Desembargador é condenado por vender sentenças
Por unanimidade, em 08/04/2019 a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, STJ, entendeu pela condenação do desembargador Carlos Rodrigues Feitosa, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, TJCE, por vender liminares durante seus plantões e por exigir repasse de parte dos salários de seus servidores. A pena é de reclusão de 17 anos, 6 meses e 22 dias, além da perda do cargo e da aposentadoria.
Foram dois processos. Na Ação Penal 825, o magistrado foi condenado a 3 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, em regime semi-aberto, por exigir de duas servidoras comissionadas de seu gabinete lhe repassassem parte da remuneração, “como condição para admiti-las e mantê-las nos cargos”. Nesse processo também foi determinada a perda do cargo, o que alterou anterior deliberação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de setembro de 2018, que penalizou o magistrado com aposentadoria compulsória. Conforme afirmou o ministro relator, Herman Benjamin, a “demissão é de rigor” no caso, já que Feitosa “não ostenta os padrões éticos aceitáveis ao desempenho de função estatal, a par de ter vilipendiado os princípios mais básicos e constitucionais que norteiam a administração, designadamente o da moralidade”, de modo que “não é aceitável que aquele que faltou para com o dever de lealdade e boa-fé para com o Estado possa prosseguir no desempenho de relevante função”. Em entendimento acolhido pelos seus pares, o ministro sublinhou a necessidade da decretação da perda do cargo do juiz, afirmando “A perda do cargo extingue o vínculo do servidor condenado com a administração pública. A aposentadoria compulsória, como pena, mantém esse vínculo, mas altera a situação do servidor para inativo”.
No outro processo, Ação Penal 841, o desembargador foi condenado a 13 anos, 8 meses e 2 dias de reclusão, em regime fechado, por participar em “esquema criminoso com o objetivo de recebimento de vantagem ilícita em troca da concessão de decisões de soltura em benefícios de réus presos”. Conforme denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF), o comércio de decisões judiciais nos plantões de fim de semana era discutido por meio de aplicativos como o WhatsApp, com a intermediação do filho do desembargador, com liminares negociadas em plantões por até R$ 150 mil, beneficiando por meio de habeas corpus “presos envolvidos em crimes como homicídios e tráfico de drogas”. O relator do caso, ministro Herman Benjamin, destacou que as provas colhidas nos autos apontam que a negociação realizada por meio de grupos de mensagens era verdadeira, coincidia com os plantões do magistrado e tinha resultado favorável àqueles que se propuseram a participar das tratativas, comprovando que o desembargador “fez do plantão judicial do Tribunal de Justiça do Ceará autêntica casa de comércio”, estabelecendo um verdadeiro leilão de decisões. Afirmou o ministro, ao quantificar a pena de reclusão:
“Além da enorme reprovabilidade de estabelecer negociação de julgados, pôs indevidamente em liberdade indivíduos contumazes na prática de crimes, alguns de periculosidade reconhecida, ocasionando risco a diversas instruções de ações penais em curso no primeiro grau e expondo a sociedade a perigo. Para além, agrava situação o fato de ocupar o cargo de desembargador, sendo ele, como magistrado, responsável primeiro por aplicar a lei de forma apurada, técnica e escorreita. Não foi o que fez”.
O advogado Fernando Feitosa, filho do desembargador, foi condenado a 19 anos e 4 meses de reclusão em regime fechado. Nas palavras do ministro relator, Herman Benjamin, seu trabalho de advocacia “se limitava a vender decisões lavradas pelo pai”, sendo responsável por fazer publicidade da venda de liminares.
Esse julgado do STJ é relevante não só por condenar um desembargador a reclusão de mais de 17 anos e à perda da função pública e seu filho advogado a 19 anos de prisão. Os fatos narrados na denúncia datam de 2012 e 2013 e a ação teve início em 2015. Em setembro de 2018 o magistrado foi aposentado pelo CNJ, tendo agora o STJ entendido pela prisão e perda do cargo, mas seus efeitos ocorrem apenas depois de esgotadas as possibilidades de recurso, ou seja, apenas depois do trânsito em julgado o desembargador deixará de ser remunerado pelos cofres públicos. A reflexão que se impõe é constante violação ao inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que dispõe “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, pois uma justiça lenta é uma justiça injusta, e não há justiça quando um órgão corporativo, CNJ, entende como punição a mera aplicação da aposentadoria tampouco quando a legislação processual permite aos bons advogados percorrer um longo caminho até que sejam esgotadas todas as possibilidades de recursos, ainda que apresentados apenas para procrastinar um desfecho induvidoso. Sem falar na dúvida sobre a lisura das sentenças desse magistrado proferidas até seu afastamento.