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A prescrição nas ações de ressarcimento ao erário por improbidade administrativa

Por mais que a prescritibilidade ações de ressarcimento ao erário por improbidade administrativa não seja a corrente majoritária, verifica-se a consistência dos argumentos de seus defensores que privilegiaram o respeito aos princípios basilares da ordem constitucional brasileira.

RESUMO: O presente trabalho pretende analisar os entendimentos jurisprudenciais recorrentes no tocante à aplicação do instituto prescricional às ações de ressarcimento ao erário por ato de improbidade administrativa, confrontando-os com as disposições doutrinárias e os princípios basilares que regem o ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, utilizou-se de método exploratório para se fazer um apanhado holístico de como o tema vem sendo tratado no ordenamento jurídico brasileiro, consultando-se a bibliografia de juristas consagrados, bem como decisões proferidas em sede judicial e legislação pertinente, numa abordagem qualitativa.

Palavras-chaves: Prescrição. Ressarcimento ao erário. Improbidade administrativa.

Sumário: 1. Introdução 2. Prescrição: conceito 2.1 Ilícitos da lei de improbidade x ressarcimento ao erário 2.2 Disposições constitucionais 2.3 Histórico jurisprudencial 2.4 Tese da imprescritibilidade 2.5 Tese da prescritibilidade 3. Considerações finais 4. Referências.


1 INTRODUÇÃO

A prescrição é instituto jurídico aplicado a diversos ramos da Ciência do Direito com o objetivo de estabelecer limite temporal à pretensão de se reparar um direito violado, sendo expressão clara do princípio da segurança jurídica.

Quando aplicada ao Direito Administrativo, a prescrição regula, dentre outras situações, a prerrogativa a qual detém o Estado de cobrar eventuais danos causados ao seu erário em decorrência da prática de ato de improbidade administrativa.

Nesse contexto, tendo em vista o não consenso entre os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da aplicação da Prescrição às ações que visem a reparação de danos ao erário por ato de improbidade administrativa, esse trabalho pretende trazer à baila a discussão existente sobre o tema, confrontando as disposições doutrinárias, os entendimentos jurisprudenciais e a carga principiológica constitucional vigente em nosso ordenamento jurídico.


2. PRESCRIÇÃO: CONCEITO

O instituto prescricional, de forma simples e didática, revela a perda do exercício de um direito pelo titular em virtude de sua inércia. Significa o término do decurso de um lapso temporal sem que o titular de um direito realize alguma atitude para exercê-lo. Sobre o tema Miranda bem pondera que:

Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem odireito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade (MIRANDA, 1974, p. 101).

Dessa forma, falar em prescrição nas ações de ressarcimento ao erário importa analisar a existência ou não de um prazo para que o Estado busque reaver danos causados ao seu patrimônio tendo em vista a prática de conduta ímproba.

2.1 ILÍCITOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA X RESSARCIMENTO AO ERÁRIO

Para melhor esclarecer a referida análise, cumpre diferenciar a aplicação da prescrição aos ilícitos tipificados na Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa -, em contrapartida à aplicação às ações de ressarcimento ao erário que se fundarem na prática de atos ímprobos.

A prática de ilícitos tipificados na Lei de Improbidade Administrativa que ocasionam danos ao erário pode ser perseguida pelo Estado nas esferas administrativa, penal e cível conforme redação do artigo 12 da referida lei (PLANALTO, 1992). A reprovação dessas condutas impõe a necessidade de punição daqueles que as praticam. Punição essa materializada nas penas previstas no Capítulo III da Lei de Improbidade, in verbis:

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido. (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016) (PLANALTO, 1992).

Sendo assim, ao se falar em prescrição para a busca de punição de condutas consideradas ímprobas, há de se reconhecer a existência de lapso temporal para que o Estado tome providências para que se faça cumprir as penas previstas no supracitado dispositivo legal. Esse lapso temporal está previsto no artigo 23 da Lei 8.429/92 (PLANALTO, 1992). O reconhecimento da prescritibilidade dessa pretensão punitiva é questão pacífica em nosso ordenamento por força do referido dispositivo legal que assim dispõe:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

 I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

 II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

 III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º desta Lei (PLANALTO, 1992).

Em contrapartida à clareza legislativa no que se refere aos prazos prescricionais para a punição de ilícitos administrativos, a controvérsia se instala quando da análise da prescritibilidade das ações que visem o ressarcimento financeiro dos danos causados, afinal o Estado não deve restringir suas ações à busca de punição das condutas ímprobas, mas, igualmente, deve desejar que sejam reavidos os prejuízos financeiros causados em decorrência de sua prática.

Ou seja: a aplicação do instituto prescricional no contexto desta pesquisa se refere a dois objetos: a punição pela prática de atos de improbidade administrativa, sendo estes prescritíveis nos termos da já aludida Lei de Improbidade Administrativa; e a busca pelo ressarcimento patrimonial dos danos causados ao erário em virtude da prática desses atos considerados ímprobos, estando nesse último toda a controvérsia objeto desta pesquisa.

2.2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS

O norte inicial da discussão é a Constituição da República Federativa do Brasil que, em seu artigo 37, § 5º, (BRASIL1, 2015), estabelece que cabe à legislação infraconstitucional dispor acerca dos prazos de prescrição aplicáveis à ilícitos que causem danos ao erário.

Conforme já constatado, a legislação infraconstitucional aludida pela Magna Carta já existe e consubstancia-se no artigo 23 da Lei de Improbidade Administrativa (PLANALTO, 1992). A polêmica surge em virtude da parte derradeira do referido dispositivo constitucional que faz ressalva à sua aplicabilidade às ações que visem o ressarcimento financeiro devido: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento” (BRASIL1, 2015, p. 21).

Uma interpretação literal desse dispositivo restaria por reconhecer a imprescritibilidade das ações que visem o ressarcimento financeiro por danos causados ao erário, em virtude da ressalva final. Mas seria essa a interpretação mais condizente com todo o sistema constitucional vigente?

2.3 HISTÓRICO JURISPRUDENCIAL

Em virtude da ressalva prevista na parte final do artigo 37, § 5º da Constituição Federal (BRASIL¹, 2015, p. 21), o Superior Tribunal de Justiça aplicava o entendimento de que as ações de ressarcimento, nos casos de atos de improbidade, não estariam amparadas pelo manto da prescrição, podendo o Estado a qualquer momento perseguir o devido prejuízo financeiro causado, conforme decido no julgamento do Recurso Especial 1292531 SP, cuja ementa assim estabelece:

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ADMINISTRATIVO.  AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. IMPRESCRITIBILIDADE.

1. A ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível, mesmo se cumulada com a ação de improbidade administrativa (art. 37, § 5º, da CF).

2. Recurso especial não provido. (BRASIL², 2013).

Em contrapartida, no ano de 2016, houve o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do Recurso Extraordinário 669069 (BRASIL³, 2016) em que se reconheceu a prescritibilidade das ações de reparação de danos à Fazenda Pública quando fundadas na prática de ilícito civil.

Em que pese tal entendimento não se aplicar às ações de ressarcimento decorrentes de atos de improbidade ou ilícitos penais, a partir de então houve uma importante ruptura com o entendimento até então estabelecido em sede jurisprudencial; entendimento esse fundado na mera interpretação literal das disposições constitucionais. O referido julgamento indicava uma análise mais juridicamente madura do controvertido tema, tendo em vista as inconsistências argumentativas e interpretativas já apontadas por parcela da doutrina pátria e que serão oportunamente demonstradas.

Ademais, em agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal apreciou o Recurso Extraordinário 852475 (BRASIL4, 2018). O recurso teve sua repercussão geral reconhecida e finalmente seria realizada a análise sobre a prescritibilidade ou não das ações de ressarcimento ao erário decorrentes de atos de improbidade.

O julgamento do RE 852475 (BRASIL4, 2018) aconteceu em duas partes. No primeiro momento, decidiu-se pelo reconhecimento da prescrição do dano ao erário pela prática de ato de improbidade, importando, por consequência, no reconhecimento de que as ações de ressarcimento não seriam imprescritíveis como até então se havia entendido.

No entanto, em segundo momento, numa reviravolta de interpretações, o voto reformulado do Ministro Luis Roberto Barroso abriu caminho para que os demais ministros também reformulassem seus votos e ficasse consignado o entendimento de que apenas as ações de ressarcimento ao erário fundadas em atos de improbidade culposos seriam objeto de prescrição.

As ações de ressarcimento decorrentes de atos de improbidade dolosos permaneceriam imprescritíveis, conforme tese firmada: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa” (BRASIL4, 2018).

Desse apanhado de entendimentos jurisprudenciais não fica forçoso reconhecer que o tema não guarda uma linearidade de tratamento pelos Tribunais Superiores, em que pese os entendimentos mais recentes reforçarem a tese da imprescritibilidade de forma mitigada, como se evidencia do aludido entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Nessa linha de intelecção, depreende-se que a controvérsia instalada reflete também a falta de unanimidade da doutrina pátria acerca da questão, conforme será a seguir exposto, contrapondo-se os defensores das teses da imprescritibilidade e prescritibilidade.

2.4 TESE DA IMPRESCRITIBILIDADE

Como já identificado, as Cortes Superiores brasileiras possuem entendimento, embora controversos e não unânimes, de que as ações de ressarcimento ao erário decorrentes da prática de atos tipificados na Lei 8.429/92 são imprescritíveis, com ressalva ao entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal que, de certa forma, relativizou a imprescritibilidade, reconhecendo que nas ações ressarcitivas decorrentes de atos ímprobos culposos há o decurso de prazo prescricional. Em se tratando de atos ímprobos dolosos há a manutenção do reconhecimento da imprescritibilidade. 

Existe uma parcela de juristas brasileiros que também defende a não existência de prescrição nas pretensões de ressarcimento por atos de improbidade, a exemplo do importante administrativista Carvalho Filho que sobre o tema assevera:

De início, deve-se registrar que a prescrição não atinge o direito das pessoas públicas (erário) de reivindicar o ressarcimento de danos que lhe foram causados por seus agentes. A ação, nessa hipótese, é imprescritível, como enuncia o art. 37, § 5º, da CF: Conquanto a imprescritibilidade seja objeto de intensas críticas, em função da permanente instabilidade das relações jurídicas, justifica-se a sua adoção quando se trata de recompor o erário, relevante componente do patrimônio público e tesouro da própria sociedade. (CARVALHO FILHO, 2011, p. 1015).

Ou seja, para o autor, a recomposição do erário demonstra-se categoricamente superior a qualquer outro interesse. Podemos dizer, portanto, que o autor privilegia a aplicação do macro princípio de Direito Administrativo, qual seja, supremacia do interesse público sobre o privado. Princípio este vetor do Direito Administrativo, significando que o interesse público deve prevalecer aos interesses dos particulares.

Em contrapartida, das palavras do autor fica fácil depreender que, em que pese ele defenda a tese da imprescritibilidade, há o reconhecimento da existência de ponto crítico: o entendimento pela imprescritibilidade ocasiona instabilidade jurídica, conforme será oportunamente evidenciado.

Outra importante jurista do direito administrativo, Pietro, ao comentar o artigo 37, §5º, da Constituição Federal defende que o texto constitucional reconhece a imprescritibilidade da pretensão ressarcitiva:

Esse dispositivo determina que “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Assim, ainda que para outros fins a ação de improbidade esteja prescrita, o mesmo não ocorrerá quanto ao ressarcimento dos danos. (PIETRO, 2018, p. 1037).

Ao confrontar o posicionamento de Bandeira de Mello, que será oportunamente trazido à baila, Pietro (2018, p. 1037), assim como Carvalho Filho, admite o prejuízo à segurança jurídica ao se reconhecer a tese da imprescritibilidade, embora a autora pondere que o interesse público existente deva prevalecer.

Outro jurista que defende a tese da imprescritibilidade é Gasparine. O autor não se aprofunda na discussão da temática, mas apenas interpreta a parte final do artigo 37, § 5º da Constituição de forma literal, concluindo categoricamente que as ações de ressarcimento fundadas em atos ímprobos são imprescritíveis, a saber:

Nos termos do art. 37, § 5, da Constituição, caberá à lei estabelecer os prazos de prescrição para os ilícitos praticados pelos agentes públicos que causem prejuízos ao erário, salvo no que se respeita às ações de ressarcimento. Estas são imprescritíveis. (GASPARINI, 2003, p. 207)

Infere-se, portanto, que grande parcela da doutrina defende a imprescritibilidade da pretensão de reaver danos causados ao erário quando se trata de condutas tipificadas na Lei de Improbidade Administrativa, aludindo-se sempre à parte final do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, por entenderem que a ressalva estabelecida deixa implícita a imprescritibilidade das ações ressarcitivas.

Com as disposições doutrinárias até o momento trazidas, verifica-se que os defensores da tese da imprescritibilidade reconhecem a instabilidade jurídica proporcionada pelo não estabelecimento de lapso temporal para que o Estado tome providências com o objetivo de reaver prejuízos financeiros.

E não poderia ser diferente. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Lewandowski, no julgamento do Recurso Extraordinário 669069, em 2016, asseverou que “os professores costumam lembrar que a prescrição visa exatamente a impedir que o cidadão viva permanentemente com uma espada de Dâmocles na cabeça” (BRASIL3, 2016).

No entanto, prevalece entre os defensores da tese da imprescritibilidade o entendimento de que o ressarcimento ao erário materializa a necessidade de se ver prevalecer o interesse público, razão pela qual justificaria-se a relativização do princípio da segurança jurídica. Em contrapartida, Nassar citada por Grinover, bem pontua que:

Não é defensável anular-se os princípios basilares do Estado de Direito quais sejam o princípio da segurança e da estabilidade das relações jurídicas. Nesta linha de raciocínio, acentuamos que o princípio da segurança jurídica, no caso, sobrepõe-se aos demais (GRINOVER, 2007, p.43).

Das palavras da autora infere-se que há um conflito entre princípios de ordem constitucional e seu descontentamento revela que a técnica resolutiva de conflitos dessa natureza levaria à uma conclusão diversa daquela que boa parte da doutrina jurídica pátria considera como mais acertada. Em nosso ordenamento, quando verificada a existência de conflito entre princípios constitucionais, a técnica a ser utilizada para dirimir esse conflito é conhecida como ponderação de interesses. 

Sobre essa técnica, Barcellos esclarece que “a ponderação é a técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais” (BARCELLOS, 2005, p.23), cabendo destacar que a referida técnica não se restringe aos conflitos entre princípios constitucionais. Ou seja, há situações em que a utilização dos métodos clássicos de interpretação de normas não satisfaz determinadas situações fáticas.

Nesse sentido, utilizar da ponderação de interesses significa colocar numa balança as duas normas em conflito, no presente caso os princípios basilares da segurança jurídica, contraditório e ampla defesa em contrapartida ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, para saber qual dessas vertentes principiológicas deve prevalecer no caso concreto. Citado por Benavides, Alexy assim aduz sobre o tema:

Antes, quer dizer — elucida Alexy — que, em determinadas circunstâncias, um princípio cede ao outro ou que, em situações distintas, a questão de prevalência se pode resolver de forma contrária. Com isso — afirma Alexy, cujos conceitos estamos literalmente reproduzindo — se quer dizer que os princípios têm um peso diferente nos casos concretos, e que o princípio de maior peso é o que prepondera. (BONAVIDES, 2008, p. 279-280).         

Ademais, as palavras de Nassar citada por Grinover (2007, p.43) evidenciam que a segurança jurídica possui uma maior relevância fática se contraposta ao interesse público. O reconhecimento disso se impõe ainda em virtude de toda carga valorativa que o sistema constitucional privilegia.

Em conformidade, Oliveira (2018, p. 45) bem assevera que o interesse público pode ser dividido em interesse público primário e interesse público secundário. O primeiro engloba a necessidade da satisfação de interesses considerados essenciais à sociedade como um todo, a exemplo de justiça, bem-estar e segurança. Já o interesse público secundário engloba necessidades do próprio Estado

enquanto sujeito de direitos e obrigações, ligando-se fundamentalmente à noção de interesse do erário, implementado por meio de atividades administrativas instrumentais necessárias para o atendimento do interesse público primário, tais como as relacionadas ao orçamento, aos agentes públicos e ao patrimônio público (OLIVEIRA, 2018, p. 45).

Dessa forma, a pretensão de reaver o prejuízo financeiro advindo da prática de atos ímprobos não poderia ser considerada um interesse público primário, sendo que “a doutrina tradicional sempre apontou para a superioridade do interesse público primário (e não do secundário) sobre o interesse privado” (OLIVEIRA, 2018, p. 45). Embora o autor pondere que essa divisão dicotômica já esteja superada.

Ademais, Oliveira (2018, p. 45) também assevera que existe uma parcela de juristas que defende a não existência de supremacia abstrata do interesse público sobre o privado, corroborando a necessidade da aplicação da técnica de ponderação de interesses para que, no caso concreto, escolha-se pela norma que deve prevalecer.

Nesse sentido, o princípio da dignidade da pessoa humana é alçado como fundamento da República Federativa do Brasil, conforme estabelece o art. 1°, III, da Constituição Federal (BRASIL, p.9) e, em última análise, reconhecer a prevalência de princípios basilares como a segurança jurídica é também respeitar a dignidade do administrado que não pode se ver refém ad eternum da indecisão por parte do Estado em propor ou não uma ação de ressarcimento.

2.5 TESE DA PRESCRITIBILIDADE

Existe outra parcela da doutrina que não está convencida pela mera interpretação literal do artigo 37, § 5, da Constituição Federal. Entre os defensores da tese da prescritibilidade estão Bandeira de Mello e Grinover. Os argumentos são consistentes e refletem uma necessária interpretação sistemática das disposições constitucionais.

O jurista Bandeira de Mello (2011) em sua obra intitulada Curso de Direito Administrativo, 29ª edição, assevera sua mudança de entendimento quanto a prescritibilidade ou não das ações de ressarcimento ao erário fundadas em atos ímprobos.

O autor pondera que, apesar de sempre ter defendido a tese da imprescritibilidade, reconhece que o fazia com certo receio e desconforto por entender desacertada a solução jurisprudencial dada à questão, qual seja, a de interpretar que a ressalva estabelecida constitucionalmente implicaria no necessário reconhecimento de que as ações de ressarcimento por atos ímprobos seriam imprescritíveis.

Essa interpretação literal, em suas palavras, é definida como um “desparate, ante o teor desatado da linguagem constitucional” (BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 1081). O uso dessas expressões pelo autor indica um descontentamento pela não visualização, por grande parte da doutrina, de atecnia na redação do texto constitucional. Ou seja: faltou ao constituinte clareza quanto aos limites de aplicação da ressalva prevista na parte final do artigo 37, §5º da Constituição. Do mesmo modo, Nassar citada por Grinover, afirma que:

É notório princípio de exegese não presumir que disposições normativas novas infirmam as precedentes sobretudo quando implicam rompimento com larga tradição legislativa anterior, a menos que isto resulte clara e induvidosamente dos termos do regramento superveniente. (GRINOVER, 2007, p.43).

A autora bem pondera que não se deve tirar conclusões precipitadas de dispositivos que possuem um certo grau de obscuridade, ainda mais se essas conclusões resultarem num rompimento abrupto com toda tradição e logicidade do sistema jurídico.

A conclusão pela imprescritibilidade é precipitada na medida em que o dispositivo constitucional possa ser interpretado de maneira dúbia: podendo significar a escolha pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário por atos ímprobos, como também pode significar uma escolha pela diferenciação entre os prazos prescricionais aplicáveis aos ilícitos de improbidade e os prazos prescricionais aplicáveis especificamente ao ressarcimento patrimonial dos danos causados.

Portanto, poderia o Constituinte apenas ter almejado que os prazos de prescrição referentes ao ressarcimento fossem tratados de forma diferenciada em relação aos prazos prescricionais dos ilícitos.

Nessa linha de intelecção, citada por Grinover, Nassar aduz ainda que “se a regra é de prescritibilidade das ações condenatórias, não se pode afirmar derrogada essa regra em face do disposto no §5º do art. 37 da Constituição da República” (GRINOVER, 2007, p.43). 

Assim, tem se que a sistemática jurídica brasileira, por tradição, sempre reconheceu a existência de lapso temporal para a proposição de ações de cunho condenatório. Dessa forma, não se demonstraria razoável interpretar um dispositivo constitucional obscuro de forma literal com o objetivo de embasar uma inovação jurídica um tanto controversa.

Conforme já evidenciado, há situações em que não há razoabilidade em interpretar as normas jurídicas utilizando-se de métodos tradicionais. No presente caso, há um nítido conflito entre princípios de ordem constitucional. Conflito esse que deve ser resolvido pela técnica de ponderação de interesses como uma forma de mitigar controvérsias. A interpretação simplista daqueles que defendem a tese da imprescritibilidade acaba por rechaçar princípios tidos como pilares do Estado Democrático de Direito.

Nesse diapasão, Bandeira de Mello, argumentando contra a imprescritibilidade, se opõe a já demonstrada insegurança jurídica que o seu reconhecimento implica. A título de exemplo, o autor assevera que eventuais herdeiros, caso se entenda pela imprescritibilidade, “poderiam ser acionados pelo Estado mesmo decorridas algumas gerações, o que geraria a mais radical insegurança jurídica” (BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 1080).

No exemplo trazido pelo autor verifica-se que eventuais herdeiros se veriam na iminência de terem seu patrimônio violado, mesmo após o decurso de prazo razoável em que o Estado poderia ter tomado as providências cabíveis para que o ressarcimento fosse efetivado. Naturalizar tal possibilidade seria atacar frontalmente direitos fundamentais que privilegiam a dignidade humana, a exemplo da necessidade de haver segurança jurídica nas relações entre Estado e administrado.

Além da insegurança jurídica causada, Bandeira de Mello se viu convencido por outro forte argumento: o de que a imprescritibilidade limita o direito de defesa em virtude da dificuldade de se produzir meios de prova depois de transcorrido lapso temporal considerável, tendo em vista que a Administração poderia a qualquer momento propor a ação de ressarcimento.

O autor traz à baila o referido argumento após exposição no Congresso Mineiro de Direito Administrativo do ano de 2009, onde o professor Emerson Gabardo argumenta que com reconhecimento da imprescritibilidade

[...] restaria consagrada a minimização ou eliminação prática do direito de defesa daquele a quem se houvesse increpado dano ao erário, pois ninguém guarda documentação que lhe seria necessária além do prazo razoável, de regra não demasiadamente longo. De fato, o Poder Público pode manter em seus arquivos, por período de tempo longuíssimo, elementos prestantes para brandir suas increpações contra terceiros, mas o mesmo não sucede com estes, que terminariam inermes perante arguições desfavoráveis que se lhe fizessem. (BANDEIRA DE MELLO, 2011, p.1081).

De maneira convergente à argumentação trazida por Emerson Gabardo, o jurista Bruno citado por Cordeiro bem pontua que o transcorrer do tempo altera a realidade de maneira tão significativa que o administrado se veria em uma situação de esvaziamento de sua capacidade de produzir provas, in verbis:

O tempo que passa, contínuo, vai alterando os fatos e com estes, as relações jurídicas que neles se apoiam. E o direito, com o seu senso realista, não pode deixar de atender a essa natural transmutação de coisas [...]. Além disso, o fato cometido foi-se perdendo no passado, apagando-se os seus sinais físicos e as suas circunstâncias na memória dos homens; escasseiam-se e tomam-se incertas as provas materiais e os testemunhos e assim crescem os riscos de que o juízo que se venha a emitir sobre ele se extravie, com grave perigo para a segurança do direito. Umas e outras razões fazem da prescrição um fato de reconhecimento jurídico legítimo e necessário. Em todo caso, um fato que um motivo de interesse público justifica. (CORDEIRO, 1997, p. 105-120).

Dessa forma, tem-se que reconhecer a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário por atos de improbidade seria subverter a sistemática constitucional que consagra a Ampla Defesa como direito fundamental e necessário ao cumprimento do devido processo legal em prol da prevalência do interesse público que, nessa situação, lesionaria de forma categórica toda uma carga principiológica constitucional que prevê instrumentos de respeito à dignidade humana.

Em acréscimo, o reconhecimento da imprescritibilidade também resultaria no reconhecimento de que a atividade estatal de perseguição do ressarcimento restaria ineficiente, a ponto de não haver o estabelecimento de lapso temporal para que o Estado tome as providências devidas.

No mesmo sentido, Bandeira de Mello pondera ainda que “não é crível que a Constituição possa abonar resultados tão radicalmente adversos aos princípios que adota no que concerne ao direito de defesa” (BANDEIRA DE MELLO, 2011, p. 1081), demonstrando, mais uma vez, seu descontentamento com a solução majoritariamente tida como mais certeira.

 Em continuidade, outro argumento utilizado pelos defensores da tese da prescritibilidade é o de que a Constituição Federal prevê expressamente os casos de imprescritibilidade, a exemplo do crime de racismo previsto como imprescritível no artigo 5º, XLII, da Constituição Federal (BRASIL1, p.10).

Nessa mesma linha argumentativa, Moraes, relator do Recurso Extraordinário 852475, em seu voto aduz que “as exceções à prescritibilidade estão única e exclusivamente previstas na Constituição Federal, no campo punitivo penal, nos incisos XLII e XLIV do artigo 5º” (BRASIL4, 2018). Igualmente, Bandeira de Mello também defende esse argumento nos seguintes termos:

[...] quando quis estabelecer a imprescritibilidade a Constituição o fez expressamente como no art. 5º, incs. LII e LXIV (crimes de racismo e ação armada contra a ordem constitucional – e sempre em matéria penal que, bem por isto, não se terniza, pois não ultrapassa uma vida - , ainda mais se robustece a tese adversa à imprescritibilidade. (BANDEIRA DE MELLO, 2011, p.1081).           

Ademais, além de haver em nosso ordenamento previsão expressa das situações em que a prescritibilidade não é aplicada, há também a previsão de prazos prescricionais para a proposição de ações com o objetivo de punir lesões a bens jurídicos de elevada importância como o é a vida, fazendo-se questionar a falta de razoabilidade ao se propor a imprescritibilidade de ações ressarcitivas. Assim, Rocha e Tourinho, respectivamente asseveram que:

Se até no Direito Penal, que tutela os bens jurídicos mais caros ao corpo social, os efeitos do tempo também fulminam a pretensão estatal de punir os delitos mais graves, qual a justificativa para perpetuar o direito de a administração pública desconstituir os seus atos? De fato, quando a ordem jurídica pretende não prescrever algum direito, o diz de maneira expressa (CF, arts. 5º, XLII; 182, § 3º e 191, parágrafo único). Quer dizer, a prescritibilidade é a regra, e a imprescritibilidade, a exceção. (ROCHA, 2006, p. 160).

Como vimos, os prazos prescricionais estão a serviço da paz social e da segurança jurídica, valores primordiais à coletividade, que não podem ser suplantados por interesses de cunho patrimonial, mesmo que este pertença ao Estado. Observe-se que a preocupação com tais valores é tamanha em nosso ordenamento jurídico que até o crime de homicídio, que atenta contra a vida — bem maior, passível de proteção — prescreve em 20 anos. (TOURINHO, 2007).

Há, portanto, um nítido descontentamento dos autores pela falta de visão sistêmica por parte dos defensores da tese da imprescritibilidade, afinal um dispositivo legal está inserido em um sistema jurídico em que seus elementos devem se relacionar de forma lógica e coesa.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De exposto tem-se que, por mais que a prescritibilidade não seja a corrente majoritária, verifica-se a consistência dos argumentos de seus defensores que, na interpretação do artigo 37, § 5º da Constituição Federal, privilegiaram o respeito aos princípios basilares da ordem constitucional brasileira. Reconhecer a prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário fundadas em atos ímprobo é, em última análise, preservar a logicidade do ordenamento jurídico brasileiro.


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Sobre os autores
Anderson Ferreira de Lima

Bachalerando do curso de Direito da Católica do Tocantins

Wellington Gomes Miranda

Professor de Direito na Faculdade Católica do Tocantins, Analista Ministerial em Ciências Jurídicas na Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Anderson Ferreira; MIRANDA, Wellington Gomes. A prescrição nas ações de ressarcimento ao erário por improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5834, 22 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73442. Acesso em: 23 dez. 2024.

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