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A RESPONSABILIDADE CIVIL PERANTE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

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Agenda 28/06/2019 às 17:22

3.O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A RELAÇÃO DE CONSUMO

3.1.O Código de Defesa do Consumidor

O legislador brasileiro elencou um microssistema para que as relações de consumo tivessem um tratamento especial, relacionando-se com todo o ordenamento jurídico existente, esse seria o Código de Defesa do Consumidor. Há nesse ordenamento jurídico, princípios próprios e valores únicos, regendo assim um modelo singular de contratação existente na sociedade, objetivando tutelar aquele vulnerável nesta relação, o consumidor.

As normas existentes neste Código são de tamanha importância, haja vista que são garantias constitucionais, asseguradas pelo artigo 5°, inciso XXXII da Constituição Federal, e também como já estudado nesta pesquisa, configuram-se um princípio da ordem econômica, assegurado no artigo 170, inciso V da Constituição Federal.

Os princípios que regem esse ordenamento jurídico supralegal, são a base das regras contidas nele, devendo assim ser estudado com muita cautela, pois iremos auferir o alicerce que rege a lei consumerista.

O princípio da vulnerabilidade consiste na ideia de que todo o consumidor é vulnerável, independente de sua condição social ou econômica, uma vez que o consumidor não detém o controle do mercado, não possui a técnica e nem a tecnologia da produção, não obtendo assim, o conhecimento em igual proporção que o fornecedor possui. Tal princípio se encontra no artigo 4° do Código de Defesa do Consumidor (Brasil, 1990).

Automaticamente essa situação irá colocar o consumidor em uma posição inferior quanto ao fornecedor, visando assim este princípio a restabelecer o equilíbrio, a harmonia econômica entre eles. Vejamos a posição do doutrinador José Geraldo Brito Filomeno et al (2011.p.74):

“Resta mais do que evidente que o consumidor, sobretudo quando se dispõe não exatamente a defender um interesse ou direito seu (por exemplo, um grave defeito de fabricação de um produto, ou então um medicamento com fator de risco maior do que o seu fator benefício), procura resolver a pendência pelos meios menos custosos e, por que não dizer, menos traumáticos, mas, quando frustrados, muitas vezes se queda inerte, não apenas pelos custos da justiça comum, e sua notória e irritante morosidade, como também em face do que irá enfrentar, ou seja, o poder econômico, incontestavelmente mais bem aparelhado e treinado para referida questões. Daí porque se parte do princípio da fraqueza manifesta do consumidor no mercado para conferir-lhe certos instrumentos para defender-se.”

Possuem três espécies de vulnerabilidade, a técnica (falta da informação sobre os serviços/produtos), a socioeconômica (falta de equilíbrio econômico) e a jurídica (a falta de conhecimento específico do serviço ou do produto).

Não se pode confundir a ideia de vulnerabilidade com a de hipossuficiência, todo consumidor é vulnerável, mas nem todo é hipossuficiente. A hipossuficiência tem que ser analisada com o caso concreto, trata-se da análise da possibilidade que o consumidor tem ou não de obter as provas para comprovar a verossimilhança de suas alegações com o caso em questão.

Essa verossimilhança consiste no fato de que aquilo que foi falado deve aparentar verdadeiro ao analisá-lo em conjunto com o que foi provado. Caso o consumidor não tenha a possibilidade de provar, logo não conseguirá obter a verossimilhança das duas alegações.

Quando for comprovada a existência da hipossuficiência, poderá o consumidor requerer que haja a inversão do ônus da prova, ou seja, mesmo que seja ele a parte que está alegando uma situação fática, o fornecedor deverá provar por possuir as informações e meios que o consumidor não possui, de acordo com o artigo 6°, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor (Brasil, 1990).

O princípio da informação e da transparência traz a obrigação de que a relação seja pautada na transparência das informações, ou seja, o consumidor tem o direito de ser devidamente informado sobre aquele produto ou serviço, garantindo assim a consciência e segurança do consumo. Este princípio garante uma maior educação do consumidor, informando-o sobre as devidas características do produto ou serviço adquirido, seus riscos e peculiaridades.

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O princípio da boa-fé objetiva consiste na ideia de que ao constituir um contrato haverá pelas partes um comportamento ético, respeitando as peculiaridades do negócio jurídico firmado, mantendo a boa-fé em todas as condutas advindas do contrato devidamente pactuado. Busca-se então inibir todo e qualquer abuso do direito, para que seja efetiva a devida lealdade e transparência. Este princípio está assegurado no artigo 422 do Código Civil (Brasil, 2002).

O princípio da equidade e da confiança assegura um equilíbrio contratual entre as partes, dando ao consumidor a proteção devida quanto à confiança depositada naquele produto ou serviço adquirido. A equidade vai garantir que futuros inadimplementos não venham a acontecer, haja vista um contrato saudável e equilibrado tende a não dar problemas, e a confiança dá a segurança negocial que o mesmo espera.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990) traz como princípio essencial definições a partir da literalidade da lei, razão esta, didática, conceituando a figura do consumidor, fornecedor, formulando a definição de relação de consumo, trazendo assim a ‘’política nacional de relações de consumo’’.

Este código configura leis multidisciplinares, se relacionando com diversas áreas do direito, porém sempre mantendo como visão, a condição do consumidor ser o destinatário final vulnerável das atividades exercidas e prestadas pelos fornecedores, visando a não utilização profissional desses serviços, condição esta que diferencia a aplicabilidade das normas protetivas consumeristas às normas do Código Civil e Penal.

Atenta-se destacar, a mais nova preocupação da ciência consumerista, o denominado consumo sustentável, declarado na Resolução ONU (Organização das Nações Unidas) n° 153/1995, que consiste no consumo de atividades advindas de recursos naturais, porém obtendo um consentimento de equilíbrio, haja vista que as necessidades do ser humano são infinitas e os recursos naturais são finitos, nas palavras do doutrinador José Geraldo Brito Filomeno et al (2011,p.12), vejamos:

“A nova vertente, pois, do consumerismo, visa exatamente a buscar o necessário equilíbrio entre as duas realidades, a fim de que a natureza não se veja privada de seus recursos o que, em consequência, estará a ameaçar a própria sobrevivência do ser humano neste planeta.”

O Código de Defesa do Consumidor é de origem constitucional, possui como uma forte característica a de ser uma lei de função social, ou seja, busca efetivar o interesse social, e configura-se de ordem pública objetivando um cunho econômico, com o fim de tutelar um grupo específico, os consumidores, termos esses basilares existentes no 1° do Código de Defesa do Consumidor (Brasil, 1990):

Tal ordenamento assegura normas protetivas para garantir seus direitos à segurança, vida, saúde, educação, à informação, e assegurar uma prevenção àquelas cláusulas, publicidades e práticas comerciais enganosas e abusivas, conforme bem delimita o artigo 6° do Código de Defesa do Consumidor (Brasil, 1990).

3.2.Relação de Consumo: Consumidor e Fornecedor

Denomina-se relação de consumo, a relação existente entre o consumidor e o fornecedor, formando um vínculo jurídico, único, incidindo normas mais protetivas próprias presentes no Código de Defesa do Consumidor, regulando tanto os contratos de consumo como também apenas os atos advindos dele.

O consumidor, é aquela pessoa física ou pessoa jurídica vulnerável que adquire, consome um produto ou serviço realizado, feito pelo fornecedor, porém tal consumismo deve ser feito como destinatário final, não profissional, de acordo com o doutrinador José Geraldo Brito Filomeno et al (2011.p.26) vejamos:

“Entendemos por ‘’consumidor’’ qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço.”

A doutrina e jurisprudência desenvolveram três teorias para explicar quem vem a ser o "destinatário final" de produto ou serviço mencionado na definição de consumidor no caput do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (Brasil, 1990).

 A teoria finalista consiste na interpretação restrita das normas de proteção do consumidor, restringindo a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família, não incluindo o profissional. Segue assim, o entendimento do doutrinador José Geraldo Brito Filomeno et al (2011, p.29):

“Para os finalistas, pioneiros do consumerismo, assinala, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Esta tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art.4°, inc.I. Logo, convém delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, quem é o consumidor e quem não é. Propõem, então, que se interprete a expressão ‘destinatário final’ do art.2° de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts.4° e 6°.”

Já os maximalistas defendem uma aplicação amplificada do Código de Defesa do Consumidor, uma definição objetiva, não se importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço, o destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome. Vejamos o entendimento do doutrinador Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva (2008.p.8) a respeito desta teoria:

“Consumidor é quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas funções – ainda que esses bens e serviços possam ser empregados, indiretamente, no exercício de sua empresa ou profissão, isto é , ainda que venham a ser interligados, acessoriamente, à sua atividade produtiva ou profissional, coletiva ou individual, voltada ou não para o lucro (destinatário final fático).”

A terceira corrente, a finalista mitigada, é intermediária, criada pelo STJ, apresenta-se relevante e problemática a caracterização da pessoa jurídica e do profissional liberal como consumidores, limitando as partes, profissionais, pessoas jurídicas o título de consumidor apenas para àqueles que detêm vulnerabilidade em relação ao fornecedor, ou seja, quando o fornecedor se comparando ao ‘’consumidor’’ possui superioridade nas seguintes modalidades: técnica (conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações econômicas, físicas ou até mesmo psicológicas em que coloca a desigualdade entre fornecedor e consumidor). Essa teoria analisa o caso concreto para ver se poderá caracterizar uma relação de consumo, verificando assim a existência da vulnerabilidade.

A finalista mitigada está cada vez mais presente nos julgados desse país, trouxe um aperfeiçoamento da teoria finalista e uma limitação à maximalista, vejamos abaixo:

EMENTA: AGRAVO INTERNO - AGRAVO - INDENIZAÇÃO - ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL - ARTIGOS 165, 458 E 535, DO CPC - PREQUESTIONAMENTO - REEXAME DE PROVAS - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR – TEORIAFINALISTA MITIGADA. 1.- Tendo o Tribunal de origem fundamentado o posicionamento adotado com elementos suficientes à resolução da lide, não há que se falar em ofensa aos artigos 165, 458 e 535, do CPC. 2.- Não examinada a matéria objeto do Recurso Especial pela instância a quo, mesmo com a oposição dos Embargos de Declaração, incide o enunciado 211 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 3.- A convicção a que chegou o Acórdão decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do Especial os enunciados 5 e 7 da Súmula desta Corte Superior. 4.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. Precedentes. 5.- Agravo Regimental improvido.[1]

Deve-se destacar que o Código de Defesa do Consumidor, assegurou a figura dos consumidores por equiparação, os chamados pela doutrina de ‘’Consumidores Bystanders’’, sendo aqueles que não possuem uma relação direta de consumo, porém são afetados por algum evento danoso e possuem o direito de receberem um ressarcimento pelos prejuízos. Esses consumidores não possuem relação contratual com o fornecedor, e essas hipóteses se encontram nos artigos 17 e 29 do Código de Defesa do Consumidor (Brasil,1990).

Para que possamos definir a figura do fornecedor, nos cabe conceituar, onde sua redação legal consta no art. 3° do Código de Defesa do Consumidor (Brasil, 1990).

Diferente do consumidor, a doutrina não colocou em debate o conceito de fornecedor, e no texto da lei há um conceito aderido e aceito, em decorrência do vasto leque de atividades econômicas e da amplitude da área de prestação de serviços. Deve-se atentar que Fornecedor é não apenas quem produz ou fábrica, industrial ou artesanalmente, em estabelecimentos industriais centralizados ou não, como também quem vende.  Há dois requisitos para que se caracterize efetivamente como figura de fornecedor a habitualidade (exercício habitual do comércio) e onerosidade (relação econômica).

Para que seja amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, a relação tem que possuir todos estes aspectos, isto é, uma relação de negócios que visa à transação de produtos e/ou serviços, feita entre um fornecedor e um consumidor. Assim, não basta a existência de um consumidor numa determinada transação para que ela seja caracterizada como relação de consumo. É preciso, também, a existência de um fornecedor que exerça as atividades descritas no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Logo, destaca-se a ideia, nas palavras do José Geraldo Britto Filomeno et al (2011, p.26) o seguinte:

“Pode-se destarte inferir que toda relação de consumo: a) envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado, o adquirente de um produto ou serviço (‘’consumidor’’), e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (‘’produtor/fornecedor’’); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços.”

Estando presente uma relação jurídica que una o consumidor e o fornecedor, existindo nela um nexo de causalidade, ou seja, o vínculo entre a conduta e o resultado, sendo consequência do ato apontado, o dano ocasionado, ocorrerá assim, uma tutela nas transações de serviços e produtos advindos da relação consumerista assegurada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Diante disso, conclui-se ser primordial a verificação da existência da relação de consumo, antes de qualquer procedimento, pois somente quando ela estiver evidente, não importando de que forma, é que se poderá fazer uso desta legislação.

Sobre os autores
Isadora Urel

Doutoranda e Mestra em Direito pela Pontifica Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Educacional Damásio de Jesus. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo. Professora na Universidade Nove de julho. Advogada e Consultora Jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Publicação como elemento essencial ao Curso de Mestrado e Doutorado em Direito Civil - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

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