Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A responsabilidade civil nas concessões administrativas

Exibindo página 1 de 2
Agenda 10/10/2005 às 00:00

Este trabalho trata da conformação da responsabilidade civil da Administração, tanto sob o ponto de vista genérico, quanto sob a ótica das concessões administrativas, enfocando a posição do concessionário e do Estado.

Síntese: Texto que trata da conformação da responsabilidade civil da Administração, tanto sob o ponto de vista genérico, quanto sob a ótica das concessões administrativas, enfocando a posição do concessionário e do Estado.


Sumário: 1- Introdução. 2- As Concessões Administrativas. 3- Responsabilidade do Estado. 4- A responsabilidade civil nas concessões administrativas. 5-Conclusões.


1- Introdução

A questão da responsabilidade civil do Estado é uma das mais discutidas no direito moderno. Tal se deve a uma guinada na visão acerca das relações do Estado com os administrados, passando a guiar-se por um solidarismo jurídico que repele que atuação estatal, em causando prejuízo, passe incólume ao dever de indenizar. Por outro lado, aumentaram significativamente as relações entre a Administração e os administrados, não somente no que diz respeito à quantidade, mas também em relação à complexidade. Estas atividades acabam por causar prejuízos cada vez mais freqüentes e graves, demandando a respectiva indenização.

A partir da década de 50 surge corrente preconizando a delegação crescente das atividades estatais a agentes privados, visando com isto reduzir o tamanho da máquina estatal e conferir flexibilidade à atividade dos serviços públicos. Esta é a matriz do Estado Gerencial, próprio da retomada de valores do liberalismo do século XIX. Ganham, com este fato, importância os contratos de concessão administrativa, em todos os campos, trazendo correlata um sem fim de situações ensejadoras da responsabilização civil.

É aqui que se insere a nossa temática, ou seja, determinar o perfil da responsabilidade civil nas concessões administrativas, tendo em pauta o vetor constitucional do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Para tanto, cremos de valia repassarmos, como premissas fundamentais, a configuração da responsabilidade civil do Estado e aspectos acerca do contrato de concessão. É o que faremos nos tópicos as seguir.


2- As Concessões Administrativas

Interessa-nos sobremaneira tecermos algumas considerações elucidativas acerca das concessões administrativas. As concessões inserem-se dentre os chamados atos administrativos negociais que, na definição de Hely Lopes Meirelles, são aqueles que "são praticados contendo uma declaração de vontade do Poder Público coincidente com a pretensão do particular, visando à concretização de negócios jurídicos públicos ou à atribuição de certas vantagens ao interessado" [1].

As concessões diferem das permissões e autorizações, também atos negociais. A permissão compreende "ato unilateral e precário, intuito personae, através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua alçada". [2] Já a autorização "é o ato unilateral pelo qual a Administração, discricionariamente, faculta o exercício de atividade material, tendo como regra, caráter precário." [3]

Na abalizada opinião de Hely Lopes Meirelles, o critério básico de diferenciação entre permissões e autorizações residiria no interesse prevalecente, pois nas autorizações, o ato almejaria um interesse predominante do particular e nas permissões, este interesse seria público. [4] Maria Sylvia Zanella Di Pietro elenca três acepções do termo autorização. A primeira "designa o ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração faculta ao particular o desempenho de atividade ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente punidos". [5] A segunda refere-se a ato unilateral em que se autoriza a utilização de bem público, também de forma discricionária e precária. E a terceira comporta as hipótese de autorização de serviço público. Ao definir a permissão, a autora não envereda por definição diferenciada.

De qualquer forma, a diferença entre as concessões, permissões e autorizações está em que aquela é um ato bilateral, comutativo e oneroso [6], em contraposição ao caráter precário e unilateral das últimas.

A delegação de serviços públicos e da realização de obras públicas faz-se por meio de concessões, daí surgir nosso interesse em uma breve digressão acerca desta forma de ato público, pois na condição de concessionárias é que pessoas jurídicas privadas poderão causar danos, dando margem ao questionamento acerca do regime da sua responsabilidade.


3- Responsabilidade do Estado

Também é premissa de nosso estudo conhecer a evolução da disciplina da responsabilidade civil do Estado. A possibilidade de responsabilização do Estado e os contornos e intensidade que pode tomar estão intimamente ligados às concepções político-jurídicas do período em que se procede à análise. Isto não chega a constituir uma novidade ou uma peculiaridade desta matéria, afinal todo o Direito, enquanto emanação estatal, está influenciado pela concepção de Estado vigorante. Mas no caso da responsabilidade civil do Estado, este matiz mais se realça exatamente porquanto o Estado, leia-se a Administração, está diretamente relacionado.

Efetuando uma retrospecção sobre o desenvolvimento da responsabilidade civil do Estado, vislumbram-se claramente três períodos bem identificados. Em um primeiro momento, o Estado é totalmente irresponsável por atos perpetrados por seus agentes e isto se deve basicamente ao fato de que o Estado se identifica com o próprio soberano ou monarca. O sincretismo do Estado com a religião, a crença de que o soberano é uma divindade cujo poder advém de uma "força superior", o fato de tudo pertencer ao rei e este personificar o Estado, tornam as ações dos agentes estatais encobertas pela incontrastabilidade e pela impossibilidade de se demandar pelo danos que viessem a causar. Dizia-se então que "the king can do not wrong".

A ruptura deste modelo político-jurídico só se dará com a Revolução Francesa, rompendo-se com o obsolutismo monárquico. De notar que isto não significou a ruptura com o monarquismo, que vicejou ainda por algumas décadas. Todavia, a burguesia ascendente cuidou de resguardar o indivíduo frente ao Estado, dando especial realce à consagração da propriedade privada. Mas como a evolução jurídica não acompanha pari passu a evolução histórica, ao menos não de forma imediata, ainda durante a segunda metade do século XIX a irresponsabilidade do Estado foi a regra. Citam-se, dentre outros, Richelmann, Buntschli, Gabba, Mantellini e Seredo. [7]

Lembra Cahali os fundamentos da teoria da irresponsabilidade: "O conceito fundamental da irresponsabilidade absoluta da Administração Pública firma-se em três postulados: 1) na soberania do Estado, que, por natureza irredutível, proíbe ou nega sua igualdade ao súdito, em qualquer nível de relação; a responsabilidade do súdito perante o súdito é impossível de ser reconhecida, pois envolveria uma contradição nos termos da equação; 2) segue-se que, representando o Estado soberano o Direito organizado, não pode aquele aparecer como violador desse mesmo Direito; 3) daí, e como corolário, os atos contrários à lei praticados pelos funcionários jamais podem ser considerados atos do Estado, devendo ser atribuídos pessoalmente àqueles, como praticados não em representação do ente público, mas nomine proprio". [8]

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Segundo Bandeira de Mello, a irresponsabilidade não teria um cunho absoluto. Após discorrer sobre os princípios que afirmavam a completa irresponsabilidade do Estado, complementa que o principio era temperado pelo reconhecimento da responsabilidade do funcionário quando o ato lesivo estivesse relacionado a comportamento pessoal deste.

Cuida-se de uma teoria totalmente ultrapassada, tendo sido abandonada nos últimos bastiões que resistiam em sua defesa: os Estados Unidos e a Inglaterra, pois é evidentemente inadmissível que o Estado não seja responsável pelos seus atos.

À teoria da irresponsabilidade sucedeu a da responsabilidade de cunho civilista em sua diversas diferenciações. A partir desta concepção, impõe-se uma responsabilização baseada nos princípios do direito civil, ou seja, na existência de culpa. A priori, busca-se estabelecer uma diferenciação entre os atos de gestão e os atos de império, conforme a Administração atuasse ou não em condição de superioridade, de imposição em relação ao administrado. Assim, acompanhando magistério de Di Pietro, conceituam-se atos de império como: "os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular, independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes" [9]

Já os atos de gestão seriam aqueles: "praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços".

Nos atos de gestão, passou-se a admitir a responsabilização do Estado. Já nos atos de império, em principio, tal não seria possível, pois, como lembra Cahali: "Em condições tais, agindo o Estado no exercício de sua soberania, na qualidade de poder supremo, supra-individual, os atos praticados nessa qualidade, atos jus imperii, restariam incólumes a qualquer julgamento e, mesmo quando danosos para os súditos, seriam insuscetíveis de gerar direito à reparação." [10]

Nos atos de gestão, salienta o mesmo autor, a responsabilidade seria apurada em condições de igualdade ao particular. Se inegável o progresso representado por esta teoria, ficava, todavia, muito aquém das necessidades, pois como ressalta Cretella Júnior: "Embora apresentando inegável progresso em relação à teoria anterior, a teoria dos atos de gestão (com culpa evidente do funcionário) de modo algum é satisfatória em face dos princípios que informam os sistemas jurídicos, porque para aquele que sofre o dano não interessa a natureza do ato, se é de império ou de gestão. Se o Estado é o guardião do Direito, como deixar desamparado o cidadão que sofreu prejuízos por ato do próprio Estado? Por que motivo o Estado vai criar distinção cerebrina para eximir-se da responsabilidade como o fundamento de que o desequilíbrio verificado no patrimônio do particular foi produzido por ação administrativa insuscetível de crítica?" [11]

Razão assiste ao eminente mestre ao redigir a crítica pois não há, sob o ponto de vista do prejudicado nenhuma diferença. O que importa é a existência de um dano imputável ao Estado. Repelida a teoria que se baseava na dicotomia entre atos jus imperii e jus gestionis, temos o período de transição entre as teorias de cunho civilista e as teorias de viés publicista.

Este período é marcado pela teoria da culpa administrativa, caracterizada por uma indagação não mais voltada à apuração da culpa subjetiva do agente administrativo, mas sim da falha, objetivamente considerada, do serviço público [12], marcada pela inexistência, mau funcionamento ou retardamento do serviço [13].

Mas é importante salientar, com Bandeira de Mello, que dita teoria não é ainda uma teoria de responsabilização objetiva. O autor relaciona esta confusão ao uso do termo "faute", que significando "culpa", teria sido erroneamente traduzido por "falta", de modo a ler-se "falta do serviço", e também ao fato de trabalhar, segundo ele, a teoria, com uma presunção de culpa, pois seria difícil provar que o serviço teria funcionado abaixo dos padrões. [14] De notar, aqui uma divergência entre Bandeira de Mello e Hely Lopes Meirelles, pois o último afirma que a teoria carreia ao prejudicado o ônus de provar a falta dos serviço, e como sabido, onde há presunção não há necessidade de prova, segundo o artigo 334, inc. IV, do CPC.

Seguem-se as teorias de cunho publicista, ou objetivas, que podem ser aglutinadas em duas principais: Teoria do Risco Administrativo e Teoria do Risco Integral. Ponto nodal de sua conformação jurídica reside na prescindibilidade da perquirição de culpa, bastando a ocorrência do evento danoso, ou nas palavras de Hely Lopes Meirelles, enquanto a teoria da culpa administrativa exige "falta do serviço", a teoria do risco administrativo exige "fato do serviço’. Assim, empolga-se a responsabilidade independentemente da licitude do ato. [15]

Mas diferem as teorias do risco administrativo da teoria do risco integral, porquanto naquela a responsabilidade do Estado pode ser afastada em alguns casos, como sejam quando ocorre culpa exclusiva da vítima [16], ou culpa de terceiros e força maior. [17]

No sistema jurídico pátrio, a dicção do artigo 37, § 6º, da CF/ 88, não deixa dúvidas acerca da adoção da responsabilidade objetiva [18], restando discernir se seria a teoria do risco administrativo ou a do risco integral. Em que pesem as divergências, que são mais semânticas do que propriamente de conteúdo, podemos afirmar, na esteira da doutrina, que foi adotada a teoria do risco administrativo. Neste diapasão, ressalta Meirelles: "O que a Constituição distingue é o dano causado pelos agentes da Administração (servidores) dos danos ocasionados por atos de terceiros ou por fenômenos da Natureza. Observe-se que o artigo 37, § 6º, só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros. Portanto o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares. Para a indenização destes atos e fatos estranhos à atividade administrativa observa-se o princípio geral da culpa civil, manifesta pela imprudência, negligência ou imperícia na realização do serviço público que causou ou ensejou o dano." [19]

O autor salienta que em hipóteses de danos naturais ou por danos causados por multidões, tem a jurisprudência exigido culpa da Administração, pois estariam, a priori, fora da área de atuação funcional da Administração. Yussef Said Cahali, de seu turno, preconiza que "no plano da responsabilidade objetiva, o dano sofrido pelo administrado tem como causa o fato objetivo da atividade comissiva ou omissiva) administrativa, regular ou irregular; incomponível, assim, com qualquer concepção de culpa administrativa, culpa anônima do serviço, falha ou irregularidade no funcionamento deste. "

E prossegue concluindo: "A questão desloca-se, portanto, para a investigação da causa do evento danoso, objetivamente considerada, mas sem perder de vista a regularidade da atividade pública no sentido de sua exigibilidade, a anormalidade da conduta do ofendido, a eventual fortuidade do acontecimento, em condições de influírem naquela causa do dano injusto, pois só este merece ser reparado". [20]

Já Bandeira de Mello reconhece a culpa como requisito nos atos omissivos. Merece transcrição a sua lição a respeito: "Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo. Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por ato ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva. Não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com efeito: inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação diligente), seria verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que não causou, pois isto eqüivaleria a extraí-la do nada; significa pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou, então, dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar ao evento lesivo. Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível" [21]

Como se observa da lúcida lição do administrativista, em se tratando de ato omissivo, deve ser considerada subjetivamente a responsabilidade, e só haverá imputação ao Estado do resultado quando podia efetivamente atuar em face de um caso concreto. Haverá culpa (que passa a ser exigida) se podendo atuar o Estado se omite, com violação de padrões aceitáveis de eficiência do serviço, pois não é admissível postular na ação humana (o Estado age por pessoas) a perfeição e a onipresença.

Neste passo, a invocação do autor calha mais uma vez, para fins de dilucidar qual o critério que será utilizado para aferição do padrão de desempenho a ser observado pelo Estado: Diz ele: "Não há resposta a priori quanto ao que seria o padrão normal tipificador da obrigação a que estaria legalmente adstrito. Cabe indicar, no entanto, que a normalidade de eficiência há de ser apurada em função do meio social, do estádio de desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico e da conjuntura de época, isto é, das possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso. Como indício destas possibilidades há que se levar em conta o procedimento do Estado em casos e situações análogas e o nível de expectativa comum da Sociedade (não o nível de aspirações), bem como o nível de expectativa do próprio Estado em relação ao serviço increpado de omisso, insuficiente ou inadequado. Este último nível de expectativa é sugerido, entre outros fatos, pelos parâmetros da lei que o instituiu e regula, pelas normas internas que o disciplinam até mesmo por outras normas das quais se possa deduzir que o Poder Público, por força delas, obrigou-se, indiretamente, a um padrão mínimo de aptidão." [22]

Por fim, arremata: "Em síntese: se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito, devia sê-lo. Também não o socorre eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos. Reversamente, descabe responsabilizá-lo se, inobstante atuação compatível com as possibilidades de um serviço normalmente organizado e eficiente, não lhe foi possível impedir o evento danoso gerado por força (humana ou material) alheia. Compreende-se que a solução indicada deva ser acolhida. De fato, na hipótese cogitada o Estado não é autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fator que positivamente gera resultado. Condição é evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado."

De nossa parte, admitimos esta construção como correta e admitimos a possibilidade de exclusão da responsabilidade em casos excepcionais, como, v.g, a culpa da vítima, caso este em que diversas vozes da doutrina manifestam-se favoráveis ao acolhimento do afastamento ou abrandamento da responsabilização do Estado. Veja-se, a respeito, Caio Mário da Silva Pereira:" A aceitação da teoria do risco administrativo não significa, entretanto, que o Estado é responsável em qualquer circunstância. Não obstante a proclamação da responsabilidade, aplicam-se no que couber, as causas ´excludentes da responsabilidade’ definidas e estudadas em o Cap. XX infra" [23].

No local citado pelo autor, ou seja, no capítulo XX, na página 296, encontramos a epígrafe "Fato da vítima: exclusivo ou concorrente".

José Cretella Júnior assevera: "A ‘culpa da vítima’, quer em direito privado, quer em direito público, é causa excludente da responsabilidade porque, como diziam os romanos, com grande precisão, ‘não se causa dano a quem não no quer’. Desse modo, provado que a vítima concorreu para a concretização do evento, o Estado não tem obrigação de indenizar. Nem teria sentido que alguém, dando causa ao dano, fosse depois a juízo reclamar indenização do Estado, alegando a própria torpeza ‘nemo admitt proprian turpitudi allegans’". [24]

Yussef Said Cahali, de seu turno, leciona: " Nesse contexto aceita-se (pois o enunciado também é válido em sede de risco integral)que a ‘teoria do risco administrativo não leva à responsabilidade objetiva do Poder Público, para indenizar em todo e qualquer caso, mas sim dispensa a vítima da prova da culpa do agente da Administração, cabendo a esta a demonstração da culpa total ou parcial do lesado, para que então fique ela total ou parcialmente livre da indenização’" [25]

Em outro trecho da mesma obra lê-se: "A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos...."(Op. cit, p. 46).

Outro renomado autor vê na culpa da vítima exclusão do nexo causal. É Celso Antônio Bandeira de Mello: "A culpa do lesado- freqüentemente invocada para elidi-la - não é em si mesma, causa excludente. Quando, em casos de acidente de automóveis, demonstra-se que a culpa não foi do Estado, mas do motorista do veículo particular que conduzia imprudentemente, parece que se traz à tona demonstrativo convincente de que a culpa da vítima deve ser causa bastante para elidir a responsabilidade estatal. Trata-se de um equívoco. Deveras, o que se haverá demonstrado, nesta hipótese, é que o causador do dano foi a suposta vítima, e não o Estado, o que haverá faltado para instaurar-se a responsabilidade é o nexo causal" [26]

Na jurisprudência, ad exemplum:

"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. Demonstrado, pela prova, ter a vitima agido com culpa, de vez que, em fuga do flagrante delito cometido, reagiu a prisão a tiros, nenhuma responsabilidade pode ser imputada ao Estado pelo fato de sua morte. Apelação improvida. (Apelação cível nº 596175414, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, julgado em 12/03/97)"

Ainda há a possibilidade de concausas, que afastariam a responsabilidade do Estado. A respeito, é de invocar-se acórdão da lavra do eminente Ministro Moreira Alves, de 12.5.1192, e que consta das JSTF 172/197 e RT 688/230: " Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das duas outras teorias existentes: a da equivalência das condições e a da cusalidade adequada. (cf Wilson melo da Silva, Responsabilidade sem culpa, ns. 78 e 79, pp. 128 e ss). Essa teoria, como bem demonstra Agostinho Alvim (da Inexecução das Obrigações, 5ª ed, n. 226, p. 370) só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário da uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Daí dizer Agostinho Alvim (loc. cit): ´ Os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis´. No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, e com base nos quais reconheceu ele o nexo de causalidade indispensável para o reconhecimento da responsabilidade objetiva constitucional, é inequívoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a incidência da responsabilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitucional 1/69. Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação de quadrilha e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão"

Vista a compleição da responsabilidade do Estado em geral e em nosso direito, passemos à responsabilidade nas concessões administrativas.

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A responsabilidade civil nas concessões administrativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 831, 10 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7400. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!