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Sigilo no PJe: primeiras impressões sobre a Resolução nº 241/2019 do CSJT

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A resolução trata da atribuição de sigilo e de segredo de justiça a peças e documentos em juízo.

No último dia 06/06/19, o CSJT publicou a Resolução 241, que promoveu alterações na Resolução 185.

Dentre os dispositivos modificados, chamam a atenção aqueles atinentes à atribuição, pelas partes, de sigilo a peças e documentos.

Considerando a ausência de previsão legal para o sigilo, propõem-se aqui algumas ponderações acerca desta figura.


1. ATRIBUIÇÕES DO CSJT – PODER REGULAMENTAR

A Constituição Federal estabelece no art. 111-A, §2º, II, que ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho cabe, na forma da lei, a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema, cujas decisões terão efeito vinculante. 

Não existe, pela Constituição Federal, delegação para que o CSJT regulamente procedimento jurisdicional.

No âmbito infraconstitucional, o CPC estatui no art. 196 que:

Art. 196. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código.

De igual forma, o regulamento do CSJT (Resolução Administrativa nº 1.909/2017), mais precisamente em seu art. 1º, não atribui competência normativa à esse órgão do TST:

Art. 1.° O Conselho Superior da Justiça do Trabalho funciona junto ao Tribunal Superior do Trabalho, com atuação em todo o território nacional, cabendo-lhe a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema, cujas decisões têm efeito vinculante.

Ainda que, ad argumentandum, se pretenda atribuiu ao CSJT as mesmas competências do CNJ, é importante observar a parte final do citado art. 196 do CPC, a qual exige sejam “respeitadas as normas fundamentais deste Código”.


2. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

A publicidade dos atos judiciais segue a regra geral, derivada da aplicação do princípio da publicidade na Administração Pública de todos os Entes da Federação e em todos os Poderes, ao lado da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.

Quando se trata de processo eletrônico, o princípio da publicidade dos atos eletrônicos está garantido no art. 194:

Art. 194. Os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções.

Outrossim, na Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/06), em consonância com o referido princípio da publicidade, possui dispositivo importantíssimo, garantindo o acesso a todos os atos e documentos processuais armazenados:

Art. 11, §7º Os sistemas de informações pertinentes a processos eletrônicos devem possibilitar que advogados, procuradores e membros do Ministério Público cadastrados, mas não vinculados a processo previamente identificado, acessem automaticamente todos os atos e documentos processuais armazenados em meio eletrônico, desde que demonstrado interesse para fins apenas de registro, salvo nos casos de processos em segredo de justiça.

Curial anotar que sequer haveria necessidade de garantia da publicidade em normas infraconstitucionais, haja vista a expressa disposição contida no art. 5º, LX, de que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.


3. SEGREDO DE JUSTIÇA, SIGILO PROCESSUAL E SIGILO-OCULTAÇÃO DO PJE

A regra é da aplicação do princípio da publicidade processual. Excepcionalmente, todavia, o juiz pode determinar que o processo corra em segredo de justiça, em conformidade com os preceitos contidos no art. 5º, LX, da atual Carta Magna e no art. 189 do CPC:

Art. 5º. LX: a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

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Art. 189: Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.

No mesmo sentido dispõe o art. 770 da CLT: “Os atos processuais serão públicos, salvo quando o contrário determinar o interesse social, e realizar-se-ão nos dias úteis das 6 às 20 horas”.

Não se pode confundir o segredo de justiça com o sigilo. O primeiro diz respeito à vedação do acesso a todas as informações contidas em um determinado processo judicial por aqueles que não são atores processuais internos.

Já o sigilo consiste na qualidade de determinadas informações contidas em uma ou algumas peças processuais ou mesmo em determinados documentos que, por sua própria natureza ou por conta da pessoa que as detém, não podem se tornar públicas, como ocorre, por exemplo, com o sigilo de dados fiscais.

No CPC, há referência ao sigilo em seus arts. 26, III, e 773, parágrafo único:

Art. 26. A cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faz parte e observará:  III - a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente;

Art. 773. Parágrafo único. Quando, em decorrência do disposto neste artigo, o juízo receber dados sigilosos para os fins da execução, o juiz adotará as medidas necessárias para assegurar a confidencialidade.

Importante frisar que, tanto no segredo de justiça quanto no sigilo da lei processual, a vedação de acesso se restringe ao público externo; os atores processuais internos, em um ou outro caso, têm pleno acesso às peças e documentos.

Já a funcionalidade do sigilo-ocultação prevista no PJe tem caraterística diversa, pois ele se dirige também à parte contrária e não apenas ao público externo, visando ocultar peças e documentos. Por exemplo, uma peça qualificada como sigilosa pelo reclamado não pode ser vista pelo reclamante. Todavia, essa indisponibilidade é temporária, ou seja, em determinado momento processual o sigilo deve ser retirado pela própria parte que atribuiu essa qualidade ou pelo juiz.  


4. EXCESSO DO PODER REGULAMENTAR - A INSTITUIÇÃO DA FIGURA DO SIGILO-OCULTAÇÃO DO PJE

Nada obstante às restrições estabelecidas pelas normas constitucionais e infraconstitucionais, o CSJT, criou uma nova espécie de “sigilo” no processo, permitindo que as partes atribuam sigilo a peças e documentos, para que a outra parte a eles não tenha acesso, o que, por óbvio, termina por impedir também o acesso do público externo.

Tal figura do sigilo do PJe aparece desde o primeiro ato normativo editado pelo CSJT com a finalidade de estabelecer a padronização do uso do Sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe), ou seja, desde a Resolução 94/2012, passando pela Resolução 136/2014, e chegando à Resolução 185/17, agora modificada pela Resolução 241/19.

Ora, se a parte pode atribuir sigilo indistintamente a peças e documentos, como dar efetividade ao comando do art. 11, §7º, da Lei do Processo Eletrônico, isto é, como é que os advogados, procuradores e membros do MP podem ter acesso a peças e documentos, se estiverem em sigilo?

Está claro, portanto, que o CSJT extrapolou o seu poder regulamentar, ao criar uma nova figura, não prevista na Constituição Federal ou na legislação processual, que permite às partes atribuírem sigilo a peças e documentos.


5. A TOLERÂNCIA DO SIGILO-OCULTAÇÃO ANTES DA REFORMA TRABALHISTA

Antes da Lei da Reforma Trabalhista, era consenso na doutrina e na jurisprudência que parte poderia desistir da ação até a audiência, sem que houvesse necessidade de concordância da parte contrária, ainda que já houvesse contestação juntada aos autos.

Entendia-se que o momento de recebimento da contestação era a audiência, e, por isto, ainda que a defesa tivesse sido anteriormente juntada aos autos, o seu recebimento somente se concretizava na audiência.

Tal interpretação era extraída do art. 847 da CLT, que assim dispunha: “Não havendo acordo, o reclamado terá vinte minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes”.

Embora a CLT se referisse à prática do ato de forma oral, a defesa era geralmente apresentada por escrito, em peça física, no momento da audiência.

Com a implantação do PJe, veio a obrigatoriedade de que a defesa escrita fosse protocolada no sistema até a audiência (antes dela)[1], não sendo mais possível a sua juntada na audiência (durante ela).

Apesar da mudança procedimental[2], na prática forense continuou prevalecendo o entendimento majoritário consolidado na era do processo físico, no sentido de que, mesmo oferecida antes da audiência, o momento do recebimento da defesa era a ocasião da audiência.

Com a manutenção desse raciocínio atrelado ao processo físico, justificava-se que a desistência pudesse ocorrer na audiência, desde que formulada antes do recebimento da defesa.

E, assim, não era incomum que a parte, conhecendo o teor da defesa, pedisse desistência da ação ou mesmo provocasse o seu arquivamento, o que revelava comportamento desleal.

Diante do que prevalecia na práxis forense, o sigilo-ocultação era, então, tolerado, mas apenas com a finalidade de evitar que a parte autora, tomando conhecimento prévio do teor da defesa do réu, pedisse a desistência da demanda, ou simplesmente deixasse de comparecer à assentada, provocando o arquivamento do feito.

Como nenhuma punição era aplicada à parte autora pela conduta desleal, reconhecia-se ao réu a possibilidade de atribuir sigilo à sua peça defensiva, até o momento da audiência, quando, então, era retirado pelo magistrado.


6. A REFORMA TRABALHISTA E A DESNECESSIDADE DO SIGILO-OCULTAÇÃO DA PEÇA DE DEFESA

A Lei da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) traz duas importantes modificações na CLT, que vão repercutir no modo como o sigilo é visto, o que, consequentemente, provoca o debate sobre a permanência da sua necessidade no sistema.

A primeira delas diz respeito à incorporação ao texto da CLT da regra do processo eletrônico, com a introdução do parágrafo único no art. 847 da CLT, que passou a ter a seguinte redação:

Art. 847 - Não havendo acordo, o reclamado terá vinte minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes.

Parágrafo único. A parte poderá apresentar defesa escrita pelo sistema de processo judicial eletrônico até a audiência.

É, portanto, incorporada ao direito positivado a apresentação de defesa escrita pelo sistema PJe, que deve ser protocolada até (antes da) a audiência.

A segunda é referente à expressa previsão, decorrente do acréscimo do §3º ao art. 841, que insere no processo do trabalho a chamada “estabilização da demanda”, e contém a seguinte redação: “§3º Oferecida a contestação, ainda que eletronicamente, o reclamante não poderá, sem o consentimento do reclamado, desistir da ação”.

A inovação legislativa, além de trazer para o direito positivo o que já ocorria na prática, ao reconhecer a defesa apresentada eletronicamente, deixa claro que, a partir do momento em que é oferecida a peça, o autor não poderá desistir da ação sem o consentimento da parte contrária.

Isso se explica porque, no instante em que a defesa é inserida no sistema, o ato é considerado realizado.

Com efeito, de acordo com o art. 3º da Lei do Processos Eletrônico, “Consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico”.

Se antes, na era do processo físico, o ato era considerado realizado quando recebido no setor de protocolo da Vara ou Tribunal, em tempo de processo eletrônico, basta que a parte envie a peça ou documento ao sistema para que o ato seja considerado como realizado, tanto que imediatamente é fornecido um protocolo eletrônico confirmando aquele envio.

Se assim é pela Lei do Processo Eletrônico, que, frise-se, se trata de lei especial que prevalece sobre a geral, à vista do critério solucionador de antinomias da especialidade (LINDB, art. 2º, 2º), então é possível afirmar que, quando a parte ré envia a defesa ao sistema, o ato é considerado realizado, tanto que, de acordo com o art. 841, §3º, da CLT, a parte autora não mais poderá desistir da ação sem que haja concordância do réu. Pelos mesmos motivos (realização do ato), não poderá haver aditamento da inicial sem concordância da parte ré, nem complementação/aditamento da defesa em momento posterior, em face da preclusão consumativa.

Ora, se uma vez protocolada a defesa o ato é considerado realizado e não mais pode haver desistência da parte autora sem aquiescência da parte ré, então o sigilo perde toda a razão de existir.

Afinal, com a realização do ato e a imediata estabilização da demanda, eliminam-se aquelas situações pretéritas nas quais a parte autora, tomando conhecimento do teor da contestação, desistia da ação ou provocava o arquivamento.

No tocante ao arquivamento, oportuno anotar que a Reforma Trabalhista exige a sua justificativa para fins de exoneração de custas (leia-se: multa por ato atentatório à dignidade da Justiça). Assim, nenhuma vantagem terá o autor em provocar um arquivamento indevido, pois, se assim proceder, será condenado em custas e, acaso já contestada a ação, também em honorários de sucumbência (CPC, art. 90, caput e §1º), sendo que, somente poderá renovar a demanda acaso recolha as custas às quais foi condenado na ação arquivada (CLT, art. 844, §§ 2º e 3º; CPC, art. 486, caput e §2º).

Após a Lei da Reforma Trabalhista não é possível compatibilizar o sigilo com a estabilização da demanda pelo recebimento da defesa. Afinal, ou a defesa é recebida e a demanda estabilizada, ou não há defesa e tampouco estabilização de demanda. Portanto, acaso juntada a peça em sigilo, não se poderá falar em estabilização da demanda, pois, se assim, fosse, a parte ré teria “o melhor dos dois mundos”, já que preservaria sob o manto do sigilo a tese de defesa, ao tempo em que impediria a desistência pela parte contrária.

Assim, após a Reforma Trabalhista, acaso a parte junte a sua defesa em sigilo, sem amparo em uma das justificativas legais, esta deverá ser considerada como não apresentada.

Sobre os autores
Andréa Presas Rocha

Juíza do Trabalho na Bahia. Ex-juíza do Trabalho em Pernambuco. Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Mestre em Direito Social pela UCLM-Espanha. Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Autora e coautora de livros e artigos jurídicos. Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/9091224057220913

José Cairo Júnior

Juiz do Trabalho no TRT5. Professor da UESC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Andréa Presas; CAIRO JR., José Cairo Júnior. Sigilo no PJe: primeiras impressões sobre a Resolução nº 241/2019 do CSJT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6786, 29 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74761. Acesso em: 22 dez. 2024.

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