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Uma análise dos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dentro do sistema prisional brasileiro

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Agenda 17/05/2019 às 23:40

4. OS DERESPEITOS AOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS QUE OCORREM DENTRO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

O respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana é um direito intrínseco ao ser humano, onde não importa a condição financeira, o status social, a religião, ou qualquer outro adjetivo, e deve ser promovido pelo Estado.

Neste diapasão, diversos tratados internacionais visam estabelecer que a dignidade da pessoa humana seja resguardada também dentro do sistema prisional. Diversas são as garantias previstas em regulamentos, como a Constituição Federal (CF) e a Lei de Execução Penal (LEP), que visam o cumprimento, por parte do Estado, do respeito a este princípio.

Ainda na mesma linha de raciocínio, a LEP estabelece que o objetivo da execução penal é, além de efetivar o que consta a sentença, proporcionar que o preso seja integrado socialmente de forma harmoniosa. E no que se refere a assistência ao preso, esta tem o objetivo de prevenir o crime e orientar o preso quanto ao seu retorno a sociedade. (BRASIL, 1984)

Logo, além do sentido de punição, a prisão tem a função de ressocializar o indivíduo. Entretanto, mesmo que os direitos dos presos tenham atingido o caráter constitucional, sua plenitude é inviabilizada, graças ao sistema inquisitivo da execução penal. (CARVALHO, 2008)

Atualmente, o sistema prisional tem como base a exclusão social do criminoso, que passa a viver num ambiente de opressão através de confinamento e vigilância. Neste sentido, não são poucas as vezes em que indivíduos nem tão perigosos são colocados em convívio com outros extremamente perigosos, desenvolvendo assim, a “escola do crime”.

O Código Penal (CP) estabelece mecanismos para que haja a individualização da penal, onde deve existir uma relação entre a responsabilização da conduta do acusado e a punição que deve ser aplicada diante de tal conduta, tendo sempre como finalidade a repressão e a prevenção do crime. (COELHO, 2011, p.34)

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (BRASIL, 1940 – grifo nosso)

O art. 59 do CP estabelece alguns dos critérios que devem ser observados para que seja realizada a individualização da pena. Entretanto, algumas vezes parece que esses critérios não são observados, e, mesmo que sejam observados, não são possíveis de aplicar haja vista a quantidade de problemas que rodeiam o sistema prisional.

Como exemplo disso, temos a Casa de Detenção de São Paulo, popularmente chamada de Carandiru, que se transformou em obra literária pelas mãos do médico Dráuzio Varella, que disse:

A população da Casa é móvel: cerca de 3 mil homens são libertados ou transferidos anualmente. Construída para albergar apenas presos à espera de julgamento, a Detenção transformou-se numa prisão geral. Ao lado de ladrões primários condenados a poucos meses, ali cumprem pena criminosos condenados a mais de um século. (VARELLA, 2012, p. 15)

Como podemos ver no relato acima, a falta de divisão entre os presos é basicamente a regra. Além disso, a superlotação também tornou-se regra, fazendo com que os indivíduos vivam em condições subumanas. A integridade do indivíduo já não existe mais, agressões físicas, psíquicas e morais, ocorrem em plena luz do dia e de forma natural. Direitos básicos, como o direito à vida e à saúde, são muitas vezes jogados por terra. Massacres ocorrem constantemente, assim como são mostrados casos de falta de medicamentos e até de médicos para atender a população carcerária.

4.1 Superlotação

Em 2010, existiam cerca de 500 mil encarcerados no país, e o Brasil possuía a terceira maior população carcerária do mundo, atrás dos Estados Unidos e da China. Além disso, a superlotação era de 1,65 preso por vaga. (CNJ, 2010)

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Em 2015, o sistema prisional brasileiro tinha capacidade para cerca de 350 mil indivíduos, de ambos os sexos e levando em consideração todos os tipos de instalação prisional existente no Brasil, que são cerca 1.400 instalações. Entretanto, a ocupação chegava em torno dos 600 mil. (CNMP, 2016)

A partir desses dados, é possível afirmar que a superlotação é a mãe de todos os outros problemas do sistema prisional brasileiro, pois, uma cela superlotada ocasionada, na maioria das vezes, insalubridade, doenças, mortes e rebeliões, e que, por consequência, ocasiona a degradação da pessoa humana, além de prejudicar a integridade do indivíduo.

4.2 Assistencialismo

Como já citado anteriormente, o art. 41, VII da LEP estabelece que ao preso, condenado ou provisório, é garantido o direito a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Entretanto, os inúmeros problemas estruturais, administrativos e jurisdicionais impedem o cumprimento de tais garantias.

4.2.1 Assistência material

A assistência material consiste no fornecimento de alimentação, vestuário, instalações higiênicas e serviços que atendam as necessidades do indivíduo. Entretanto, produtos de higiene, roupas de cama e até mesmo colchões são praticamente inexistentes nos presídios, cabendo ao próprio preso a responsabilidade de buscar, encontrar e conseguir acesso a tais produtos, além de precisar pagar por eles.

Dráuzio Varella, em sua obra Estação Carandiru (2012 e p. 30), descreve a situação do presídio e diz “É grave a situação da parte hidráulica. Os vazamentos fazem parte da rotina, infiltram paredes, inundam galerias, o pátio interno e o interior das celas. Alguns canos já foram tão danificados que os consertos ficam complicados”.

A precariedade dos estabelecimentos é tanta que chega a chover dentro das celas. Os banheiros são coletivos e a rede de esgoto danificada. A falta de higiene aumenta a probabilidade da proliferação de doenças.

4.2.2 Assistência à saúde

A superlotação, a precariedade da instalação e a falta de assistência material contribuem para um ambiente com pouca higiene e com maiores chances de contágio de doenças, principalmente as do sistema respiratório como a tuberculose, como descreve Dráuzio Varella (2012).

Tais problemas fazem com que o preso que entrou saudável não saia de lá sem ter contraído alguma doença, ou pelo menos com sua resistência física e saúde fragilizadas. Assim, ocorre uma dupla penalização do indivíduo, onde ele sofre com a pena de prisão propriamente dita e o estado de saúde que adquire durante sua permanência. (ASSIS, 2007, p. 02)

Além da precariedade, a maioria das instalações prisionais não proporciona tratamento médico hospitalar, fazendo com que os presos tenham a necessidade de serem levados a clínicas e hospitais, gerando novos transtornos, pois precisam de escolta policial, quase sempre indisponível, e do sistema público de saúde, que é igualmente precário.

Outro ponto importante no que se refere a saúde é o regime aberto em residência particular nos casos em que o condenado é acometido por doença grave, conforme estabelece o art. 117, II, da LEP. Entretanto, essa progressão de regime dificilmente ocorre, mesmo quando fica claro que o indivíduo é incapaz de voltar a cometer crimes.

4.2.3 Assistência judiciária

A assistência judiciária consiste basicamente na Defensoria Pública, e é destinada as presos que não têm condições financeiras de constituir um defensor particular. A assistência judiciária consiste na disponibilidade de um defensor e na disponibilidade de um espaço reservado para que o defensor e o preso possam conversar sobre a causa.

Talvez, essa seja a forma de assistência que menos sofre desrespeitos. Não porque sobrem defensores públicos, mas porque estes se sobrecarregam de trabalho para garantir ao máximo de pessoas o seu acesso a assistência jurídica gratuita. E no que tange ao espaço para que possam ocorrer os diálogos, mesmo que estes também existam de forma precária, ainda são melhores estruturados que qualquer outra parte do presídio que sirva de espaço para os presos.

4.2.4 Assistência educacional

A maioria esmagadora dos presos é de pessoas de classes sociais mais baixas e carentes de instrução, dessa forma, o processo educacional serviria como uma maneira de ressocializar o indivíduo. Entretanto, a superlotação, a precariedade e a falta de disponibilidade de professores dispostos a conviver com a massa carcerária são os grandes problemas desse quesito.

Além de servir como forma de ressocializar, serve também como forma de acabar com o ócio dos indivíduos, pois como diz o ditado popular “mente vazia é oficina do diabo”. E serve também como forma de manter a integridade psíquica do preso.

4.2.5 Assistência religiosa e social

A assistência religiosa, assim como a assistência jurídica, é a que melhor consegue ser preservada, pelos menos para as vertentes religiosas que têm por base o Cristianismo. Como descreve Varella (2012, p. 95) “a igreja funciona como centro de recuperação, talvez o único disponível no presídio”.

Por outro lado, a assistência social é a que encontra mais obstáculos, pois consiste na assistência e preparação do preso para voltar ao convívio social, ou seja, consiste na ressocialização do indivíduo, e pelo que foi mostrado até agora, cada problema dificulta o papel ressocializador do sistema prisional.

4.3 Integridades

Como já dito anteriormente, a dignidade da pessoa humana é base de todo o ordenamento jurídico brasileiro, que tem como referência diversos tratados internacionais. Respeitar a dignidade do ser humano nada mais é do que manter sua integridade intacta, seja ela no âmbito físico, psíquico ou moral. Entretanto, esse princípio intrínseco ao ser humano não está sendo respeitado por quase nenhum, ou nenhum, aspecto.

4.3.1 Integridade física

O preso sofre com diversas práticas de agressões físicas e tortura, tanto por parte dos agentes penitenciários, como por parte dos próprios presos. Principalmente quando ocorrem rebeliões, onde é “cada um por si”. Um exemplo de agressão entre os presos é descrito por Varella (2012, p. 113), e fala sobre um homem preso por estupro, “Do momento em que ele desceu na Divineia, até a sua morte no pavilhão Cinco, passaram-se exatos cinquenta minutos. Tomou tanta facada que quase lhe desarticularam o braço direito”.

Outro exemplo de agressão, mas nesse sendo o agressor a autoridade policial, ocorreu no massacre do Carandiru, como diz Varella (2012, p. 225-226) “Passava das três da tarde quando a PM invadiu o pavilhão Nove. O ataque foi desfechado com precisão militar: rápido e letal. A violência da ação não deu chance para defesa”.

Além desse relato, Varella (2012, p. 230) também relatou que:

No dia 2 de outubro de 1992, morreram 111 homens no pavilhão Nove, segundo a versão oficial. Os presos afirmam que foram mais de duzentos e cinquenta, contados os que saíram feridos e nunca retornaram. Nos números oficiais não há referência a feridos. Não houve mortes entre os policiais militares.

Como podemos ver, a integridade física do preso não está segura, e nunca se sabe quando a sua vida será ceifada.

4.3.2 Integridade psíquica

As leis da sociedade comum não bastam, existem também as leis dos presos, e quando essas leis internas não são cumpridas, o indivíduo é punido com todo o tipo de agressão.

Pagar a dívida assumida, nunca delatar o companheiro, respeitar a visita alheia, não cobiçar a mulher do próximo, exercer a solidariedade e o altruísmo recíproco, conferem dignidade ao homem preso. O desrespeito é punido com desprezo social, castigo físico ou pena de morte. (VARELLA, 2012, p. 8)

Além das regras básicas, existem ainda as questões hierárquicas, as gangues dentro dos presídios, a falta de dinheiro e a necessidade de ter algo lá dentro. Imagine seguir todas as leis externas, todas as regras internas e conseguir sobreviver lá dentro. Por esses motivos, não são raros os casos em que os presos enlouquecem enquanto estão no cárcere.

Outra forma de promover a ressocialização, diminuir o ócio dos presos, e, por consequência, manter a integridade psíquica do preso, é o incentivo ao trabalho, que está previsto no art. 28 da LEP, e que não é efetivado na maioria das instalações prisionais, justamente por causa dos inúmeros problemas estruturais, administrativos e jurisdicionais.

A maioria dos presos não trabalha ou por que não lhes foi oferecido trabalho, ou por que o trabalho é privilégio de alguns, principalmente dos mais antigos dentro da instalação prisional.

4.3.3 Integridade moral

Como se não bastasse as agressões físicas e psíquicas, o preso ainda sofre com agressões morais, onde é insultado constantemente, principalmente nos casos em que o preso é homossexual ou transexual.

E se mal existe tratamento médico clínico, quem dirá tratamento psicológico para todos os presos. Principalmente o psicológico, que sempre foi tratado como última opção, mas que têm se tornado o mal da sociedade contemporânea.

4.4 Rebeliões e Fugas

Só quem já viveu isso sabe, mas não deve ser fácil para o indivíduo viver em condições subumanas, cercado de falta de higiene, saúde, segurança, além de ser constantemente agredido, muitas vezes sem motivo aparente. A soma de todos os fatores acima mencionados leva a outros graves problemas encontrados no sistema prisional, as rebeliões e as fugas.

4.4.1 Rebeliões

De acordo com Assis (2007), as rebeliões não passam de gritos de reivindicações, mesmo que estas se constituam em levantes organizados e de forma violenta. Uma rebelião é a forma que o preso encontra de chamar a atenção das autoridades, quando a falta de higiene e cuidados médicos básicos, quando as agressões que sofrem diariamente. As rebeliões são simplesmente um grito de socorro.

Nesse diapasão, Carvalho (2008, p. 222) diz “Percebe-se que os atos de transgressão às regras impostas no ambiente carcerário indicam, na grande maioria dos casos, a única possibilidade de manifestação da massa carcerária contra a constante lesão dos seus direitos”.

Ainda nos dizeres de Carvalho (2008, p. 222), “a rebelião é o último recurso dos presos (...), pois correm o risco de perder tudo: a vida, a possibilidade de progressão de regime, os benefícios judiciais”.

Além disso, as rebeliões, e principalmente a violência entre os presos quando elas ocorrem, muitas vezes serves como um mecanismo de alívio da angústia, tensão e frustação. “O observador não raro surpreende-se com a ausência de causas aparentes e imediatas para essas explosões de brutalidade, individual ou coletiva”, como descreve Coelho (2005, p. 35).

4.4.2 Fugas

Em se tratando das fugas, não há muito o que se falar, esta também é uma forma de protesto dos presos, mas no fundo, é a única coisa de que se pode esperar de um indivíduo encarcerado.

Sendo assim, conclui-se que tantos as rebeliões como as fugas são geradas por todos os desrespeitos a dignidade do ser humano que ocorre de forma constante dentro do sistema prisional.

4.5 Egressos

Antes de dar continuidade ao assunto, é necessário entendermos o que se considera egresso. Nos dizeres do art. 26 da LEP, é considerado egresso aquele que se encontra em liberdade condicional, no período em que a condicional durar, e aquele que se encontra em liberdade definitiva, no período de 1 ano, a contar da data de sua soltura. (BRASIL, 1984)

No que tange aos direitos dos egressos, a LEP estabelece, conforme art. 25, que “a assistência ao egresso consiste: I – na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; II – na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 meses”, e o art. 27 estabelece que “o serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção de trabalho”. (BRASIL, 1984)

Contudo, se o Estado não consegue prover tais garantias àqueles que se encontram encarcerados, é garantido que não consegue com os ex-detentos. Estes, por sua vez, vão em busca, sozinhos, de condições de vida melhores, mas não podem exigir nada melhor que um emprego degradante, pois seu status jurídico não é digno de confiança, e não existe ninguém que os ajude nessa transição.

Tais condições fazem com que o indivíduo passe a viver às margens da sociedade e da lei, contribuindo assim para a reincidência do indivíduo.

Sobre a autora
Lynxana Aguiar

Advogada, atuante nas áreas cível e trabalhista; Assessora acadêmica, realizando orientação e correção de trabalhos acadêmicos; Especialista em Direito e Processo Penal pela ESA-PE em parceria com a Uninassau; Fui membro das Comissões de Direitos Humanos e Direito Penal da OAB/PE subseção Olinda e da Comissão de Relações Acadêmicas da OAB/PE; Fui estagiária da FOCCA - Faculdade de Olinda, atuando na Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem; Voluntária no TJPE, em mutirões de justiça e cidadania; Voluntária em projetos sociais realizados pela FOCCA - Faculdade de Olinda.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

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