Direitos Humanos não entram na prisão
*tradução por Matheus Maciel
Diversas organizações internacionais vêm denunciando as condições das prisões na América Latina há anos. Na maioria dos centros de detenção, os presos vivem em condições de superlotação, a violência é a linguagem mais utilizada e a saúde não existe. A reabilitação é a questão pendente, não há comida para todos e as doenças são o maior medo dos prisioneiros. O dia a dia nessas prisões consiste basicamente em poder narrar o que ocorre.
O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de um milhão de presos, quando a capacidade de seus centros é de cerca de 300.000 pessoas. Metade das prisões não tem leitos suficientes. Não há água quente e nenhum material para higiene pessoal é fornecido. Na Bolívia, a prisão de Palmasola é completamente corrupta. Apesar de ser o mais perigoso do país, tornou-se o lar de centenas de crianças que vivem com seus pais presos. Dentro de suas muralhas, o controle desta prisão com aparência de uma cidade é exercido pelos internos mais antigos. E tudo custa dinheiro. Tem que se pagar às máfias um "seguro de vida" para evitar a tortura e um "direito de andar" para dormir. O Estado não fornece comida, assistência médica ou colchão. Na Colômbia se paga aluguel para dormir em uma cela, quase sempre ocupada acima de sua capacidade. A lista de problemas é longa ...
A crise da prisão
Os sistemas penitenciários da América Latina estão imersos em uma crise generalizada que ameaça os direitos humanos dos prisioneiros. Amerigo Incalcaterra, representante regional para a América do Sul do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), expressa sua preocupação com a violência nas prisões latino-americanas. Recorda aos Estados que devem garantir que os prisioneiros sejam tratados com dignidade, conforme reconhecido nos instrumentos internacionais de direitos humanos. Além disso, a crise da prisão também afeta as famílias e o país em geral. Incalcaterra alerta que "as prisões são o reflexo de uma sociedade".
De acordo com o relatório da Segurança Cidadã do PNUD “Com um rosto humano: diagnóstico e propostas para a América Latina”, na Colômbia, Venezuela e México, o crime organizado exerce o controle das prisões. As gangues criminosas são organizadas dentro das prisões e estabelecem
suas próprias regras de coexistência. Eles costumam cobrar do resto dos prisioneiros uma alta taxa semanal em troca de "proteção". A falta de controle do estado é evidente.
Por outro lado, os centros de detenção não dispõem da infraestrutura adequada. Também não há acesso a serviços básicos de saúde e alimentação. As condições gerais de detenção não estão de acordo com os padrões internacionais, e a reintegração social não é o principal componente das políticas de segurança. O PNUD destaca entre os maiores problemas a superlotação, a sobrecarga de presos preventivos, a frágil institucionalidade dos Estados e as dificuldades de implementação de programas efetivos de reintegração.
Superpopulação dos centros: o maior problema
Muitas prisões superam sua capacidade acima do índice de 400%. A superlotação é a raiz do problema, uma fonte de violência, desordem e conflito que torna a reclusão insustentável. Segundo o Centro Internacional para Estudos Penitenciários (ICPS), as prisões mais superpovoadas da região são as de El Salvador, com uma média de 325,3% de ocupação. Isso significa que triplicam sua capacidade. Oficialmente, o país pode acomodar 8.490 presos, mas em 2015 havia 28.634. Desde 2000, a população carcerária se multiplicou por quatro. Se as penitenciárias não se expandiram desde então, esta é origem da superpopulação extrema.
O Centro Penal de Cojutupeque é uma das piores prisões do país. Tem capacidade para 300 presos, mas lá vivem mais de 1.200 detentos. Eles só têm duas horas de água por dia e mais de 50 pessoas compartilham um banheiro. Essa falta de higiene é foco de inúmeras doenças, como a sarna. Alguns dormem no chão ou em redes improvisadas penduradas no teto. A comida não chega a todos e quase não existem programas de reinserção. A superlotação impede a função de reabilitação que o Artigo 27 da Constituição atribui às prisões. Os prisioneiros foram esquecidos.
Outros países da região estão próximos desses números. A Guatemala tem 270,6% de ocupação carcerária, seguida pela Venezuela, com 269,8%. Bolívia (269,9%) e Peru (223%), que também superam o dobro da capacidade de suas penitenciárias. Honduras tem uma ocupação de 189,3%, a República Dominicana 174%; Brasil 163% e Colômbia 149%. Costa Rica, Paraguai, México, Panamá, Nicarágua, Equador, Chile e Uruguai também têm suas prisões superlotadas, excedendo sua ocupação oficial máxima.
A revisão da detenção pré-julgamento
No Paraguai, 72% dos presos estão em prisão preventiva. E no Brasil, aproximadamente 40%. A privação da liberdade é abusada quando, de acordo com o os Direitos Humanos tratados pelo Direito Internacional, deve ser uma medida excepcional para crimes graves. A isto deve ser acrescentada a falta de assistência jurídica aos detidos: alguns reclusos têm que esperar anos para serem julgados.
Em maio de 2015, 250 reclusos da prisão de Palmasola receberam a sentença, dentro de um plano para descongestionar a prisão mais populosa da Bolívia. Isso ocorreu dois meses antes da visita do Papa Francisco à prisão, onde vivem mais de 4.000 presos, apesar de sua capacidade ser menor que a metade. Em 2013, 90% estavam em detenções pré-julgamento, alguns tinham até seis anos nessa condição.
A crise carcerária sofrida pela América Latina precisa de soluções no âmbito da proteção dos direitos humanos dos presos. Por um lado, a infra-estrutura prisional existente deve ser ampliada: da melhoria das condições de saúde à construção de novas prisões, a fim de redistribuir os internos e reduzir a superlotação. Por outro lado, é necessário rever o uso da prisão preventiva, o que ajudaria a descongestionar as prisões. Paralelamente, medidas alternativas à detenção devem ser promovidas para crimes menos graves, como serviços comunitários ou programas de reintegração. Além disso, os Estados devem estar mais envolvidos na gestão das prisões, com maior controle da corrupção e das atividades ilícitas que ocorrem dentro delas, freqüentemente aceitas pelos próprios funcionários da prisão. É possível que uma reforma do sistema prisional ajude a reduzir as taxas de criminalidade de uma das regiões mais violentas do planeta.
*Matheus Maciel é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Assessor Especial da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas.