de um direito; e a outra, que se relaciona diretamente com o princípio da publicidade, possuindo caráter fiscalizador da existência do devido processo legal, e que por isso pode ser entendido como uma garantia.
O princípio da ampla defesa, pelo fato de configurar-se ferramenta de manutenção da máxima do Estado de Direito de que a liberdade é a regra e a prisão é exceção, permite ao réu a relativização do direito à igualdade por meio de alguns privilégios processuais quando comparados com as prerrogativas acusatórias, entre os quais se destaca a manutenção da inocência em caso de dúvida (in dubio pro reo).
Pode-se então perceber que ao acusado deve ser concedida as mais amplas possibilidades processuais quando houver a possibilidade de violação grave ao direito constitucional da livre locomoção, daí que se pode esperar que o Estado Juiz garanta ao réu o maior número de recursos para provar sua inocência. Não à toa, conforme entendimento de parte da doutrina, tal amplitude de prerrogativas ao acusado pode garantir, por exemplo, o uso de provas ilícitas, excepcionalmente, se assim for necessário para que se prove a sua inocência. Além disso, são assegurados ao réu privilégios que não são partilhados com a acusação, a saber: proibição da reformatio in pejus, o in dubio pro reo.
O princípio da ampla defesa possui como um de seus corolários a existência de defesa técnica. Tal significa dizer que, ao acusado em processo penal é assegurado o direito e ter sua defesa realizada por advogado devidamente constituído junto à Ordem dos Advogados do Brasil ou por Defensor Público devidamente aprovado em concurso público. Tal prerrogativa é absolutamente exigível, conforme maioria da doutrina3, sob pena de contaminar o procedimento penal com nulidade. No entanto, não se espera que a exigência da defesa técnica seja satisfeita somente pela mera presença de advogado do réu nos atos de instrução processual. A defesa técnica para que seja assim considerada deve portar algumas características fundamentais. Segundo Renato Brasileiro de Lima4, a defesa técnica deve ser plena e efetiva, pois do que adianta, prossegue o autor, a presença física do defensor, se não contesta, não arrola testemunhas ou não elabora quesitos? Ao atuar assim, pode-se considerar que há advogado, mas que não alcança o que se pode considerar defesa técnica, e isso pode configurar, conforme entendimento do Supremo tribunal Federal, nulidade absoluta, conforme se comprove que tal passividade demonstrada pelo patrono ao exercer a defesa técnica possa ter prejudicado o réu.
[1] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Direito Processual Penal. Salvador-Bahia: JusPODIVM, 2017, p.25.
[2] BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusação e sentença. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 37.
3 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Direito Processual Penal. Salvador-Bahia: JusPODIVM, 2017, p. 56.
4 Idem, p 58.