De início, convém recordar sucintamente que o processo administrativo disciplinar no âmbito da Administração Pública Federal se desenvolve nas seguintes fases: a) instauração; b) inquérito administrativo e c) julgamento (art. 151 da Lei n.º 8.112/90).
Dentro da fase do chamado “inquérito administrativo”, ter-se-ão os procedimentos de colheita de provas, análise de documentos, oitiva de testemunhas, requisição de perícias. Ao final desta etapa, com base em todo material produzido, a Comissão Disciplinar Processante expõe suas conclusões, opinando pela absolvição ou condenação do servidor.
Pois bem.
Segundo o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não é obrigatória a intimação do investigado para a apresentação de alegações finais, após o relatório final produzido pela Comissão Processante, por inexistência de previsão legal na Lei Federal n.º 8.112/90. (STJ. 1ª Seção. MS 13.498/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 25/5/2011).
Ousamos, respeitosamente, “refletir” sobre esse argumento.
Afinal de contas, onde estava a previsão legal do direito ao duplo grau de jurisdição?
A resposta a essa pergunta, por muitos e muitos anos, esteve alicerçada numa interpretação do sistema jurídico, uma vez que a existência do direito ao duplo grau de jurisdição era extraída através das garantias constitucionais do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF) e também da atribuição constitucional de competência recursal aos Tribunais, tudo isso apesar de inexistir previsão expressa legal a esse respeito.
É bem verdade que posteriormente tal discussão se esvaziou, já que a Convenção Americana de Direitos Humanos foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, através do Decreto n.º 678 de novembro de 1992, de modo que na alínea “h”, item 2, de seu art. 8º, está prevista expressamente a existência do direito ao duplo grau de jurisdição.
Mas ainda não é só.
Voltando-nos ao âmbito do Direito Administrativo, onde estariam previstos os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público?
Nunca é demais lembrar que os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público constituem verdadeiras “pedras angulares” que dão sustentação a todo regime jurídico administrativo e, apesar de inexistir previsão legal a esse respeito, sua existência é notória e construída mediante uma interpretação do sistema jurídico.
Assim, importante reconhecermos que, com a evolução do Direito Administrativo, a conduta da Administração Pública não está mais jungida apenas e tão somente ao princípio da legalidade (art.5º, caput, da CF), mas, também, vinculada ao chamado princípio da juridicidade que exige a sua atuação conforme a lei e o direito (art. 2º, parágrafo único, inciso I da Lei 9.784/99).
Noutras palavras, atuar conforme a lei e o direito exige que a Administração Pública molde o seu agir, tendo como ferramentas a lei e os princípios jurídicos que lhe são correlatos para assim resguardar o interesse público, sem menoscabar qualquer outra garantia fundamental do administrado.
Logo, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade (art. 2º, Lei n.º 9.784/99), é crível imaginar que, apesar da inexistência de previsão legal para a apresentação de alegações finais no processo administrativo disciplinar federal, a sua obrigatoriedade pode ser plenamente extraída do sistema jurídico administrativo, pois a possibilidade de o servidor acusado se defender após a produção do relatório final – conseguindo assim contraditar as manifestações conclusivas feitas pela Comissão Disciplinar – é inegavelmente uma decorrência lógica dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF).
Referências
Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito administrativo. 27 ª ed. – São Paulo: Atlas, 2014.
Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª ed. – São Paulo: Atlas, 2011.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm