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Inconstitucionalidade do tratamento desigual entre o cônjuge e o companheiro

O presente trabalho vem com o intuito de analisar a (in) constitucionalidade do tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro no que atine aos direitos sucessórios.

RESUMO

O presente trabalho objetiva analisar a (in)constitucionalidade do tratamento desigual entre conjugue e companheiro no direito sucessório. Para consecução do objetivo proposto utilizaram-se pesquisa qualitativa e exploratória e as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental consubstanciada no estudo de doutrinas e leis pertinentes ao tema.  A pesquisa realizada aponta que o art. 1.790 do C.C./2002,  promove disparidade entre os arranjos familiares elencados de maneira exemplificativa pelo texto constitucional, ao atribuir direitos  inferiores ao companheiro se comparados aos conferidos ao cônjuge supérstite, visto que seus direitos sucessórios se restringem ao patrimônio adquirido onerosamente na constância da união. A aludida prelação entre as formações familiares foi objeto de análise do Supremo Tribunal Federal em sede de julgamento do Recurso Extraordinário 878694. O Pretório Excelso reputou deveras, contrassenso a depreciação da união estável em face do casamento.

Desse modo, conclui-se que é inconstitucional o tratamento desigual dispensado entre cônjuge e companheiro no direito sucessório.

PALAVRAS-CHAVE: Sucessão. Companheiro. Cônjuge.

  1. Introdução

O tema do trabalho é a análise da constitucionalidade do tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro no que atine aos direitos sucessórios.

No que concerne à sucessão do companheiro, entende-se que a mesma passou por intensas transformações no Código Civil de 2002 (C.C./2002). Nesta senda, o flagrante inconstitucional art. 1790 do C.C./2002 subjuga a companheira (o) viúva (o), ao conferir plexo de direitos inferiores se comparados ao do cônjuge, visto que seus direitos sucessórios se restringem ao patrimônio adquirido onerosamente na constância da união.

Para realização do trabalho utilizaram-se pesquisa qualitativa e exploratória e as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental consubstanciada no estudo de doutrinas e leis pertinentes ao tema.

Sob a égide da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (C.R.F.B./88), curial mencionar o reconhecimento de inúmeros arranjos familiares, haja vista que o art. 226 do aludido texto constitucional, elenca rol exemplificativo, não excluindo, porquanto, modelos familiares diversos. Obsta-se dizer que a possibilidade do companheiro se tornar sucessor do de cujus, não se originou do C.C/2002.

Anteriormente, até a previsão na CRFB/88, jurisprudências dotadas do praeter legem garantiram gradativamente direitos aos conviventes. Posteriormente, a C.R.F.B/88 reconheceu a União Estável como modelo familiar, o que influenciou consideravelmente as leis infraconstitucionais, dentre elas são dignas de nota, a Lei ṇ° 8.971/94 e a Lei n° 9.278/96.

 Deste modo, a expectativa do advento do C.C/2002, foi meramente frustrada, visto que se esperava que houvesse previsão expressa em suas normas do tratamento igualitário entre o cônjuge e o companheiro, declarando a impossibilidade da distinção. Malgrado, a referida norma legal a inferioriza em relação aos parentes colaterais do falecido. Desprestigiando, portanto, a união estável, em face do casamento.

O Pretório Excelso por 8 votos a 3, em sede do julgamento do Recurso Extraordinário 878694, proferiu decisão reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002. A decisão prolatada pelo STF amenizou a dissonância existente entre o CC/2002 e a CRFB/88.

Desse modo, o presente trabalho tem por objetivo analisar a (in)constitucionalidade do tratamento desigual entre cônjuge e companheiro no direito sucessório, colacionando o relevante posicionamento exarado pelo Supremo Tribunal Federal – STF no afã de sanar a insegurança jurídica decorrente da anacrônica disciplina da matéria pelo C.C/2002, ao desequiparar para fins sucessórios os direitos conferidos cônjuge e companheiro.

  1. Breve análise dos institutos da herança e meação

Para melhor entendimento do tema, faz-se necessário a distinção dos institutos da sucessão e da meação de bens.

A herança, instituto afeito ao Direito Sucessório, caracteriza-se como o acervo patrimonial deixado pelo de cujos, cuja propriedade e posse se transferem automaticamente com o evento morte aos herdeiros, consoante o princípio da saisine. Salienta-se que antes da efetivação da partilha, a herança configura-se como um todo unitário e indiviso, uma universalidade de bens. (TARTUCE, 2018)

Desse modo, conforme elencado no art. 1.829 do CC/2002, a análise do regime de bens dos consortes apenas reputa-se necessária para fins sucessórios, quando o cônjuge supérstite concorre com descendentes. Havendo concorrência entre cônjuge e ascendentes a regime de bens adotado é irrelevante.

Quanto à meação, consoante disposição do art. 1.639 a 1.688 do C.C./2002, o instituto atinente ao direito de família, consiste em massa patrimonial amealhada comum dos consortes, que diante da dissolução da sociedade conjugal, seja através do divórcio ou morte, será atribuída à fração de ½ a cada com dos cônjuges.

Em contraposição a herança, a análise do regime de bens será imprescindível para aferirmos a existência ou ausência de patrimônio comum.

A título de exemplo, em se tratando de regime de separação de bens, não há se falar em meação, visto que o patrimônio dos cônjuges não se comunica.

3. A Sucessão Do Cônjuge no Código Civil de 2002

A sucessão do cônjuge passou por algumas alterações no Código Civil de 2002 (C.C./2002).  Dentre tais modificações, destaca-se ainserção do cônjuge, na ordem de vocação hereditária, em concorrência com os descendentes, no inciso I, e em concorrência com os ascendentes, no inciso II. Deste modo, conforme elucida o art. 1.829:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Consoante à referida disposição, há a substituição do usufruto vidual, conforme preleciona Antonini (2018, p. 2151):

Outra melhoria em sua posição é a extensão do direito real de habitação no único imóvel residencial a todos os regimes de bens do casamento (art. l.831), pois no Código anterior era conferido somente aos casados pela comunhão universal. O atual Código não prevê mais o usufruto vidual da quarta parte ou da metade da herança, que,no CC/1916 (§ 1° do art. 1.611), era concedido ao cônjuge casado por regime diverso da comunhão universal. O usufruto vidual foi substituído, no atual Código, pela concorrência cm propriedade plena com descendentes e ascendentes.
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De acordo com o artigo 1.829 do Código vigente, o cônjuge ou companheiro (a) herda em concurso com os descendentes nos regimes da comunhão parcial de bens, havendo bens particulares; participação final nos aquestos; e separação convencional de bens.  Já nos regimes da comunhão universal de bens; separação legal ou obrigatória de bens; e comunhão parcial de bens (não havendo bens particulares do falecido), o cônjuge ou companheiro (a) não herda em concorrência com os descendentes. (TARTUCE, 2018)

A intenção do legislador foi separar a meação da herança, além do propósito do dispositivo legal em restringir o regime sendo que, havendo comunhão ilimitada, o cônjuge não tem precisão de concorrer à sucessão com os descendentes.

No que se refere ao art. 1832 do C.C./2002:

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Destarte, se são quatro descendentes comuns ou mais concorrendo por cabeça, por exemplo, não haverá igualdade de quinhões, o cônjugeherdará uma quota parte de ¼ (um quarto), sendo as três restantes divididas entreos descendentes. Havendo filhos não comuns, caberá ao cônjuge a igualdade de quinhões, assim, não haverá a preservação da quota parte de ¼ (um quarto). No que tange à partilha entre cônjuge/companheiro (a) entre filhos comuns e não comuns, verifica-se uma omissão legal. Sobre o assunto, Tartuce (2018, p. 1489/1490) explana:

O debate que o dispositivo desperta tem relação com a chamada sucessão híbrida, expressão de Giselda Hironaka, presente quando o cônjuge (ou convivente) concorre com descendentes comuns (de ambos) e com descendentes exclusivos do autor da herança. Isso porque tal hipótese não foi prevista pelo legislador, presente uma lacuna normativa. Duas são as correntes fundamentais que surgem, conforme consta da tabela doutrinária elaborada por Francisco Cahali: 1.ª Corrente – Majoritária – Havendo sucessão híbrida, não se deve fazer a reserva da quarta parte ao cônjuge (ou ao companheiro, na atualidade), tratando-se todos os descendentes como exclusivos do autor da herança. Assim entendem Caio Mário da Silva Pereira, Christiano Cassettari, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Gustavo René Nicolau, Inácio de Carvalho Neto, Jorge Fujita, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Maria Berenice Dais, Maria Helena Diniz, Maria Helena Braceiro Daneluzzi, Mário Delgado, Mário Roberto Carvalho de Faria, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim, Euclides de Oliveira e Zeno Veloso; além do presente autor. Em sua obra lançada no ano de 2014, igualmente se posicionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. O entendimento prestigia os filhos em detrimento do cônjuge, sendo essa a opção constitucional, na opinião deste autor. Adotando a premissa, na V Jornada de Direito Civil aprovou-se o seguinte enunciado: “Na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida” (Enunciado n. 527). A destacada ementa doutrinária e todas essas afirmações têm incidência, agora, para a concorrência do companheiro com os descendentes, eis que foi ele incluído no art. 1.829 do Código Civil pela decisão do STF, de maio de 2017. 2.ª Corrente – Minoritária – Em havendo sucessão híbrida, deve ser feita a reserva da quarta parte ao cônjuge, tratando-se todos os descendentes como comuns. Assim pensam Francisco José Cahali, José Fernando Simão e Sílvio de Salvo Venosa.

De forma subsequente, no inciso II do art. 1829 do C.C./2002, os ascendentes herdam em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Nota-se que a lei não diferencia a questão do regime de bens.

Consoante ao art. 1.837 do C.C./2002, Antonini (2018, p. 2173) aduz que:

O artigo regula a proporção da concorrência do cônjuge com os ascendentes, prevista no art. 1.829, II. O cônjuge terá direito a um terço da herança se concorrer com pai e mãe do autor da herança. Se um dos pais tiver morrido antes do de cujus, o cônjuge terá direito a metade da herança na concorrência só com o pai ou só com a mãe do autor da herança. Também terá direito a metade se concorrer com ascendentes do segundo grau em diante (avós, bisavós, etc.). É importante relembrar que, em relação aos ascendentes, o cônjuge sobrevivente concorre sempre, independentemente do regime de bens. Poderá, portanto, ter direito à meação dos bens do espólio (recordando que não se confunde meação, direito preexistente à sucessão, que decorre do regime de bens, com herança) e a uma cota hereditária, de um terço ou metade, na herança.

Independente do regime de bens, o cônjuge sobrevivente receberá a integralidade da herança na falta de descendentes e ascendentes, nos termos do art. 1.838 do C.C./2002.

O C.C./2002 acrescenta uma delimitação ao cônjuge sobrevivente no art. 1.830, que consiste no ponto cujo somente é reconhecido seu direito sucessório se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

O direito real de habitação é mantido no art. 1.831 do C.C./2002, expandindo-o a qualquer regime de bens. De modo inegável, o direito só existe enquanto o cônjuge viver, não sendo transmissível com sua morte.

É importante salientar outra importante alteração advinda com o Código Civil/02 no que tange à sucessão do cônjuge, sendo este acrescentado ao rol de herdeiros necessários, de acordo com o art. 1845 do C.C./2002. Dessa forma, significa que o cônjuge não pode mais ser afastado da sucessão por pura impertinência do de cujus, meramente testando em benefício de terceiro.

4. Disciplina do direito sucessório do companheiro no Código Civil de 2002

No que concerne à sucessão do companheiro, entende-se que o mesmo passou por intensas transformações no Código Civil (CC).Dentre essas mudanças, algumas lograram êxito, não obstante, outras, representam o verdadeiro retrocesso da matéria em epígrafe.

Cumpre mencionar inicialmente a desvantajosa localização das normas inerentes ao regime sucessório do companheiro, visto que a mesma se encontra entre as regras gerais e os princípios do Direito Sucessório, enquanto deveria estar no título da Sucessão Legítima.  Gagliano (2017, p. 1532) aduz que:

Causa estranheza a péssima localização das regras constantes no art. 1.790 do Código Civil. O legislador, inadvertidamente, resolveu inserir o regramento específico da sucessão legítima pela (o) companheira (o) viúva (o) entre as regras gerais e os princípios do Direito Sucessório.
Note-se que a matéria, em verdade é típica da regulamentação da Sucessão Legítima, e não da parte introdutória das Sucessões, o que talvez, infira um preconceito sub-reptício em face da relação de companheiro.

Além de ser alvo de críticas o local em que se encontra o art. 1790 do C.C.2002, a sua redação se tornou motivo de aversão de vários doutrinadores, no qual Dantas Júnior (2017, p. 128-143) declara:

Pensamos que o art. 1790 do Código Civil, deve ser destinado á lata do lixo, sendo declarado inconstitucional e, a partir daí, simplesmente ignorado, a não ser para fins histórico da evolução do direito. Tal artigo, num futuro não muito distante, poderá ser apontado, como exemplo dos estertores de uma época em que o legislador discriminava a família que se formava a partir da união estável, tratando-a como se fosse família de segunda categoria.

Salienta-se que a possibilidade do companheiro se tornar sucessor do de cujus, não se originou do Código Civil. Anteriormente até a previsão na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (C.R.F.B/1988), jurisprudências dotadas do praeterlegem, garantiram gradativamente direitos aos conviventes.

Posteriormente, a C.R.F.B/1988 reconheceu a União Estável como modelo familiar, o que influenciou consideravelmente as leis infraconstitucionais, dentre as  quais podemos citar: a Lei nº 8971/94, e a Lei nº 9.278/96,  no qual a partir dos anos 90 o companheiro passou a dispor de amparo legal no âmbito da sucessão.

Sobre as referidas leis Gagliano (2017, p. 1533) menciona que:

A Lei n. 8971, de 29 de dezembro de 1994, nesse tema garantiu ao convivente a meação dos bens comuns para os quais tenha contribuído para a aquisição, de forma direta ou indireta, ainda que em nome exclusivo do falecido (art 3º), bem como estabeleceu o direito ao usufruto de parte dos bens do falecido, além de incluir o companheiro sobrevivente na terceira ordem da vocação hereditária (art. 2º).
Já a lei n. 9.278/96, em seu art. 7º, parágrafo único, garantiu o direito real de habitação ao convivente sobrevivente, enquanto vivesse ou não constituísse nova união ou casamento, em relação ao imóvel destinado à residência familiar.

Deste modo, a expectativa do advento do Código C.C./2002, foi frustrada, visto que se esperava que houvesse previsão expressa em suas normas o tratamento igualitário entre o cônjuge e o companheiro, declarando a impossibilidade da distinção de tratamento.

Neste diapasão, Gagliano (2017, p. 1535) menciona que:

Em vez de buscar uma equiparação que respeitasse a dinâmica constitucional – uma vez que diferença não deve haver entre a viuvez de uma esposa (ou de um marido) e a de uma companheira (ou companheiro), pois ambas mantinham com o falecido um núcleo de afeto -, o legislador, em franca violação do princípio constitucional da vedação ao retrocesso, minimizou – e sob certos aspectos aniquilou – o direito hereditário da companheira (o) viúva (o).

O flagrante inconstitucional art. 1790 do C.C./2002 subjuga a companheira (o) viúva (o), ao conferir plexo de direitos inferiores se comparados ao do cônjuge, visto que seus direitos sucessórios se restringem ao patrimônio adquirido onerosamente na constância da união, e se ocorrer o caso de ser a única herdeira do de cujus, os bens conquistados pelo mesmo anteriormente a constância da união estável ficariam a cargo do Município,

Malgrado, a referida norma legal a inferioriza em relação aos parentes colaterais do falecido. Desprestigiando, portanto, a união estável, em face do casamento.

5. Declaração da inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002

Sob a égide da C.R.F.B/1988, curial mencionar o reconhecimento de inúmeros arranjos familiares, haja vista que o art. 226 do aludido texto constitucional, elenca rol exemplificativo, não excluindo, porquanto, modelos familiares diversos. Nesta senda, Lôbo (2002) aduz:

Os tipos de entidades familiares explicitadas nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são os tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade.

Infere-se da digressão supra, que o novo regime constitucional equiparou a família oriunda do casamento e decorrente da união estável.

Não obstante, o C.C./2002 nos arts. 1.790 e 1.829, em verdadeira dissonância com a C.R.F.B./1988, não equiparou o cônjuge e o companheiro para fins sucessórios, atribuiu a estes direitos inferiores aos conferidos aquele acabou por violar os princípios da igualdade, da proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e vedação ao retrocesso.

Destarte, instado a se manifestar em sede de julgamento dos recursos extraordinários (REs) 646721 e 878694, o Supremo Tribunal Federal (STF) reputou inconstitucional a aludida diferenciação:

É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002.

A situação fática objeto do recurso extraordinário, ao passar sob o crivo do órgão monocrático, culminou com o reconhecimento em prol da companheira supérstite, do direito de herança regido pela disposição do inciso III, do art. 1.829 do C.C./2002, visto que inexistem descendentes e ascendentes do falecido, em detrimento dos irmãos, que concorreriam à herança consoante redação do inciso III do art. 1.790 do C.C./2002. Destarte, o magistrado responsável pela prolação da decisão atribui tratamento equânime ao cônjuge e companheiro.

Contudo, em face do recurso interposto pelos parentes colaterais de segundo grau do falecido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) reformou a aludida decisão, aplicando a integralidade do art. 1.790 do Código Civil. Portanto atribui-se a companheira apenas um terço dos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável e o restante aos irmãos do falecido.

Malgrado o posicionamento do TJ-MG, com espeque no seu direcionamento anacrônico, a companheira interpôs recurso extraordinário. Destarte, a contenda foi levada ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal.

O Pretório Excelso por 8 votos a 3, proferiu decisão reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 1.790 do C.C./2002. Segundo entendimento majoritário, a C.R.F.B/1988 não estabelece prelação entre as espécies de arranjos familiares, seja constituída pelo casamento ou pela união estável.  Vejamos:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS .
1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável.
2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988.
3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso.
4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.
5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.

Neste sentido, o tratamento desigual conferido anteriormente ao cônjuge e companheiro, no tocante aos direitos sucessórios, é ilegítimo e incompatível com o Estado Democrático de Direito e os seus princípios norteadores.

6. Considerações Finais

O C.C./2002 nos arts. 1.790 e 1.829, em dissonância com a Carta Magna, não equiparou o cônjuge e o companheiro para fins sucessórios, atribuindo a estes direitos inferiores aos conferidos aquele e violou princípios como o da igualdade, da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana e da vedação ao retrocesso.

A decisão prolatada pelo STF amenizou a dissonância existente entre o C.C./2002 e a CRFB/88, ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do retromencionado regramento infraconstitucional, assegurando, desta feita, o tratamento equânime entre os diversos arranjos familiares e evitando violação aos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito.

Assevera-se que consoante entendimento majoritário, cujos doutrinadores Pablo Stolze Gagliano, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Zeno Veloso e Aldemiro Rezende são signatários, a disparidade decorrente da acepção do art. 1.790 não afigura-se justa, haja vista a prelação do arranjo familiar resultante do matrimônio em detrimento da união estável, padecendo portanto de inconstitucionalidade.

REFERÊNCIAS:

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. 292p.

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GAGLIANO, Pablo Stolze. Manual de Direito Civil: volume único. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

GODOY, C. et al. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 12. ed. São Paulo: Manole, 2018.

JÚNIOR, Aldemiro Rezende Dantas. Concorrência sucessória do companheiro sobrevivo. Revista Brasileira de Direito de Família, n.29, p.128-143.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do numerusclausus. Jus Navigandi, Tesina, ano 6, n.53, jan. 2002. Disponível em:http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2552. Acesso em 28 de maio de 2019.

TARTUCE, FLÁVIO. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. São Paulo: Método, 2018.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 9. ed. – São Paulo: Atlas, 2009.

Sobre os autores
Cynara Silde Mesquita Veloso

Doutora em Direito Processual pela PUC Minas, Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela UFSC, Professora do Curso de Direito da UNIMONTES. Professora e Coordenadora do Curso de Direito das FIPMoc.

Kessy Poliany Borges Ramos

Acadêmica de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros

Luany Veloso Correia

Acadêmica de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros.

Ludmilla Ribeiro Fernandes

Acadêmica de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros.

Rodrigo Dantas Dias

Advogado militante. Mestre em Direito Público. Pós-Graduado em Direito Processual, Direito Econômico e Direito Empresarial. Professor de Ensino Superior em cursos de graduação e pós-graduação. Tem experiência nas áreas do Direito Público e Privado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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