Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Os impactos da Lei nº 13.429/2017 (lei da terceirização): evolução ou precarização

Agenda 28/05/2019 às 10:10

O artigo buscou explicar as alterações no instituto da terceirização decorrentes de inovações legislativas do ano de 2017, bem como analisar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto a constitucionalidade de tais alterações.

RESUMO

A presente pesquisa de iniciação científica buscou elucidar as principais alterações no que se refere à terceirização em decorrência da promulgação das leis n° 13.429/17 e 13.467/17, como também analisar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto a constitucionalidades de tais alterações. O estudo foi realizado em sólida base bibliográfica e pôde concluir que, apesar de eventuais benefícios econômicos para as empresas envolvidas, a terceirização das atividades-fim é uma prática que reduz a parcela de direitos destinados aos trabalhadores, tendo como consequência a precarização das condições de emprego.

The present scientific initiation research sought to elucidate the main alterations regarding outsourcing as a result of the enactment of laws 13.429/17 and 13.467/17, as well as to analyze the position of the Federal Supreme Court regarding the constitutionality of such changes. The study was carried out on a solid bibliographic basis and was able to conclude that, despite possible economic benefits for the companies involved, the outsourcing of the main activities is a practice that reduces the portion of rights allocated to workers, resulting in the precariousness of the conditions of employment.
Palavras chaves: Terceirização. Reforma Trabalhista. Lei 13429/2017. Lei 13.467/2017.

SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 
2 TERCEIRIZAÇÃO 
2.1 Direito do Trabalho 
2.2 Conceito de Terceirização
2.3 Evolução Histórica e Legislativa da Terceirização 
3 principais mudanças afetas à terceirização em 2017 
4 Comentários às leis 13.429/17 e 13.467/17 
5 OS IMPACTOS PROVOCADOS COM A REFORMA TRABALHISTA 
6 CONSTITUCIONALIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADES-FINS SEGUNDO O STF 
7 conclusão 
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 

1 INTRODUÇÃO

Recentemente, ano de 2017, nos deparamos com algumas alterações na legislação pátria que irão modificar significativamente as relações de trabalho nos próximos anos. Em março foi aprovada e sancionada a Lei 13.429/17, que provocou alterações à Lei 6.019, de 3 de janeiro de 1974, a Lei do Trabalho Temporário. Todavia, tal reforma não conseguiu viabilizar o seu principal objetivo, qual seja, a terceirização irrestrita de quaisquer atividades.

Pouco tempo depois, visando a sanar a falha do legislador quando da aprovação da Lei 13.429/17, bem como sob um discurso falacioso de que a terceirização das atividades-fim possibilitaria a geração de empregos, com a consequente redução do número de desempregados, sobreveio a Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista), que no que se refere ao tema, possibilitou, por expressa previsão legal, a possibilidade de terceirização de quaisquer das atividades desempenhadas por uma empresa, ou seja, as suas atividades-meio, como também suas atividades finalísticas.

Para Sergio Pinto Martins (2012, pag.192) a terceirização consiste na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa. Essa contratação pode compreender tanto a produção de bens, como de serviços, como ocorre na necessidade de contratação de empresas de limpeza, de vigilância ou até para serviços temporários.

Diante das alterações produzidas, o que se percebe é uma desnaturação do conceito de terceirização, que no campo prático ocasionará diversos prejuízos à classe trabalhadora, conforme se verá demonstrado ao longo do presente estudo.

Será ainda abordado o recente decisum do Supremo Tribunal Federal (STF), que no dia 30 de agosto de 2018, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e o Recurso Extraordinário (RE) 9582521, com repercussão geral reconhecida, entendeu ser lícita a terceirização de todas atividades empresariais, em uma votação com 7 (sete) votos a favor e 5 (cinco) votos contra a terceirização em qualquer etapa do processo produtivo, seja meio ou fim. 1 STF decide que é lícita a terceirização em todas as atividades empresariais http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=388429 – acessado em 10 de outubro de 2018.

Após o julgamento, chegou-se à seguinte tese de repercussão geral aprovada no RE (STF:2018)2: “É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Por conseguinte, ao final deste estudo, o leitor estará hábil a compreender que este novo modelo de terceirização permitido pela legislação brasileira resulta em fraudes às relações empregatícias, bem como em piores qualidades laborais para os trabalhadores, com consequências que podem ser dramáticas para o trabalhador, que é a parte mais atingida pelas alterações no instituto da terceirização.

2 TERCEIRIZAÇÃO

2.1 Direito do Trabalho

A diretriz básica do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, uma vez que o empregado não tem a mesma igualdade jurídica que o empregador, como acontece com os contratantes no Direito Civil. A finalidade do Direito do Trabalho é alcançar uma verdadeira igualdade substancial entre as partes e, para tanto, necessário é proteger a parte mais frágil dessa relação: o empregado (CASSAR; e BORGES, 2017, pag. 05).

O presente trabalho terá como objetivo expor as principais consequências advindas das reformas ocorridas no instituto da terceirização nos últimos tempos, contudo, prima facie, tendo-se em vista este instituto decorrer do Direito do Trabalho, serão feitos breves comentários acerca desta ciência, cuja relevância social é incomensurável.

O conceito de Direito do trabalho, segundo Orlando Gomes (2006, pag.125), pode ser assim definido:

Direito do Trabalho é o conjunto de princípios e regras jurídicas aplicáveis às relações individuais e coletivas que nascem entre os empregadores privados – ou equiparados – e os que trabalham sob sua direção e de ambos com o Estado, por ocasião do trabalho ou eventualmente fora dele.

O Direito do Trabalho pode ser analisado sobre três categorias distintas, quais sejam, subjetiva, objetiva e mista, conforme a melhor doutrina.

O conceito subjetivista de direito do trabalho, por Cesarino Júnior, está relacionado à proteção dos economicamente mais fracos por meio dos sistemas jurídicos. Desta forma, esta corrente privilegia o sujeito hipossuficiente da relação trabalhista.

A corrente objetivista atenta, como o próprio nome sugere, para o objeto do contrato de trabalho, ou seja, normas jurídicas que regem a prestação do trabalho subordinado.

Por fim, o conceito misto combina os sujeitos do contrato de trabalho e seu objeto (subordinação), bem definido por Evaristo de Moraes Filho como “conjunto de princípios e normas jurídicas que regulam as relações jurídicas oriundas da prestação de serviço subordinado e outros aspectos deste último, como consequência da situação econômica-social das pessoas que o exercem” (BARROS, 2008, pag.73)

Desta forma, tem-se que a relação empregatícia, que é bilateral (relação empregador x empregado), possui alguns elementos basilares, que são:
a) a pessoalidade, em que um dos sujeitos (empregado) tem o dever jurídico de prestar os serviços em favor de outrem (empregador) pessoalmente;
b) serviço não eventual, que deduz ideia de permanência indefinida do vínculo de emprego, por meio do princípio da continuidade da relação de emprego;
c) prestação do trabalho com onerosidade, remuneração do trabalho a ser executado pelo empregado;
d) subordinação jurídica da prestação de serviço ao empregador, de modo que o empregado transfere a autonomia da atividade que desempenha para o empregador. (BARROS, 2008, pag.173).

2.2 Conceito de Terceirização

Adstrita ao Direito, contudo, fugindo do conceito de relação bilateral de trabalho, “a Terceirização é todo processo de contratação de trabalhadores por empresa interposta. Ou seja, é a relação onde o trabalho é realizado para uma empresa, mas controlado de maneira indireta por outra” 3

A Lei 13.467/174, que alterou a Lei de Trabalho Temporário (Lei 6.019/74), em seu art. 4º - A, conceitua o instituto da terceirização, sob a ótica de um contrato de prestação de serviços, da seguinte forma: Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Maurício Godinho (2006), sob outra ótica, define terceirização como o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica do trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviço sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente.

Portanto, com uma abordagem distinta da bilateralidade clássica da relação empregatícia, a terceirização adota o modelo trilateral, o qual consiste: no empregado ou obreiro responsável pela execução do serviço/função; na empresa terceirizante / terceirizada ou prestadora de serviços, que mantém vínculo jurídico trabalhista com o empregado; na empresa contratante, a qual é beneficiada pelo serviço prestado pelo empregado e que celebra contato com a empresa prestadora de serviço. (GODINHO, 2006)

2.3 Evolução Histórica e Legislativa da Terceirização

Para que as problematizações afetas ao instituto da terceirização, decorrentes das Leis nº 13.429 de 2017 e 13.467, também de 2017, sejam compreendidas com exatidão, faz-se imprescindível uma análise histórica das circunstâncias que conduziram ao momento atual, afinal, como bem diz Émile Durkheim (1952) o indivíduo só poderá agir na medida em que aprender a conhecer o contexto em que está inserido, a saber quais são suas origens e as condições de que depende.

Tem-se que a terceirização é fruto do modelo capitalista de produção, amplamente difundido após a 2ª Guerra Mundial, em um momento onde o mundo se viu polarizado entre o capitalismo e o comunismo. Durante este período de polarização, historicamente conhecido como Guerra Fria, os Estados Unidos, para aumentar sua produção bélica da forma mais eficaz possível, buscou transmitir para terceiros as atividades secundárias de suas indústrias, priorizando somente o seu objeto principal, qual seja, a produção bélica.

Além deste, outros eventos contribuíram para a expansão da prática de terceirização pelo mundo, tais como a Crise do Petróleo, a substituição do sistema de produção Fordismo para o modelo Toyotista, além da evolução da informática e a globalização.

O Brasil, buscando se inserir no sistema capitalista mundial, iniciou a prática da terceirização nas empresas automotivas, depois estendendo-a para os serviços de segurança bancária, serviços de limpeza e conservação, até que se permitiu a terceirização de quaisquer atividades meios em qualquer setor. Por fim, no modelo atual, diante das inovações legais trazidas no ano de 2017, inovações estas ratificadas pelo STF como sendo constitucionais, é permitido que a terceirização se dê sobre quaisquer atividades, sejam estas atividades-meio ou fim de uma empresa.

Quanto ao aspecto legal, até o advento das Leis n° 13.429/17 e 13.467/17, o tema era disciplinado de forma esparsa, sendo admitido somente algumas poucas exceções à regra geral da bilateralidade, tendo-se em vista o poder-dever Estatal, por meio de sua função precípua de zelar pela dignidade da pessoa humana, objetiva implementar a justiça social e a proteção mínima do hipossuficiente frente as desigualdades do mercado de trabalho, de forma que, alguns entendem, a terceirização seria uma forma de retirar o manto de proteção oferecido pelo Estado aos trabalhadores.

Segundo Maurício Godinho Delgado (2002, pag. 418), a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – no ano de 1943 foi a precursora do processo histórico de terceirização, abordando no seu art. 445 o uso do trabalho de terceiros por meio da subempreitada, que diz: Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.
Parágrafo único - Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo (CLT, 1943).

Entretanto, foi em meados dos anos 70 que o fenômeno da terceirização angariou referência normativa mais relevante, através do Decreto-Lei 200/67, que, no seu art. 10, permitiu a descentralização das atividades da Administração Federal, com execução indireta, mediante contrato. Esse Decreto foi regulamentado pela Lei 5.645/70, que previa (art. 3º, parágrafo único revogado pela Lei 9.527/97) a execução de determinadas atividades do poder público preferencialmente mediante contrato, ou seja, que as atividades elencadas fossem executadas por terceiros.

O tema alcançou o âmbito privado no período em que o país, contrassenso ao crescimento econômico vivido no período militar, não seguiu com a redução das desigualdades sociais. Foi incorporada ao diploma normativo a Lei 6.019/74, que disciplina o Trabalho Temporário, sendo este definido (anterior à alteração pela Lei 13.429/17), como “aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços” (art. 2ª revogado pela Lei 13.429/17)5”. Posteriormente, em 1983, a terceirização na atividade privada foi ampliada pelo advento da Lei 7.102/83, agora em caráter não só temporário, mas também permanente, alcançando os serviços de vigilância bancária. Aproveitando o cenário assegurado pela lei supramencionada, a Lei 8.863/94 ampliou a terceirização de vigilante para qualquer estabelecimento, público ou privado, para pessoas físicas e transporte de qualquer carga.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A terceirização está presente também no parágrafo único do art. 442, § único da CLT que trata das cooperativas, e que diz: “Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela” (COSTA; MARTINS; CLARO, 2013, pag.100).

Em virtude do avanço de normas sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho editou três súmulas, a de nº 256, que considerava ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância (súmula cancelada em 2003); a de nº 257; e a de nº 331 (esta última produzindo revisão da Súmula 256).

Durante anos, a Súmula 331 do TST foi o principal amparo legal da terceirização no Brasil, de modo a cristalizar longa construção jurídica, gestada tanto em sede legal quanto nos mais diversos âmbitos da Justiça do Trabalho.

3 PRINCIPAIS MUDANÇAS AFETAS À TERCEIRIZAÇÃO EM 2017

Como bem descrito no tópico anterior, as primeiras legislações pátrias regulamentadoras da terceirização nos setores privados se deram através das Leis 6.019/74 (trabalho temporário) e 7.102/83 (trabalho de vigilância bancária).

A lei de trabalho temporário regula, primordialmente, o trabalho prestado por uma pessoa física contratada por intermédio de uma empresa de trabalho temporário para laborar junto a uma empresa tomadora de serviços em decorrência da necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.
Essa relação trabalhista tríade será regulada por um contrato de prestação de serviços que deverá ser escrito, e obedecer aos seguintes requisitos essenciais:
1. Qualificação das partes;
2. Especificação do serviço a ser prestado;
3. Prazo da prestação de serviços, quando for o caso;
4. Valor.

Nesta modalidade de trabalho, em que pese não haja vínculo empregatício entre o trabalhador temporário e a empresa contratante, esta estará obrigada a garantir condições de higiene, segurança e salubridade do trabalhador temporário que atue em suas dependências ou em local por ela designado.

O trabalho temporário poderá se dar tanto sobre as atividades-meio e atividades-fim da empresa tomadora, de forma que, obedecidos os requisitos legais, não restará configurado vínculo empregatício entre o trabalhador e a empresa tomadora.

O contrato de trabalho temporário poderá se dar pelo prazo de 180 dias, prorrogável por mais 90 dias, contudo, caso seja comprovada a permanência das condições que ensejaram a sua existência, tal modalidade de contrato poderá ser postergada para além do prazo legal.

Por fim, resta comentarmos que em que pese não exista vínculo empregatício com a empresa contratante, esta será subsidiariamente vinculada pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias atinentes ao período de duração do contrato de trabalho temporário.

No que se refere à Lei de Vigilância Bancária, o legislador brasileiro tratou de definir, com clareza, a importância de um serviço de vigilância eficiente para as instituições financeiras, em razão da natureza da atividade prestada.

A lei 7.102/836 disciplina que o vigilante será o funcionário contratado através de alguma empresa especializada em serviços de vigilância ou transporte de valores, desde que preenchidos os seguintes requisitos legais:
1. Ser brasileiro;
2. Ter idade mínima de 21 anos;
3. Ter instrução correspondente à quarta série do primeiro grau;
4. Ter sido aprovado, em curso de formação de vigilante, realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado nos termos da Lei 7102/83
5. Ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicotécnico;
6. Não ter antecedentes criminais registrados; e
7. Estar quite com as obrigações eleitorais e militares.

O vigilante terá a função precípua de proceder à vigilância patrimonial das instituições financeiras e de outros estabelecimentos, públicos ou privados, bem como a segurança de pessoas físicas, como também poderá ser imbuído do encargo de realizar o transporte de valores ou qualquer outra modalidade de carga.

Não bastante tais disposições legais, afetas à terceirização de determinadas atividades, em 1993, o Tribunal Superior do Trabalho editou a súmula 3317, in verbis:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Diante de uma interpretação dos arts. 2° e 3° da CLT, que disciplinam os conceitos de empregador e empregado, bem como do art. 9° da CLT, que dispõem sobre a nulidade dos atos que visam fraudar a aplicação da legislação trabalhista, a súmula supracitada proporcionou maior segurança jurídica ao elencar quais seriam as hipóteses de terceirização lícitas em nosso ordenamento.

Tal segurança jurídica está relacionada à delimitação das hipóteses de terceirização permitidas e as consequências de seu descumprimento. O Pós-Doutor em Direito, Edilton Meireles (2017, pag.149) explica que:

Por esse enunciado de súmula se disse o óbvio, isto é, que é legal a contratação de trabalhador terceirizado se previsto em lei. E vejam que o TST, ao ressaltar que a terceirização prevista em lei era lícita, não fazia, como não faz, qualquer distinção entre atividade-fim ou atividade-meio. Até porque é a própria lei que define o que pode ser terceirizado. A atividade principal da empresa, portanto, poderia ser objeto de terceirização, desde que prevista em lei.

A inteligência desse enunciado, portanto, é de que, salvo nas hipóteses previstas em lei, a contratação de trabalhador por interposta pessoa é ilegal, já que com essa terceirização ilícita se busca fraudar a legislação trabalhista. Isso porque, através da figura do intermediário posto entre o prestador de serviços e o tomador dos serviços, se tenta mascarar a verdadeira relação jurídica mantida entre estes últimos.

Em decorrência deste entendimento jurisprudencial firmou-se o entendimento de que a terceirização somente será lícita nas hipóteses previstas em lei, nos casos de trabalho temporário e serviços de vigilância, bem como nos casos de atividades-meio das empresas, como na prestação de serviços de limpeza e conservação.

Contudo, no ano de 2017 o legislador alterou substancialmente a disciplina da terceirização em nosso ordenamento. Foram editadas as leis 13.429/17, e logo em sequência a Lei 13.467/17, com alterações que se contrapõem às disposições constantes da súmula 331 do TST.

4 COMENTÁRIOS ÀS LEIS 13.429/17 E 13.467/17

A Lei 13.429/17 decorre do Projeto de Lei n°4.302/98, cuja autoria coube ao então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso. Contudo, há de se ressaltar que no ano de 2003 o presidente Luís Inácio Lula da Silva enviou a mensagem de n° 2898 ao Congresso Nacional, a seguir exposta: Solicito a Vossas Excelências, de conformidade com a Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, a retirada do Projeto de Lei n°4.302, de 1998 (n° 3/01 no Senado Federal), que “Dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de trabalho temporário e na empresa de prestação de serviços a terceiros, e dá outras providências”, enviado à Câmara dos Deputados com a Mensagem n° 344, de 1998.

A retirada de tal projeto de lei visava evitar os diversos gravames a que estariam sujeitos a classe trabalhadora com a permissão da terceirização das atividades-fim, conforme salienta Alice Monteiro de Barros (2008, pg. 453): Tanto a Justiça do Trabalho como o Ministério Público não têm medido esforços no combate à terceirização de serviços ligados à atividade-fim da empresa fora dos limites traçados pelo Enunciado n°331 do TST. Entre os malefícios da terceirização em atividade-fim das empresas encontram-se a violação ao princípio da isonomia, a impossibilidade de acesso ao quadro de carreira da empresa usuária dos serviços terceirizados, além do esfacelamento da categoria profissional.

Inobstante ao supramencionado pedido feito pelo poder executivo no ano de 2003, o referido Projeto de Lei voltou a voga no ano de 2017, sendo sancionado em março deste mesmo ano e convertido na Lei n°13.429/17.

A lei supramencionada alterou diversos dispositivos da Lei 6.019/749 (Lei do Trabalho Temporário), entretanto, no que se concerne à terceirização, poucas alterações foram feitas. Com a nova dicção legal, o art. 4°-A da Lei do Trabalho Temporário predispõem que “empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos”.

Observa-se que com a novel disposição legal não há nenhuma menção à possibilidade de serem terceirizados atividades-meio e atividades-fim de determinada empresa, mas tão somente à obrigatoriedade de o contrato de prestação de serviços discriminar de forma determinada e específica os serviços que serão prestados.

Sobre o tema, a Procuradora do Trabalho, Vanessa Patriota da Fonseca (2018:42) preleciona que: Como se pode ver, no conceito de contrato de trabalho de prestação de serviços, observa-se, tão somente, menção ao fornecimento de serviços determinados e específicos, o que de modo algum induz ao entendimento de que estes se refiram à atividade finalística. Por determinado e específico entende-se o serviço certo, delimitado no contrato de prestação de serviços, não decorrendo qualquer conclusão lógica de que tal serviço possa ter relação com a atividade fim da contratante.

Todavia, com o surgimento da Lei 13.467/17, a Lei de Trabalho Temporário foi novamente modificada, desta vez com alterações profundas no que tange ao contrato de prestação de serviços, também conhecido como contrato de terceirização. Diante das alterações produzidas pelo novel diploma, o Doutor, em Direito do Trabalho pela USP, Luciano Martinez (2017: pag.41 – 76) afirma que com a permissão para a terceirização de qualquer atividade de uma empresa ocorre uma desnaturação da verdadeira natureza da terceirização: A legislação simplesmente admite que uma empresa contrate outra para a prestação de um determinado serviço, ainda que esse serviço coincida com a sua atividade-fim. Houve, portanto, uma desnaturação, uma desfiguração, uma adulteração, uma descaracterização daquilo que era da natureza da terceirização. (grifo nosso)

Com a mais recente alteração na Lei 6.019/7410, o artigo 4°A passa a ter o seguinte conteúdo: Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Em que pese o legislador não ter previsto diretamente a possibilidade de terceirização das atividades-fim de determinada empresa, quando se refere a “quaisquer de suas atividades” faculta ao tomador de serviços a contratação de prestadores de serviços para exercerem qualquer ofício, desde aquele totalmente desvinculado à atividade principal desenvolvida pela empresa, bem como para aquele expressamente relacionado com o objeto social da sociedade empresária.

Contudo, o legislador também se preocupou em estabelecer algumas restrições para que sejam lícitas essas novas possibilidades de terceirização, tais como a necessidade de capital social mínimo para a empresa prestadora de serviços (art.4°-B, inc. III, alíneas a a e da Lei 6.019/74)11, o impedimento de contratar empresas prestadoras de serviços que seus sócios ou titulares tenham figurado como empregados ou trabalhadores sem vínculo empregatício com a empresa tomadora de serviços nos últimos 18 meses (art.5°-C da Lei 6.019/74)12, bem como as restrições referentes à impossibilidade de que os trabalhadores prestadores de serviços formem relações de emprego diretamente com a tomadora de serviços.
11 Art. 4º-B. São requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros:
I - prova de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
II - registro na Junta Comercial;
III - capital social compatível com o número de empregados, observando-se os seguintes parâmetros:
a) empresas com até dez empregados - capital mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais);
b) empresas com mais de dez e até vinte empregados - capital mínimo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais);
c) empresas com mais de vinte e até cinquenta empregados - capital mínimo de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais);
d) empresas com mais de cinquenta e até cem empregados - capital mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e
e) empresas com mais de cem empregados - capital mínimo de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). Acessado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6019.htm
12 Art. 5º-C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4o-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados. Acessado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6019.htm

5 OS IMPACTOS PROVOCADOS COM A REFORMA TRABALHISTA

Com as novas alterações na Lei 6.019/74, viabilizou-se um cenário em que ocorrerá, uma dissociação da relação laboral com a relação jurídica da prestação de serviços, podendo resultar em fraudes e supressões de direitos trabalhista.

A respeito do tema, Maurício Godinho Delgado (2008, pag.428) preleciona que: Para o Direito do Trabalho, terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.

Com idêntica maestria, Marcio Túlio Viana (2014, pag.01) afirma que haverá uma precarização da classe trabalhadora em decorrência da terceirização de quaisquer atividades e que “se um segmento passa a ser precário, há uma tendência de precarização geral. Há uma pressão para que estas condições sejam estendidas para todos os demais trabalhadores. [...] não se trata mais apenas de usar a força de trabalho. O trabalhador ganha uma condição semelhante à relação das chamadas mulheres da vida com seus cafetões. Ele terá seu corpo alugado. E isso é aviltante, mesmo que ele ganhe bem ou venha se acostumar com essa situação. O trabalhador passa a ser um objeto.

Reafirmando os malefícios expostos, é salutar demonstrar que dentre os diversos requisitos para que se configure uma relação de emprego, há de se mencionar a subordinação, que está relacionada com a vinculação do empregado às ordens provenientes do empregador durante a vigência de um contrato de trabalho e afetas a este.

Tal requisito restará sempre preenchido em eventual terceirização de atividade-fim de determinada empresa. Não há como o tomador de serviços contratar determinada prestadora para que esta realize suas atividades principais sem ocorrer, ao menos, uma subordinação estrutural, classificada por Maurício Godinho Delgado (2006: 667) como: Estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento.

Com idêntica maestria, MARTINEZ (2016, pág.83) aborda em sua obra o conceito de subordinação estrutural, explicando que (...) o trabalhador está inserido na atividade econômica do empregador. Não é necessário que receba ordens diretas ou que o seu trabalho esteja relacionado com os fins da empresa. A subordinação repousa na inserção do trabalhador na dinâmica de organização e funcionamento da empresa.

Ainda sobre o tema, CUNHA (2011, pág.76) : Vimos que a subordinação é o poder diretivo do empregador, do ponto de vista do empregado. Por força do contrato de trabalho, o empregado cede ao empregador sua força de trabalho, concordando em que esse lhe dirija a atividade. Mas vimos também que o poder diretivo não se reduz, unicamente, a essa possibilidade de dar ordens de serviço. Abrange também a capacidade de fiscalizar e disciplinar. Mais do que isso, é a possibilidade que tem o empregador de organizar os fatores de produção, de sorte a que os fins, a que se propôs na exploração de uma determinada atividade, sejam atingidos.

Desta forma, cabe salientar que sempre que houver a terceirização da atividade principal de determinada empresa, sempre se configurará o requisito da subordinação, pois o trabalhador terceirizado estará, ao menos, inserido na dinâmica de organização e funcionamento da empresa tomadora de serviços.

Não bastasse tal fraude à configuração de uma relação de emprego, é inevitável a sonegação aos direitos trabalhistas, afinal, por que determinada pessoa jurídica contrataria um terceiro para que este realize sua atividade principal a não ser para que possa reduzir os seus custos? Com a terceirização tanto a empresa tomadora, bem como a empresa prestadora de serviços, visa auferir alguma vantagem patrimonial, logo, a classe trabalhadora será a que irá arcar com este intuito lucrativo das empresas envolvidas.

O ministro José Roberto Freire de Pimenta do TST13 se reportou ao assunto quando do julgamento do AIRR - 161500-66.2009.5.05.0561, ocasião em que se posicionou contrário a terceirização de atividades-fim, contrapondo os argumentos favoráveis trazidos por alguns especialistas durante audiência pública ocorrida nos dias 04 e 05 de outubro de 2011, veja-se:
[...] Com efeito, extrai-se do conjunto de manifestações aduzidas na citada Audiência Pública que a alegação, feita pelos defensores da terceirização em geral (e, inclusive, das atividades-fim empresariais), de que, por seu intermédio, é possível atingir-se maior eficiência e produtividade e a geração de mais riqueza e mais empregos, foi amplamente refutada pelos vastos dados estatísticos e sociológicos apresentados por aqueles que sustentaram, ao contrário, que a terceirização das atividades-fim é um fator de precarização do trabalho, caracterizando-se pelos baixos salários dos empregados terceirizados e pela redução indireta do salário dos empregados das empresas tomadoras, pela maior instabilidade no emprego e ausência de estímulo à maior produtividade dos trabalhadores terceirizados, pela divisão e desorganização dos integrantes da categoria profissional que atua no âmbito das empresas tomadoras, com a consequente pulverização da representação sindical de todos os trabalhadores interessados, e, por fim, pelos comprovadamente maiores riscos de acidente de trabalho.
Diante do exposto pelo TST, os trabalhadores terceirizados não estão sujeitos à apenas prejuízos de ordem econômica, mas também implicações em direitos tais como o da dignidade da pessoa humana, afinal, com a terceirização da atividade principal os trabalhadores estão expostos a piores condições humanitárias, sofrendo consequências em sua saúde, qualidade de vida, bem como em sua moral e dignidade.
Além das piores condições para os trabalhadores, a terceirização de atividades-fim afeta a dimensão empresarial clássica, como bem assevera DELGADO:
A prática da terceirização na atividade-fim esvazia a dimensão comunitária da empresa, pois a radicalização desse mecanismo pode viabilizar a extrema figura da empresa sem empregados, que terceiriza todas as suas atividades, eximindo-se, por absoluta liberalidade, de inúmeras responsabilidades sociais, trabalhistas, previdenciárias e tributárias (DELGADO; AMORIM, 2017, p. 15).
13 Acessado em http://aplicacao4.tst.jus.br/banjurcp/#/resultados/#resumo
Segundo Maria Inês Cunha (2004, pág. 42), a terceirização das atividades-fim de uma empresa ocasiona em fraudes aos direitos trabalhistas. Veja-se:
Com efeito, terceirizar atividade-fim seria equivalente a tornar a empresa, dita tomadora, uma mera ‘atravessadora’, no mercado, gerando distorções, aumento no preço final do produto, e levando à fraude de direitos trabalhistas. Por isso, o entendimento do colendo Tribunal Superior do Trabalho, em seu enunciado 331, é no sentido de admitir a terceirização, sempre que a mesma se refira, à atividade-meio e não à atividade-fim.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), a terceirização pode possuir um caráter predatório, tendo-se em vista a redução de custos em face de uma maior exploração de trabalho em condições e relações precárias, em detrimento da lei e da influência sindical.
Sobre a questão sindical, afirma Maurício Delgado (2008, pag. 471):
A terceirização desorganiza perversamente a atuação sindical e praticamente suprime qualquer possibilidade eficaz de ação, atuação e representação coletivas dos trabalhadores terceirizados. A noção de ser coletivo obreiro, basilar ao Direito do Trabalho e a seu segmento juscoletivo, é inviável no contexto de pulverização de força de trabalho, provocada pelo processo terceirizante.
Tais problematizações não foram expostos meramente com achismos, pois segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base em informações do ano de 2013, o trabalhador terceirizado recebia aproximadamente 24,7% menos que o trabalhador contratado diretamente, trabalhava em média três horas a mais, seu vínculo de emprego durava em média três anos menos, bem como de cada dez acidentes de trabalho, oito se davam com terceirizados. Tais informações coadunam com a opinião do presente estudo de que, em que pese a terceirização de atividades meio possa trazer algum benefício para ambas as partes, a terceirização das atividades fim é extremamente onerosa ao trabalhador.

Além dos prejuízos expostos com base nos estudos realizados pela Dieese, cabe mencionar as estatísticas apresentadas pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait)14, que constatam que 82% dos trabalhadores em condições análogas à de escravo são terceirizados.

Inobstante todos os prejuízos já elencados, cabe também mencionarmos a falta de isonomia que é dispensada aos trabalhadores que realizam as mesmas atividades dentro de uma empresa, pelo simples fato de um funcionário ser contratado diretamente e o outro ser terceirizado. Tal violação a isonomia, com diferenças de salários e condições de emprego, configura grave violação ao regime constitucional.

Diante de todo o exposto, mesmo que não exista mais a presunção absoluta de fraude em casos de terceirização de atividades fim, é preciso que prevaleça a isonomia nas relações de emprego, de modo a reduzir os índices acima expostos, garantindo aos trabalhadores direitos que gradualmente foram conquistando na evolução legal brasileira, privilegiando o avanço em detrimento do retrocesso social.

6 CONSTITUCIONALIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADES-FINS SEGUNDO O STF

Com o advento da Lei 13.467/17, em que foi expressamente prevista a possibilidade de terceirização de quaisquer das atividades desempenhadas pelas empresas, muitas controvérsias surgiram acerca de sua constitucionalidade. Os defensores de uma inconstitucionalidade material alegam a incompatibilidade desta novel legislação com a antiga súmula 331 do TST, que a mais de 30 anos está em voga para proteger os direitos dos trabalhados de uma eventual terceirização desmedida, bem como criticam os dispositivos da nova lei face ao conteúdo da Constituição Federal, por serem incompatíveis com os direitos assegurados constitucionalmente aos trabalhadores.

Sobre a terceirização de atividades-fim e corroborando com a inconstitucionalidade acima esposada, explicam Jorge Neto e Cavalcante (2017, pág. 138):
Neste particular, a terceirização é incongruente com o Direito do Trabalho. A integração do trabalhador à empresa é uma forma de conservação da sua fonte de trabalho, dando-lhe garantias quanto ao emprego e à percepção de salários.

É fator de segurança econômica. As empresas modernas, em sua quase maioria, possuem em seu interior diversos tipos de trabalhadores que não são seus empregados e sim das empresas prestadoras (locadoras de mão de obra ou de serviços temporários). O trabalhador perde o seu referencial dentro da empresa. A terceirização não resiste aos fundamentos do Direito do Trabalho, mostrando-se incongruente com a ordem constitucional do trabalho, com o princípio do não retrocesso social e com os objetivos da OIT que não admitem a ideia do trabalho humano como mercadoria.”

Ainda sobre o tema, Delgado e Amorim discorreram com maestria:
A leitura integrada das regras constitucionais que regular a proteção ao regime de emprego (arts. 7º a 11), e que regulam a contratação de serviços na atividade-meio (arts. 37, XXI, e art. 170, §1º, III) conduzem à conclusão de que a terceirização, por sua repercussão restritiva ao emprego direto com o beneficiário final da mão de obra, regime este socialmente mais protegido, somente se legitima, excepcionalmente, na medida indispensável à promoção daquelas finalidades gerenciais, tornando-se ilegítima a sua prática além
dessa medida, ou seja, na atividade-fim empresarial. Nesse espaço da atividade-fim, a Constituição reserva à empresa a função social de promover emprego direto com trabalhador, com a máxima proteção social, tendo em conta a dupla qualidade protetiva desse regime de emprego: uma proteção temporal, que remete à pretensão de máxima continuidade do vínculo de trabalho, e uma proteção espacial, de garantia de integração do trabalhador à vida da empresa. [...] E por impor essas restrições protetivas, a terceirização é o mecanismo que a Constituição reserva apenas excepcionalmente ao espaço da atividade-meio da empresa, como um mecanismo gerencial voltado a viabilizar que o empreendimento possa se dedicar à sua atividade finalística, para nela promover o emprego direto e maximamente protegido (DELGADO; AMORIM, 2017, p. 13-14).
A Constituição Federal brasileira estimula um ambiente de trabalho no qual o trabalhador está inserido na dinâmica da empresa, sendo uma peça chave para o bom funcionamento empresarial, ou seja, com os direitos trabalhistas constitucionalmente assegurados a empresa há de ser vista como um organismo no qual os trabalhadores figuram entre os seus principais órgãos. Neste sentido, ainda Delgado e Amorim (2017, pág.16):
Assim é que o contrato de terceirização da atividade-fim da empresa, ao reduzir o padrão de proteção social do trabalhador, para afirmação do interesse meramente individual e egoístico da empresa, constitui instrumento de violação de interesses constitucionais metaindividuais dos trabalhadores, ofensivo à sua dignidade humana, afrontando todo o sistema de normas imperativas e protetivas do trabalho humano. Esse raciocínio encontra amparo no art. 2035, parágrafo único, do Código Civil, que condiciona a validade do conteúdo contratual à observância de normas imperativas: Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos da ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade dos contratos.
Com a possibilidade de terceirização irrestrita o trabalhador perde seu papel de destaque, tornando-se apenas um ser sem a devida relevância dentro de uma empresa, devendo apenas ser expectador dos acontecimentos internos de seu ambiente de trabalho.
Os princípios da pessoalidade e máxima continuidade do vínculo empregatício também foram desprestigiados com a novel legislação. Quanto àquele, o trabalhador
não possuirá, em tese, uma relação direta com a empresa tomadora de serviços ao desenvolver a atividade-fim da mesma, situação que no plano fático revela-se impossível. No que se refere ao princípio da máxima continuidade do vínculo empregatício, o trabalhador estará sujeito à conveniência da empresa prestadora de serviços, a qual ele está diretamente subordinado, podendo ser substituído quando conveniente for.
Entretanto, apesar de todas as consequências deletérias oriundas de uma terceirização irrestrita, no dia 30 de agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e o Recurso Extraordinário (RE) 958252, com repercussão geral reconhecida, entendeu ser lícita a terceirização de todas atividades empresariais, em uma votação com 7 (sete) votos a favor e cinco (cinco) votos contra a terceirização em qualquer etapa do processo produtivo, seja meio ou fim.
Após o julgamento, chegou-se à seguinte tese de repercussão geral aprovada no RE: “É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Dentre os defensores de tal modalidade de terceirização, menciona-se o apontamento feito pelo ministro Celso de Mello15, que assim dispôs: “O custo da estruturação de sua atividade empresarial aumenta e, por consequência, o preço praticado no mercado de consumo também é majorado, disso resultando prejuízo para sociedade como um todo, inclusive do ponto de vista da qualidade dos produtos e serviços disponibilizados”.
Em sintonia com o decano, a ministra Cármen Lúcia16 enfatiza que “com a proibição da terceirização, as empresas poderiam deixar de criar postos de trabalho”.
Logo, depreende-se dos votos dos dois ministros que a terceirização em qualquer setor produtivo irá contribuir para o desenvolvimento econômico, propiciando a abertura de novos postos de trabalho, bem como aproveitará à sociedade como um todo, desprestigiando, por completo, a questão humanitária afeta aos trabalhadores. Por fim, resta ainda salientar o posicionamento da ministra Cármen Lúcia, que nega a responsabilidade da terceirização pela precarização das condições de trabalho, contudo alega que “se isso acontecer, há o Poder Judiciário para impedir os abusos.
15 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=388429
16 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=388429
Se não permitir a terceirização garantisse por si só o pleno emprego, não teríamos o quadro brasileiro que temos nos últimos anos, com esse número de desempregados”.
Entretanto, em dissonância com os posicionamentos anteriormente expostos, o ministro Marco Aurélio entende que a terceirização afeta os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho ao dispor que “protetivo não é o julgador, não é o TST ou os tribunais regionais de trabalho, mas a própria legislação trabalhista, e ela não pode ser fulminada pelo Supremo, que tem o dever de preservar a Constituição”.
Cita-se ainda o disposto por PEREIRA, em trecho utilizado pelo ministro Marco Aurélio ao fundamentar o seu voto na ADPF N° 32417
A terceirização abala aspectos essenciais da CLT, como a subordinação e a pessoalidade diretas. Inverte a regra geral da indeterminação do prazo contratual, para consagrar a temporalidade. A rotatividade muitas vezes inviabiliza o gozo das férias. Os sindicatos de terceirizados desfrutam de menores condições de mobilização e reivindicação. As estatísticas dos acidentes de trabalho indicam que sua incidência aumenta nas hipóteses de terceirização. (PEREIRA, Ricardo José Macêdo Britto. Terceirização, a CLT e a Constituição. Disponível em: http://trabalho-constituicaocidadania.blogspot.com/2013/.).
Diante do exposto vê-se que o STF adotou posicionamento extremamente liberal, pró-mercado, desconsiderando os princípios balizadores do Regime Democrático de Direito adotado pelo constituinte de 1988, bem como desconsiderou o verbete da súmula 331 do TST, em vigor há 32 anos, que “nada mais fez do que cristalizar longa construção jurídica gestada tanto em sede legal quanto no âmbito da Justiça do Trabalho”, segundo as sábias palavras do ministro Marco Aurélio de Melo18.

7 CONCLUSÃO


O ano de 2017 ficou marcado na memória da população brasileira pelos inúmeros temas abordados em todas as esferas do poder. Diversos assuntos foram trazidos à baila neste ano, tais como o tratamento para reversão da homossexualidade, intervenção militar, Reforma da Previdência, restrição do conceito de trabalho escravo, bem como a temida reforma na legislação trabalhista, com profundos reflexos no instituto da terceirização.
O legislador brasileiro buscou, com as reformas legislativas ocorridas no ano de 2017, ampliar as hipóteses permitidas de terceirização, estendendo-as às atividades-fim. Contudo, diante desta possibilidade de uma terceirização desarrazoada de quaisquer atividades empresariais, que possui uma eficácia restritiva da relação bípede entre o empregador e o empregado, nota-se uma afronta ao que estabelece a Constituição Federal, o Direito do Trabalho, bem como os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos de que o Brasil é signatário.
Em que pese o STF ter declarado a constitucionalidade dos retrocessos provocados pelas referidas alterações legais, o presente estudo vai ao encontro da opinião de importantes doutrinadores que afirmam o caráter maléfico da terceirização irrestrita, como Delgado e Amorim, tendo-se em vista que a terceirização irrestrita proporciona um fenômeno no qual a empresa pode se tornar um local sem empregados, afinal, com a terceirização de todas as suas atividades é possível se esquivar de inúmeras responsabilidades sociais, bem como trabalhistas, previdenciárias e tributárias.
Diante do retrocesso latente em que nos encontramos, caberá aos operadores do Direito, em especial os membros do Ministério Público do Trabalho, os Magistrados
Trabalhistas e advogados, bem como a sociedade em geral, serem resistência, de forma que o judiciário modifique o seu atual entendimento, possibilitando que coexistam, harmoniosamente, o interesse da classe proprietária dos meios de produção com os direitos que ao longo da evolução social foram legitimamente assegurados aos trabalhadores.

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Nota técnica – Nove meses de vigência da Reforma Trabalhista, 2018.
ASSIS, Rubiane Solange Gassen. Terceirização da atividade fim: uma nova realidade? https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/129494/2018_assis_rubiane_solange_terceirizacao_atividade.pdf?sequence=1&isAllowed=y
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: 2008.
CASSAR, Vólia Bomfim; e BORGES, Leonardo Dias. Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo: Forense, 2017.
COSTA, Ângelo Fabiano Farias da; MONTEIRA, Ana Cláudia Rodrigues Bandeira; e NETO, Silvio Beltramelli. Reforma Trabalhista na Visão de Procuradores do Trabalho. São Paulo: Editora JusPODIVM, 2018.
COSTA; Armando Casimiro; MARTINS, Melchíades Rodrigues; CLARO, Sonia Regina da S. CLT – LTr. 41ª ed. São Paulo, LTr: 2013.
CUNHA, Maria Inês S. A. da. Direito do Trabalho. 3ª. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.
CUNHA, Maria Inês S. A. da. Direito do Trabalho. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág.76.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr., 2006.
DELGADO, Gabriela Neves; e AMORIM, Helder Santos. Inconstitucionalidade da Terceirização na Atividade-Fim das Empresas. https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/103358/2016_maeda_patri
cia_terceirizacao_brasil.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acessado no dia 10 de setembro de 2018.
DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista LTr, São Paulo, ano 70, n.06, p.657-667, jun.2006. p.667
DELGADO, Maurício. Curso de Direito do Trabalho. 7ª. edição, São Paulo: LTr, 2008, pag. 471.
DELGADO; AMORIM. Os limites constitucionais da terceirização. São Paulo, LTr, 2017, p. 16.
DURKHEIM, Emile. Educação e Sociologia. São Paulo: 1952.
FONSECA, Vanessa Patriota da. Reforma Trabalhista na Visão de Procuradores do Trabalho. São Paulo; Editora JusPodivm: 2018.
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 17ª Ed. São Paulo: Forense, 2006.
MEIRELES, Edilton. Terceirização, subordinação e relação de emprego na reforma trabalhista. Revista dos Tribunais. São Paulo: vol. 984/2017 - p.149 – 161 – Out/2017.
MARTINEZ, Luciano. A Terceirização na Era Temer. São Paulo: Revista dos Tribunais vol. 984/2017- p. 41 – 76, Out/2017.
MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho – relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2018, pág.83.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 28.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.192.
NETO, Francisco Ferreira Jorge; e CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.
Manual de Direito do Trabalho. 4ª Edição. São Paulo: Editora GEN/ATLAS, 2017,
pag. 138.
PORTO, Lorena Vasconcelos, A Terceirização na Reforma Trabalhista e a
Violação às Normas Internacionais de Proteção ao Trabalho. 2017.
(https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/142141/2017_porto_loren
a_terceirizacao_reforma.pdf?sequence=1&isAllowed=y)
PRETTI, Gleibe.Comentários à Lei Sobre a Reforma Trabalhista, o que mudou na
CLT e nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr Editora, 2017.
RAPASSI, Rinaldo Guedes. Subordinação Estrutural, Terceirização e
Responsabilidade no Direito do Trabalho.
http://www.fiscosoft.com.br/main_online_frame.php?page=/index.php?PID=196957&
key=4004805
VIANA, Marcio Túlio. Terceirização pode transformar trabalhador em objeto de
mercado. 2014.
BRASIL. Mensagem 389 ao Congresso Nacional emitida pelo Presidente da
República.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=432807&fil
ename=Tramitacao-PL+4302/1998.Mensagem 389. Acesso realizado em 10 de
outubro de 2018.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!