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Recurso Especial nº 1.340.553 (prescrição intercorrente).

O início automático do prazo prescricional

Agenda 18/04/2019 às 10:10

Aborda o início automático da prescrição intercorrente em caso de não localização do devedor ou de seus bens.

Findado o Recurso Especial 1.340.553, que abordou a temática da prescrição intercorrente, necessário analisar seus parâmetros, buscando indicar acertos e desacertos. Outrossim, dando a tônica pessimista do julgado, aponte-se que o acórdão é dotado de 175 páginas, fato um tanto quanto avesso ao processo interpretativo.

Ou seja, se ao Judiciário é dada a tarefa de interpretar a norma (na espécie o art. 40 da LEF, desdobrado em cinco parágrafos), o fazendo em quase duas centenas de páginas, talvez crie mais embaraços do que desate eventuais nós.

Antevenha-se o leitor. O cipoal parido é de uma complexidade deveras apavorante, fazendo crer que o tema passe para uma etapa ainda mais complexa: interpretar o próprio ato interpretativo.

Diante da impossibilidade de colacionarmos o inteiro acórdão, faz-se por bem trazer a ementa. Ainda, reste colacionada a norma sob julgamento (art. 40 da LEF).

Eis a ementa:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015 (ART. 543-C, DO CPC/1973). PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. SISTEMÁTICA PARA A CONTAGEM DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE (PRESCRIÇÃO APÓS A PROPOSITURA DA AÇÃO) PREVISTA NO ART. 40 E PARÁGRAFOS DA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL (LEI N. 6.830 /80).

1. O espírito do art. 40, da Lei n. 6.830/80 é o de que nenhuma execução fiscal já ajuizada poderá permanecer eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário ou da Procuradoria Fazendária encarregada da execução das respectivas dívidas fiscais.

2. Não havendo a citação de qualquer devedor por qualquer meio válido e/ou não sendo encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora (o que permitiria o fim da inércia processual), inicia-se automaticamente o procedimento previsto no art. 40 da Lei n. 6.830/80, e respectivo prazo, ao fim do qual restará prescrito o crédito fiscal. Esse o teor da Súmula n. 314/STJ: "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente".

3. Nem o Juiz e nem a Procuradoria da Fazenda Pública são os senhores do termo inicial do prazo de 1 (um) ano de suspensão previsto no caput, do art. 40, da LEF, somente a lei o é (ordena o art. 40: "[...] o juiz suspenderá [...]"). Não cabe ao Juiz ou à Procuradoria a escolha do melhor momento para o seu início. No primeiro momento em que constatada a não localização do devedor e/ou ausência de bens pelo oficial de justiça e intimada a Fazenda Pública, inicia-se automaticamente o prazo de suspensão, na forma do art. 40 , caput, da LEF . Indiferente aqui, portanto, o fato de existir petição da Fazenda Pública requerendo a suspensão do feito por 30, 60, 90 ou 120 dias a fim de realizar diligências, sem pedir a suspensão do feito pelo art. 40, da LEF. Esses pedidos não encontram amparo fora do art. 40 da LEF que limita a suspensão a 1 (um) ano. Também indiferente o fato de que o Juiz, ao intimar a Fazenda Pública, não tenha expressamente feito menção à suspensão do art. 40, da LEF. O que importa para a aplicação da lei é que a Fazenda Pública tenha tomado ciência da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido e/ou da não localização do devedor. Isso é o suficiente para inaugurar o prazo, ex lege.

4. Teses julgadas para efeito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (art. 543-C, do CPC/1973):

4.1.) O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 - LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução;

4.1.1.) Sem prejuízo do disposto no item 4.1., nos casos de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária (cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido antes da vigência da Lei Complementar n. 118/2005), depois da citação válida, ainda que editalícia,logo após a primeira tentativa infrutífera de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará suspensa a execução.

4.1.2.) Sem prejuízo do disposto no item 4.1., em se tratando de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária (cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido na vigência da Lei Complementar n. 118/2005) e de qualquer dívida ativa de natureza não tributária, logo após a primeira tentativa frustrada de citação do devedor ou de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará suspensa a execução.

4.2.) Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronuciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da Lei n. 6.830/80 - LEF, findo o qual o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato;

4.3.) A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) deverão ser processados, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois, citados (ainda que por edital) os devedores e penhorados os bens, a qualquer tempo – mesmo depois de escoados os referidos prazos –,considera-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera.

4.4.) A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/73, correspondente ao art. 278 do CPC/2015), ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial - 4.1., onde o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.

4.5.) O magistrado, ao reconhecer a prescrição intercorrente, deverá fundamentar o ato judicial por meio da delimitação dos marcos legais que foram aplicados na contagem do respectivo prazo, inclusive quanto ao período em que a execução ficou suspensa.

5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime dos arts. 1.036e seguintes do CPC/2015 (art. 543-C, do CPC/1973).

Na mesma senda, segue a norma sob enfoque:

Art. 40. - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 5o A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei nº 11.960, de 2009)

Conforme consta do item 1 (...) nenhuma execução fiscal já ajuizada poderá permanecer eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário ou da Procuradoria Fazendária encarregada da execução das respectivas dívidas fiscais. Tal premissa se mostra acertada dado que a gestão processual é preocupação latente que merece o devido apreço. Contudo, a medida adotada não guarda relação de causa e consequência. Houve massiva generalização tratando-se execução fiscal como tema único, desprezando-se todas as particularidades nela existente.

Consta do item sob análise, verbis:

"Não havendo a citação de qualquer devedor por qualquer meio válido e/ou não sendo encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora (o que permitiria o fim da inércia processual), inicia-se automaticamente o procedimento previsto no art. 40 da Lei n. 6.830 /80 (...).

O ato de julgar não pode ser confundido com o ato de legislar. No ponto, é o que aconteceu. Em nenhum momento a norma indicou que a não localização de bens daria ensejo ao início, automático, do prazo prescricional. É nítido o caráter normativo do julgado. Não interpreta; legisla.

Por sua vez, é de se buscar, no corpo do próprio julgado, os fundamentos para afastar, de norma automática, o início do prazo prescricional diante da não localização do devedor ou de seus bens. Para fins didáticos, aponta-se a página do julgado, assim como o julgador.

Nos termos do voto do ministro Herman Benjamin (pag 31):

Outra dúvida que tive é que, salvo melhor juízo, não ficou explicado no voto do e. Ministro Mauro Campbell Marques o que se deve entender por “não localização do devedor ou de seus bens” : no rito da Lei 6.830 /1980, a regra é a citação por carta. Se esta retorna negativa - muitas vezes com a simples informação de que o devedor, “mudou-se”, ou estava “ausente”, ou de que a agência postal não foi procurada (“não procurado”), qual a consequência? Seria lícito considerar o devedor como não localizado em tais circunstâncias e," automaticamente ", entender como suspensa a Execução Fiscal?

A exegese que faço, até mesmo em função da representatividade do estoque da dívida ativa, é que a suspensão prevista no art. 40 da Lei 6.830 /1980 é aquela que decorre da identificação da situação de crise no processo, isto é, de que a demanda ajuizada tende a se revelar inútil ou com remota possibilidade de chegar ao fim ordinário (satisfação da pretensão creditória da Fazenda Pública).

Com a devida vênia, não vejo como considerar que a totalidade desse valor – conforme dito, multimilionário – possa ser classificada de maneira uniforme (isto é, todo esse quantum, genericamente considerado, estaria sujeito a um único tratamento jurídico) e simplificada ou reduzida, em termos processuais, a um procedimento que direta ou indiretamente transforme a suspensão do processo, tendente a abreviar a disciplina da prescrição intercorrente, em um fim primordial.

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De fato, da forma com que posta a ementa, há um nítido enquadramento de todo e qualquer processo. A não localização inicial do devedor ou de seus bens é ato dos mais comuns em processos executivos. Contudo não significa que, na realização de diligências ulteriores, não possa ser encontrado o devedor ou seus bens.

Prossegue o ministro Herman de forma sentencial (pag 33):

"Citamos outro exemplo que demonstra a inviabilidade de se concluir automaticamente suspensa a Execução Fiscal pela ausência de localização de bens no endereço diligenciado. Muitas vezes o devedor pode não possuir bens no seu domicílio, mas em outras cidades (por exemplo, imóveis). A abertura de vista à Fazenda Pública, portanto, com a simples certificação de que não foram localizados bens no endereço diligenciado, não pode dar ensejo ao início da suspensão, pois a previsão legal relativa à não localização de bens, por certo, pressupõe sua completa inviabilidade.

Nesse complexo contexto, entendo que o simples insucesso na prática de um ato processual não pode ter o condão de ensejar, automaticamente, a suspensão do processo, pois isso, repito, se por um lado colabora indiretamente com uma gestão processual tendente à prestação jurisdicional formalmente mais célere, por outro representará, na mesma medida, a indireta chancela judicial, em favor do devedor mal-intencionado, do planejamento, às custas da exegese que o Poder Judiciário confere à lei federal, de práticas cada vez mais sofisticadas para ocultação de seus bens."

Na espécie, apesar de reconhecer a necessidade de diminuição de execuções fiscais em trâmite, não pode o Poder Judiciário lançar mão de artifícios que inviabilizem os feitos executivos, criando requisitos que a lei não criou.

Sobre o autor
Leandro Brescovit

Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.

Informações sobre o texto

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