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A secessão e a federação brasileira sob o novo direito constitucional

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Agenda 14/09/2019 às 15:33

A titularidade do poder do Estado é do povo. Isso significa que todas as unidades da federação possuem a faculdade de constituírem Estados soberanos e independentes, de se unir a outro ou de permanecerem na República Federativa do Brasil.

1. INTRODUÇÃO

Embora a Constituição vede expressamente, é possível que Estados-membros deixem a Federação, desde que esse pensamento reflita o desejo majoritário de sua população. No moderno constitucionalismo, com a prevalência dos princípios constitucionais, não se pode negar ao cidadão o direito de ser feliz; se essa felicidade exigir a constituição de um novo Estado, e se esse desejo for partilhado pela maioria dos habitantes de um Estado-membro, não há lastro jurídico para invalidar essa decisão soberana, consequência do exercício da democracia. A ideia de uma união eterna e indissolúvel é fictícia, pois parte do equívoco de pressupor que a vontade do Estado deve prevalecer sobre a da população, quando na verdade o escopo estatal é justamente o de propiciar o bem estar aos seus cidadãos.


2. DA INDISSOLUBILIDADE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Logo no caput do art. 1º da Lei Fundamental de 1988 está posto que Estados, Municípios e Distrito Federal, reunidos de modo indissolúvel, formam a República. Na primeira Constituição republicana, de 1891, também no art. 1º constava essa característica, ao afirmar que a “República Federativa” era constituída pela “união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil”; a fórmula foi repetida na Constituição de 1934, onde no art. 1º constava que “A Nação brasileira, constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil”. Na Constituição de 1937 não se repetiu a expressão “união perpétua”, assentando-se que “O Brasil é um Estado federal, constituído pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”; na Constituição de 1946 nenhuma menção houve, e na Constituição de 1967 (art. 1º), como também na oriunda da Emenda Constitucional nº 1 de 1969 (art. 1º), a indicação da indissolubilidade da Carta de 1937 foi repetida. Dessarte, os constituintes de 1988 não inovaram ao estabelecer a impossibilidade de dissolução dos entes que compõem o Estado brasileiro.

Entretanto, deve-se ressaltar que na Constituição imperial de 1824 havia expressa indicação, no art. 3º, de que o governo seria monárquico e hereditário; com o advento da República, nova ordem jurídica foi constituída, rompendo com a anterior. As Constituições de 1937 e 1967, bem como no texto de 1969, também romperam com a ordem vigente, e constituem exemplos de violação à soberania popular, outorgadas que foram pelos grupos políticos que se assolaparam do Estado na conturbada história republicana nacional.

Na doutrina hodierna, é forte o entendimento de que a indissolubilidade do Estado é clara, induvidosa e absoluta. O sentimento de Agra sintetiza o pensamento majoritário dos estudiosos:

Assevera o caput do art. 1º da Constituição de 1988 que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal. Isso significa que nenhuma das suas partes componentes pode se retirar da federação, seja para formar um novo país, seja para se anexar a um outro. Caso ocorra qualquer um desses casos, a medida cabível é a intervenção, por haver quebra da integridade nacional (art. 34, I, da CF). (AGRA, 2012, p. 355)

Com a devida vênia aos que comungam dessa compreensão, ela não se sustenta à luz do moderno constitucionalismo, onde os princípios possuem um valor cada vez mais relevante. Isso porque não é o povo que existe para o Estado, mas sim o Estado que existe para o povo. Assim, pertinente a análise, à luz do moderno constitucionalismo, do alcance da restrição constitucional em um Estado Democrático de Direito, como se pretende o Brasil, porque é possível, e necessária, uma relativização do instituto sem a necessidade de uma novel ordem jurídica.


3. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CARTA POLÍTICA

Princípios fundamentais constituem os alicerces da Constituição, e por isso formam a base sobre a qual se estrutura todo o ordenamento jurídico. São considerados os mais importantes da Carta Magna, porque constituem “os núcleos jurídicos que serão desenvolvidos pelas demais normas ao longo da Constituição”, como lembra Agra (2012, p. 107), asseverando que funcionam, dentro do sistema constitucional, “como estruturas para a integração das normas”. E o professor completa:

Os princípios fundamentais apresentam uma densidade de legitimidade muito mais intensa do que a maioria das normas contidas na Constituição, em razão de que possibilitam um consenso nos diversos setores da sociedade. São normas que gozam de tamanho assentimento no universo jurídico que não há obstáculos à sua concretização, ao menos no plano teórico. Como são princípios fundamentais, em caso de aparente antinomia com outros princípios devem prevalecer em detrimento dos demais. (AGRA, 2012, p. 108)

No Título I da Constituição Federal, denominado “Dos Princípios Fundamentais”, estão elencados: (i) que a República é formada pela união indissolúvel das Unidades da Federação e que constitui um Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos: (a) a soberania, (b) a cidadania, (c) a dignidade da pessoa humana, (d) os valores do trabalho e da livre iniciativa, e (e) o pluralismo político; (ii) a existência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si; (iii) os objetivos fundamentais da República; e (iv) os princípios norteadores das relações internacionais da República. E no parágrafo único do art. 1º está posto que “Todo o poder emana do povo”.

Os constituintes de 1988 inovaram ao adjetivar a República como um Estado Democrático de Direito. Como aponta Silva (2013, p. 121), “A configuração do Estado Democrático de Direito não significa unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito”, mas sim estabelecer uma novel conceituação, a qual “leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo”, que já nasce proclamado e fundado, e “não como mera promessa de organizar tal Estado”.

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Essa nova conceituação de Estado Democrático de Direito, bem como dos valores que a fundamentam, devem ser interpretadas a partir da ideia básica de que a titularidade do Poder que legitima a atuação estatal é do povo. Com razão Binenbojm (2006, p. 441) ao dispor que “O povo é a autoridade última e primeira em uma democracia”. Na verdade, como aponta Agra (2012, p. 127), inúmeros são os exemplos na atualidade de governos legitimados teoricamente pelo povo, porque “ao início do terceiro milênio, a legitimidade popular se tornou um dogma intransponível, mesmo transformada em ordenamento semântico”. Durante muitos anos esses conceitos tinham força meramente formal, daí o pensamento constitucionalista atual, que pugna por conferir-lhes força material.

Essa mudança conceitual exige do intérprete das normas constitucionais a extração de efeitos à luz de um Estado Democrático de Direito. Caso contrário, estaria violado o escopo pretendido pelos constituintes de 1988 e, quiçá, se equipararia à letra morta de dispositivos encontrados em constituições pretéritas, solapados de efeitos concretos, como o existente no § 1º do art. 1º da Constituição de 1967[2], cuja redação foi repetida na Carta oriunda da Emenda Constitucional nº 1, de 1969[3], de que “Todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido”; ora, no Brasil de 1964 a 1985 havia uma ditadura militar, e de forma alguma o dispositivo constitucional externava efeitos concretos, pois não havia democracia, tampouco Estado de Direito, e muito menos respeito aos direitos humanos fundamentais. Da mesma forma a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, outorgada em 1937, que na parte final do seu art. 1º dispunha que “O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade”; durante esse período, de 1937 a 1945, denominado Estado Novo, havia um governo ditatorial[4].

Não se pode aturar, no estágio atual do constitucionalismo, palavras e expressões elencadas na Lei Maior desprovidas de resultado prático e efetivo, ainda mais quando expressam fundamentos principiológicos da República. Mello (2010, p. 958-959) lembra que princípio constitui “mandamento nuclear de um sistema”, funcionando como “verdadeiro alicerce”, que alcança as diversas normas, “compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. E o autor é taxativo:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Isso porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. (MELLO, 2010, p. 959)

 Assim, aos conceitos de cidadania (art. 1º, II, CF), de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e de soberania do poder popular (art. 1º, parágrafo único, CF), reconhecidos como princípios fundamentais pelos constituintes de 1988, deve-se sempre buscar um sentido mais consentâneo à evolução do constitucionalismo. Como lembra Barroso (2013, p. 288-289),

O novo direito constitucional [...] tem sido referido, por diversos autores, pela designação de neoconstitucionalismo. O termo identifica, em linhas gerais, o constitucionalismo democrático do pós-guerra, desenvolvido em uma cultura filosófica pós-positivista, marcado pela força normativa da Constituição, pela expansão da jurisdição constitucional e por uma nova hermenêutica. Dentro dessas balizas gerais, existem múltiplas vertentes neoconstitucionalistas. Há quem questione a efetiva novidade dessas ideias, assim como seus postulados teóricos e ideológicos. Mas a verdade é que, independentemente dos rótulos, não é possível ignorar a revolução profunda e silenciosa ocorrida no direito contemporâneo, que já não se assenta apenas em um modelo de regras e de subsunção, nem na tentativa de ocultar o papel criativo de juízes e tribunais. Tão intenso foi o ímpeto das transformações que tem sido necessário reavivar as virtudes da moderação e da mediania, em busca de equilíbrio entre valores tradicionais e novas concepções.

O Direito não é estanque, e a jurisprudência nacional, acompanhando a melhor doutrina, entende que o alcance dos direitos fundamentais não deve ser menor do que aquele adequado para atender as necessidades da sociedade em um determinado momento. Sem essa interpretação consentânea da Carta Política, os conflitos imanentes da própria evolução social não seriam enfrentados com justiça; mais que isso, os fundamentos pretendidos pelo Estado Democrático de Direito brasileiro, como a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem comum, seriam lançados meramente à condição de normas programáticas. Preciso José Afonso da Silva (2013, p. 469) ao dispor sobre a eficácia dos direitos fundamentais, aduzindo que “a garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais”. Oportuno escólio de Barroso:

A nova interpretação constitucional surge para atender às demandas de uma sociedade que se tornou bem mais complexa e plural. Ela não derrota a interpretação tradicional, mas vem para atender às necessidades deficientemente supridas pelas fórmulas clássicas. Tome-se como exemplo o conceito constitucional de família. Até a Constituição de 1988, havia uma única forma de se constituir família legítima, que era pelo casamento. A partir da nova Carta, três modalidades de família são expressamente previstas no texto constitucional: a família que resulta do casamento, a que advém das uniões estáveis e as famílias monoparentais. Contudo, por decisão do Supremo Tribunal Federal, passou a existir uma nova espécie de família: a que decorre de uniões homoafetiva. Veja-se, então, que onde havia unidade passou a existir uma pluralidade.

A nova interpretação incorpora um conjunto de novas categorias, destinadas a lidar com as situações mais complexas e plurais [...]. Dentre elas, a normatividade dos princípios (como dignidade da pessoa humana, solidariedade, segurança jurídica), as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação jurídica. Nesse novo ambiente, mudam o papel da norma, dos fatos e do intérprete. A norma, muitas vezes, traz apenas um início de solução, inscrito em um conceito indeterminado ou em um princípio. Os fatos, por sua vez, passam a fazer parte da normatividade, na medida em que só é possível construir a solução constitucionalmente adequada a partir dos elementos do caso concreto. E o intérprete, que se encontra na contingência de construir adequadamente a solução, torna-se coparticipante do processo de criação do Direito.

Essa evolução na interpretatio do Direito é essencial para que se possa adequar a vida em sociedade com o ordenamento jurídico. As normas devem adequar-se à sociedade, e não esta àquelas. Evidente que são dos legisladores, em um Estado Democrático de Direito, a atribuição republicana de criar, revisar e revogar leis; todavia, na hipótese de inércia do Poder Legislativo no cumprimento de suas atribuições, cabe ao Poder Judiciário, no exercício de suas também republicanas atribuições, extrair da norma um sentido que atenda aos anseios da sociedade, notadamente quando fundamentado em princípios constitucionais.

Nesse diapasão, não se pode perder de vista que a disposição do caput do art. 1º da Carta Política, que estabelece a indissolubilidade dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, busca fundamentos nos dispositivos que elenca. Dito de outra forma, é pelo alcance dos fundamentos de soberania (inciso I), de cidadania (inciso II), de dignidade da pessoa humana (inciso II), de valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), e notadamente de que todo o Poder estatal emana do povo (parágrafo único), que se deve compreender a restrição do caput do art. 1º da Lei Maior.

Igualmente não se pode descurar de que, dentre os objetivos fundamentais da república (art. 3º, CF), está dito:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Dessarte, a promoção do bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação, constitui um dos objetivos fundamentais da República, e qualquer privação ao exercício desse direito fundamental constitui afronta aos princípios que alicerçam a Carta Constitucional.

3.1 DA GARANTIA DO DIREITO DE SER FELIZ

Dentre os fundamentos republicanos estabelecidos pelos constituintes de 1988 está “a dignidade da pessoa humana” (art. 1, III). Esse princípio, como explica Moraes (2011, p. 24), “concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas”, e afasta a noção “de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual”. Ferraz Filho (2013, p. 5) o define como “valor- fonte de todos os direitos fundamentais”, aduzindo:

Esse valor, que se apresenta como fundamento e fim último de toda a ordem política, busca reconhecer não apenas que a pessoa é sujeito de direitos e créditos diante dessa ordem, mas que é um ser individual e social ao mesmo tempo. [...] Sucede que o ser humano se completa e se plenifica com a presença de todas as dimensões em um contexto harmônico, interdisciplinar e interativo. Isso é que vai, em última análise, permitir a democracia e a atualidade dos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana constitui, por assim dizer, um valor único e individual, que não pode, seja qual for o pretexto, ser sacrificado por interesses coletivos. (destaques no original)

Do princípio da dignidade da pessoa humana deflui, implicitamente, outro princípio, que dele decorre naturalmente, assegurando a todos o direito de perseguir a felicidade. Nesse sentido ementa de lavra do Min. Celso de Mello, do STF, relator do RE nº 477.554 (2011, p.1):

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado. (destaques no original)

Dessarte, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana constitui a garantia reconhecida pelos constituintes de 1988 de que o ser humano deve ser tratado com dignidade, a qual pressupõe respeito às suas convicções pessoais, porque é inato o direito de ser feliz. No aspecto individual, essa dignidade se revela na não submissão ao interesse coletivo como regra, de modo que a busca da felicidade não pode ser obstada por eventual norma restritiva. Essa garantia, aliás, já restou consignada na Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, de 1776, no seu item 1:

Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem, por qualquer contrato, privar ou despojar sua posteridade; ou seja, o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, e de buscar e obter felicidade e segurança[5].

A Constituição Federal também dispõe, ao elencar os objetivos fundamentais republicanos, a obrigação de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV). Disso deflui que a promoção do bem comum, que é o bem estar coletivo, sem diferenças entre uns e outros, é o escopo do Estado Nacional. Sobre o tema, oportuna advertência de Agra (2012, p. 181):

Quando a Constituição fala que não pode haver preconceito em relação a raça, sexo, cor, idade, origem etc., não está falando, de forma absoluta, que é impossível qualquer tipo de discriminação com base nestes elementos. Por exemplo, pode haver diferenciação de sexo, possibilitando a inscrição de apenas mulheres, em um concurso para trabalhar como carcereira em um presídio feminino. Portanto, o que a Constituição veda são diferenciações com base nos elementos mencionados que não tenham um amparo lógico plausível que os justifique, que eles sejam alçados a critérios diferenciadores sem uma forte motivação que os ampare.

Lembra Ferraz Filho (2013, p. 8) que o bem comum, inerente a “todos os seres humanos”, constitui o “fim último da democracia constitucional brasileira”, advertindo que não se trata de “um ideal irrealizável”. Agra (2012, p. 129) lembra que os objetivos fundamentais constituem princípios de conteúdo polissêmico, “que impedem definições precisas acerca de sua essência”, concluindo que “formam as normas do welfarestate brasileiro, isto é, são normas programáticas que têm o objetivo de criar um Estado de bem-estar social. Possuem eficácia mediata, no sentido de que o legislador infraconstitucional não pode afrontar o conteúdo de suas disposições”.

O princípio constitucional do bem comum, sem quaisquer formas de preconceito ou discriminação, portanto, reconhece o direito humano inerente a todos individualmente de não serem diferenciados indevidamente. Nesse mesmo sentido também dispõe o caput do art. 5º da Carta Política, encartado no Capítulo I, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, inserido no Título II, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, de lavra dos constituintes de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Sobre o autor
Vladimir Polízio Júnior

Professor, advogado e jornalista. Membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/SP, 33ª Subseção de Jundiaí. É especialista em direito civil e direito processual civil, em direito constitucional e em direito penal e direito processual penal. Mestre em direito processual constitucional. Doutor em direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina. Pós-doutor em em Cidadania e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra, Portugal. Autor de artigos e livros, como Novo Código Florestal, pela editora Rideel, Lei de Acesso à Informação: manual teórico e prático, pela editora Juruá, e Coleção Prática Jurídica, por e-book, com 4 volumes: Meio Ambiente e os Tribunais, Crimes contra a Vida e os Tribunais, Crimes contra o Patrimônio e os Tribunais, e Liberdade de Expressão e os Tribunais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POLÍZIO JÚNIOR, Vladimir. A secessão e a federação brasileira sob o novo direito constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5918, 14 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74404. Acesso em: 21 nov. 2024.

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