Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

O dever da fundamentação das decisões

Agenda 24/04/2019 às 00:35

O CPC/2015 nada mais é do que um reflexo do que todas as outras normas vem tratando de maneira menos explicita: a obrigatoriedade do Poder Judiciário fundamentar todas as suas decisões de acordo com a Carta Magna.

Resumo: Este artigo visa tratar da importância da fundamentação das decisões jurídicas, tendo em vista que ocasiona em uma maior segurança jurídica, bem como o afastamento do subjetivismo do magistrado. Ademais, faz uma análise sobre a obrigatoriedade da fundamentação das decisões no novo Código de Processo Civil de 2015 e as demais legislações brasileiras.

Palavras-chave: Fundamentação das decisões. Art. 489, CPC/2015. Segurança Jurídica. Arbitrariedade.


1 Introdução

O novo Código de Processo Civil brasileiro trouxe inúmeras mudanças significativas ao ordenamento jurídico, bem como foi uma conquista dos advogados, os quais passaram a ter atendidas várias reivindicações, no tocante a contagem de prazos, parâmetros objetivos para a fixação de honorários de sucumbência etc.

Ocorre que nenhuma inovação trazida pelo novo Código de Processo Civil foi tão criticada e ao mesmo tempo exaltada no que tange ao dever de fundamentação das decisões elencado no artigo 489.

Determina o art. 489, § 1º do CPC de 2015 que:

“Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar, a invocar precedente o enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

Ora, apesar desse dispositivo determinar que o julgador não poderá se esquivar de determinados pontos argüidos pela parte, como antes o fazia no Código de Processo Civil de 1973, vale ressaltar que no antigo Código de Processo Civil o dever de fundamentação já existia, não sendo, portando, uma novidade.

Vale ressaltar que apesar de inúmeras decisões do Poder Judiciário, as quais se pautavam no Código de Processo Civil de 1973, terem sido alvo de recursos por falta de fundamentação, já existia o dever de todas as decisões serem fundamentadas.

Pois bem, a própria Constituição Federal de 1988 já havia determinado que seria imposto ao Poder Judiciário o dever de fundamentar todas as suas decisões conforme preceitua o art. 93.

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”.

Além disso, o próprio Código de Processo Civil de 1973 determinava em seu artigo 458 que caberia ao Poder Judiciário fundamentar todas as suas decisões, mesmo de que maneira concisa.

Sendo assim, percebe-se que o novo Código de Processo Civil somente inovou no que tange ao rol de hipóteses em se consideram não fundamentadas as decisões.


2 Dever de fundamentação – histórico no Brasil

O Direito reflete a sociedade, existindo uma relação íntima de influência entre ambos; sendo assim, se conclui que a evolução do Direito se pauta nos anseios e na evolução da própria sociedade.[1]

O dever de fundamentar não teve origem na Constituição Federal de 1988, mas remonta ao Código Filipino, conforme as leis portuguesas da época.

Ocorre que mesmo alcançando a sua independência, o Brasil continuou determinando em suas legislações a obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais, devendo a sentença ser clara, bem como cabendo ao juiz abordar todos os pontos apresentados pelas partes, motivando com precisão o seu julgamento, e declarando sob sua responsabilidade a lei.

Ressalta-se que a fundamentação das decisões judiciais, visava desde os tempos de colônia, garantir que a lei fosse cumprida e a arbitrariedade do Poder Judiciário fosse afastada do processo, garantindo a imparcialidade do juízo, bem como se evitasse o abuso do subjetivismo.

Estando o juízo obrigado a fundamentar as suas decisões, garante-se que as decisões serão sempre tratadas de acordo com a lei e, conseguintemente, em uma maior segurança jurídica aos indivíduos que estão sujeitos à essa lei.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Neste sentido, vale ressaltar que Rui Portanova destacou que a vinculação do juiz e da sentença à lei são o objetivo final do processo, concretizando a atuação da vontade da lei, a segurança jurídica e a manutenção da ordem pública quando ofendidas pelo conflito. O fim da sentença e sua fundamentação é “restaurar o império da lei e do Direito objetivo”.[2]

A razão ideológica da fundamentação das decisões judiciais possui raízes profundas na necessidade superar o Antigo Regime (Absolutismo), tendo em vista que o arbítrio do Poder Judiciário seria afastado, passando a sua função a ser meramente técnica e sua razão fundada na lei.

Ademais, por meio da fundamentação seria possível fiscalizar e limitar a atuação do magistrado, haja vista que a legalidade instruía as condutas do Estado de Direito.[3]

Por meio da universalização do dever do Poder Judiciário de fundamentar as decisões foi um importante instrumento criado pelos Estados, a fim de simplificar a administração da Justiça, a criação de precedentes judiciais e o controle das instâncias inferiores pelas superiores.[4]


3 Mudança de entendimento e de critérios de interpretação para a solução de conflitos a ser utilizado pelo Poder Judiciário

Durante esse período em que o Positivismo se sobressaiu, o magistrado deveria fixar o seu entendimento de acordo com a lei, não possuindo poderes para realizar uma atividade interpretativa da lei. Sendo assim, a sentença seria uma mera matemática, tendo em vista que a solução dos conflitos era por meio do silogismo.

Ocorre que com o avanço da sociedade, o Direito também teve que evoluir. Logo, essa fórmula matemática para resolução das lides passou a ficar ultrapassado, sendo necessário a aplicação de um novo sistema, o qual não fosse mecanicista.

Foi somente no período pós-guerra, que se deu uma revolução intelectual, alterando a concepção de Direito em inúmeros países e, consequentemente, do sistema de silogismo implantado pelo Positivismo. Surgiram as premissas do Estado Democrático de Direito, conceito mais abrangente, não mais sujeito à obediência cega da lei, mas obrigado à observância de outros critérios e à realização de valores, dentre eles o da soberania popular.

Com a superação do Positivismo a Constituição passou a ser o centro do ordenamento jurídico, deixando de ser uma mera Carta de recomendações.

Com isso, a técnica de ponderação se sobrepôs como método de aplicação, em face do método matemático aplicado pelo Positivismo. Ou seja, o magistrado passou a poder interpretar a norma, devendo, todavia, pautar-se dos princípios e normas constitucionais, bem como deverá utilizar de fundamentos que não sejam casuísticos.[5]

Ora, ao estabelecer a possibilidade do magistrado interpretar a norma, de maneira ampla, caberá também impor que esse fundamente todas as suas decisões, sob o prisma da segurança jurídica, pois, caso contrário, a arbitrariedade e o interesse privado sobressairiam e, conseguintemente, não existiria uma decisão justa.


4 Conclusão

Percebe-se a importância da fundamentação das decisões judiciais, independentemente do método de solução dos conflitos, seja ele Positivista ou do período pós-guerra.

Todavia, esse dever se faz extremamente importante no momento em que o magistrado possui autonomia para interpretar a norma de acordo com a Carta Magna e os princípios estabelecidos nela.

Caso contrário, não seria possível se auferir uma decisão justa pelo Poder Judiciário, haja vista que esse poderia ser influenciado pela política, pela cultura ou até mesmo por interesses particulares.

Sendo assim, a importância do dever de fundamentação deve ser elevado, nesse contexto, como princípio constitucional. Neste ponto, o artigo 93, inciso IX da Constituição Federal de 1988 prevê a garantia constitucional de obter do Estado as decisões judiciais e administrativas fundamentadas. E ainda que não estivesse prevista explicitamente, ninguém arriscaria negar que tal dever decorre logicamente do processo justo, ao assegurar as garantias fundamentais.

Logo, ressalta-se que o novo Código de Processo Civil de 2015 nada mais é do que um reflexo do que todas as outras normas vem tratando de maneira menos explicita: a obrigatoriedade do Poder Judiciário fundamentar todas as suas decisões de acordo com a Carta Magna, bem como os princípios estabelecidos em nosso ordenamento jurídico. Caso contrário, o caos e a arbitrariedade reinariam em uma sociedade que anseia pela justiça.


Referências

AMORIN, Letícia Balsamão. Motivação das decisões judiciais. Ricardo Lobo Torres; Eduardo Takemi; Kataoka, Flavio Galdino. (Org) Silvia Faber Torres, supervisora. Dicionário de princípios jurídicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 849.

ÁVILA, Humberto. O que é “devido processo legal”? In: DIDIER JR, Fredie. (Org.) Teoria do Processo-Panorama Doutrinário Mundial. Segunda Série. Bahia: Jus Podivm, 2010.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito. Temas de Direito Processual, 2ª série, 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1988.

__________.Sobre a “Participação do Juiz” no Processo Civil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido; WATANABE, Kazuo (Org.). Participação e Processo. São Paulo: Ed. RT, 1988.

__________. O que deve e o que não deve figurar na sentença, in Temas de Direito Processual - 8ª série. São Paulo: Saraiva, 2004.

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Democracia Moderna e Processo civil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido; WATANABE, Kazuo (org.). Participação e Processo. São Paulo: Ed. RT, 1988.

BARROS, Flaviane de Magalhães. A fundamentação das decisões a partir do modelo constitucional de processo. In: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, vol. 1, n. 6. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2008.

BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito. (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n° 09, março/abril/maio, disponível em <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp> , acesso em 17/05/16.

__________.Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, Rio de Janeiro: Saraiva, 2009.

BONICIO, Marcelo José Magalhães. Ensaio sobre o dever de colaboração das partes previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo, ano 35, nº 190, dezembro de 2010 ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 210/230.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/principal/principal.asp> Acesso em 14/05/16.


Notas

[1] CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de Reforma do Processo Civil nas Sociedades Contemporâneas, In: Revista de Processo, RT-SP, nº 65, ano 17, janeiro-março/92, p. 127/143: Nesta obra é importante a seguinte afirmação: “Quero aqui sublinhar uma constatação: se é verdade, consoante já disse Franz Klein há quase um século, que o direito processual é um espelho da cultura da época, isso se torna ainda mais evidente no campo das provas.” E continua: “Direi logo – antecipando uma elaboração posterior – que aqui, novamente, o processo se revela como espelho da cultura de uma época.”

[2] PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 2ª Ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994, p. 35 e36.

[3] NOJIRI, Sérgio. Op. cit. p. 31.

[4] PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva. 2001, p.70. “Enquanto imposto a sentença pelo legislador ordinário, no código de Processo Civil, pode-se afirmar, de modo simplificado, que a obrigatoriedade da motivação da sentença tem também a cumprir uma função endoprocessual, que consiste essencialmente em permitir que as partes exercitem o seu direito de recorrer, partindo do conhecimento das razões do julgado, além de ainda facilitar o controle das decisões e a uniformização da jurisprudência pelas instâncias superiores.”

[5] BARROSO, Luis Roberto. Op. cit. p. 321

Sobre a autora
Yasmin Gonçalves Faria

Sócia fundadora da sociedade Gonçalves & Duarte Advogados. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/MG (2016-2018). Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. MBA Executivo em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Mestranda em Direito Tributário pela Universidade Católica de Argentina (UCA). Autora de artigos e livros jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!