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Breves considerações sobre Projeto de Lei 3.267/2019 e as mudanças no CTB

Agenda 07/06/2019 às 16:54

O neoliberalismo, como bem disse Celso Antonio Bandeira de Mello, "(...) encontra ambiente muito propício para medrar em nosso meio cultural.", e, assim, relativiza até a segurança viária.

ANTES DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB)

Antes de adentrar, observações. Antes do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a existência do Código Nacional de Trânsito (CNT), "in verbis":

CAPÍTULO VIII

Das Infrações e Penalidades

Art. 186. Considera-se infração a inobservância de qualquer preceito da legislação de
trânsito ou de resolução do Conselho Nacional de Trânsito.

Art. 187. O responsável pela infração fica sujeito às seguintes penalidades:

I - Advertência;

II - Multa;

III - Apreensão do documento de habilitação;

IV - Cassação do documento de habilitação;

V - Remoção do veículo;

VI - Retenção do veículo;

VII - Apreensão do veículo.

Art. 189. As infrações punidas com multa classificam-se, de acôrdo com a sua gravidade, em quatro grupos: Grupo 1 - as que serão punidas com multa de valor entre cinqüenta por cento (50%) e cem por cento (100%) do salário-mínimo vigente na região; Grupo 2 - as que serão punidas com multa de valor entre vinte por cento (20%) e cinqüenta por cento (50%) do salário-mínimo vigente na região; Grupo 3 - as que serão punidas com multa de valor entre 10 por cento (10%) e vinte por cento (20%) do salário-mínimo vigente na região; Grupo 4 - as que serão punidas com multa de valor entre cinco por cento (5%) e dez por cento (10%) do salário-mínimo vigente na região.

Não havia contagem de ponto, como no CTB (art. 259: gravíssima, 7 pontos; grave, 5 pontos; média, 4 pontos; leve, três pontos). Isso trazia uma desigualdade. Quem podia pagar se socorria desse recurso. A contagem, negativa, de 20 pontos na habilitação de trânsito terrestre, no prontuário do condutor, foi imensa inovação no CTB. Tornou a punição "democrática" para todos os condutores motorizados.

O CTB foi criado pelos inúmeros e recorrentes acidentes de trânsito. Familiares de vítimas de trânsito em "brados retumbantes e sem fugirem à luta", exigiam uma nova legislação de trânsito brasileiro. Sim, o clamor do povo chegou aos ouvidos parlamentares. Sensibilizaram a maioria dos congressistas.

ANÁLISES SOBRE O PROJETO DE LEI 3.267/2019

Feito introdução acima. Agora, o PL. Ou melhor, sobre as “Exposições dos motivos”.

1) Projeto de lei 3.267/2019 — "A obrigação de se manter os faróis ligados nas rodovias federais, inserida no art. 40 pela Lei nº 13.290, de 2016, não levou em consideração as peculiaridades do trânsito brasileiro, em especial as altas temperaturas que diminuem sensivelmente a vida útil das lâmpadas dos faróis dos veículos que já estão em circulação, as quais não foram produzidas para permanecerem acesas durante todo o tempo. Ademais, o mesmo art. 40, em seu parágrafo único, estabelece que os ônibus, quando circulam por faixas exclusivas, e as motocicletas e similares têm a obrigação de transitar com o farol ligado de dia e de noite. A finalidade dessa exigência é diferenciá-las dos demais veículos, aumentando a visibilidade por parte dos demais condutores. Com a obrigação do uso de faróis baixos, inclusive nas áreas urbanas, essa finalidade acabou sendo prejudicada, retirando um diferencial importante para a redução de riscos de acidentes A solução para esse imbróglio está na exigência que os veículos saiam de fábrica com os faróis de rodagem diurna, com a inclusão do inciso VIII do art. 105. Aproveita-se a oportunidade para corrigir uma impropriedade do art. 40, que, em seu inciso IV, estabelece a exigência apenas das luzes de posição do veículo no caso de chuva, cerração ou neblina, quando deveria exigir o uso dos faróis, já que a restrição da visibilidade é maior nessas situações." 

Comentário:

“altas temperaturas que diminuem sensivelmente a vida útil das lâmpadas dos faróis dos veículos que já estão em circulação, as quais não foram produzidas para permanecerem acesas durante todo o tempo”; é possível verificar que há um custo benefício utilitarista quanto ao tempo útil das lâmpadas dos faróis e segurança viária. É possível interpretar, prepondera a economia do que a vida humana.

“A solução para esse imbróglio está na exigência que os veículos saiam de fábrica com os faróis de rodagem diurna, com a inclusão do inciso VIII do art. 105”; ou seja, o Estado quer agir, no sentido de “coagir” os fabricantes de faróis. Os “brados retumbantes liberais contemporâneos” de “menos Estado na vida privada”, com certeza, irão reclamar.

O Estado, ainda pela cosmovisão da liberdade econômica, ou a “mão invisível” do mercado, não pode determinar o tipo de farol a ser produzido. Por exemplo, há várias indústrias, cada qual produzirá o seu tipo de farol. Se há padronização, pela Estado, os preços dos automóveis irão aumentar. Na cosmovisão liberal econômica, sem interferência estatal, cada fabricante produz um tipo de farol. Cada montadora, então, colocará o tipo de farol corresponde ao tipo de cliente ($; $$; $$$; $$$$; $$$$$). Quem pode pagar mais, melhor o tipo de farol. Quem pode pagar mais, farol automático, conforme condições climáticas; farol manual, o condutor terá que agir para escolher as condições dos faróis.

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2) Projeto de lei 3.267/2019 — "No que tange à proposta referente ao art. 64, tem-se a intenção de afastar dúvidas quanto à manutenção da exigência de dispositivo de retenção especial (“cadeirinha”) para crianças, considerando o decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 2.998 que, outrossim, implicou na proposta de alteração do art. 161. Em qualquer caso, ao mesmo tempo em que se garante a manutenção da exigência se toma providência para evitar exageros punitivos." 

Comentário:

Resoluções do Contran sobre transporte de crianças: 277, 352, 533, 541, 562, 639.

CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB)

“CAPÍTULO III

DAS NORMAS GERAIS DE CIRCULAÇÃO E CONDUTA

Art. 64. As crianças com idade inferior a dez anos devem ser transportadas nos bancos traseiros, salvo exceções regulamentadas pelo CONTRAN.

CAPÍTULO XV

DAS INFRAÇÕES

Art. 168. Transportar crianças em veículo automotor sem observância das normas de segurança especiais estabelecidas neste Código:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa;

Medida administrativa - retenção do veículo até que a irregularidade seja sanada.”


 

O Estado, neste caso, condiciona/coage. A “emissão de novo Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo - CRLV quando o proprietário do veículo não atender ao chamamento de campanhas de recall de veículos”, e justifica “pelo fato de que estes veículos podem colocar em risco a segurança de seus ocupantes, assim como a dos demais usuários da via”.

Comparando com a simples advertência, pelo PL em comento, em caso de transporte de criança em automotores com, ou acima, de quatros rodas, existe uma relativização por parte do Estado. Não há mais a infração de trânsito gravíssima, pela atual redação da norma contida no art. 168, do CTB. A nova redação pela proposta do PL:

“Art. 168. ...................................................................................................................
...................................................................................................................
Parágrafo único. A violação do disposto no art. 64 será punida apenas com advertência por escrito.” (NR) (grifo do autor)


O art. 64 proposto pelo PL:

“Art. 64. Exceto na hipótese de exceção estabelecida pelo CONTRAN, as crianças:

I - com idade de até sete anos e meio serão transportadas nos bancos traseiros e utilizarão dispositivos de retenção adaptados ao peso e à idade; e

II - com idade superior a sete anos e meio e inferior a dez anos serão transportadas nos bancos traseiros e utilizarão cinto de segurança.

Parágrafo único. O CONTRAN disciplinará o uso e especificações técnicas dos dispositivos de retenção a que se refere o inciso I do caput.” (NR)


Ora, não há como o condutor ter pontos negativos em seu prontuário se a nova redação do art. 168 “será punida apenas com advertência por escrito”, muito menos penalidade e medida administrativa. É a redação do art. 168.

Há verdadeiro imbróglio. O Estado se preocupa com o bem-estar dos demais usuários de vias terrestres ao condicionar/coagir o proprietário veicular “com a finalidade de impedir a emissão de novo Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo - CRLV quando o proprietário do veículo não atender ao chamamento de campanhas de recall de veículos”. Conquanto não se preocupa com o bem-estar das crianças, pela redação do PL ao parágrafo único do art. 168.

O Estado (pai/mãe) é um amor só quanto ao condicionamento de "emissão de novo Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo - CRLV quando o proprietário do veículo atender ao chamamento de campanhas de recall de veículos". No caso de proteção de criança dentro de automotor, o Estado (pai/mãe) se comportar com total descaso, irresponsável à vida das crianças.

Ordenamento jurídico

CRFB de 1988

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)


LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Posso estender mais sobre Estado versus liberdade individual.

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 29/2015 quer proibir todo tipo de aborto, nenhuma possibilidade seja em caso de estupro, feto anencéfalo. O Estado quer mandar no útero da mulher. Contudo, após nascer, o Estado diz “Aí, mãe, agora é com você, não cabe a mim (Estado) saber se irá ou não transportar seu filho (a) com segurança. Bom. Se morrer ou ficar com sequelas, aí iremos agir, com todas as possibilidades no ordenamento jurídico, para condenar. Quanto à criança morta, a culpa é sua, não minha (Estado)”.

3) Projeto de lei 3.267/2019 — "Concernente ao art. 147, se insere o aumento da validade do exame médico e, consequentemente, a validade da CNH. Ao longo dos anos, a expectativa de vida do brasileiro teve uma expressiva elevação. De acordo com dados do IBGE a expectativa média de vida em 1997 era de 69,3 anos, subindo para 72,3 em 2006. O último levantamento realizado em 2017 demonstrou que a expectativa de vida para os homens já estava em 72,5 anos e para as mulheres, em 79,4. Tal evolução é fruto da melhoria da saúde e condições de vida do brasileiro. Em decorrência dessa constatação, faz-se necessário o ajuste da legislação, a fim de não se impor ao cidadão habilitado uma exigência que não seja imprescindível para sua capacidade de dirigir." (grifos do autor)

Comentário:

A expectativa de vida aumentou, porém não quer dizer que há qualidade de vida. “Tal evolução é fruto da melhoria da saúde e condições de vida do brasileiro”; caso averiguarmos os idosos no Brasil, quanto à violência contra eles, o descaso do Estado na ineficiência de prestação de serviços públicos, sendo cúmplices as concessionárias de serviços públicos, por exemplo, nos transportes públicos, idoso no Brasil vive, muito mal. Quantos brasileiros conseguiram se aposentar com a idade hábil (legislação)? Quantos idosos recebem o teto máximo do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), quantos idosos conseguem os remédios necessários para manutenção da saúde? A expectativa de vida aumentou para quais idosos de quais classes sociais, se agentes públicos, em especial os políticos, ou não agentes?

Há idosos em perfeitas condições física e mental, contudo, o ato de dirigir não é somente ver e segurar o volante. Exige-se: atenção; percepção; coordenação motora; habilidade; reflexos rápidos; responsabilidade.

Quanto à acuidade visual, principalmente por usos de Smatphones, as crianças já sentem os efeitos da “luz azul” das telas. Os idosos também estão usufruindo da tecnologia. Direção não é só ter habilidade, a atenção é necessária, isto é, não basta olhar, os olhos devem estar aptos para captarem as imagens.

De forma geral, quantos brasileiros apresentam reais condições de saúde para condução de automotor? Problemas articulares, como atrite, artrose, e não é "questão de velhice", são comuns por práticas de esportes, principalmente sem acompanhamento de profissional especializado. Exames caros? Justifica-se o aumento da validade como cálculo de custo benefício para a economia?

4) Projeto de lei 3.267/2019 — "Também visando a simplificação de procedimento, retira-se a exigência do caríssimo exame toxicológico que vinha sendo exigido dos motoristas profissionais, em alguns casos com dúvidas sobre a exatidão." (grifo do autor)

Comentário:

Se é caro, pelo custo benefício “economia versus segurança viária”, não é desculpa para relativizar. A economia deve se desenvolver, crescer, qual o custo? Motoristas profissionais dirigem, a maioria, sob efeitos de drogas para se manterem acordados. As empresas contratantes desses profissionais querem agilidade na entrega, na distribuição. Tempo é dinheiro! Quanto à “exatidão”, teste de DNA não é 100%. Milton Friedman, provavelmente, diria que a probabilidade de um motorista cometer acidente é similar ao pedestre que cruza a pista de rolamento, quando ocorrerar o acidente, ninguém tem como prever. Recomendo assistir Friedman versus Moore.

5) Projeto de lei 3.267/2019 — "Quanto à proposta de revogação do art. 151, tal medida é necessária, tendo em vista que a exigência de que o candidato reprovado tenha que aguardar 15 dias depois do resultado para que possa refazer a prova é desarrazoada. Nem sempre a reprovação se dá por desconhecimento ou despreparo, pode ter sido por algum problema momentâneo, como stress, não se justificando ter essa espera entre provas. Dirigir é mais do que um desejo, é uma necessidade. Muitos buscam a habilitação para poderem exercer uma profissão. Ademais, O CONTRAN pode estabelecer critérios para essa finalidade sem impor uma restrição nesse nível." 

Comentário:

A proposta é boa. É liberdade para o candidato.

É notório que há pressões por parte dos examinadores de trânsito, outros, bem baixinho, “se não der ‘algo’, poderá não ser aprovado”. Pesquisas nos mecanismos de busca (Google, Yahoo, Bing etc.) podem comprovar o que digo. Pior fica quando alguns donos de autoescolas, atualmente Centro de Formação de Condutores (CFC), trocam os automotores por outros. Se o candidato à habilitação de trânsito terrestre treina com único automotor, de mesmo modelo etc., logicamente estará condicionado (reflexo condicionado). Será ético trocar o automotor contumaz aos treinos do candidato por outro automotor diferente? É outro caso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em tempos de "liberal na economia", ou "menos Estado", o artigo propôs aguçar debates sobre custo benefício, dignidade humana e Estado regulamentador.

Ora o Estado age com preocupação à dignidade dos cidadãos, ora não age, não se preocupa, invoca "liberdade individual", "avanço econômico". E isso acontece desde a promulgação da CRFB de 1988. Sim, o Estado age em defesa da dignidade humana (arts. 1º, III, e 5º, § 1º, da CRFB de 1988) ao mesmo tempo que não age, severamente, na economia (art. 170, da CRFB de 1988). Não quer dizer que a inciativa privada pode fazer o que bem quiser, há limites constitucionais.

Os fake news são comuns, e quando não há informações "não polarizadas", os estragos. Nenhuma Pólis consegue ser e permanecer harmônica com os fake news. Por exemplo, "É mentira que o PL não permitirá infração, penalidade e medida administrativa". Como desenvolvido acima, sobre as novas redações nos arts. 64 e, especialmente, 168, não haverá mais infração, penalidade e medida administrativa para condutor que transportar crianças sem equipamento de segurança. Projeto de lei 3.267/2019, "in verbis":

"Art. 168
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Parágrafo único. A violação do disposto no art. 64 será punida apenas com advertência por escrito.” (NR)


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Projeto de Lei nº 3.267/2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Projetos/PL/2019/msg226-junho2019.htm

________.Justificativa para o PL 3.267/2019.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/ExpMotiv/MINFRA/2019/36.htm

_______. PEC que proíbe aborto pode ser emendada para incluir as exceções da lei atual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/02/15/pec-que-proibe-aborto-pode-ser-emendada-para-incluir-as-excecoes-da-lei-atual

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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