Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

As medidas de segurança nos manicômios judiciários e a invisibilidade social de seus internos

Agenda 22/06/2019 às 12:26

A Lei antimanicomial revogou tacitamente o artigo 97 do CP, dessa forma o magistrado não pode mais impor internação pelo simples fato de a infração penal praticada ser punida com reclusão.

1 INTRODUÇÃO

 

O direito penal surgiu com o intuito de o Estado normatizar, aplicar penas, e reprimir atos que venham interferir no bem-estar da sociedade. Entretanto, o crime acompanha o homem desde a sua essência, e com a evolução da vida em sociedade o ser humano se viu obrigado a criar regras/normas para proteger as pessoas e para a manutenção da paz social, e mesmo assim é impossível tentar explicar quais as razões que levam determinado indivíduo a delinquir.

O crime acompanha o homem desde a sua essência, entretanto com a evolução da vida em sociedade o ser humano se viu obrigado a criar regras/normas para proteger as pessoas e para a manutenção da paz social, assim foram surgindo as primeiras leis, e as condutas que era consideradas imorais passaram a ser inseridas em ordenamentos, e quem transgredisse tais leis sofreria uma sanção.

Os semi-imputáveis tratados pelo artigo 26, parágrafo único do Código Penal são aqueles considerados fronteiriços, que estão no meio do caminho da sanidade, e os psicopatas são incluídos nesse contexto. Além disso, os semi-imputáveis podem ter sua pena substituída por medida de segurança, como assim dispõe o artigo 98 do Código Penal.

O presente trabalho traz como problema a seguinte indagação: as sanções impostas aos internos desempenham o seu papel social completamente e os reintegrem à sociedade sem sofrer discriminação, abandono ou descaso seja de políticas públicas ou dos próprios familiares?

O sujeito considerado semi-imputável necessitando de tratamento especial médico comprovado, a pena pode ser substituída por medida de segurança, além do que, tratando-se de indivíduo de alta periculosidade o juiz pode conceder medida de segurança por tempo indeterminado, sendo constatado na maioria dos casos a perpetuação da pena.

Propõe-se como objetivo geral analisar a aplicabilidade das medidas de segurança, conferindo se esta alcança o fim que se destina, ou seja, se consegue preservar a sociedade de inimputáveis e semi-imputáveis com alto grau de periculosidade, que se submetem ao tratamento desta medida. E propõe como objetivos específicos verificar o aspecto temporal desrespeitado pelos órgãos judiciários e terapêuticos, o que ocasiona no afastamento do ideal de sancionar e se transforma na própria perpetuação da penalidade; e analisar se as sanções impostas aos internos cumpram seu papel social completamente e os reintegrem à sociedade sem sofrer discriminação, abandono ou descaso seja de políticas públicas ou dos próprios familiares.

Destaca-se, ainda que a Lei antimanicomial revogou tacitamente o artigo 97 do CP, dessa forma o magistrado não pode mais impor internação pelo simples fato de a infração penal praticada ser punida com reclusão.

O presente estudo será realizado, fundamentalmente, através de revisão de literatura, por meio do método descritivo e qualitativo, através da análise sistemática da Constituição Federal de 1988, Código Penal de 1940, de artigos científicos direcionados, doutrinas específicas; além de um prognóstico, por meio de pesquisa documental, sobre o projeto legislativo que define a temática que ora se pretende tratar.

 

2 O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL E A CULPABILIDADE

 

O primeiro registro histórico da prisão não surge da necessidade de punir, eclode, dessa forma, do isolamento de pessoas para que se controlassem determinadas pestes. Assim, no final século XVII, surge o panoptismo. A prisão, nesse caso, era mitigada, visto que fugia de vários requisitos inerentes à prisão, pois não era vista como um castigo (CARRARA, 1998, p. 50).

Na época do panoptismo, as pessoas eram mantidas presas dentro de suas residências até que se noticiasse o fim da peste, era, na verdade, uma espécie de quarentena. Em caso de extrema urgência, era dada autorização para o morador sair de sua residência, mas, como já foi dito, só em casos excepcionais, do contrário, se alguém burlasse tal determinação estaria sujeito à morte, seja pela pena por violar uma imposição temporária, ou em função do próprio mal que assolava aquela época (NUCCI, 2015, p. 21).

Nos tempos remotos, as prisões não seguiam a ordem atual, pois, até meados do século XVIII, serviam apenas como lugar para que fosse enclausurado determinado condenado até que fosse executada sua sentença, ou seja, tinha caráter eminente de aprisionamento, pois apenas era utilizada para assegurar que o condenado não se furtasse da sentença.

O conceito de crime é sem dúvida uma das definições mais complexas do Direito. Para que aconteça um crime é necessário que haja uma conduta humana positiva ou negativa. Porém, é importante salientar que nem todo comportamento do homem constitui crime, tendo em vista o princípio da reserva legal, que diz que somente os descritos pela lei penal podem assim ser considerados (JESUS, 2014, p. 65).

A conceituação do crime pode ser vista por vários aspectos: conceito formal do crime, conceito material do crime e o conceito analítico do crime.

O conceito formal do crime nada mais é que o descumprimento da lei penal. Qualquer conduta incriminadora que a lei proíba. “Para o conceito material o crime é toda conduta humana que lesa ou expões bens jurídicos penalmente protegidos” (CAPOBIANCO, 2014, p. 52). Ou seja, é a conduta lesiva que viola os bens jurídicos tidos como mais importantes para a sociedade. Então, enquanto o conceito formal é simples descumprimento da lei penal, o conceito material só trata como crime a conduta do agente que vá contra os bens mais relevantes.

Na verdade, a definição dos conceitos formal e material não trata com profundidade o que seja o crime, tais conceitos são insuficientes para o operador do direito. Contudo, o Conceito analítico do crime é bem mais complexo, porque ele realmente analisa as características que compõe o crime, e é o que é adotado pela doutrina majoritária. A doutrina é dividida em duas teorias que se propuseram a definir o conceito analítico: A teoria bipartite e a teoria tripartite (CARRARA, 1998, p. 51).

A teoria bipartite considera crime o fato típico e antijurídico. A culpabilidade não seria considerada como requisito do crime, ela seria pressuposta para a aplicação da pena. Já a teoria tripartite considera crime o fato típico, antijurídico e culpável (NUCCI, 2015, p. 22).

Utilizando-se do raciocínio do autor entende-se que embora o Código Penal faça uso dessas expressões para referir-se às causas excludentes de culpabilidade, não significa que o crime seja apenas um fato típico e antijurídico, pois na falta de um dos três elementos não haveria a possibilidade da aplicação da pena.

 

2.1 Conceito de Culpabilidade

 

Entende-se por culpabilidade, como uma forma de reprovabilidade pela realização de uma ação ou omissão de um ato típico e ilícito. No entanto, observa-se que não há culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, embora possa existir ação típica, ilícita e inculpável. Além dos elementos objetivos e subjetivos da conduta típica e ilícita realizada, também deve-se levar em conta as suas circunstâncias e aspectos relativos à autoria (CARRARA, 1998, p. 51).

A culpabilidade é a última característica do conceito de crime para a teoria tripartite. A culpabilidade é a reprovabilidade da conduta típica e antijurídica. Tal elemento é de grande valia para o presente trabalho, tendo em vista que o tema a ser discutido gira em torno da responsabilidade penal do psicopata e se o mesmo pode ser enquadrado no artigo 26, parágrafo único do Código Penal, que trata dos semi-imputáveis (NUCCI, 2015, p. 22).

Para que uma pessoa receba uma pena/sanção é necessário que ela tenha praticado um fato típico, antijurídico e culpável, e para que a conduta seja considerada culpável é essencial a presença desses requisitos, pois na falta destes, o indivíduo deverá ser absolvido.

Dessa forma não se deve de maneira alguma confundir culpabilidade e culpa. A culpabilidade só deve ser analisada após a certeza de que houve crime. Enquanto que a culpa deve ser analisada no momento da conduta do agente. São modalidades de culpa: imprudência, negligência e imperícia. A imprudência é caracterizada pela precipitação, ignorando qualquer cuidado. Ex: dirigir em alta velocidade próximo a uma escola. A negligência seria o desleixo com a situação, ausência de precaução. Ex: deixar uma faca ao alcance de uma criança. Enquanto que a Imperícia é a ausência de aptidão técnica para determinado exercício ou profissão. Ex: motorista dirigindo sem habilitação (CARRARA, 1998, p. 52).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Não se deve confundir os requisitos de culpabilidade com as excludentes de culpabilidade. Os requisitos/elementos da culpabilidade são a imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

 A regra geral é que todos são imputáveis, havendo as exceções do caput do artigo 26 do Código Penal. Ser imputável é ter total consciência de suas ações e capacidade de determinar-se (JESUS, 2014, p. 65).

A potencial consciência da ilicitude é a possibilidade de o indivíduo reconhecer a antijuridicidade do seu ato. Verifica-se, portanto, se o agente, ao praticar o crime tinha noção/consciência de que fazia algo errado ou proibido.

Não menos importante a exigibilidade conduta diversa, que é a possibilidade de não se exigir do agente conduta diversa daquela praticada, por exemplo, a coação moral irresistível, que é o caso de uma pessoa coagir/ameaçar outra pessoa de forma que o coagido, por medo, venha agir conforme a lei penal.

Assim, só haverá culpabilidade se o indivíduo, conforme suas condições psíquicas, podia estruturar sua consciência e vontade de acordo com o Direito; se estava em condições de poder compreender a ilicitude de sua conduta; e se era possível exigir, nas circunstâncias, conduta diversa daquela do agente (NUCCI, 2015. p. 23).

O direito penal brasileiro prevê algumas situações que excluem a culpabilidade pela ausência de um de seus elementos, podendo o agente ser isento de pena, mesmo que tenha praticado um fato típico e antijurídico.

O artigo 21, do Código Penal trata do erro de proibição que se verifica em uma situação de fato na qual não há possibilidade de perceber o caráter ilícito da conduta, que se inevitável, isenta o sujeito de pena.

Na coação moral irresistível, artigo 22, 1ª parte do Código Penal, e na obediência hierárquica, artigo 22, 2ª parte do Código Penal, o agente também não é passível de punição, pois se trata de situação em que o autor do crime tem sua vontade suprimida pela ação de terceiro que o coagiu ou é hierarquicamente superior, ficando a responsabilidade de fato nas mãos do coator ou do superior hierárquico que ordenou o agente.

 

2.2 Conceito de Inimputabilidade

 

Os inimputáveis são os indivíduos descritos no artigo 26, caput, do Código Penal. A imputabilidade desses indivíduos pode ser excluída caso se observe as causas de inimputabilidade, que são: inimputabilidade por doença mental, inimputabilidade por desenvolvimento mental incompleto (menoridade penal), inimputabilidade por desenvolvimento mental retardado e inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (NUCCI, 2015, p. 24).

O sistema biológico “condiciona a imputabilidade à inexistência de doença mental, de desenvolvimento mental deficiente e de transtornos psíquicos momentâneos” (DAMÁSIO, 2014, p. 544). Não se leva em conta investigações psicológicas do sujeito, e assim sendo considerado inimputável pelo simples fato de ser doente.

O sistema psicológico é contrário ao anterior, leva-se em conta o estado psicológico do agente no momento do fato e se ele tinha condições de compreender o seu caráter ilícito e determinar-se de acordo com esse entendimento. Portanto, se o agente não tinha compreensão e determinação, será considerado inimputável.

O Código Penal adotou o critério biopsicológico, como se vê nos artigos 26, caput e 28, parágrafo único. E para apuração da condição mental do agente é necessário de perícia psiquiátrica afirmando que a doença mental afetou sua capacidade de compreensão e determinação à época do fato e no momento da ação criminosa.

 

2.3 Conceito de Imputabilidade

 

Em regra, todos são imputáveis. Imputar é atribuir responsabilidade, de modo que não se deve confundir imputabilidade com responsabilidade penal, pois a responsabilidade é a obrigação que o agente tem de prestar contas do seu ato. Porém veja que a responsabilidade do agente depende que este seja imputável, pois ninguém deve ser responsabilizado, senão o que tem consciência de sua antijuridicidade (JESUS, 2014, p. 66).

Portanto, o homem tem o livre arbítrio e é inteligente/racional para entender o que é certo e errado. Entretanto há casos em que o agente não é nem imputável ou inimputável, ele considerado meio termo, ou seja, semi-imputável.

 

2.4 Conceito de Semi-imputabilidade

 

Damásio de Jesus (2014, p. 67) em sua doutrina leciona sobre a semi-imputabilidade ou responsabilidade diminuída (que o artigo 26, parágrafo único, do Código Penal prevê) como ele assim define, veja: fala-se comumente em imputabilidade diminuída. A expressão é incorreta, pois o agente é imputável. Há diminuição da responsabilidade (a pena é diminuída) e não da imputabilidade. Assim, podemos falar em responsabilidade diminuída e não em imputabilidade diminuída.

Na jurisprudência pátria o psicopata não sofre de doença mental, mas sim de perturbação mental, que seria o fato gerador para a semi-imputabilidade:

Personalidade psicopática não significa, necessariamente, que o agente sofre de moléstia mental, embora o coloque na região fronteiriça de transição entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais (TJSP – Ap. Crim – Relator Des. Adriano Marrey – TR 495/304.

Entretanto isso não é fato consumado, pois as opiniões dos aplicadores do direito (juízes) divergem, alguns se recusam a aplicar a redução da pena prevista no parágrafo único, artigo 26 do Código Penal.

 

 

2.5 Doença Mental e Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado

 

O termo doença mental advém da medicina, ele engloba todas as patologias mentais consideradas graves, ou seja, que causam uma grande e intensa perturbação da consciência. A doutrina penal entende que o termo doença mental deve ser compreendida no sentido mais amplo possível, como exemplos: Esquizofrenia, Psicoses, transtorno bipolar etc (CARRARA, 1998, p. 53).

O desenvolvimento mental retardado são aquelas anomalias referentes a déficit de Q.I (quociente de inteligência), os exemplos clássicos de desenvolvimentos mental retardado são os casos de oligofrenia. Os oligofrênicos, portanto, são pessoas que possuem a capacidade intelectual reduzida. Existem três categorias para os oligofrênicos: Idiotas, Imbecis e os débeis mentais.

Por último, o desenvolvimento mental incompleto, que inclui os menores de idade e, para uma grande parte da doutrina, os silvícolas (índios) são considerados dessa forma, mas desde que o índio não tenha se adaptado a nossa cultura.

 

3 AS MEDIDAS DE SEGURANÇA COMO SANÇÕES PENAIS

 

A pena surge como consequência natural pela prática de um fato típico, ilícito e culpável, ou seja, quando o agente pratica uma infração penal, abre-se a oportunidade para o Estado de fazer valer o seu ius puniendi, aplicando-lhe uma pena que terá as funções determinadas pela parte final do art.59 do Código Penal Brasileiro, vale dizer, deverá ser necessária e suficiente a reprovação e prevenção do crime (NUCCI, 2015, p. 26).

Com o propósito de definir a pena, a doutrina utiliza-se de três grandes grupos de teorias, a teoria absoluta, a teoria relativa, e a teoria mista, sendo que cada qual com seu grau de punição.

A pena, resumidamente, é a consequência da realização de uma conduta ilícita, antijurídica e culpável, designada a todo aquele que desrespeitou a legislação penal, portanto, uma forma do Estado efetivamente aplicar a norma ao caso concreto.

 

 

 

3.1 Problemática da aplicação das medidas de segurança no Brasil

 

Embora a Lei da Reforma Psiquiátrica não realizar uma revogação expressa dos dispositivos conflitantes com o Código Penal e na Lei de Execução Penal não se pode dizer que esses artigos não tenham sido revogados. Uma vez que, conforme o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), a lei posterior revoga a lei anterior, quando claramente o declarar, no caso de ser conflitante ou quando disciplinar completamente a matéria de que versava a lei anterior (NUCCI, 2015, p. 26).

Segundo Leonel (2014, p. 19), no ordenamento jurídico brasileiro, ocorreu uma revogação tácita do artigo 97 do CP, devido aos preceitos trazidos pela Lei antimanicomial – Lei n. 10.216/2.001.

Definida a medida de segurança, é necessário aprofundar-se um pouco mais e apresentar a polêmica discussão com relação à sua aplicação aqui no Brasil. É necessário esclarecer ainda as quatro finalidades da pena, cujo o poder punitivo estatal deveria respeito, qual seja, retribuição, prevenção, reeducação social e humanização dos direitos do delinquente, não tem sido levada em conta nos dias atuais, justificando em uma política intolerante do ius puniendi como fora mencionado. Assim, atualmente pode-se dizer que a prisão dessocializa e não ressocializa como fora elaborada após fortes críticas e reformas às penas corporais e infamantes que existiam antigamente.

Esta função preconizada pelos principais criadores do caráter reeducativo da pena, não tem causado efeito na realidade criminal, pois a falência do sistema prisional que se dá no Brasil, e também em outros países, onde os efeitos devastadores que ela causa se resultam na afirmação de que modelo de prisão tradicional não é eficaz para ressocializar ninguém.

Há uma distância entre o que foi estabelecido em lei e a execução prática do cumprimento da pena. Ou seja, a maneira com que o Estado vem conservando as prisões, possivelmente seja uma situação mais humilhante do que a aplicação de castigos que existia antigamente.

 

 

 

 

4 MANICÔMIOS JUDICIÁRIOS NO BRASIL

 

Muitas contradições e impasses se acumularam no decorrer das duas primeiras décadas do século XX, como por exemplo, casos mais ou menos escandalosos motivaram psiquiatras e magistrados a defender a construção de um asilo criminal, que era avaliado largamente com a única opção viável para o embaraço que opunha médicos e juristas, além de psiquiatras e médicos-legistas.

De acordo com Carrara (1998, p. 55) com o Decreto. nº1132 de 22/12/1903, que que sofreu grande influência de Teixeira Brandão, foi estabelecida a obrigatoriedade de construção de manicômios judiciários em cada estado, ou, na sua inviabilidade imediata, da circunscrição de pavilhões sobretudo dedicados aos louco-criminosos nos hospícios públicos que já existia. Além dessa lei, dois episódios proporcionaram o nascimento de um manicômio judiciário no Brasil, abrangendo mais intensamente a imprensa e os poderes públicos (GOFFMAN, 1974, p. 111).

Em 1919, um funcionário do senado, mata D. Clarice Índio do Brasil, esposa de um Senador da República e socialite a própria imprensa se engaja fortemente na luta pela criação de um manicômio judiciário. Entretanto, contrário aos médicos, os jornalistas defendiam a construção do estabelecimento, não enfatizando a natureza terapêutica ou humanitária; ao passo que apontavam sua urgente necessidade como uma repressão mais eficaz aos delinquentes (ROTELLI et al., 1990, p. 33).

Em consequência a morte de Clarice, o governo federal inicia a mobilização para fundar o novo estabelecimento e ainda em 1919 o Congresso votaria crédito para sua construção. Entretanto, a construção ocorreu da forma mais rápida possível pois em 27 de janeiro de 1920 na Seção Lombroso do Hospício Nacional ocorre uma rebelião na qual, conforme os jornais, haviam internados 41 "loucos da pior espécie", "gente perigosa" "sempre com o intuito do mal" (JC, OP, O Jornal, 28/01/1920) (CARRARA, 1998, p.55). Fatos este que proporcionaram uma campanha com efeitos positivos e imediatos pela construção de um manicômio judiciário em Brasília. Sendo lançada em 21 de abril de 1920, o primeiro asilo criminal brasileiro nos fundos da Casa de Correção, na Rua Frei Caneca.

 

 

 

 

4.2 Invisibilidade social dos internos na sociedade

 

Conforme com os resultados obtidos através de levantamento bibliográfico foi possível constatar que menos 25% dos indivíduos em medidas de segurança nos HCTPs em 2011, não precisariam estar internados, ou porque já estão com a medida de segurança com a periculosidade sobrestada, por possuírem a sentença de desinternação, a medida de segurança extinta ou a internação sem processo judicial, ou mesmo por terem obtido alta ou desinternação progressiva da justiça.

De acordo com Diniz (2013, p. 42), a pesquisa demonstra ainda gritantes violações aos direitos humanos. Aproximadamente 70% dos indivíduos em medida de segurança não cometeram nenhuma infração penal anterior antes de suas internações e ser possível a sua classificação como réus primários. Destaca-se ainda que, 41% desta população encontra-se em atraso com a realização anual do exame de cessação de periculosidade. Entre a população temporária, 16 pessoas estavam internadas entre 11 e 30 anos.  

Observa-se que uma vez que estes indivíduos entram em medida de segurança e esta é renovada indefinidamente, eles tornam-se invisíveis e desaparecem para toda uma estrutura de assistência em saúde de justiça que deveria cuidar deles. Ninguém quer saber do louco infrator, é como se ele realmente não existisse.

 

 

5 SITUAÇÃO MANICOMINAL NO PIAUÍ

 

A Reforma Psiquiátrica do Piauí é divida em dois momentos: antes e depois de 2001. O primeiro, denominado como “Movimento de Reforma da Assistência Psiquiátrica”, corresponde a um longo período que iniciou ainda nos anos 1940 e perdurou até a aprovação da Lei 10.216 em 2001.

Nesse primeiro período, a reforma piauiense foi marcada por idas e vindas, objetivando o aperfeiçoamento da estrutura asilar do Estado, especialmente centrado nos dois hospitais psiquiátricos da capital, um público - Hospital Areolino de Abreu (HAA) e o outro privado – Sanatório Meduna (SM), por conseguinte o fortalecimento da cultura manicomial local.

 

5.1 Hospital Penitenciário Valter Alencar

 

O Hospital Penitenciário Valter Alencar (HPVA) foi inaugurado em 2004 com o objetivo de prestar assistência ambulatorial, e fica localizado no Complexo Penal Major César, na BR 343, próximo ao município de Altos (39 km de Teresina). Apesar de receber a denominação de hospital, não consta no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Sistema Único de Saúde (SUS), não integrando, assim, a rede de saúde municipal, estadual ou federal.

Deste modo, não está sob o controle, avaliação, regulação e auditoria dos órgãos da administração pública. 

Conforme relatório realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizado em 2011, o HPVA não possuía equipamentos, além de diversos problemas quanto à falta de informação de processos.  Problemas ainda não solucionados em 2014 conforme relatório realizado pelo Conselho Regional de Medicina do Piauí (CRM- PI).

Em 2014, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Arquidiocese de Teresina realizou uma reunião na Corregedoria do Tribunal de Justiça, com o Desembargador Sebastião Martins, para solicitar providências para a situação do Hospital Areolino de Abreu e do Hospital Penitenciário Valter Alencar.

Entretanto, apesar da sentença judicial que determinou a reforma do Hospital Penitenciário Valter Alencar para receber de forma adequada os portadores de transtorno mental e que possuem conflito com a lei, para que eles fossem tratados no próprio hospital, o Governo do Estado não tomou medidas efetivas para resolver a situação.

 

5.1.1 Descaso do poder público

 

Em 2015, a Reforma Psiquiátrica completou 14 anos, entretanto, é evidente o descaso público nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) do Brasil, os antigos manicômios judiciários, que na prática, só mudaram de nome.

Apesar da identificação de inúmeros problemas pelo Conselho Nacional e Justiça (CNJ), relatórios do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Psiquiatria, além de denúncias feitas por ex-funcionários desses HCTPs e ONGs que militam em defesa dos diretos humanos, os internos permanecem sendo submetidos a um regime de presídio, com torturas, e supressão do tratamento psiquiátrico (CARRARA, 1998, p. 56).

Segundo estudo da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) sobre os HCTPs, estes locais são confusos e sem uma política que direcione o tratamento dos pacientes. Se imitando a depósitos de presos estigmatizados pelo transtorno mental, ou de loucos infratores.

No censo realizado por Diniz (2013, p. 15), foram obtidos os seguintes dados:

47% estão encarcerados sem fundamentação legal e psiquiátrica, e 21% cumprem pena além da estipulada em sentença. Há, ainda, 18 indivíduos internados há mais de 30 anos, contrariando a pena máxima admitida pelo regime jurídico brasileiro.

De acordo também, com Diniz (2013, p. 16) a invisibilidade do louco infrator não foi rompida com a reforma psiquiátrica.

Por essa razão, o presente estudo evidencia o descaso público e como uma das consequências deste, a perpetuação da pena a que são submetidos presos estigmatizados pelo transtorno mental, ou de loucos infratores.

 

6 CONCLUSÃO

 

A presente pesquisa visou demonstrar à sociedade a problemática da aplicação das medidas de segurança nos manicômios judiciários e a consequente invisibilidade social de seus internos.

Partiu-se da conceituação das medidas de segurança e depois passando para o breve relato sobre a problemática da aplicação das medidas de segurança no Brasil, abordando as decisões judiciais “versus” laudos médicos, e tratando da perpetuação das medidas de segurança.

A Reforma Psiquiátrica do Brasil propõe a reabilitação e para isso busca oferecer aos internos dos manicômios, as condições necessárias para a sua ressorcialização, entretanto barra na estrutura atual dos hospitais psiquiátricos.

Quando se trata de internos portadores de transtornos psiquiátricos, a justiça brasileira tem dificuldade de seguir um modelo penal para julgar estes indivíduos, pois ainda não há consentimento de ideias a cerca de qual seria os transtornos de personalidade.

Poucos são os doutrinadores que acrescentam em seus livros exemplos de psicopatas criminosos, ou artigos acadêmicos versando sobre o tema. Tal dificuldade se dá também pelo fato de que o julgamento dos crimes dolosos contra vida é de competência do tribunal do júri, que irá julgar de acordo com as provas e laudos periciais apresentados.

Desta forma, a pesquisa não quis exaurir todo o tema, pois há muito ainda para ser pesquisado e estudado, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro não se preocupa com os inimputáveis e semi-imputável, devido à escassez de artigos acadêmicos e doutrinadores que arriscam falar do tema. Enquanto que os juízes resolvem cada caso concreto de forma diferenciada, isso porque a lei é omissa.

O presente trabalho realizou uma analise sobre a aplicabilidade das medidas de segurança, com o intuito de conferir se esta alcança o fim que se destina, ou seja, se consegue preservar a sociedade de inimputáveis e semi-imputáveis com alto grau de periculosidade, que se submetem ao tratamento desta medida.

Através do presente trabalho foi possível observar que o aspecto temporal é desrespeitado pelos órgãos judiciários e terapêuticos, fato que possui como consequência, o distanciamento do ideal, que é sancionar, e transforma-se, na atualidade na própria perpetuação da penalidade.

 As sanções impostas aos internos não cumprem seu papel social completamente, pois não é capaz de reintegrar os internos à sociedade sem sofrer discriminação, abandono ou descaso seja de políticas públicas ou dos próprios familiares.

Nota-se, sem maiores esforços a questão precária que assola os hospitais judiciais, que ao invés de ressocializar o indivíduo, após o cumprimento de pena, repele o ex-presidiário para o meio social, sem a preocupação de um enriquecimento psicológico ou sociocultural.

Considera-se como sistema prisional efetivo o mecanismo que propicia meios para aprimorar as técnicas laborais do preso, isso quando o mesmo possui, bem como, em caso de desqualificação, propiciar oficinas de trabalho oportunizando e qualificando aqueles que precisam de uma atividade. Além do trabalho, ferramenta inquestionável na recuperação dos presos, pois ao lhes tirarem do ócio e promovendo a ocupação laboral, faz com que os detentos se sintam úteis. Deve, ainda, o Estado primar pela educação dentro das penitenciárias, pois é através do ensino que se pode ter noção do certo ou errado, do que é moral ou imoral, do que é seu e o que é do outro, enfim, através do aprendizado é que se consegue a formação do indivíduo sociável.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Ministério da Saúde. (2012). Saúde mental em dados 10, 7(10). Recuperado em 08 de maio, 2015, de http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/mentaldados10.pdf

 

______. Lei 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, 9 abr. 2011. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil­_03/leis/leis_2001/l10216.htm. Acesso em: 03 maio. 2018.

 

CARRARA, S. Crime e Loucura: aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. Rio de Janeiro e São Paulo: Eduerj/Edusp, 1998.

 

DINIZ, D. A custódia e o tratamento psiquiátrico no Brasil: Censo 2011. Editora UNB. Fundação Universidade de Brasília. Brasília, 2013.

 

GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: ed. Perspectiva, 1974.

 

JESUS, D. de. Direito penal. Parte geral. 32 ed. São Paulo, 2014.

 

LEONEL, J. de O. Medida de Segurança à luz da Lei antimanicomial. Revista Direito Hoje. 2014. Disponível em: http://www.revistadireitohoje.com.br/artigos_txt.php?id=162 Acesso em: 15 nov 2015.

 

NUCCI, G. S. Manual de direito penal. 11 ed. São Paulo: Método Forense, 2015.

 

ROTELLI, F.; LEONARDIS, O.; MAURI, D.; RISIO, C. Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec; 1990.

 

Sobre a autora
Michele Amorim

Advogada, com licenciatura plena em Letras – Português pela Universidade Federal do Piauí, Pós-graduada em Ciências Criminais pela Escola do Legislativo Wilson Brandão, Pós-graduada em Direito Constitucional pela Escola do Legislativo Wilson Brandão, Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEMP), e Pós-graduada em Direito Previdenciário pela Estácio – CEUT.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!