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Corte interamericana de Direitos Humanos.

Caso Gelman vs. Uruguai e o controle de convencionalidade realizado pelos agentes públicos em geral

Agenda 10/05/2019 às 06:20

O objetivo deste estudo é trazer um panorama da Corte Interamericana de Direitos Humanos e ao mesmo tempo tratar do assunto controle de convencionalidade, em especial quando realizado por qualquer autoridade administrativa.

INTRODUÇÃO

            O presente trabalho não tem o objetivo de esgotar o tema, porém dentro de sua proposta inicial visa fomentar os estudos sobre o controle de convencionalidade realizado pelas autoridades administrativas em geral, tema pouco debatido no meio acadêmico, haja vista que a maioria dos operadores do direito possuem uma visão ultrapassada que somente os órgãos do poder judiciário possuem tal poder-dever.

            Para compreendermos o tema é necessário apresentar alguns aspectos gerais sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), entre eles a origem, função, tipos de competências, legitimados para provocar sua jurisdição, influência no ordenamento jurídico interno, além de breves apontamentos sobre as diferenças entre a Corte IDH e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

            Ademais, essencial é a compreensão do conceito de controle de convencionalidade, porquanto é o cerne do debate.

            Ao analisar a Doutrina especializada bem como alguns julgados da Corte internacional de Direitos Humanos, precisamente o caso conhecido como Gelman vs. Uruguai, restou cristalino o poder-dever que as autoridades administrativas possuem para realizar o controle de convencionalidade, para tanto, após revisão sistemática da literatura, apresentamos embasamentos jurídicos para as autoridades administrativas atuarem de forma legítima e em conformidade com o ordenamento jurídico.

            1 NOÇÕES GERAIS SOBRE A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

          A origem Corte Interamericana de Direitos Humanos ocorreu com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos também conhecida como Pacto São José da Costa Rica, a referida convenção foi elaborada em 22 de novembro de 1969, porém a Corte nasceu apenas no ano de 1978 quando da entrada em vigor da Convenção, tendo sido incorporada ao ordenamento jurídico pátrio através do Decreto Legislativo 27, de 25 de setembro de 1992 e pelo Decreto Presidencial 678, de 6 de novembro de 1992.

            A Corte faz parte do sistema interamericano de direitos humanos. Ela é um dos três tribunais regionais de proteção de direitos humanos, ao lado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos.    Sua primeira reunião ocorreu em Washington (EUA) no ano de 1979, todavia, atualmente possuí sede própria na cidade de São José (Costa Rica) (CNJ,2019).

            Consta em seu próprio estatuto, que a Corte é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e interpretação da Convenção Americana (CORTE IDH, 2019). Os Estados que se submetem aos julgados da Corte devem levar em consideração que este órgão é a autoridade máxima na interpretação sobre Direitos Humanos, bem como seus julgados e opiniões consultivas formam uma espécie de jurisprudência internacional sobre direitos humanos, neste sentido:

Quem determina o significado e o alcance normativo dos dispositivos da CADH é a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos, e não os Estados signatários do tratado internacional, afinal, se os Estados estivessem aptos a determinar qual o verdadeiro alcance e significado dos dispositivos previstos em qualquer dos tratados internacionais de direitos humanos, haveria mais de vinte significados diferentes acerca do direito à vida, direito à integridade pessoal etc., uma vez que cada Estado formularia a sua concepção sobre o assunto, o que ocasionaria uma extrema insegurança jurídica, além de esvaziar a função contenciosa e consultiva dos tribunais internacionais de direitos humanos. Portanto, ao se interpretar um tratado internacional de direitos humanos, ou outra norma que compõe o bloco de convencionalidade, o intérprete deve, a partir de uma hermenêutica jurídica cosmopolita, seguir o entendimento dos tribunais internacionais de direitos humanos sobre o assunto, uma vez que estes desempenham a interpretação internacionalista por excelência, sob pena de se criar um “tratado internacional nacional. (PAIVA; HEEMANN, 2017, p.53-54)

         Essencial é realizarmos uma breve diferenciação entre os dois órgãos independentes do sistema interamericano de proteção de direitos humanos, ambos previstos na Convenção Americana, são eles a Corte Interamericana de Direitos Humanos e Comissão interamericana de Diritos Humanos.

            A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foi criada para promover a observância e a defesa dos direitos humanos e para servir como órgão consultivo sobre esta matéria (CIDH, 2017). Sobre a estruturação da Comissão, o professor Valerio de Oliveira Mazzuoli assim comenta:

A origem da Comissão Interamericana de Direitos Humanos é uma Resolução e não um tratado. Trata-se da Resolução VIII da V Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, ocorrida em Santiago (Chile) em 1959. […] sua função seria promover os direitos estabelecidos tanto na Carta da OEA, quanto na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

De acordo com a Carta da OEA, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos é, além de órgão da Organização dos Estados Americanos, também órgão da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, tendo assim funções ambivalentes ou Bifrontes. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, é tão somente órgão da Convenção Americana. Embora todos os Estados da Convenção Americana sejam obrigatoriamente membros da OEA, a recíproca não é verdadeira.

A comissão Interamericana de Direitos Humanos tem sede em Washington, nos Estados Unidos da América.

Tanto atuando como órgão da OEA, quanto como órgão da Convenção, a Comissão tem funções idênticas, sendo a única diferença que, atuando como órgão da Convenção Americana, a Comissão pode deflagrar na Corte Interamericana uma ação de responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos, oque não poderá ocorrer quando atua apenas como órgão da OEA.(MAZZUOLI, 2008, p.185-186)

         Ao tratarmos da Corte Interamericana de Direitos humanos, como já mencionado ela é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e interpretação da Convenção Americana, neste sentido Mazzuoli:

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, é o órgão jurisdicional do sistema interamericano, que resolve sobre os casos de violações de direitos humanos perpetradas pelos Estados-Partes da OEA e que tenham ratificado a Convenção Americana.

A corte não pertence à OEA, mas tão somente à Convenção Americana, tendo natureza de órgão judiciário internacional autônomo.

Trata-se da segunda corte de direitos humanos instituída em contextos regionais (a primeira foi a Europeia dos Direitos do Homem, sediada em Estrasburgo).

A corte detém uma competência consultiva (relativa à interpretação das disposições da convenção, bem como das disposições de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos, demonstrando a opinião em abstrato da Corte sobre o tema) e uma competência contenciosa, de caráter jurisdicional, própria para o julgamento de casos concretos, quando se alega que algum dos Estados-Partes na Convenção violou algum de seus preceitos, incorrendo em responsabilidade internacional. (MAZZUOLI, 2008, p.186)

         Cabe mencionar que um Estado pode ratificar a Convenção Americana, possuindo status de Estado-Parte, entretanto não ser submetido ao controle jurisdicional internacional da Corte Interamericana, isto ocorre porque a competência contenciosa da Corte deverá ser expressamente reconhecida pelo Estado (Art. 62 da Convenção Americana) (CIDH, 2019), é a chamada cláusula facultativa de jurisdição obrigatória ou Cláusula Raul Fernandes (MAZZUOLI, 2008, p.186), porém uma vez aceita a competência jurisdicional da Corte o Estado não poderá mais dela se desengajar, ao menos que denuncie a Convenção como um todo.

            O Brasil no ano de 1998 entrou para o rol dos Estados que aceitaram a competência contenciosa da Corte conforme se observa do documento eletrônico no próprio sítio da Comissão Interamericana (https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htmCIDH, 2019).

            Sobre sua competência, cabe ainda frisar que a Corte Interamericana não possui competência Penal para julgar os violadores de Direitos Humanos, ela visa tão somente amparar as vítimas e estabelecer uma reparação aos danos a elas causadas pelo Estado ou seus agentes. Somente o Tribunal Penal Internacional (criado pelo Estatuto de Roma e com sede em Haia) possui esta competência em matéria criminal, sendo o Brasil submetido a sua jurisdição, conforme Art. 5º, parágrafo 4º, da Constituição Federal.

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            A Corte Interamericana é composta por sete juízes nacionais dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), eleitos através de votação secreta da maioria absoluta dos Estados-Partes da Convenção, os eleitos possuem mandato de seis anos podendo ser reeleitos por uma vez, sendo vedado a eleição de dois juízes da mesma nacionalidade. Desde o momento da eleição e enquanto durar o mandato os Juízes eleitos gozam dos mesmos privilégios e imunidades reconhecidos aos agentes diplomáticos.

         1.1 QUEM SÃO OS LEGITIMADOS PARA ACIONAR A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

         Segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos (Art.61), somente os Estados-Partes e a Comissão têm direito de submeter algum caso à decisão da corte, neste sentido Valerio Mazzuoli:

Tanto os particulares quanto as instituições privadas estão impedidas de ingressar diretamente na Corte (Art. 61), diferentemente do que ocorre na Corte Europeia de Direitos do Homem. Será a Comissão – que, neste caso, atua como instância preliminar à jurisdição da Corte – que submeterá o caso ao conhecimento da Corte, podendo também fazê-lo outro Estado pactuante, mas desde que o País acusado tenha anteriormente aceito a jurisdição do tribunal para atuar em tal contexto […]

As vítimas ou seus representantes só podem peticionar à Comissão, que poderá  (se assim entender cabível) deflagrar na Corte uma ação judicial contra o Estado potencialmente culpado. Frisa-se que a Comissão (nos casos deflagrados para a salvaguarda dos interesses de particulares) não pode atuar como parte na demanda, uma vez que já atuou no caso quanto à admissibilidade deste. (MAZZUOLI, 2008, p. 268-369)

         A comissão realizará uma filtragem das demandas apresentadas por quem não possuí legitimidade para acionar a Corte, o trâmite de uma reclamação perante a Comissão consta no Artigo 48 e seguintes da Convenção. Basicamente, ao receber uma denúncia a Comissão averiguará a legitimidade e veracidade das informações, se constatado alguma violação aos direitos humanos tentará de forma amistosa realizar uma conciliação entre o lesado e o Estado-Parte, sendo infrutífera poderá realizar recomendações aos Estados para adequarem-se a convenção e, por fim, acionar a Corte para decidir contenciosamente o caso apresentado, caso o Estado-Parte tenha optado expressamente pela jurisdição contenciosa.

        

         1.2 QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS INTERNAS DE UMA SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

         O Estado-Parte com sentença desfavorável deve cumprir as obrigações da Corte Interamericana de forma espontânea, ou ao menos deveria assim fazê-lo, haja vista previsão convencional para isso (Art.68), sob pena de incorrer em nova infração segundo o professor Cançado Trindade:

Se o Estado deixa de observar o comando do Art. 68, §1º,d a Convenção Americana (que ordena aos Estados que cumpram as decisões da Corte) incorre ele em nova violação da Convenção, fazendo operar no sistema interamericano a possibilidade de novo procedimento contencioso contra esse mesmo Estado. (CANÇADO TRINDADE, 2002. p.612-613)

         Como já mencionado a Corte Interamericana faz parte do sistema de proteção interamericana dos Direitos Humanos, assim possui jurisdição internacional, não podemos confundir uma sentença internacional com uma sentença estrangeira, pois suas consequências quanto ao cumprimento interno são absurdamente opostas, neste sentido expõe com maestria o professor Valerio Mazzuoli:

No caso específico das sentenças proferidas pela Corte Interamericana , não há que se falar na aplicação da regra contida no Art. 105, I,i da Constituição de 1988, que dispõe competir ao Superior Tribunal de Justiça a homologação de sentenças estrangeiras como condição de eficácia das mesmas no Brasil. Sentenças proferidas por tribunais internacionais não se enquadram na roupagem das sentenças estrangeiras às quais se referem tais normas. Por sentença estrangeira deve-se entender aquela proferida por um tribunal afeto a soberania de determinado Estado, e não a emanada de um tribunal sobre os seus próprios Estados-partes.

[…]

Caso o Estado não cumpra sponte a sua sentença da Corte, cabe à vítima ou ao Ministério Público Federal (com fundamento no Art. 109, III, da Constituição de 1988, segundo o qual “aos juízes federais compete processar e julgar […] as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estados estrangeiro ou organismo internacional”) deflagrar ação judicial a fim de garantir o efetivo cumprimento da sentença, uma vez que as mesmas também valem como título executivo no Brasil. (MAZZUOLI, 2008, p. 290)

         A representação e responsabilidade internacional da República do Brasil é suportada pela União (Art. 21, CRFB), porém nada impede que os prejuízos suportados pela fazenda púbica federal, que decorram do dever de indenizar provenientes de uma sentença da Corte Interamericana, possam ser recomposto através de uma ação regressiva contra o responsável imediato pela violação dos direitos humanos.

            2 NOÇÕES GERAIS SOBRE CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

         O conceito do que é controle de convencionalidade foi ao longo dos anos sendo lapidado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, entretanto, podemos dizer que trata-se de uma compatibilidade entre as Leis internas de um País com os Tratados de Direitos Humanos . No caso  Almonacid Arellano vs. Chile a Corte assim se manifestou a respeito do assunto:

O Poder Judiciário deve exercer uma espécie de “controle de convencionalidade” entre as normas jurídicas internas aplicadas a casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nesta tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não apenas o tratado, mas também a interpretação que a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana, fez do mesmo. (CORTE IDH, 2019)

         Quando falamos sobre controle de convencionalidade não podemos deixar de citar os comentários do professor Valério de Oliveira Mazzuoli, vejamos:

A Emenda Constitucional 45/2004, que acrescentou o § 3º ao Art. 5º da Constituição, trouxe a possibilidade de os tratados internacionais de direitos humanos serem aprovados com um quorum qualificado, a fim de passarem (desde que ratificados e em vigor no plano internacional) de um status materialmente constitucional para a condição (formal) de tratados ‘equivalentes às emendas constitucionais’. E tal acréscimo constitucional trouxe ao direito brasileiro um novo tipo de controle à normatividade interna, até hoje desconhecido entre nós: o controle de convencionalidade das leis. Ora, à medida que os tratados de direitos humanos ou são materialmente constitucionais (Art 5°, §2º),  ou material e formalmente constitucionais  (Art 5°, §3º), é lícito entender que, para além do clássico ‘controle de constitucionalidade’, deve ainda existir (doravante) um ‘controle de convencionalidade’ das leis, que é a compatibilização das normas de direito interno com os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país (MAZZUOLI, 2011, p.73)

            Didaticamente, após a Corte Interamericana aplicar em seus julgados o instituto ora tratado, a Doutrina realizou uma divisão entre controle de convencionalidade próprio e impróprio, sendo próprio quando é exercido por juízes, tribunais e órgão do poder judiciário. Já o controle de convencionalidade impróprio é aquele exercido  pelos demais órgãos e autoridades públicas. (MPPR, 2017. p.154)

            3 CASO GELMAN VS URUGUAI E AS PRINCIPAIS DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA SOBRE O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE REALIZADO PELAS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS

            Foi a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que no ano de 2010 apresentou o caso Gelman Vs Uruguai à Corte, solicitando que esta declarasse o Uruguai responsável por diversas violações de Direitos Humanos, dentre os fatos apontados pela Comissão, a Corte expressamente mencionou em sua Sentença de Mérito (2011) que:

2. Os fatos alegados pela Comissão referem-se ao desaparecimento forçado de María Claudia García Iruretagoyena de Gelman desde o final do ano de 1976, detida em Buenos Aires, na Argentina, quando se encontrava em estágio avançado de gravidez. Presume-se que, posteriormente, foi trasladada ao Uruguai onde teria dado à luz à sua filha, que fo entregue a uma família uruguaia. A Comissão afirma que estes atos foram cometidos por agentes estatais uruguaios e argentinos no marco da “Operação Condor”, sem que até a presente data sejam conhecidos o paradeiro de María Claudia García e as circunstâncias em que ocorreu seu desaparecimento. Além disso, a Comissão alegou a supressão da identidade e da nacionalidade de María Macarena Gelman García Iruretagoyena, filha de María Claudia García e Marcelo Gelman, a denegação de justiça, a impunidade e, em geral, o sofrimento causado a Juan Gelman, à sua família, à María Macarena Gelman e aos familiares de María Claudia García, como consequência da falta de investigação dos fatos, julgamento e sanção dos responsáveis, em virtude da Lei nº 15.848 ou Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado (doravante denominada “Lei de Caducidade”), promulgada em 1986 pelo governo democrático do Uruguai. (CORTE IDH, 2019)

            O caso em comento envolve diversos assuntos polêmicos no plano internacional, como exemplo a utilização da Lei de anistia como escudo para não punir agentes do Estado acusados de crimes de lesa humanidade, entretanto não é este o cerne do presente trabalho o qual visa demonstrar por este “corpus juris” que há possibilidade de qualquer agente público, principalmente aqueles envolvidos com a justiça penal, realizar o controle de convencionalidade esclarecendo que esta tarefa não cabe apenas aos magistrados como é comumente divulgado no meio acadêmico.

            O termo “controle de Convencionalidade” foi mencionado pela primeira vez no caso Myrna Mack Chang vs. Guatemala, porém materialmente seu nascimento ocorreu no ano de 2006 no Caso Almonacid Arellano vs. Chile, ocasião em que a Corte Interamericana não possuía um entendimento concreto sobre o que viria a ser o controle de convencionalidade, assim sentenciou o Estado do Chile a realizar uma “espécie” de controle de convencionalidade entre as normas internas e a Convenção Americana, concluindo que caberia ao judiciário (apenas) esta tarefa, vejamos:

124. A Corte tem consciência de que os juízes e tribunais internos estão sujeitos ao império da lei e, por isso, são obrigados a aplicar as disposições vigentes no ordenamento jurídico. Mas quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus juízes, como parte do aparato estatal, também estão submetidos a ela, o que os obriga a velar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam diminuídos pela aplicação de leis contrárias a seu objeto e a seu fim e que, desde o início, carecem de efeitos jurídicos. Em outras palavras, o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de “controle de convencionalidade” entre as normas jurídicas internas aplicadas a casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nesta tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não apenas o tratado, mas também a interpretação que a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana, fez do mesmo. (CORTE IDH, 2019)

            Evoluindo seu posicionamento sobre o controle de convencionalidade, a Corte Interamericana também no ano de 2006 ao analisar o caso conhecido como Trabalhadores Demitidos do Congresso vs. Peru, decidiu que o controle deveria ser realizado de ofício pelos juízes independente de comunicação ou pedido da parte para que o faça, vejamos:

128. Cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque el efecto útil de la Convención no se vea mermado o anulado por la aplicación de leyes contrarias a sus disposiciones, objeto y fin. En otras palabras, los órganos del Poder Judicial deben ejercer no sólo un control de constitucionalidad, sino también “de convencionalidad”77 ex officio entre las normas internas y la Convención Americana, evidentemente en el marco de sus respectivas competencias y de las regulaciones procesales correspondientes. Esta función no debe quedar limitada exclusivamente por las manifestaciones o actos de los accionantes en cada caso concreto, aunque tampoco implica que ese control deba ejercerse siempre, sin considerar otros presupuestos formales y materiales de admisibilidad y procedencia de ese tipo de acciones. (CORTE IDH, 2019)

            Evoluindo em seu entendimento a Corte Interamericana no caso Gelman vs. Uruguai (2011) reforçou a obrigatoriedade jurisdicional de um atuar ex offício, mas foi além, incluiu o poder-dever de todos os órgão de um Estado-Parte realizar o controle de convencionalidade  na medida de suas competências, vejamos:

193. Quando um Estado é parte de um tratado internacional como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive seus juízes, estão submetidos àquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam enfraquecidos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e fim, razão pela qual os juízes e órgãos vinculados à administração de justiça, em todos os níveis, possuem a obrigação de exercer ex officio um “controle de convencionalidade” entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no marco de suas respectivas competências e da normativa processual correspondente. Nesta tarefa devem considerar não apenas o tratado, mas também sua interpretação realizada pela Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana. (CORTE IDH, 2019)

            A sentença supra, certamente rompeu com o antigo pensamento que somente as autoridades judicantes poderiam realizar o controle de convencionalidade. No momento em que o Brasil aderiu voluntariamente a competência contenciosa da Corte Interamericana, este não poderá deixar de cumprir seus julgados bem como deverá seguir o entendimento da Corte sobre determinada matéria discutida, uma vez que é autoridade máxima no assunto,   assim, é salutar que Brasil fomente o controle de convencionalidade entre todos seus órgãos administrativos, uma vez que atuando neste sentido maximizará o princípio da máxima efetividade dos direitos humanos.

            3.1 JUSTIFICATIVAS PARA CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE REALIZADO PELAS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS.

          Conforme inovadora sentença proferida no caso Gelman vs. Uruguai, a Corte Interamericana de Direitos Humanos deixou claro que

Quando um Estado é parte de um tratado internacional como a Convenção Americana, todos os seus órgãos [...] estão submetidos àquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam enfraquecidos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e fim, razão pela qual os juízes e órgãos vinculados à administração de justiça, em todos os níveis, possuem a obrigação de exercer ex officio um ‘controle de convencionalidade. (CORTE IDH, 2019)

            Buscando complementar as informações a respeito do tema proposto é importante frisar que o no atual cenário jurisprudencial e doutrinário (majoritariamente) as autoridades administrativas, a exemplo Delegado de Polícia ou Diretor de Penitenciária, não possuem competência para realizar o controle de constitucionalidade de Leis, todavia poderá deixar de aplicá-las se o Chefe do Poder Executivo o qual são vinculados determine que seus órgãos subordinados deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de Lei que considere inconstitucional, a isto dá-se o nome de Controle Posterior ou Repressivo. (LENZA, 2008, p. 301)

            Mesmo não possuindo competência para realizar controle de constitucionalidade, nada impede que as autoridades administrativas possam realizar o controle de convencionalidade. Ademais, qualquer pessoa que alegue algum tipo de lesão por atos decorrentes do controle de convencionalidade, poderá buscar o judiciário para reformar a decisão administrativa (princípio da inafastabilidade da jurisdição).

            A atuação de qualquer órgão e seus agentes no controle de convencionalidade seria justificada tão somente pela decisão do caso Gelman vs. Uruguai e o dever de acatamento interpretativo que o Brasil possui sobre as sentenças ou opiniões consultivas da Corte interamericana, uma vez que segundo PAIVA e HEEMANN (2017, p.53-54) “estes desempenham a interpretação internacionalista por excelência, sob pena de se criar um tratado internacional nacional” .

            Outro sólido argumento que pode ser utilizado pelas autoridades administrativas é o fato dos tratados de direitos humanos possuírem natureza de supralegalidade (STF, 2019), por esta razão, diferente do controle de constitucionalidade que atua sobre a validade da norma, o controle de convencionalidade atua na vigência desta norma, por isso no momento que qualquer autoridade administrativa, no seu atuar, efetiva o controle de convencionalidade e afasta a aplicação da Lei contrária a Tratado Internacional, nada mais faz que deixar de aplicar uma lei revogada, porque uma lei contrária a um tratado de direitos humanos não produz nenhum tipo de efeito no mundo jurídico já que esta revogada.

            A autoridade administrativa que possuindo um mínimo poder decisório dentro da Administração Pública poderá realizar o controle de convencionalidade, citamos como exemplo o caso da junta recursal do INSS que diante de um caso concreto poderia afastar um ato normativo interno caso fosse contrário a um tratado de direitos humanos, ou mesmo a autoridade policial que deixa de realizar uma diligência solicitada por entender que tal ato é contrário ao Pacto São  José da Costa Rica.

            O respeito aos direitos humanos e sua máxima efetividade dentro do ordenamento jurídico sem dúvidas será alcançado com maior plenitude através do controle de convencionalidade, observa-se que algumas instituições de forma louvável já estão caminhando neste sentido, senão vejamos:

Enunciado n° 4, aprovado, em 2014, no 1° Encontro Nacional de Delegados de Polícia sobre aperfeiçoamento da Democracia e Direitos Humanos em Foz do Iguaçu: ‘os Delegados de Polícia, como autoridade de garantias, devem ser os primeiros a dar efetividade aos mandamentos constitucionais, bem como as sentenças e suas interpretações e os relatórios proferidos, respectivamente, pela Corte interamericana de Direitos Humanos e Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgãos do sistema regional de proteção aos direitos humanos, complementado pelo mesmo sistema âmbito global.(ZANOTTI; SANTOS. 2017, p.107-108)

         4 CONCLUSÃO

           

            Portanto, diante da busca em concretizar o princípio da máxima efetividade dos direitos humanos, não podemos aceitar que o instituto do controle de convencionalidade seja efetivado apenas, e tão somente, por magistrados.

            Conforme demonstrado na Jurisprudência da Corte IDH, mais precisamente no Caso Gelman Vs. Uruguai, os órgãos estatais devem atuar de ofício no controle de convencionalidade, na medida de suas competências.

            A autoridade administrativa pode realizar a compatibilidade entre a norma interna e um tratado internacional de direitos humanos, pois não atua no campo da validade da norma (restrito ao controle de constitucionalidade) e sim no campo da vigência, atuando neste sentido, certamente será um agente de transformação social.

            Desta feita, o controle de convencionalidade efetuado por autoridade pública, diversa do judiciário deve ser fomentado pelo Estado brasileiro, a uma porque é seu dever efetivar as decisões da Corte IDH, a duas porque o aumento desta forma de controle aproxima do mundo dos fatos os valores idealizados nos Tratados Internacionais, haja vista que, em regra, são as autoridades administrativas que realizam a primeira intervenção na vida do ser humano portador de direitos.

5 REFERÊNCIAS

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Corte, IDH. (2006). Caso Trabalhadores Demitidos do Congresso vs. Peru: Exceções preliminares, mérito e reparações (Costa Rica). (parágrafo 128º). Recuperado em 16 de fevereiro, 2019, dehttp://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_158_esp.pdf

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Gomes, L. F. & Mazzuoli, V. O. (2008). Direito Penal: Comentários à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos: Pacto San José da Costa Rica (v.4). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

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Justiça, Conselho Nacional. (2019). Corte Interamericana de Direitos Humanos. Brasília. Recuperado em 15 de fevereiro, 2019, de http://www.cnj.jus.br/poder-judiciario/relacoes-internacionais/corte-interamericana-de-direitos-humanos-corte-idh

Lenza, P. (2014). Direito Constitucional esquematizado (18ed., Rev., atual. e ampl., p.301). São Paulo: Saraiva.

Mazzuoli, V. O. (2011). O controle jurisdicional da convencionalidade das leis (2ed. rev., atual., e ampl.). São Paulo: editora Revistas dos Tribunais.

Paiva. C. C. & Heemann. T. H.(2017). Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos (2ª ed. p.53-54). Belo Horizonte: CEI.

STF. Recurso Extraordinário: RE 466343. Relator: Ministro Cezar Peluso, julgado em 03/12/2008. Recuperado em 16 de fevereiro, 2019 de http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/re466343.pdf

Trindade, A. A. C. (2002). O Direito Internacional em um Mundo em Transformação (p.612-613) Rio de Janeiro: Renovar.

Zanotti, B. T. & SANTOS, C. I. (2017). Delegado de Polícia em Ação: Teoria e Pratica no Estado Democrático de Direito. (5ed., Rev., atual., e ampl. p.107-108) Bahia: Jus Podvm.

Sobre o autor
Bruno Gabriel Leme de Almeida

Policial Militar (PR), Bacharel em Direito pela Universidade Norte do Paraná, Pós graduação (latu sensu) em Direito Constitucional (Faculdade Damásio de Jesus) e Direitos Humanos e Ressocialização (Faculdade Dom Alberto). Aprovado no Exame de Ordem.

Informações sobre o texto

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